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Representação dia(Crônica) Da Literatura Brasileira do SÉC. XIX

Análise do modo de manifestação literária dos costumes sociais da época de Machado de Assis.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Esclarece sobre modos de representação literária brasileira, relacionados a eventos históricos do Século XIX, em especial nas crônicas de Machado de Assis.  Objetiva analisar o modo de manifestação literária dos costumes sociais da época desse escritor, particularmente com a narrativa ficcional e picaresca alimentada pelas notícias cotidianas. Analisa como o escritor brasileiro apropriou-se do modelo europeu para a criação de uma literatura periférica altamente criativa. Expõe sobre a mimese de acontecimentos vinculados a manifestações sociais e ideológicas oitocentistas, principalmente, na década da passagem do regime monárquico para o republicano no Brasil.

Palavras-chave: Representação. Crônicas. Mimese.

ABSTRACT

It clarifies about Brazilian literary representation related to historical events of XIX Century, mainly in Machado de Assis chronicles production. The objective is to analyze the literary manifestation of social behavior of this writer’s time, specially in picaresque and fictional narratives which report daily facts. It also analyzes how the Brazilian writer used the European model to develop a highly creative peripheral literature. It exhibits on the mimesis of events related to social and ideological events of XIX Century, principally by the time of the change from monarchical to the republican regime in Brazil.

Keywords: Representation. Chronicles. Mimesis.

1 Introdução

Até que ponto a história da literatura brasileira está comprometida com o progresso histórico e com a cultura europeia? Para responder a essa pergunta, é necessário refletir sobre a ideia de progresso ao longo das diversas épocas da humanidade.

Será que o progresso não trouxe os bens prometidos à humanidade e, sim, muita destruição? Há poucos dias, li um e-mail com a reprodução de belas frases atribuídas a Albert Einstein. Numa delas, era mostrada uma foto dele junto com o maior responsável pela invenção da bomba atômica: Robert Oppenheimer. Ao lado, a frase atribuída a Einstein: “Não sei com que armamento se combaterá a terceira Guerra Mundial, mas a quarta, com certeza, será com pedras e paus”.
Segundo Benjamin (1994, p. 223), “A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais”.

Segundo Platão, “ao dar forma à matéria, o artista imita o mundo das ideias. Para Aristóteles, a mimese seria a imitação da vida interior dos homens, suas paixões, seu caráter, seu comportamento” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Nesse aspecto, ressalta-se todo o arcabouço original da obra de Machado de Assis, que demonstrava desencanto com a noção de progresso de sua época, em especial após a mudança do regime político monarquista para o republicano.

Esse estado de espírito do autor/narrador é observado, mormente, a partir da produção da segunda fase de suas obras, mas há mais de duas décadas antes da imposição da República no Brasil, escrevia Machado: “Eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou” (À opinião pública, 5 mar. 1867). Se isso tivesse sido escrito por um profeta não causaria nenhuma surpresa, quando vemos o que se tornou a nossa Republica, em especial nos dias atuais, com os escândalos sucedendo-se cotidianamente nos três Poderes do Governo brasileiro. De fato, é típico de “aristocratas insolentes”, julgarem-se acima do comum mortal e, sem qualquer exame de consciência, fazerem uso do nepotismo sem escrúpulos, das negociatas políticas em benefício próprio e dos esquemas corruptos que acompanham nossos políticos desde o descobrimento do Brasil, mas que, com o advento da República se consolidaram como práticas usuais, ainda que ilegais, em nosso país.

A grande esperança do homem, nos dias atuais, quando o desencanto e o afrouxamento dos costumes tradicionais se tornaram patéticos, seria o neo-humanismo: estado do homem crítico, sedento de uma nova realidade, que, para mim, continua sendo aquela que observa a evolução, não nas transformações materiais, mas sim nas espirituais. Nesse sentido, a contribuição da literatura continuará sendo a da forma de sua representação.

No que ser refere à relação com a cultura europeia, é pela mimese que a nossa literatura vai incorporar o estado de espírito, particularíssimo, dos nossos escritores, ao padrão europeu que, em certos aspectos, consolidarão um estilo admirável, altamente criativo, em especial na produção literária de escritores, como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector e Guimarães Rosa entre outros. Na poesia, destacam-se Gonçalves Dias, Cruz e Sousa, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, entre vários poetas brasileiros, cuja produção literária nada deixa a desejar, quando comparada com a dos melhores poetas de sua época na literatura universal.

Nesse artigo, pretendo, ainda, analisar a contribuição histórica da crônica na literatura brasileira do século XIX, com ênfase em nosso mais criativo cronista: Machado de Assis, que se apropriou do modelo europeu para a criação de uma literatura periférica, cuja mimese teria produzido, segundo Candido e outros críticos, o que não continha o modelo apropriado.

2 Mimese da realidade na literatura brasileira

No capítulo “Literatura de dois gumes”, do livro A educação pela noite e outros mistérios, esclarece-nos o autor que

A literatura desempenhou papel saliente nesse processo de imposição cultural, bastando lembrar que os cronistas, historiadores, oradores e poetas dos primeiros séculos eram quase todos sacerdotes, juristas, funcionários, militares, senhores de terras (...),  mas mesmo quando desprovidas de aspecto ideológico ostensivo, seriam uma forma de disciplina mental da Europa, que deveria ser aplicada ao meio rústico a modo de instrução e defesa da civilização (CANDIDO, 2000. p. 142).

Candido (2000) esclarece-nos ainda que nossa ligação com as literaturas europeias deve ser considerada “um fato quase natural”. Nossas formas estéticas, como a do “Parnasianismo” e “Simbolismo”, provêm das escolas francesas. Mais adiante, informa que superamos, entretanto, essa dependência com a produção de obras de “primeira ordem”.

De acordo com Auerbach (1998, p. 499), o ato mimético capta a realidade social, os acontecimentos humanos, nos quais representa as relações socias, as atividades de trabalho, amor e ódio. “Não é copia do real, mas vê na pequena coisa a realidade como uma totalidade”. O que permite ao narrador captar o real como um todo, sem se envolver com o que narra, é o emprego da terceira pessoa. Nas crônicas machadianas, porém, o narrador, também em primeira pessoa, está em permanente dialogismo com os fatos cotidianos e com o leitor. “As crônicas machadianas possuem, em si, estrutura, forma e encadeamento consistentes e complexos, além de plena interação com os contextos histórico, político, econômico, social, cultural, urbano sob os quais foram elaboradas” (ROSSO, 2009). O escritor cria um estilo em que se diverte e diverte seu leitorado com um misto de reflexão sobre os fatos reais que mimetiza de modo realista, simbólico ou fictício.

No Brasil, segundo Hermenegildo, a matéria local impôs sua adaptação aos modelos para cá transportados, numa construção de ideologia política. Ou seja, “o processo de construção do modelo brasileiro é o mesmo processo de formação do sistema literário e de tentativa de construção do país” (2006).

Ainda de acordo com esse autor, há um entrelaçamento nas representações literárias e políticas. Na literatura, a representação política ocorre primeiramente pelo modo em que esta se exerce na vida social e institucional; em segundo lugar, no modo de relacionamento entre os próprios personagens e também entre estes e o narrador.

Segundo Schwarz (Apud BASTOS, 2006, p. 103 do texto xerocado), “a literatura brasileira procurou se apropriar dos modelos realistas europeus e pela procura de entendimento e conceituação da diferença entre os significados que as formas literárias têm no centro e na periferia”. Entretanto, foi necessária uma adaptação dos modelos importados da Europa à matéria local. Mais adiante, somos informados de que somente algo organizado permite a imitação, como ocorre com a “teoria enfática do realismo literário e da realidade social”. Deduz-se daí que a “realidade representada” é que dá originalidade nacional à obra. A forma estética, que extrapola a crônica documental, empreende uma reflexão “sobre o país verdadeiro”, “das classes sociais”. E isso implica na representação pitoresca e emotiva da literatura. Concluímos com o autor que, sendo a literatura “conhecimento e interpretação do Brasil”, embora ela imite a realidade social europeia, consolida-se como forma literária “a partir da intuição e imaginação do escritor” (id., p. 104).

3 Como  se estiliza a crônica e se agrada ao leitor oitocentista

Enquanto narrador “Muito Abelhudo”, que escreve para um leitorado heterogêneo e borboleteante, tanto em termos de repertório, como em termos da própria habilidade de reconhecer as territorialidades do ficcional e do não-ficcional, o cronista machadiano faz deslizar as fronteiras dessas mesmas territorialidades e capta a atenção de grupos diversos de consumidores, certamente estabelecendo padrões de gosto, criando hábitos de consumo do impresso e provocando, ao menos em parte de seu público, um movimento de reflexão sobre o universo que a todos cercava (PINA, 2007).

Segundo Pina (2008), no século XIX, coube ao jornal “a tarefa de estabelecer um universo de receptores, a partir daquilo que era vivenciado no cotidiano da sociedade. A crônica trouxe a informalidade para o espaço da escrita, expressando e discutindo a cidadania, instruindo e entretendo o público” (p. 96). Mais adiante, explica essa escritora que Machado de Assis, tendo utilizado o jornal como instrumento inicial de publicação de suas obras, considera esse periódico como “a mídia adequada” para a “criação de uma cultura brasileira”, de “uma identidade nacional” (id, p. 97).

O jornal tornou-se o meio mais popular e, consequentemente, democrático de tornar possível a leitura como ato social, seja pelo indivíduo que repassa suas informações a terceiro, seja pelos grupos de leitura. Nas crônicas machadianas, esse escritor narra retrospectivamente eventos relacionados à vida política, econômica e cultural do Brasil, em especial, do Rio de Janeiro. Machado, comentando os acontecimentos cotidianos de sua época, envolvia o leitor, de forma sutil e irônica, satírica e original, a refletir sobre os fatos históricos de sua época, em especial as questões relacionadas à escravidão, extinta em 1888, e ao regime político e sua transição da Monarquia à República.

Supõe o cronista que o leitor, tanto quanto aquele, possui as informações cotidianas necessárias à manifestação de sua reflexão, de sua aprovação ou indignação. “Escritor e público partilham, assim, saberes prévios” (PINA, 2008, p. 98). Relata essa autora que Machado de Assis, em suas crônicas, “relê situações de conhecimento público, trabalha com notícias divulgadas durante a semana em diferentes periódicos” (id., ibid.). Enfim, tudo o que escreve, pode ser entendido, refletido e discutido pelo leitor.

O narrador, então, aproxima-se do coloquial, ao dialogar com o leitor ou leitora, ou incluí-los em suas falas, com frases ou expressões como: “Sabem de uma certa erva, que desdenha a terra para enroscar-se, identificar-se com as altas árvores? É a parasita”. Ou: “O leitor conhece decerto a individualidade de que lhe falo, muito vulgar entre nós (...) Que lhe acha? (...) Deixem-no mirar-se no espelho dos velhos usos, falar em política, discutir os governos; não faz mal”. Ou ainda: “O que não estiver contido nesta exceção, vê já o leitor que nasceu enfezado, e mesquinho de formas” (MACHADO DE ASSIS, 1973, Vol. III, p. 951, 958 e 959). Esses recursos, aliados a um misto de realismo e ficção em suas crônicas, firmam o estilo literário machadiano e cativa o(a) leitor(a) de sua época.

Conclui Pina (2008, p. 106) que a crônica de Machado é construída com elementos da “realidade, história, cultura, ficção, imaginação”, os quais “convidam o leitor a participar do jogo narrativo”. E o mercado cultural em formação no século XIX, em nosso país, arremata a autora, necessitava preencher os aspectos de ficção, de elementos do cotidiano e de fatos históricos que formassem hábitos de consumo de periódicos “construindo padrões de gosto e ampliando regularmente o leitorado brasileiro”.

4 Formas de representação social nas crônicas machadianas

Como cronista, Machado de Assis demonstrava sua visão social. Comentava e criticava os costumes da sociedade de sua época utilizando-se da linguagem picaresca. Com sua visão futurista, antecipava as consequências dos acontecimentos políticos resultantes da mudança do sistema monárquico para o republicano, com o qual não simpatizava. Nesse grande escritor, percebe-se o modo de reação contra a dominação ideológica. Isso pode ser observado no conteúdo apresentado em sua produção de crônicas ao longo de quarenta anos ou mais.

Perrot (2008, p. 237) esclarece-nos que Machado “extrapola o material jornalístico puro e simples, incluindo aí elementos literários como a sua característica ironia” em suas crônicas. Informa ainda essa autora que esse escritor consegue transformar em ficção os eventos de sua época com o dom que lhe era peculiar. Assim, funde-se no “atento espectador dos movimentos da sociedade” o jornalista e o ficcionista que colhe, nos acontecimentos particulares, elementos universais.

Para Gledson (2006, p. 348), Machado considerava o Rio de Janeiro, “sobretudo uma realidade humana”. No seguinte trecho de uma de suas crônicas para “A semana”, de 20 de agosto de 1893, é citada a forma de representação machadiana das impressões causadas pela Igreja do Castelo, da antiga Capital do Brasil, que o narrador mostrava a um turista:

Ajustamos que no dia seguinte iria buscá-lo para subir o Morro do Castelo. Era uma bela manhã, não sei se de inverno ou primavera. Subimos, eu, para dispor-lhe o espírito, ia pintando o tempo em que por aquela mesma ladeira passavam os padres jesuítas, a cidade pequena, os costumes toscos, a devoção grande e sincera. Chegamos ao alto, a igreja estava aberta e entramos. Sei que não são ruínas de Atenas: mas cada um mostra o que possui. O viajante entrou, deu uma volta, saiu e foi postar-se junto a muralha, fitando o mar, o céu e as montanhas, e, ao cabo de cinco minutos: “Que natureza que vocês têm!” (GLEDSON, 2006, p. 349).

Machado sabia, como poucos, representar a sociedade de sua época utilizando-se da ironia, do chiste, do picaresco. O narrador, no trecho citado, demonstra perfeito conhecimento sobre a necessidade de tentar impressionar o visitante a respeito da igreja, “velha construção” que desejava conhecer. Ao se deparar com uma construção que em nada se assemelhava “às ruínas de Atenas” ou a outras antigas construções da Europa, o turista, do alto do morro, passa a contemplar a beleza da paisagem e a elogia: o mar, as montanhas e o céu. A natureza era, pois, esplêndida, mas a arquitetura em nada se assemelhava à dos países banhados pelo Oceano Pacífico.

Para Machado, então, muito mais do que o aspecto pictórico, interessava-lhe representar o estado interior, o estado psicológico das pessoas de seu tempo, mas sempre o fazendo de modo a ressaltar o espírito burlesco da sociedade de então. Tal representação, porém, objetivava a mimese dos elementos característicos de um estado de espírito universal egoísta, patife e dissimulado do ser humano. Desse modo, penetrando, com seu olhar perscrutador, os mais íntimos sentimentos e desejos da alma humana, o narrador não somente se diverte com o ridicularizá-los, como também revela ao leitor a hipocrisia e o jogo ideológico peculiar a toda a sociedade e em todas as épocas. É a política representada na e pela literatura universal.

Callipo (2009) narra como Augusto Meyer equivoca-se, em sua análise de crônica machadiana, de 14 de maio de 1893, sobre os festejos da Lei Áurea, comparada com a do Conselheiro Aires, no Memorial de Aires. Compara Meyer a índole do Conselheiro com a de Machado e deduz que aquele representa este. Como o personagem Aires afirmara não ter comparecido às manifestações de apoio aos escravos libertos, Augusto deduz que Machado não aceitara participar dos festejos. É nisso que está o grande perigo de se confundir autor, narrador e personagem. Informa a autora que “Se Meyer tivesse lido a Gazeta de Notícias de 21/22 de maio de 1888, não faria a afirmação acima. Nesse exemplar, o periódico descreveu justamente o préstito festivo comentado na crônica, formado por autoridades, jornalistas e políticos” (id., ibid.). O periódico confirma a participação de Machado de Assis nas comemorações.

5 Conclusão

Informa Faoro (1988, p. 478) que “Para a investigação histórica e sociológica, a obra de arte seria apenas uma fonte de estudo, entre outras”. Isso porque, para esse autor, somente ela poderia, com desprezo do aspecto estético, confirmar o que haveria de verdade no trabalho literário. Mas é o mimetismo dialético da arte que “superando as velhas distinções entre forma e conteúdo, abrange o estilo e a própria realidade social” (id., p. 481). A obra literária “subsiste por si” no espaço e tempo históricos, segundo esse autor, “com perspectiva peculiar, inteligível por valores comuns” (id., p. 482).

Segundo Bastos (2006), Machado de Assis reflete sobre a configuração desigual do mundo. Essa forma de representação machadiana está presente, não somente em seus contos e romances, como também em suas crônicas.

“Ficção e realidade, ficção e história, ficção e sociedade brasileira constituem fulcros sempre presentes na obra machadiana.” (ROSSO, 2009). Em toda a sua obra, na qual se incluem mais de seiscentas crônicas, escritas ao longo de cerca de quarenta anos, o “Bruxo de Cosme Velho” utiliza-se do estilo satírico e irônico para comentar tanto os fatos triviais como os mais destacados eventos de sua época, sejam eles sociais, políticos ou históricos.

É nas crônicas, porém, em especial as escritas a partir do final da década de 80 do século XIX, que Machado consolida, literariamente, um estilo esteticamente singular. De todas as coletâneas de crônicas machadianas, Gledson (2006) destaca as de “A semana” como a mais renomada (1892 a 1897). Ali se encontram obras primas como “O punhal de Martinha”, crônica comentada nas doutas aulas do prof. Hermenegildo, na qual os conhecimentos da literatura mundial são trazidos à realidade da “literatura periférica”, em nosso país, e a genialidade do autor se expressa pela representação de um fato criminoso aparentemente banal, mas que, comparado com o da literatura universal apresenta características superiores às desta, como o ato valente da baiana que defende sua honra sem a ajuda de intermediários.

A linguagem da personagem é vulgar: “Não se aproxime, que eu lhe furo”. O crime pune uma simples intenção: o rapaz mal intencionado, nome popular, João Limeira, aproximou-se, após tentativas frustradas anteriores, nas quais insultou a moça. Resultado: “ela deu-lhe uma punhalada que o matou instantaneamente” (MACHADO DE ASSIS, 1973, vol. 3, p. 615). É a versão tupiniquim, cheia de riquezas literárias do nosso gênio literário.

Apropria-se, Machado, das narrações contidas nas obras universais, sejam elas bíblicas, esotéricas, da literatura grega, europeia ou mesmo dos escritores brasileiros locais que o antecederam e, extrapolando a própria escola realista da segunda fase de sua produção escrita, utiliza-se, sobretudo, do recurso da ironia e da sátira para brindar o leitor com uma produção universal da mais exaltada originalidade. Em sua obra, mais que a realidade dos fatos, destacam-se a capacidade mimética superior aos costumes e cultura adquiridos pelo autor e seu estilo no qual se equilibra o senso de humor, a crítica sutil e a denúncia contra as arbitrariedades políticas de todos os tempos.
         
REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado. Machado de Assis: obra completa. 3. ed. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar, 1973. Vol. III.

AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 4. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. Obras escolhidas; v. 1.

BASTOS, Hermenegildo. (Prof. Dr. da UnB. Pós-doutorado em Literatura Brasileira). Formação e representação. In: Cerrados. Brasília: UnB, nº 21, ano 15, 2006.

CALLIPO, Daniela Mantarro (Profª Drª em Língua e Literatura Francesa do Dept. de Letras Modernas da Faculdade de Letras da UNESP). O perfil singular da crônica machadiana. Disponível em: , Acesso em 11 de naio de 2009.

CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros mistérios. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989.

FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 3. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1988.

GLEDSON, John. Por um novo Machado de Assis: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

PERROT, Andrea Czarnobay (Profª Drª FAPA). Machado de Assis e a ironia: contos “de costumes” e crônicas ficcionais. In: GOMES, André Luís (org.). Cenas avulsas: ensaios sobre a obra de Machado de Assis. Brasília: LGE, 2008.

PINA, Patrícia Kátia da Costa (Profª Drª da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus-BA, Departamento de Letras e Artes). Machado de Assis e o Jornal no oitocentos brasileiro: a crônica criando o leitor. In: REVISTA DA ANPOLL / Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguistica. Brasília: ANPOLL, 2008.

______.De narradores muito abelhudos a leitores borboleteantes: a crônica finissecular machadiana. Disponível em: < http://www.abralic.org.br/enc2007/anais/16/35.pdf>. Acesso em 31 jul. 2009.

ROSSO, Mauro. Machado de Assis e a política: nada oblíquo, nada dissimulado. Disponível em: . Acesso em 20 abr. 2009.

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Informação da profª drª Hilda Lontra, na primeira aula (1º semestre de 2009) de sua disciplina Seminário Avançado em Teoria Literária. Tema central: A (est)ética da sensibilidade moderna em Walter Benjamin.

Hermenegildo Bastos.

Por Jorge Leite de Oliveira (Mestre em Literatura pela UnB)


Publicado por: Jorge Leite de Oliveira

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