A escola que temos e a escola que queremos: uma análise sobre as teorias curriculares
Análise dos filmes "Entre os Muros da Escola" e "Escritores da Liberdade" identificando as teorias curriculares envolvidas na pratica dos docentes.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
O objetivo deste artigo é propor uma análise entre os filmes, “Entre os Muros da Escola” (2008), uma produção francesa dirigida por Laurent Cantet, tendo no elenco François Bégaudeau, professor na vida real e escritor do livro que inspirou o filme, e “Escritores da Liberdade” (2007) produção norte americana e alemã, dirigida por Richard LaGravenese; buscando identificar as teorias curriculares envolvidas na pratica dos docentes, a partir das categorias: função da escola, conhecimentos, relações de poder, organização curricular, postura do professor, aluno, relação professor e aluno, cultura, diversidade e o espaço físico escolar. E a partir disso discutir sobre a escola que temos e a escola que queremos.
No filme francês “Entre os Muros da Escola” podemos ver de maneira clara a ideologia tradicional. No tocante a função da instituição escolar, esta é tão somente uma reprodutora do conhecimento adquirido, onde estes são transmitidos descontextualizados da realidade e cultura dos educandos, não há uma reflexão a respeito deste conhecimento; isto fica explicito no momento em que o professor Marin esta ensinando o “imperfeito do subjuntivo”, um termo da norma culta. Uma aluna questiona o seu uso no cotidiano, alegando que ninguém oraliza naquele tempo, o professor explica que é uma maneira diferente de falar, mas não diz em que situações e com qual finalidade, não demonstra por exemplo que a linguagem é um marcador social. Numa outra cena uma aluna no fim do ano letivo diz ao professor que não aprendeu nada, não compreendeu nada do que foi ensinado, sendo assim se ela obteve boas notas e foi promovida tudo deveu-se a memorização do conteúdo e não ao seu entendimento.
A função escolar apresentada no filme “Escritores da Liberdade” também se apresenta de maneira tradicional com relação a escola, a diferença encontra-se na pratica docente exercida pela professora Gruwell, incutida dos saberes da teoria critica curricular e aplicada no cotidiano da sala de aula, mesmo sem o aval da direção ela busca uma emancipação do educando e a formação da criticidade social, respeitando os saberes pré existentes do aluno . Isto é visível, quando em uma cena, ela se utiliza do gênero musical rap, apreciado pelos jovens retratados no filme, para ensinar poesia e o conceito de rima interna.
Os conhecimentos explicitados no primeiro filme são totalmente desvinculados do cotidiano dos alunos, os saberes valorizados são os da cultura branca européia, ou seja os ideais da elite francesa. Em “Escritores da Liberdade” isso isto também acontece, valorizando a cultura branca norte americana, pois trata-se de uma escola tradicionalista preocupada em reproduzir os ideais elitisistas, mas ocorre uma quebra de paradigmas pela professora Gruwell. Percebendo os grandes problemas sociais de seus alunos ela resolve adotar novos métodos de ensino; numa cena a educadora utiliza-se de uma brincadeira de mau gosto criada pelos alunos, onde estes fizeram uma caricatura representando um colega negro com lábios exageradamente volumosos, para suscitar uma reflexão sobre a intolerância e preconceito contra os judeus na segunda guerra e ouve as realidades brutais do dia a dia dos seus alunos, valorizando-os assim como pessoas e aos seus saberes. Os conhecimentos são transmitidos de forma a levar a uma atitude reflexiva e ligados a realidade de vida dos alunos.
O professor Marin é um ser absoluto em sala de aula, sua autoridade é indiscutível, um ditador autoritário, é preciso pedir para se levantar, tirar o boné ou o capuz para assistir a aula e só falar após levantar a mão, a presença do diretor é igualmente poderosa, todos devem ficar de pé em sinal de respeito a autoridade, assim é a visão do educador no filme frances. Percebe-se que a escola tem o controle sobre o aluno, esta é uma reprodução da sociedade, esse deve ser o seu comportamento no meio social, com igual respeito e submissão. Numa das cenas o professor exige que uma das alunas leia um texto tirado do livro o “Diário de Anne Frank”, ela diz que não quer ler, o professor responde argumentando que a sua vontade não prevalece na sala de aula e sim a dele; constrange a aluna na frente dos colegas de classe pedindo que este nomeiem sua atitude como insolente; depois a ameaça dizendo que conversarão após a aula. Ao final da aula o professor a obriga a se desculpar pela “insolência”, diante de suas amigas, com palavras ditadas por ele, o resultado disso foi o distanciamento da aluna em virtude das ações do professor.
Na visão do filme “Entre os Muros da Escola” o aluno é o objeto do ensino, cabe a ele somente ouvir, memorizar e reproduzir aquilo que foi estudado em sala de aula, tendo um comportamento adequado, quieto e submisso e só se posicionando se for solicitado. A relação professor e aluno é vertical, este mantêm um distanciamento do educando, detendo o poder decisório quanto a metodologia, conteúdo, avaliação, forma de interação na aula, etc.
As relações de poder, dentro da escola, se apresentam de maneira hierárquica em “Escritores da Liberdade”. O professor é o detentor do saber, e ainda encontramos as salas dos alunos avançados, ou seja, a sala dos melhores. Mas esta não é a verdade vivenciada na sala da professora Gruwell, formada por alunos infratores que vieram do reformatório e considerados casos perdidos, a educadora se mostra construtivista na relação professor e aluno, aberta ao ponto de vista do educando, propiciando uma troca de conhecimentos e reflexão dos conteúdos, criando desta forma uma relação horizontal que mostra uma docente empenhada na prática transformadora, que busca desmitificar e questionar , junto com os alunos, esta não é uma professora autoritária que obriga os alunos a tirarem os capuzes quando entram em sala, ou proíbe que a aluna folhei uma revista em sua aula, procura ser mais como uma mediadora, orientadora do conhecimentos entre os educandos e preocupando-se com a formação de um vinculo afetivo.
Outro aspecto percebido, que reforça a teoria critica, é a configuração da sala de aula, as carteiras não estão posicionadas em fileiras umas atrás das outras, onde os alunos ficam de frente para a professora e de costas uns para os outros, mas a sala é dividida em dois grupos, formando um corredor no centro, onde a professora se movimenta e os alunos ficam de frente uns para os outros.
No contexto da professora Gruwell em “Escritores da Liberdade” o aluno é sujeito da sua aprendizagem e não um ser ouvinte e mudo, ela participa, interroga, critica, reflete, e assim desenvolve os seus conhecimentos, sempre vinculados a um processo de conscientização social que estuda o ambiente de vida do educando, rompe com a visão do aluno objeto do ensino alienado da sua realidade, este é um ser pensante e atuante em seu meio.
O Currículo escolar visto “Entre os Muros da Escola” é inflexível, as aulas são exclusivamente expositivas, as atividades sempre individuais, o professor já traz o conteúdo pronto e o aluno se limita exclusivamente a escutá-lo, e também disciplinar. Numa determinada seqüência o professor de historia propõe um trabalho interdisciplinar entre a sua matéria e a disciplina de francês, onde os alunos poderiam ler algum autor do Antigo Regime, assunto das aulas de historia; o professor de francês se nega a partir de vários argumentos, mostrando a sua relutância nesta nova proposta.
O currículo é flexível em “Escritores da Liberdade” as aulas não se limitam apenas as exposições mas também são externas. Ocorrem passeios, um deles ao Museu da Tolerância onde os alunos aprendem sobre o sofrimento dos judeus durante a segunda guerra e ainda tem a oportunidade de jantarem com os sobreviventes do holocausto num restaurante; a professora promove debates, aulas onde eles assistem a documentários e trabalhos em grupo, desenvolve projetos como o da leitura e escrita baseado no modelo do diário extraído do livro “o Diário de Anne Frank”, que leva os alunos a escreverem seus próprios diários para que depois, caso eles queiram, a professora leia, esta é uma forma de participar da vida do aluno e de seus conflitos, ela não invade a liberdade do educando, não avalia e nem pede para o aluno expor em sala a sua privacidade, ela deseja apenas conhecê-los e entende-los. Este projeto além de trabalhar com os conteúdos da língua materna também abordou questões históricas se tornando interdisciplinar É interessante ressaltar que esta também é uma técnica utilizada no filme frances “Entre os Muros da Escola” pelo professor Marin, mas naquele caso o educador esta mais preocupado com a gramática, oralização e avaliação dos alunos do que em conhecê-los.
Outro aspecto não valorizado neste mesmo filme, é a cultura trazida pelos alunos, sendo estes africanos, árabes, asiáticos e europeus, havia um choque racial dentro da sala de aula devido a diversidade, que se manifestava em conflitos, preconceitos com jovens afro-descendentes do continente e outros das ilhas, como na cena em que um dos alunos diz que quem nasce no Caribe não é frances e sim caribenho, causando um atrito em sala de aula com um aluno que nasceu no Caribe e se considera frances, intolerância com as religiões como por exemplo o islamismo, ou com relação ao garoto gótico da sala ou com o garoto chinês, nada disso era percebido. A única cultura importante e que interessava era a cultura francesa.
Também encontramos varias culturas étnicas descritas no filme “Escritores da Liberdade”, temos os latinos, os cambojanos, os negros e os brancos e os choques culturais são constantes; de maneira geral a professora não se foca em nenhuma etnia especialmente, mas procura mostrar que todos ao mesmo tempo que são diferentes, com culturas diferentes, são iguais como vitimas dos preconceitos, intolerância ou da violência das gangues. Para se trabalhar com essa diversidade em uma cena a professora Gruwell aplica uma dinâmica, que consiste em uma linha no chão onde os alunos deverão pisar após uma questão proposta pela educadora, caso seja afirmativa, assim ela quebra com as diferenças mostrando que tantos latinos, negros, cambojanos e brancos gostam das mesmas musicas, tem os mesmos discos e enfrentam todos os dias os mesmos problemas independente da raça.
Como espaço físico escolar fica fácil visualizar um industria no “Entre os Muros da Escola”. O sinal de entrada, intervalo e saída dos alunos é uma sirene, semelhante as fabricas, a escola é uma estrutura em formato quadrado com um pequeno espaço no centro, que não é, nem de longe uma quadra para recreação e exercícios dos alunos, as cores são sóbrias, praticamente tudo cinza, sem registros dos educandos, sejam esses cartazes, imagens, dentre outros; a sala de aula é pequena e lotada.
Em “Escritores da Liberdade”o espaço físico do colégio é excelente, abrigando um grande numero de alunos. A estrutura é ampla, com muitos espaços externos, armários para os alunos guardarem seus pertences, salas de aula grandes e bem iluminadas, mas sem presença de quadras para atividades ao ar livre.
Quando analisamos os modelos curriculares retratados nos dois filmes e o resultado destes no cotidiano escolar, torna-se evidente a ineficácia da teoria tradicional.
No filme “Entre os muros da escola” a prática docente exercida pelo professor Marin, demonstra ser inútil para a vida dos educandos, pois não baorda elementos de sua realidade nem de seus interesses. A rigidez autoritária do educador e a falta de flexibilização curricular levam a indisciplina na sala de aula e o distanciamento afetivo do aluno para com o professor.
Em “Escritores da Liberdade” a prática do educador é a inversa. Apesar do tradicionalismo da instituição, a professora Gruwell associa os conteúdos pedagógicos a realidade social dos alunos e aos saberes preexistentes trazidos por eles, se apropria assim da teoria critica como modelo de transformação da identidade individual. Diante dessa percepção curricular a sala de aula que no inicio do filme apresentava-se violenta e indisciplinada, tornou-se participativa e unida, integrada em torno da figura da professora que representava o modelo de orientadora e mediadora dos conhecimentos adquiridos pelos alunos.
Atualmente algumas escolas transmitem uma educação que não deixa explicito o método seguido, um hora é contrutivista, outra é tradicional, depois montessoriana. Ainda encontramos o currículo tradicional, em muitas escola, seguido por um regime onde a educação é voltada tão somente para a formação profissional do aluno. A teoria tradicional demonstra um ensino neutro, seu objetivo é formar o cidadão para a sociedade, ou seja, um currículo tecnicista.
Nas últimas décadas escolas estão aderindo a teoria crítica curricular, onde o objetivo é formar indivíduos críticos e reflexivos dentro da sociedade, a partir das linhas construtivistas e interacionaistas.
A escola que queremos promover é aquela pautada na formação de um sujeito ativo e atuante, lutando pelos seus ideais e buscando um formação melhor dentro da sociedade, a partir da teoria critica . A escola é o local que leva o aluno a refletir sobre a diversidade cultural, promovendo o respeito mutuo e a igualdade entre todos os cidadãos, faz questionar os padrões sociais e políticos que formam o nosso país.
Para chegarmos a escola que queremos é preciso deixar de lado o preconceito, comodismo e o medo da mudança, ter a iniciativa de formar uma escola disposta a mudar a sociedade, voltada com o olhar para emancipação do indivíduo, uma escola que vai além das experiências dos educando dentro de suas aprendizagens.
Publicado por: LINETE OLIVEIRA DE SOUSA
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