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A Escrita dos Alunos nas Provas do ENEM: Os Sentidos da Resistência

Algumas reflexões sobre o processo de constituição do sujeito através da língua escrita.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. Resumo

Este artigo é um pequeno recorte de meu trabalho monográfico e tem por objetivo suscitar algumas reflexões sobre o processo de constituição do sujeito através da língua escrita. Pois pensar em escrita nos manuais de ensino é considerar o apagamento e a resistência do sujeito, bem como a literalidade e a superficialidade na produção de sentido(s). Dessa forma, ancorado na Teoria da Análise do Discurso de Linha Francesa, buscaremos um lugar de interpretação/investigação para as escritas “homogeneizadas” desses alunos a partir dos dados que quantificam/qualificam a competência no Enem. Com isso faremos um paralelo entre as políticas de ensino e as políticas voltadas ao Exame, a fim de perceber o quê é feito durante todo percurso escolar para garantir e dar seguridade à esses alunos se marcarem através da escrita e, portanto constituírem-se como autores de seu próprio dizer.

Palavras-chave: Escrita, Discurso e Enem.

2. Introdução

Desde muito tempo a Educação vem passando por constantes reformulações e adaptações em seu currículo de ensino. Um exemplo disso são os “ajustes” que o governo tem feito, nessas últimas décadas, na tentativa de universalizar, dar possibilidades de acesso e, consequentemente garantir a permanência dos alunos na Escola. Porém, não podemos esquecer que estas questões são, na totalidade, de cunho político-ideológico, pois é o Estado quem legitima as políticas educacionais e a instituição Escola, por sua vez, apenas acata e faz valer esse jogo político de interesses e relações de forças. Percebe-se, portanto, uma relação de interdependência, permitindo-nos afirmar que tais determinações validam uma voz que não favorece o social, uma vez que as decisões tomadas e acatadas pelo Estado são de interesses próprios, ou seja, a universalização, o acesso e a permanência na Escola são ações do governo, que inclui, mas também exclui, socialmente e/ou linguisticamente esse sujeito-aluno das relações de força, prestígio e ascensão . Pfeiffer (2002, p.10) ao falar de ascensão, poder e prestígio afirma que “a urbanidade” de uma língua se dá, fundamentalmente pela escrita, que tem seu lugar legítimo de “aquisição” remetida à Escola. Entendemos, portanto, no dizer da autora, que a Escola é o lugar da leitura e da escrita.

A escrita é assim inclusão. Ao contrário disso, o aluno é excluído dessas relações de sentido e poder, ficando, portanto, à margem da linguagem . Logo, da mesma forma que há disparidades entre as classes sociais, por exemplo, há também a exclusão daqueles que não possuem domínio de leitura e escrita, revelando uma hierarquização na Educação. Uma questão inteiramente política, pois essa possibilidade de exclusão ocorre pelo fato de que as ações do governo não garantem uma Educação de qualidade e mesmo que haja possíveis reformulações/adaptações no currículo de ensino, são apenas “reparos”, isto é, uma “remediação” e nunca uma reversão. Nesse sentido, interessa-nos discursar nesse artigo, sobre o processo de constituição do sujeito na sua relação com a língua escrita. Para isso tomaremos, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como uma prova unificada, individual e de caráter voluntário, funcionando como uma avaliação que quantifica/qualifica os alunos, no final do ensino médio, através de suas competências e habilidades. Por outro lado, a escolha deste objeto de pesquisa se deu também pelo fato do crescimento e repercussão nacional que o Enem conquistou nessas últimas edições, deixando de ser apenas uma prova com princípio de avaliação, e passando a ser uma possibilidade de acesso ao ensino superior. E assim, seu desenvolvimento, nesses últimos treze anos, acompanhou as profundas mudanças legais, organizacionais e curriculares que atingiram todas as etapas e modalidades de educação, da pré-escola à educação superior. Nota-se, pois, que a mobilização causada pelo Enem é de fato, algo para se pensar não somente no último ano do ensino médio, mas principiar uma profunda reestruturação desde as séries iniciais. Afinal, a educação é dinâmica e estabelecer um parâmetro e segui-lo à risca é quase impossível, uma vez que as mudanças no cenário político-educacional ocorrem continuamente, fazendo-se necessário adequá-las ao currículo.

Considerando, portanto, o fator quantitativo/qualitativo deste Exame é possível, a partir dos resultados, dar visibilidade à Educação no Brasil e, assim perceber quais são as principais dificuldades dos alunos no que diz respeito às competências e habilidades exigidas na prova. Em outras palavras, é uma forma de medir a capacidade crítico-reflexiva, apresentando-os questões atuais e do cotidiano para serem resolvidas. Tudo isso reflete e remete-nos automaticamente à Escola, enquanto espaço político-educacional, formadora de cidadãos e sempre instruída por uma voz que não lhes é própria: o Estado.

3. Escrita: resistência e apagamento do sujeito.

Há muito tempo, o bom aluno era aquele que escrevia seguindo as regras gramaticais da norma culta padrão e que também sabia imitar os bons autores. Gramática e atividade de cópia eram concebidas como fundamentais para uma boa escrita. (Meserani, 1995). Entretanto, o que se avalia no Exame vai à contramão disso que está supracitado, pois a escrita, no ponto de vista da AD, é o lugar onde o sujeito se marca enquanto função-autor, isto é, sua constituição através da língua. E a autoria para a Análise do Discurso, doravante, AD é a “posição” que o sujeito assume diante de seu texto e, portanto é subjetivo. Assim quando se fala em autor de seu dizer, de seu próprio discurso é compreender a relação do sujeito com língua e com a história, pois desprender do texto e construir uma identidade própria a partir de seu dizer é realmente inserir-se na língua e não ser um mero espectador, isto é, um reprodutor de conhecimentos, do já-dito, mas pôr-se na posição de sujeito-autor de seu discurso. Tudo isso nos remete à Escola que, por sua vez, é sem dúvida, o lugar legitimado e autorizado da/para a escrita.

Quando na escrita o processo de autoria não é corroborado, temos, portanto o apagamento e a resistência desse sujeito, pois os manuais de ensino não os autorizam a se marcarem através e no momento da escrita, uma vez que prende e fazem-os resistir diante daquilo que é e está institucionalizado pelas políticas da boa escrita, passando, portanto, à subjetividade e homogeneizando-os, pois apagam-se as diferenças. Isso é fazer valer o LD como instrumento único de ensino e desconsiderar outras vozes, outros vieses, e acreditá-lo como uma verdade única, uma vez que ele é institucionalizado, como uma voz que fala ao Estado e cala as demais. Falamos, portanto, em unicidade.

Considerando a política no ENEM, há que se pensar nesse jogo de relações de forças, no qual espera-se que o aluno escreve (produza) de tal forma e não de outra, ou seja, percebe-se no comando da questão certa imposição nesse jogo político-ideológico e que acredita-se que o aluno escreva dessa forma – segundo a imposição do sistema – e não de outra. Assim, ele não constrói uma identidade através de seu próprio discurso, mas ao tentar produzir conforme o que lhe é proposto faz atividades de cópias, recortes, do já-dito e que não traz novidades, diferencial e, portanto não produz sentidos.

Assim acredita-se que a intenção do ENEM não seja complicar/problematizar a vida desses estudantes e muito menos propor questões que não sejam de seu conhecimento. Em outras palavras o Exame não propõe algo que seja comparado a outro nível e/ou patamar simplesmente para evidenciar aquilo que se espera todos os anos: uma problemática no Ensino. Acredita-se, portanto, que o que é proposto, seja de caráter objetivo (assertivas) como dissertativo (redação) é aquilo que a Escola – instituição legítima – tem a desenvolver durante o processo formativo de seus alunos. Porém, isso não é comprovado através dos resultados divulgados pelo INEP. Percebemos, de fato, que alguns bons resultados não superam e muito menos justificam a quantidade maçante de resultados ruins.

Assim esse sujeito coloca-se na posição resistente à escrita, isto é, não escreve porque não quer. Não demonstra interesse em posicionar através da escrita a fim de se marcar e ser um participante ativo nesse processo político de avaliação, pois pensar nessas questões políticas e que demandam certa obrigatoriedade deixa os adolescentes inseridos num processo avaliativo em que o mais importante é tirar uma boa nota nas devidas competências e não pôr em prática aquilo que aprendeu durante os onze anos de escola. Daí a resistência ser um efeito ideológico e assegurado pelo percurso histórico e as condições de produção.

Há também a resistência da instituição, que por sua vez, é legitimada pelo Estado. Assim, podemos afirmar que o poder dado e exercido pela Escola gera a resistência e submissão frente ao jogo político, o qual está inserida e, portanto, precisa falar à altura de uma voz que oculta às demais. Se existe essa possibilidade de resistência é exatamente pelo fato de que durante a trajetória escolar é exigido que se escreva conforme o Sistema, porém não é dado nem vez e nem voz a esse sujeito nesse período de estágio da escrita. E mais uma vez apaga-o.

Nesse sentido, tendo ciência de que a língua é circunscrita de relações, então as práticas de ensino propostas pelo LD e demais instrumentos e as atividades de língua escrita são indicadores concretos da superficialidade, literalidade e a ausência de sentido (s) quando produzem seus textos. Uma trajetória do LD e das concepções de escrita que, através das condições próprias da história, faz-nos entender os discursos que dão funcionamento ao imaginário de Escola e das políticas que acreditam e dão visibilidade ao ensino no Brasil, uma vez que refletir sobre a escrita na sala de aula e no Exame Nacional é, portanto, pensar em termos de língua/linguagem e práticas sociais, isto é, como esse sujeito se marca e é marcado através da sua escrita, pois, afinal, são alarmantes os dados que quantificam/qualificam a educação no Brasil. Índices esses que legitimam um ensino com uma qualidade que talvez condiga com a dificuldade que os alunos têm de ler, escrever, interpretar e expressar.

4. Repensando o modelo proposto

O ENEM é um instrumento de acreditação/inclusão dos alunos referentes à leitura e a escrita, excluindo aqueles que têm acúmulo informações e não conseguem relacioná-las de acordo com as competências exigidas na prova. Entretanto, nas Escolas é recorrente que “Para se propor uma produção escrita aos alunos é recorrente que se ensine todo o conteúdo de gramática, exercícios, análises morfológicas, sintáticas, etc., de forma organizada, pois caso contrário o aluno não aprenderá e nem assimilará o conteúdo, de forma a não conseguir realizar a produção escrita” Coracini (1999, p.129, 130). Isso comprova que o ensino da gramática é para que o aluno escreva bem, o que denota uma visão política, ideológica e, principalmente estereotipada de ensino, importando apenas àquilo que é validado pelo Estado e pela instituição. Uma acepção de produção escrita calcada num ensino que tem como marco os primeiros índios sendo catequizados.

Assim, escrever nessa perspectiva gramaticista é, antes de tudo, saber categorias. Entretanto, há uma equivocidade nessa concepção e que não deveria estar no domínio da Escola, uma vez que a língua/linguagem não é estática. Ela permanece em movimento e escrever não aprender/apreender regras. As regras estão no domínio do jogo, que possuem uma sequenciação, porém a instituição é marcada por seu dinamismo e a produção escrita, nesse espaço, precisa ser acreditada como lugar do contínuo. Daí pensarmos em política, relações de força e poder nas instituições e nas relações entre sujeito e língua escrita, uma vez que historicamente, “com o advento da república, a Escola ganha o centro das atenções, pois é quem vai veicular os ideais positivistas e civilizar os indivíduos, higienizando-os dos “velhos costumes”.” Maluf-Souza (2007, p.30). Tudo isso em função da submissão e em detrimento do Estado, e assim, apenas “aprende-se”. Maluf-Souza (2007, p.36). Isso faz-nos refletir sobre as disputas de ordem política que regem o currículo escolar, no qual aniquila, mitifica, estereotipa, distorce e foge aos parâmetros daquilo que para a teoria precisa ser considerado como o sujeito se marcar enquanto autor daquilo que diz e independer de certas imposições do Sistema.

Contudo, em si tratando mais especificamente do Exame Nacional, Pfeiffer (2004) afirma que “as políticas de ensino do MEC são lugares analíticos de grande importância para compreender como se dão algumas interpelações dos sujeitos pelo Estado”. E mais, Orlandi (2004) compreende que “todo indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia”. E, dessa forma, percebe-se que há um imaginário já construído a respeito das políticas de ensino regidas pelo Estado, confirmando, portanto, a tese apresentada por Pfeiffer (2004) de que ao comparar essas políticas de ensino às políticas públicas de nosso país percebe-se a semelhança entre ambas no que diz respeito ao poder e às relações de forças imbricadas em suas concepções. Assim, o político silencia as práticas que não se encontram de acordo com aquilo que já está imposto, remetendo àquilo que fora dito anteriormente. É necessário e ideal que a instituição Escola desconstrua essa visão de que a produção escrita em sala de aula seja apenas um exercício de fixação e memorização das estruturas.

Em consonância ao discurso pedagógico e as acepções acerca daquilo que a Escola pensa ser válido acerca da produção textual (redação) apaga o aluno como sendo autor de seu texto, pois a partir disso revela-se também o conceito de certo e errado e então esse sujeito escolar vê-se submisso e resistente à escrita. Por isso mesmo diante da proposta de redação do Enem o aluno não consegue articular seu ponto de vista, pois não há conhecimento sobre o assunto e, consequentemente não há discurso. Entra, portanto, o discurso do outro, do já-dito, conferindo a partir de então, uma homogeneização discursiva. Tudo isso em detrimento da escassez/mediocridade no ensino de leitura e produção escrita.

Dessa forma, é preciso repensar essas práticas e políticas de leitura e escrita no ambiente escolar, que por sua vez, são primordiais para se alcançar as competências e habilidades que são exigidas no ENEM. Assim, refletir sobre a escrita dos alunos neste Exame é pensar que, em sua maioria, são de baixo nível, isto é, há pouca qualidade na argumentação e na capacidade crítico-discursiva e com isso comprova-se a decadência do ensino no Brasil. Portanto, faz-se necessário perceber isso na sala de aula em primeira instância, pois é nesse espaço onde há uma política de língua, na qual, rege a língua legitimada pelo Estado e que o professor, por sua vez, ensina “ou não” tais práticas.

5. O processo avaliativo no Enem: mudanças no contexto de sala de aula.

No exame é momento de expressar apenas verdades absolutas, que na maioria das vezes, só persistem e servem no imediatismo da sala de aula, Méndez (2002, p.108). Assim, percebe-se que a avaliação é feita para medir, não havendo preocupação com o processo de ensino-aprendizagem, pois após os resultados são criadas políticas práticas de ensino redirecionadas às reais necessidades dos alunos? Consequentemente, “O quê” e o “como” avaliar são fatores que decorrem no perfil de aluno pretendido no ENEM e que por sua vez, faz-nos pensar sobre o aluno pretendido ao final do ensino médio.

A avaliação das competências e habilidades dos alunos, feita pelo Exame, ao final de uma etapa, serve mais para classificar/hierarquizar apenas. Em contrapartida, deveria servir para identificar os problemas na Educação e assim haver melhorias que pudessem repercutir na própria prática da sala de aula. Em outras palavras, para que esse fim seja realmente atingido é necessário que os resultados sejam transpostos dos relatórios e dos noticiários da imprensa para a criação e efetivação de políticas voltadas à melhoria do ensino.

E a Escola, como fica diante dessa situação? É dado autonomia e independência para julgar, escolher, opinar, bem como o direito de intervir, ao aluno? Infelizmente a autonomia dada ao aluno é de outra forma; não é uma autonomia linguística, discursiva, opinativa ou intelectual, mas física, que por sua vez decorre na indisciplina. Todavia, esta não é a questão foco, portanto, não entraremos em detalhe, mas que fica à reflexão.

Dessa forma quando se fala nas proposições do Enem para a produção da redação, todas as concepções da boa “escrita” não faz sentido quando o aluno precisa redigir seu texto na prova do Enem, pois o objetivo, o direcionamento, a exigência, a amplitude e a finalidade são redobradas e resignificadas, de maneira a complicar o estado e as condições permitidas pelo aluno. Literalmente, pensemos que aquilo que é cobrado na prova nunca foi visto e/ou discutido pelo aluno em contexto de sala da aula. Em outras palavras é uma vazante no ensino. E a partir disso há uma ruptura e/ou deslocamento daquilo que o sujeito-aluno aprendeu ou aparentou ter aprendido durante seu percurso escolar, ocasionando o declínio na produção escrita. Dessa forma, pode-se dizer que na Escola ensina-se uma escrita artificial.

A proposta de redação do ENEM, que segue logo na primeira folha do caderno do segundo dia de prova, além do tema traz também outros textos como suporte para o auxílio na escrita e junto aos textos o aluno precisa articular seu conhecimento linguístico-discursivo, a fim de apresentar e defender seu ponto de vista acerca do tema proposto. Percebemos nesse ponto que o discurso não é vazio e isolado, isto é, a relação de um texto com outro revela a possibilidade de o aluno lançar mão para a intertextualidade, ou seja, dá-se a proposta e junto a esta apresenta-se outras ideias e suportes para a escrita. Daí mais uma vez uma condição necessária e que subsidia a necessidade do aluno em produzir seu texto. Entretanto, é notável que os alunos, quando se apropriam dos textos suportes, utilizam-os sem assumir uma posição autor de seu próprio discurso, ou seja, permanece numa ideia fechada e os textos ao invés de motivarem para a escrita, argumentação, desenvolvimento e defesa do ponto de vista, simplesmente prendem-os. Isso revela-nos, mais uma vez, que na Escola ainda são realizadas atividades de cópias e o aluno resiste ao querer pensar, refletir, aprender e é continuamente levado a se significar com o discurso do outro.

Segundo Isabel Cristina Michelan de Azevedo (USP) as condições de realização da prova do ENEM estão permeadas por técnicas que normaliza, qualifica, classifica e pune, isto é, uma política institucional que privilegia e avalia os discursos e as formas do bem dizer e que, por sua vez, faz do aluno um sujeito sancionado pelas coerções e verdades institucionalizadas na provas. E isso faz o aluno ficar preso perante àquilo que quer e aquilo que pode dizer, contanto que é posto a escrever sobre um tema que só passa a ser conhecido no momento da prova, o que faz com que suponhamos que a Escola desempenha uma prática de leitura e escrita recorrentes, diversificada, bem como a intertextualidade, as relações, etc. Práticas essas avaliadas na produção escrita se resumem à reprodução de um padrão supostamente aprendido pelos candidatos na esfera escolar que conduz o inscrito a reproduzir a prática escolar de produção textual sobre tema previamente não conhecido e em situação de avaliação.

É sabido que o ENEM é uma prova unificada e quando se fala em avaliação unificada, muito se fala em exclusão, porém é preciso ir além e acreditar que não se pode pensar no termo exclusão quando se trata de uma prova que avalia de forma unificada/igualitária habilidades e competências dos alunos, a fim de se obter um parâmetro sobre o nível da educação no Brasil. Contudo, a própria língua tem um principio nacional e essa unicidade é a condição necessária na constituição de qualquer língua, pois, considerar a exclusão é confirmar que tais alunos realmente são inferiores e não conseguem obter um bom desempenho na prova. Não estou falando aqui de uma exclusão física, isto é, do sujeito propriamente dito, mas das próprias práticas de ensino que esse aluno obteve no seu percurso escolar, bem como suas competências, condições de produção e/ou formação para a realização da prova, ou seja, questões essas ligadas à exterioridade do sujeito e ao contexto sócio-histórico-ideológico.

Há por trás de tudo isso um sociologismo, que nos faz acreditar, através do imaginário e pelas condições próprias da história, que não se pode radicalizar e que é preciso remediar, apenas, o ensino. Porém, o que se sabe é que a educação é e está ruim e, notadamente, que políticas de língua escrita são essas criadas no contexto escolar? O que é feito nos três últimos anos do Ensino Médio em termos de ensino de língua, a fim de dar capacidade e segurança para o aluno realizar uma prova de nível nacional e obter um resultado satisfatório, condizente ao seu perfil de aluno proveniente desta etapa de ensino? Questões essas que precisam ser postas no jogo de reflexões e que precisam suscitar discussões para possíveis mudanças nesse cenário.

Nesse sentido, perceber a proposta de redação no Enem é dar visibilidade a um contexto marcado pela história e suas relações, ou seja, dá-se um tema para que o aluno discorra sobre ele, ao mesmo tempo em que dá as condições situacionais e instiga o aluno a pensar naquilo que lhe é proposto e a partir daí desprender-se do texto, isto é, daquele conteúdo sugerido e fazer/buscar na memória tudo aquilo que pertence e é pertinente dizer. Portanto, tudo o que é sugerido já vem taxado por parâmetros, normas e regras. O próprio comando da questão impõe por isso e não aquilo e, dessa forma, já prende o aluno, fazendo-o resistir diante de sua própria escrita.

6. Finalizando

Durante todo seu percurso o Enem sempre propôs temas de redações, cuja ideia central é embasada na reflexão, nas relações, no conhecimento de mundo e, sobretudo, na articulação do pensamento crítico dos participantes. A grande maioria das propostas de redações do Enem direciona o participante a se posicionar discursivamente sobre temas de cunho político e social, revelando, portanto que o aluno, durante seu percurso escolar, tenha arranjado um repertório de leitura suficiente para discursar sobre essa temática, cuja dimensão é desproporcional àquilo que a escola vem formando. Nesse sentido, interessa-nos ressaltar também que a imposição de tal tema não é feita aleatoriamente, mas, aquela de maior discussão e circulação nos meios de comunicação. Com isso, o participante é acreditado que tudo o que está em circulação sobre a proposição da redação pertença também ao seu repertório de escrita, porém isso não é validado quando são disponibilizados os resultados, insatisfatórios, por sinal.

E como ficam as políticas de ensino para essa etapa de ensino? Aprender a ler e a escrever não são tarefas aprendidas essencialmente na escola? O fato é que os alunos não são formados com vistas às responsabilidades sociais nem mesmo políticas. Contudo, sabemos que viver numa sociedade e cumprir os direitos e deveres de cidadão é, portanto, exercer a cidadania, e assim desempenhar o papel de indivíduo-político, que fala, indaga, critica, protesta. Percebe-se que a prova do Enem gira em torno de questões, que são (ou deveriam ser) conteúdos e discussões pertencentes ao currículo dessa última etapa de ensino, mas que dão visibilidade à fuga, ou seja, a escola não forma cidadãos civilizados, político-sociais e críticos.

Diante dessas questões e/ou situações impostas no exame, o aluno muitas vezes, se vê mobilizado a construir um conjunto de competências e habilidades que são propostas, na tentativa de buscar possíveis respostas ou soluções às situações-problema. Neste sentido, diferente de outros processos avaliativos, percebe-se que o ENEM coloca o aluno diante dessas questões-problema e mais do que saber apenas conceitos é preciso que o aluno saiba se posicionar como sujeito atuante daquilo que diz e ao mesmo tempo aplicar esses conceitos, isto é, pô-los em prática, em situações reais de uso. Essas são, contudo, questões que precisam pertencer ao currículo de ensino, uma vez que faz o aluno se defrontar com questões que exigem reflexão e maturidade acerca de um ponto de vista, o que para a Escola é quase impossível, pois já se habituou pôr o aluno na posição de passividade e moldando-o como platéia (espectador) apenas. É preciso sair da ficção e passar à realidade.

Para tanto, o sofrimento e a dificuldade dos estudantes desenvolverem uma produção escrita está no fato de que temos de escrever de um modo que se distancie da realidade cotidiana de nossa fala, uma vez que escrever de acordo com modelos de boa escrita apresentados pelo professor e o LD é algo recorrente nas instituições. Nessa ótica, o aluno busca construir sua argumentação naquilo que lhe é permitido e aceito pelo professor. Tudo isso em consequência da Escola, que por sua vez, é legitimada pelo Estado.

REFERÊNCIAS

Castellanos Pfeiffer, C. R. . Retórica: sujeito e escolarização. IN: Eni P. Orlandi; Eduardo Guimarães. (org.). Institucionalização dos estudos da linguagem: A disciplinarização das idéias lingüísticas. Campinas: Pontes, 2002, v. 1, p. 139-153.

_________________ C. R. . Políticas Públicas de ensino. IN: Eni P. Orlandi. (org.). Discurso e Políticas Públicas urbanas: a fabricação do consenso.. 1 ed. Campinas: Editora RG, 2004, v. 1, p. 85-99.

Coracini, Maria José Rodrigues Faria. Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. 1ed. Campinas SP: Pontes, 1999.

Di Renzo, Ana Maria. Os estudos da análise do discurso e seus efeitos nas práticas linguísticas dos manuais de ensino, 2011 (artigo).

Exercício da autoria no exame nacional do ensino médio: um mapeamento de manifestações discursivas Isabel. Cristina Michelan de Azevedo. Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), Universidade de São Paulo (USP), 2011. (artigo).

Luna, Ewerton Àvila dos Anjos. Avaliação da produção escrita no Enem: como se faz e o que pensam os avaliadores – 156 folhas (dissertação). Recife, 2009.

Méndez, J. M. A. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Trad. Magda Schwartzhaupt Chaves. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Meserani, Samir. O Intertexto escolar: sobre leitura, aula e redação. São Paulo: Cortez, 1995. Orlandi, Eni P. Discurso e texto. Campinas, SP: Pontes, 2004.

Amilton Flávio Coleta Leal Ana Maria Di Renzo


Publicado por: Amilton Flávio Coleta Leal

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