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ARTHUR UM AUTISTA NO SÉCULO XIX - RESENHA

Breve resenha sobre uma visão do autismo que se baseia nas experiências profissionais da autora.

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Resumo

A presente resenha propõe expor em forma de romance, com apoio da psicanálise, sob o título: "Arthur, um autista no século XIX" expressar uma visão do autismo que se baseia nas experiências profissionais da autora. Escrito pela Professora do Instituto de Psicologia da USP, Maria Cristina Kupfer que nos traz diante de inúmeras e inenarrável obras de fortíssima relevância sobre o autismo na visão da psicanálise, a obra é protagonizada por Arthur, uma criança dita autista que mora em uma pequena vila chamada Laterre, na França. Está belíssima obra de Kupfer, faz consonância com um a tríade teórico-prática, erudição e literatura, a essência desta obra é significada por Kupfer, apresentando com um outro modo de olhar sobre o autismo, justificado por sua trajetória como pesquisadora das muitas interfaces do autismo na infância, através das contribuições teóricas psicanalíticas.

Palavras- Chave: Autismo, romance em história, Literatura.

Escrevendo em toda a sua vida textos acadêmicos abordando o autismo por um viés científico, Kupfer sempre teve vontade de experimentar uma outra forma de transmissão, um outro jeito de falar para os não acadêmicos, como pais e cuidadores por exemplo, através de uma linguagem que não fosse dominante e clássica.

Ainda que de forma simples, usar a psicanálise mostrada nos entremeios da trama ao pensar o autismo por uma ordem não tecnicista ou clássica de mais, ainda que de forma não acadêmica observa-se um aspecto acessível como um dos marcos da obra em sua linguagem.

Propor está obra a partir do século XIX, se dá por forte vontade de “registrar a presença do autismo há mais tempo do que se supõe existir” (p.251). Ao escrever este romance, Kupfer foi movida por um desejo de reparação com os modos em que a ciência apresenta o autismo, cabe alguns fragmentos da sua fala em que ela afirma que: “Foram muitas as crianças ditas autistas fechadas que vi em minha vida profissional, mas não foram muitas as que vi retomarem o desenvolvimento rumo a uma vida no interior da comunidade dos homens e mulheres de nosso tempo”(KUPFER 2020, p. 247), a autora lembra que, “Tive então vontade de recriá-las na ficção, já que não pude ajudar seus pais a reinventá-las. Para imaginar Arthur, fiz um amálgama de tudo que vi, das intervenções bem e malsucedidas que fiz ou vi fazerem, dos traços, peculiaridades, das manifestações subjetivas que tive a alegria de presenciar. E dei a ele um destino de escritor, que sonhei para muitos. Precisava, para justificar seus atos e transformações, de uma teoria norteadora. Mas não queria engessar minha ficção com ela, estava decidida a falar sobre minhas ideias de modo livre.  Ela reforça ainda que” A literatura transmite mais do que a linguagem científica, porque usa mais nossa própria linguagem.” (KUPFER 2020, p.247)

Arthur, criança autista, onde na terminologia da época eram chamadas de “idiota” ou “filho do diabo”, a compreensão de um ser que não fala, que parece não ouvir, aparentemente ausente, que se ilumina quando ouve Dois Arabescos, de Claude Debussy, ou quando folheia livros contemplando suas gravuras e letras.

O personagem apresentado na primeira parte, relatado por uma analista esse Arthur dos primeiros 10 anos apresenta bastante relação a fragmentos de muitos casos que a autora atendeu, onde Kupfer pondera que este personagem não é um caso escolhido, mas que se relaciona com muitos casos em sua trajetória.

Um questionamento importante sobre as personagens Marguerite e charlote, é será que foram inspiradas em alguém? A obra não faz menção relacional delas, entretanto pensar as mulheres do século 19 foi um ponto de enlace para a travessia de escrita com Arthur para essa bela elaboração que envolve o inconsciente com intenção de elaborar, traduzir retraduzir e (re)historizar a escrita do romance com apoio da psicanálise.

Nestas condições, a autora dedica nesse momento a explorar romance a partir da narrativa poética evidenciando sem dúvida, uma visão mais sensível no tratamento do tema transtorno do espectro autista no século 19, o autismo era crescente e podemos ver esse aumento na contemporaneidade.

Ilustrar Arthur no século 19 e em uma comunidade na França é uma tentativa de oferecer um recuo no tempo e no espaço ao leitor para que ele possa pensar o autismo dentro de um espaço temporal complexo. O tempo e a distância como o século 19 nos mostra o quanto é importante frisar sobre os avanços sobre o autismo e o diálogo com os profissionais atuantes multidisciplinaridade.

Um ponto de reflexão, é inegável que a psicanalise se fortaleça nos cursos de psicologia e pedagogia, é possível ver a psicanalise de algum modo deixando de estar em muitas matrizes curriculares em muitos cursos no brasil por exemplo, agrava-se ainda em universidades confessionais quando Freud é abolido por ter uma leitura da abordagem sexual, dentre outros temas ditos como aceitável e subjetiva onde as instituições religiosas fazem exclusão da psicanalise, Freud é atravessado pelo pensamento ideológico advindo por outras abordagens e a psicanalise acaba sendo extinta ou tratada como sem importância.

Na obra, o que acontece com Arthur não se relaciona com os maus tratos, infanticídio já existente no mundo, mas no começo da trama o autista não tem nada relacionado com isso, e a mãe não tem culpa do que Arthur estava vivendo, é importante dizer as mães de um modo romanceado e leve apostando que o romance possa discutir e a partir da psicanalise um modo de mostrar o autismo por um campo de " não embate" ideológico, a ideia é não entrar em uma grande briga, confrontos assim podem-se extrair uma contemplação negativa sobre o autismo. Um ponto que se pondera nesta discussão a partir da educabilidade é importante que se faça emergir aqui a ideia de pensar o imaginário o simbólico e o real e não pensar em uma casualidade mecânica ou isso ou aquilo.

No livro, a personagem que não é a mãe recolhe Arthur em sua casa e se coloca à disposição supervisionada por um religioso chamado Monsenhor Olivier, que era dotado de conhecimento e que tem uma ampla concepção de linguagem, não a do cristianismo, mas a dos árabes, posição do sujeito próxima por exemplo, de Lacan ele traz do mundo árabe uma compreensão do que está acontecendo com Arthur, a estruturação da linguagem não sendo nada fixa parte-se ali uma possibilidade de se assistir Arthur.

Arthur é um personagem complexo, interessado pela literatura e durante o trajeto de sua constituição como sujeito, ele começa a fazer muitos registros em seu diário. Na segunda do livro a autora pensa o personagem relacionando-o como na atualidade aos autistas de auto rendimento que escrevem, que gostam da beleza, do contemplar, um estilo literário que leem muito etc.

Na estrutura constitutiva de Arthur como sujeito para que ele possa minimamente dizer-se, ainda que ele prossiga sendo autista, a partir obra, ele começou a escrever como faz na segunda parte da trama Arthur começa escrever, coisas belas ele chega a se aproximar de um senso estético, algo enigmático para uma pessoa com suas características.

De modo elementar encontra-se pontos importantes para o atravessamento da história:

Medo – neste eixo relacionado com o texto de Yves Burnod da coletânea Luzes da Clínica, Marguerite se enlaça com a imutabilidade da criança autista relacionando com os escritos de Kanner, a psicanálise vem explicar a imutabilidade para a criança que precisa viver em um mundo rigorosamente ordenado, rígido. Lógica que os autistas não concebem, a rigidez normalizada por tudo. (KUPFER 2020, p. 256-257)

Marcas – aqui a obra expõe uma forma de entender a constituição psíquica que é entendida como útil para ver o que acontece com uma criança dita autista. A autora pondera que, a psicanálise acumulou conhecimento sobre essa construção, e se quisermos ajudar uma criança autista ou não em contato com o outro, será necessário se debruçar sobre o modo como essas relações com o autista se constroem e operam sobre ela. (KUPFER 2020, p.257)

A dor dos outros – essa ideia vem mostrar que o estádio de espelho está se instalado na trama, no caso de Arthur não se instalou por completo, mas foi suficiente para fazê-lo seguir a diante até o momento de iniciar a sua pulsão por escrever.

Um autista no século 19 veio para chamar pais, educadores, professores, cuidadores que estão em outro polo de pensamento que por exemplo, não conversem com a psicanálise, os pais através da psicanalise vendo um outro modo de pensar o autista é podem de algum modo compreender algumas variáveis do Tea, uma transmissão também para estudantes de psicologia que se veem em outras vertentes como a cognitivo comportamental ou seja outros modos de pensar, não como numa roda de conversa mas como possibilidades dessa travessia teórico pratica.

Quando Kupfer escreve esta transmissão a partir do tripé psicanalítico, se dá conta que o romance tem um ritmo de sessões de analise mesmo que não tenha sido está a ideia, sem querer ela reproduziu a estrutura de análise em psicanálise. Outro ponto destacável é o sujeito ao se colocar em primeira pessoa também é um ponto que se apresenta na transmissão, no romance quando Arthur passa pela escola de Lambert construída em 1900, a questão que está em jogo é tolerância e intolerância e se pensarmos no valor da escola como direção de educação como tratamento " educar é tratar" tratar é educar (KUPFER, 2000).

Reafirma-se a ideia de atingir os estudantes de psicologia e os pais, a partir da teoria dura nos parece então, que a vida vai embora então a ideia de onde Freud partiu que era da vida e se enlaça neste romance para que exista sensibilidade e aí sim, teoria. Uma forma de falar do autismo através da vida de modo talvez leve, o romance propõe a reflexão ativa desta obra.

Referencias

KUPFER, M. C. (2000). Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo, SP: Escuta.   

PESARO, Maria Eugênia; KUPFER, Maria Cristina Machado; MERLETTI, Cristina Keiko Inafuku de. A Metodologia do Estudo de Caso da Escola – uma proposta para as escolas inclusivas e transformadoras. In: XII Colóquio Internacional do LEPSI, VII Congresso da RUEPSY, III Congresso da Red INFEIES, 2017, São Paulo. Caderno de resumos do XII Colóquio Internacional do LEPSI, 2017. Disponível em: http://www3.fe.usp.br/secoes/inst/novo/agenda_eventos/inscricoes/PDF_SWF/64510.dOc  Acesso em: dez. 2021.

KUPFER, Maria Cristina. História de um autista que viveu no final do século XIX. São Paulo: Editora Escuta, 2020


Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos - Membro da Cátedra Otávio Frias de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade - USP. Bolsista de Produtividade em Pós-Graduação na área da Educação CAPES/CNPq. Membro da Rede Nacional da Ciência para a Educação- CPe. Membro da ABEPEE- Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial UNESP Associado(a) na categoria de Profissional, Nº de matrícula 15713, da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) USP, filiada no Brasil, à Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e no exterior, à International Brain Research Organization (IBRO) e à Federação das Associações Latino Americanas e do Caribe de Neurociências. Tem experiência na área de Educação, na intersecção entre Psicanálise e Educação, abordando principalmente os seguintes temas: educação em tempos de crise, educação e autoridade; ensino e transmissão.


Publicado por: Douglas Manoel Antonio de Abreu Pestana dos Santos

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