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O que é o haikai

O que é Haikai, como fazer um Haikai, como não fazer um haikai, exemplos de haikai, caracterísitcas do haikai,...

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Diante de um haikai, o leitor que desconhece sua forma e suas regras de composição poderá achar muito fácil ou muito simples compor um. Por mais que a simplicidade seja uma das ferramentas do poema japonês, compor um haikai requer não só satisfazer as suas regras, mas também resgatar a vivência de seu autor, na qual estava o “momento do haikai”, e isso implica em adquirir experiência com a prática freqüente (MARINS, 2007).

Segundo IURA (2007), para que um terceto (poema de três versos) possa ser chamado de haikai, é necessário atingir, em grau maior ou menor, uma ou mais características do haikai japonês, que são as seguintes: a forma, o corte e o kigo.

O corte (kire), que adiciona profundidade psicológica ao haikai, é a divisão do poema em duas partes, ou seja, dos três versos, o primeiro será a primeira parte e os dois últimos a outra, ou vice-versa. Estas partes deverão ter sentido completo. No ocidente, o corte pode ser representado por sinais de pontuação no final do primeiro ou do segundo verso. Porém, o uso de pontuação não é obrigatório (IURA, 2007). CLEMENT (2004), por sua vez, é mais enfática. Para ela, o uso da pontuação é realmente desnecessário, pois o haikai não é uma sentença.

Para MARINS (2004), independentemente do uso ou não, o que não pode ocorrer é o uso exagerado dos sinais de pontuação, a chamada poluição visual, pois o haikai é despojado, deve conter o mínimo de elementos. No máximo, o uso de um ponto de exclamação ou um ponto de interrogação (se for necessário), mas nunca os dois. Usa-se o travessão e evita-se o ponto-e-vírgula, a vírgula e as reticências.

Quanto às partes do haikai (MARINS, 2004), cada parte deve conter uma imagem que, quando justaposta uma com a outra, relacionam-se mentalmente, ou seja, que a conclusão fique por conta do leitor, pois quando isso não acontece o haikai se torna explicativo.

Para ilustrar essa característica, tomaremos como exemplo alguns haikais de autoria de José Marins, colhidos do seu livro – ainda a ser publicado - “Karumi”:

Voam andorinhas –

Na moldura da janela

uma tarde azul


Belas guabirobas

Andaria muito mais

para ir buscá-las

Observamos que no primeiro haikai há um corte representado pelo travessão no final do primeiro verso. Isso nos permite entender que as andorinhas não estão voando na moldura da janela, mas que simplesmente as andorinhas voam. Há nesse verso um sentido completo, há uma imagem mental, portanto esta é a primeira parte. A segunda parte é representada pelos dois últimos versos, que também apresentam uma imagem mental e há um sentido completo.

No segundo haikai, não há a presença de sinal de pontuação por não haver necessidade, uma vez que o primeiro verso é uma frase única e, sendo assim, observamos que nesse verso há sentido completo, assim como nos dois últimos versos. Concluímos assim que em ambos os haikais há a divisão em duas metades, formadas por duas imagens justapostas que mentalmente fazem relação.

Para CAMPOS (1977) o haikai relaciona dois elementos básicos conforme as lições de Matsuo Basho: o primeiro é o da “permanência”, a “condição geral”, que está relacionada às estações do ano, e o segundo é o de “transformação”, a “percepção momentânea”. “A natureza dos elementos varia, mas deve haver dois pólos elétricos, entre os quais salte a centelha, para que o haicai se torne efetivo”, afirma Donald Keene apud CAMPOS (1977).

Para VIEIRA (1975), deve haver no haikai um descobrimento, uma revelação, uma visão peculiar, sutil, que seja intrinsecamente expressiva e não uma comunicação explicitada, ostensivamente sonora.

A segunda característica, conforme IURA (2007), é o kigo, que significa “palavra-de-estação”, mas como o termo em japonês é usado freqüentemente, opta-se por este. O kigo no haikai representa um termo ou palavra que indique a estação do ano em que este aconteceu e faça referência a ela. Há uma compreensão muito rica e muito sutil dos japoneses quanto à natureza, à passagem das estações. As plantas, os animais, as paisagens e algumas vivências humanas marcam essas transições das estações para o haicaísta.

Veremos em mais alguns haikais colhidos do livro de José Marins “Bico de João-de-barro”, este também ainda inédito, palavras ou termos que representam o kigo:

Com as boas novas

o carteiro e sua mochila

Os ipês floridos


Saudades e flores

no cemitério antigo

Dia de Finados

Podemos encontrar no haikai o kigo propriamente dito ou o referencial. Acima, nos dois haikais, temos dois kigo referenciais, ou seja, fazem referência à estação do ano. Conforme o clima do Brasil, os ipês florescem na primavera, portanto quando há no haikai a palavra “ipê”, sabemos que se trata de um haikai referente à primavera. “Dia de finados” (02/11), representa, para nós brasileiros, um kigo referente à primavera, pois neste dia estamos na referida estação.

Vejamos agora outros haikais do livro Bico de João-de-barro:

Calor de verão

A trabalheira que dá

ter essa preguiça


Vento de outono

Gari teima em varrer

folhas espalhadas

Como podemos observar, o kigo se apresenta nos haikais acima de forma explícita, através das palavras “verão” e “outono”.

H. Masuda Goga, mestre do haikai no Brasil, escreveu um livro, que na verdade trata-se de um dicionário de termos sazonais (kigo), chamado Natureza – berço do haicai, publicado em 1996, em parceria com Teruko Oda, que visa o uso correto do termo de estação.

A terceira característica do haikai, conforme IURI (2007), é a forma (teikei), que corresponde à estrutura física do haikai, os três versos. No haikai japonês, a forma corresponde a dezessete sons. No haikai brasileiro, ela se refere a dezessete sílabas poéticas, distribuídas em cinco sílabas poéticas no primeiro verso, sete no segundo e cinco no terceiro, sem rimas e sem título. Vale ressaltar que na língua portuguesa as sílabas poéticas correspondem a sons na pronúncia das palavras.

Novamente tomamos como exemplo os haikais de Marins do já citado livro “Karumi”:

Um sereno lento

Algumas recordações

molham minha face


Um se-re-no len-to

1      2    3   4    5

Al-gu-mas re-cor-da-ções

1   2     3  4    5     6     7

mo-lham mi-nha fa-ce

1      2   3     4    5

A contagem de sílabas poéticas (escansão) difere da contagem de sílabas gramaticais (separação de sílabas das palavras). Na contagem poética, contamos os sons, ou seja, se houver um encontro vocálico de palavras diferentes (elisão), consideramos apenas uma sílaba, um som. A contagem de sílabas poéticas vai até a última sílaba tônica do verso, a de maior intensidade.

No haikai japonês, como já dissemos, são contados os sons até a última sílaba do poema. Se considerássemos essa contagem no haikai acima, teríamos o esquema 6-7-6. Mas observamos que este haikai está de acordo com a forma clássica do Brasil (consagrada nas gramáticas, no capítulo da Versificação).

Agora veremos um haikai de José Marins em que a elisão está presente (livro “Bico de João-de-barro”):

A pipa se eleva

sobre cabeças e risos

Um filho e seu pai


A pi-pa se e-le-va

1 2   3    4   5

so-bre ca-be-ças e ri-sos

1  2   3   4     5   6   7

Um fi-lho e seu pai

1     2   3   4      5

Notamos neste haikai que há a presença da elisão no primeiro verso (se+e = see = um som) e no terceiro verso (lho+e = lhoe = um som), resultando, mesmo assim, no esquema 5-7-5.

Outras características do haikai são abordadas por MARINS (2004). Como o haikai é um poema que descreve, registra a cena vivida pelo seu autor, é simples e direto. O tempo usado deve ser o presente (o que acontece), e não o gerúndio (o que está acontecendo). Usa-se uma linguagem simples com palavras de fácil compreensão, referente às coisas comuns. Exemplo:

A pipa se elevando

sobre cabeças e risos

Pai rindo do filho


A pipa se eleva

sobre cabeças e risos

Um filho e seu pai

(RECOMENDÁVEL)

O antropomorfismo (personificação de seres inanimados ou animais) é totalmente descartado e o uso dos adjetivos deve ser cauteloso (MARINS, 2004). Exemplo:

Sobre o telhado

está triste o pombo solitário

Manhã de inverno

(NÃO RECOMENDÁVEL)

Outros cuidados quanto às partes do haikai devem ser tomados. Não fazê-lo em uma parte, pois conforme já falamos, pode torná-lo explicativo. Não fazê-lo em três partes, o que é denominado de “haikai prateleira” (MARINS, 2004). Exemplos:

Muro caiado                     1ª. parte

Bougainville vermelho         2ª. parte

Um portão azul                 3ª. parte

(NÃO RECOMENDÁVEL: Típico haikai prateleira)

Um sabiá

refresca-se com um banho

na poça d’água

(NÃO RECOMENDÁVEL: haikai feito em uma única parte se torna explicativo e muito óbvio)

Para concluir, MARINS (2004) orienta que deve haver cuidado com o uso de advérbios, locuções adverbiais e as interjeições (ah!, oh!), pois estão em desuso.

Conforme os estudos que fizemos neste capítulo, podemos sintetizar as características do haikai clássico do Brasil e os cuidados para com sua composição da seguinte forma:

  • Poema de origem japonesa composto de três versos.
  • Deve possuir o corte (kire) que o divide em duas partes, com o uso da pontuação ou não.
  • Evita-se usar mais do que um sinal de pontuação (poluição visual).
  • Deve ter um kigo.
  • Sua forma (teikei) é composta de 17 sílabas poéticas (5-7-5).
  • A natureza é o tema principal.
  • É composto no tempo presente e não se usa o gerúndio.
  • Usa-se linguagem simples e de fácil compreensão.
  • Não intelectualizá-lo.
  • O antropomorfismo deve ser descartado.
  • Cuidado com o uso de adjetivos.
  • Fazê-lo em duas partes, evitar fazer em uma ou três partes.
  • Cuidado com o uso de advérbios, locuções adverbiais e interjeições.

Segundo SUZUKI (1977), no século XVIII surgiu uma variante do haikai que teve como representante máximo Karai Sênriu (1718-1790). Trata-se de um estilo que usa no haikai uma linguagem corrente e satírica, mas que acabou tendendo para o medíocre e decaiu. Chamamos um haikai cômico de sênriu (senryu). Os exemplos abaixo são de José Marins, extraídos do livro “Coleção Aprendizes Paranaenses”, (2003):

Pôr-me um sorriso

e redesenhar o rosto

Terei visitas


Falava de amor

O casal na madrugada

O apito do trem


REFERÊNCIAS

BOMFIM, Gelmili Oliveira (org.). Oficina de Poesia ROZA DE OLIVEIRA - Coleção Aprendizes Paranaenses. Curitiba, Gelmili Oliveira Bomfim, 2003.

CAMPOS, Haroldo. In: Haicai: homenagem à síntese. A Arte no Horizonte do Provável e outros ensaios. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1977.

MARINS, José. Entrevista eletrônica concedida a Alvaro Mariel Posselt. Curitiba, 29 abr. 2007.

MARINS, José. Haicai. Palestra na Biblioteca Pública do Paraná. Curitiba, 2004. (Documento em anexo).

MARINS, José. A História do Haicai no Paraná. Palestra no Centro de Letras do Paraná, Curitiba, maio, 2007.

MARINS, José. Poezen. Curitiba: Araucária Cultural, 1985.

SUZUKI, Eiko. In: O haicai pós-Bashô. Literatura Japonesa 712 – 1868. São Paulo: Ed. do escritor, 1977.

VIEIRA, Oldegar Franco. O haicai. Rio de Janeiro: Ed. Cátedra, 1975.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS:

CLEMENT, Rosa. O Haicai e Suas Teorias. Manaus, 2004. Disponível em http://www.sumauma.net/haicai/haicai-teoria.html. Acesso em 21 mar. 2007.

IURA, Edson Kenji. Pétalas ao Vento: O que é Haicai. São Paulo, 2007. Disponível em http://www.nippo.com.br/zashi/haicai.html. Acesso em 21 mar. 2007.

OBS- Texto extraído do TCC “O HAIKAI EM SALA DE AULA”, de Alvaro Mariel Posselt, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, Junho de 2007.


Publicado por: Alvaro Posselt

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