Fernando Collor como persona non grata da República: Os impactos psicossociais do confisco de poupanças e a emergência de suicídios como consequência do Plano Collor.
O propósito deste artigo visa revisar os atos durante o governo de Fernando Collor de Melo que culminaram em seu processo de impeachment, passando pelos impactos psicossociais do confisco de poupanças e a emergência de suicídios como consequência do Plano Collor.
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Resumo
O propósito deste artigo visa revisar os atos durante o governo de Fernando Collor de Melo que culminaram em seu processo de impeachment. Os fatos que mais pesam nas acusações contra Collor foram os confiscos dos bens das contas bancárias de grande parte da população brasileira, provocando desespero e o suicídio de muitos, vivenciados juntamente com outros casos de corrupção que estão aptos para catalogar historicamente o ex-presidente Fernando Collor como persona non grata da República Federativa do Brasil.
Palavras-chave: Fernando Collor; Corrupção; República; Depressão; Suicídio.
Introdução
Este artigo é composto por longas manchetes e matérias jornalísticas, como também os depoimentos de infortunados brasileiros que tiveram suas contas afanadas ou de seus parentes, sendo testemunhas dos casos de depressão e ruína dos seus.
Início do governo
Fernando Collor foi eleito presidente do Brasil em 1989, no primeiro pleito direto desde o fim da ditadura militar, usando promessas de combater a corrupção e modernização do Estado. No entanto, rapidamente o seu governo se envolveu em graves escândalos que culminaram em sua derrocada como presidente da república, tornando-se assim o primeiro presidente eleito por voto direto a perder o mandato (CONTI, 1993).
Collor se apresentava como caçador de marajás e defensor da modernização quando lançou em sua campanha de 1989 o combate a funcionários públicos com altos salários, levando a crer que acabaria com privilégios do funcionalismo público, eliminando o que chamava de "casta de servidores improdutivos". Falava muito em enxugar a máquina pública e reduzir os gastos do Estado (CONTI, 1993).
Prometeu também o combate à inflação, pois o Brasil vivia uma inflação acima de 1700% ao ano, e afirmou que adotaria um plano moderno de equilíbrio fiscal para por fim à inflação e controlar os preços. Chegou a afirmar que não faria confiscos ou medidas drásticas sobre a poupança da população, o que posteriormente foi desmentido pelos próprios fatos e ações de seu governo (CONTI, 1993).
Quando se falava da modernização da economia com a abertura ao mercado externo, defendeu a abertura econômica e o fim da reserva de mercado. Prometeu tornar o Brasil competitivo, importando tecnologia e incentivando exportações. Afirmou que atrairia investimentos de fora do país e colocaria o Brasil no século 21. Sendo um político da ala da direita, prometeu privatizações de empresas estatais consideradas ineficientes, como a Embraer, reduzindo o tamanho do Estado na economia, algo muito em consonância com suas falas sobre o Estado mínimo, alinhado às ideias neoliberais de sua época (DÓRIA, Palmério, 2002).
Collor afirmava ser obrigação de todo político olhar para a população, falando de melhorar os serviços públicos por meio da melhoria da saúde, da educação e da segurança, especialmente para os mais pobres. Disse que, com o fim da corrupção e da burocracia, haveria recursos para investir nesses setores e melhorar a vida da população. Se apresentou como um líder jovem e moderno, contra os políticos tradicionais, alguém que não necessitava roubar, como de certa forma um slogan em sua campanha declarava: "Collor é nobre", dando a entender que sua origem e condições financeiras eram suficientes e que se bastava com o que tinha, não necessitando afanar os recursos públicos (CONTI, 1993).
Dizia que representava uma nova geração e que seu governo seria honesto, transparente e diferente dos anteriores.
Esquema PC Farias
Um dos maiores escândalos de seu governo foi envolvendo o tesoureiro de campanha chamado Paulo César Farias, conhecido como PC Farias, que montou um esquema de corrupção baseado na extorsão de empresários que desejavam contratos com o governo ou facilidades junto aos órgãos públicos, obrigados a pagar propinas para o esquema. (CARVALHO, 1992). Casos de desvio de dinheiro público, recursos que foram desviados de estatais e ministérios para contas controladas por PC Farias, foram descobertos. (CARVALHO, 1992).
O esquema montado por PC Farias era uma rede de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, baseada em três pilares:
1. Extorsão de empresários: Empresas que queriam contratos com o governo eram forçadas a pagar propinas.
2. Pagamentos por meio de falsas doações ou empréstimos: Empresas de fachada do próprio PC Farias surgiram, com contas fantasmas e laranjas.
3. Lavagem de dinheiro: O dinheiro era desviado e lavado em contas bancárias em nome de laranjas.
Os recursos desviados eram usados para pagar despesas pessoais de Collor e de sua família, como a reforma da casa de uma mulher denominada Dinda, que habitava a residência de Collor em Brasília, carros de luxo e viagens. Também foram utilizados para compra de influência, subornando apoio político no Congresso e financiando campanhas de aliados. (NOSSA, Leonencio, 2002). O crime chegou à tona devido ao próprio irmão de Fernando Collor, Pedro Collor de Melo, que denunciou o esquema em entrevistas bombásticas à revista Veja e à TV em 1992, revelando que "PC Farias controlava tudo, o presidente sabia de tudo, o dinheiro do esquema pagava as contas pessoais da família".
Essa denúncia levou à criação da CPI do PC, que investigou as denúncias e comprovou a existência do esquema de corrupção (FERRARI , 2023).
Improbidade administrativa
Improbidade administrativa é o ato praticado por um agente público ou quem age com ele, ferindo os princípios da administração pública, como a honestidade, legalidade, lealdade às instituições e moralidade. Tais atos resultam em prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito, violando deveres do cargo. É prevista na Lei nº 8.429/1992, chamada de Lei de Improbidade Administrativa, que foi atualizada em 2021. É possível ser cometida por servidores públicos, como prefeitos, governadores, ministros, vereadores, entre outros, bem como por políticos eleitos, funcionários de empresas públicas e pessoas privadas que participam ou se beneficiam de tais atos, como empresários envolvidos em fraudes com o governo (BRASIL, 1992).
Quando um agente obtém dinheiro ou vantagens pessoais indevidas usando seu cargo, como receber propina, usar carro oficial para fins pessoais ou comprar imóveis com dinheiro desviado, configura-se improbidade. O prejuízo ao erário é um dano ao patrimônio do Estado, mesmo sem enriquecimento pessoal, como em casos de contratos superfaturados, desvio de verbas da saúde e educação, ou autorização de pagamentos indevidos a fornecedores (BRASIL, 1992).
No escândalo do governo Collor, o presidente foi acusado de usar recursos desviados da União para benefício pessoal, como no caso da reforma da casa da Dinda, paga com dinheiro de empresários por meio do esquema comandado por PC Farias. Isso caracteriza diretamente enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, configurando atos típicos de improbidade administrativa.
Confisco dos bens e casos de suicídio da população:
O confisco de bens ocorre quando o Estado toma posse de bens ou valores de uma pessoa física ou jurídica sem compensação financeira, geralmente justificado por combate à corrupção, crimes, necessidade econômica urgente, sanções legais ou sentença judicial. É importante diferenciar confisco de penhora, que depende de decisão judicial para pagar dívidas ou indenizações. No direito brasileiro, o confisco ocorre em casos como:
1. Confisco por crimes: Perda de bens ilícitos quando alguém é condenado (Código Penal e Lei de Lavagem de Dinheiro nº 9.613/98).
2. Confisco por descumprimento tributário ou ambiental: Terras usadas para desmatamento ilegal ou bens ocultados por sonegação.
3. Confisco por medida excepcional de política econômica: Como no Plano Collor (1990).
Na época, o Brasil vivia uma inflação acima de 80% ao mês. A solução apresentada foi o Plano Collor, elaborado pela ministra da Economia Zélia Cardoso, que incluía o confisco das poupanças e contas bancárias da população. Todos os saldos bancários acima de 50 mil cruzados novos (cerca de R$ 6.000 em valores atualizados) foram bloqueados por 18 meses, com correção pela inflação oficial. O cidadão só poderia sacar uma pequena parte mensal (equivalente a R$ 50 por semana). As consequências foram devastadoras:
- Falências e colapso financeiro de famílias e empresas.
- Pessoas que viviam de juros da poupança ficaram sem renda.
- Pequenas e médias empresas quebraram por falta de capital de giro.
- Casos documentados de suicídios e surtos psicológicos (BBC Brasil, 2020; Época Negócios, 2020).
Dentre os depoimentos de vítimas se encontram falas como: "Meu pai nunca voltou a ser quem era" (BBC Brasil, 2020), "Minha tia se afundou no uso de calmantes após ter suas economias confiscadas" (BBC Brasil, 2020). E chegou a público um caso de suicídio, cuja manchete é :
“ Um dentista no Rio de Janeiro cometeu suicídio três dias após o confisco” (Época Negócios, 2020).
"O dinheiro aplicado nas cadernetas de poupança não era um dinheiro qualquer. Para muitos, era a motivação para se viver, o meio para se atingir um sonho ou a esperança de cura para uma doença grave. Era a garantia de uma velhice digna ou a chance de ajudar um ente querido em dificuldade", afirma a jornalista e historiadora Francine de Lorenzo Andozia, autora da dissertação de mestrado Passaram a Mão na Minha Poupança - Um Estudo sobre o Impacto do Plano Collor no Cotidiano da População Brasileira Urbana em 1990 (2019), da USP.
"Ao anunciar o bloqueio das poupanças, a ministra Zélia confiscou não apenas o dinheiro, mas, também, a dignidade das pessoas", disse Andozia.
“ Um empresário de Blumenau (SC), prestes a expandir seus negócios, ficou só com uma loja. Endividado, passou a tomar empréstimos e a hipotecar bens. Não aguentou. Em 1999, aos 60 anos, morreu de infarto. Não foi um caso isolado. Pelo Brasil afora, milhares de empresários não tiveram como honrar seus compromissos. Foram obrigados a suspender pagamentos e a demitir funcionários. A maioria foi à falência.” (G1, 2020).
"Não tenho conhecimento de aumento das taxas de suicídio, que possa ser associado às medidas econômicas. Falências podem ter havido, mas são parte da dinâmica natural de uma economia competitiva", minimizou o ex-presidente Fernando Collor de Mello.
O STF considerou o confisco constitucional na época, por ser uma "medida excepcional", mas o trauma nacional foi profundo, com danos econômicos e emocionais irreparáveis.
Considerações Finais
Podemos concluir que Collor não honrou, em sua vida pública e privada, a confiança de milhares de brasileiros. Desviou o erário público, foi o primeiro presidente eleito pelo povo após a ditadura a sofrer impeachment e causou um duro golpe na democracia recém-nascida. Seu confisco das poupanças abalou emocional e financeiramente a população, causando suicídios, infartos, falências e traumas psicológicos. Envolveu-se em um dos maiores esquemas de corrupção da história do país, usando recursos públicos para fins pessoais, em claro caso de improbidade administrativa. Mesmo após o impeachment, retornou à política como senador por Alagoas, mantendo influência, o que demonstra falhas no sistema de responsabilização pública. Tornou-se símbolo da impunidade histórica no Brasil, sendo absolvido pelo STF por "falta de provas diretas", apesar das fartas evidências. Fernando Collor traiu a confiança da população e deve ser simbolicamente considerado persona non grata pela sociedade brasileira, como um exemplo a não ser seguido pelas futuras gerações.
Referências
BBC BRASIL. Como o confisco de poupança há 30 anos ainda assombra o Brasil. BBC Brasil, São Paulo, 16 mar. 2020. Disponível em: [https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51919261](https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51919261). Acesso em: 5 jul. 2025.
ÉPOCA NEGÓCIOS. Entre infartos, falências e suicídios: os 30 anos do confisco da poupança. Época Negócios, São Paulo, 15 mar. 2020. Disponível em: [https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/03/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da poupanca.html](https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/03/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da-poupanca.html). Acesso em: 5 jul. 2025.
AVENTURAS NA HISTÓRIA. Desespero nacional: o confisco das poupanças no Plano Collor. Aventuras na História, São Paulo, 14 mar. 2023. Disponível em: [https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/desespero-nacional-o-confisco-das-poupancas-no-plano-collor.phtml](https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/desespero-nacional-o-confisco-das-poupancas-no-plano-collor.phtml). Acesso em: 5 jul. 2025.
Entre infartos, falências e suicídios: os 30 anos do confisco da poupança. G1, Rio de Janeiro, 17 mar. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/17/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da-poupanca.ghtml. Acesso em: 6 jul. 2025.
CARVALHO, Luiz Maklouf. Todos os homens do presidente: PC Farias, Collor e os bastidores da corrupção. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CONTI, Mário Sérgio. Honra perdida: o impeachment do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
DÓRIA, Palmério. O príncipe da privataria. São Paulo: Geração Editorial, 2002.
NOSSA, Leonencio. A história real do caso PC. São Paulo: Planeta, 2006.
PARANÁ, Denise. Collor: o ator e seus duplos. São Paulo: Scritta, 1992.
Escrito e publicado por: André Pereira da Silva
(Escritor e estudante de psicologia com foco em psicologia jurídica da Universidade São Judas Tadeu).
Publicado por: André Pereira da silva

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