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Luzia-Homem, obra naturalista?

Clique e conheça um estudo sobre a obra Luzia-Homem, de Domingos Olímpio.

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RESUMO

O presente artigo surgiu a partir da observação feita sobre a obra Luzia-Homem, de Domingos Olímpio, a qual apresenta não apenas aspectos naturalistas, embora receba essa classificação por muitos. Assim, este trabalho objetiva estabelecer relações possíveis com outras correntes literárias abordando as suas principais características que estão juntamente com o naturalismo inseridas na obra. O estudo terá respaldo de alguns teóricos como Sânzio de Azevedo, Massaud de Moisés, Alfredo Bosi, Leite Júnior e outros.

PALVRAS-CHAVE: Luzia-Homem. Naturalismo. Romantismo. Realismo.

Uma pretensa análise da obra Luzia-Homem descortinou uma questão absoluta sobre sua real classificação, visto o momento nebuloso da época em que foi escrita (1903), assim é possível destacarmos características naturalistas, românticas e realistas e declarar conforme padre João Mendes Lira (1983), que Domingos Olímpio conseguiu refletir todos os estilos literários de sua época, desde as inquietudes do Romantismo ao Realismo literário sobre fundamentos sociais.

O romance retrata a seca nordestina de 1877, no entanto todas as atenções estão voltadas para a personagem central, Luzia-Homem, uma retirante que, em busca de sobrevivência, sai da cidade de Ipu na companhia de sua mãe doente.

Luzia encontra em Sobral abrigo e emprego na construção da cadeia pública, mas pressentia um perigo iminente, pois era perseguida pelo soldado Crapiúna, o qual nutria uma obsessão pela moça e queria-a possuir a qualquer custo. “Luzia encontrara em Sobral, abrigo e fáceis meios de subsistência; mas pressentia iminente perigo do capricho ou paixão brutal de Crapiúna” (Luzia-Homem, 1984, p. 15).

A narrativa enfatizará o drama amoroso entre Luzia, Alexandre e Crapiúna. Alexandre, também retirante é o amigo dedicado de Luzia, no entanto nutre por ela sentimentos mais profundos. Crapiúna é um soldado temido por suas peripécias.

Ainda sobre a classificação literária da obra é importante frisar a concepção de Lúcia Miguel Pereira (1988), quando afirma que é difícil classificá-la, pois apresenta vários estilos literários entre eles estão o Naturalismo, Romantismo e Realismo.

Segundo Alfredo Bosi (1980), “Luzia-Homem” é naturalista de inspiração regional. Assim, sobre um olhar naturalista vale considerar o conceito de Elenir Barros (1994, p. 134),

O romance naturalista [...] caracteriza-se por selecionar, entre os dados da realidade, os mais chocantes e contundentes: não basta desvendar os “podres” da burguesia, é preciso mostrar as condições sub-humanas em que vive o operário, reduzido ao estado de animal; não basta mostrar as falhas, os aleijões, os casos patológicos; não basta observar a realidade circundante, é preciso abismar-se no submundo, vivencia-lo, experimenta-lo, registrar todas as reações observadas; adotar, em suma um comportamento cientifico.

Domingos Olímpio, ao se referir à seca em sua obra, de fato retrata um fato chocante e contundente mostrando em alguns momentos as condições degradantes em que os retirantes viviam “[...] Deslizava a intérmina torrente de retirantes andrajosos, esquálidos, torpemente sórdidos, parando de porta em porta, a mendigarem uma migalha, ossos, membranas intragáveis, os resíduos destinados a repasto de cães” (Luzia-Homem, 1984, p.44). No entanto, o autor não reduz o homem ao estado de animal, apenas expõe o cenário, o drama e as condições sub-humanas em que viviam os retirantes.

Outro aspecto interessante é compreender o porquê de Luzia ser estigmatizada de Luzia-Homem. A reposta encontra-se em um diálogo entre esta e o promotor.

-- por que lhe deram esta alcunha?

-- eu lhe digo, seu doutor. Desde menina fui acostumada a andar vestida de homem para ajudar meu pai no serviço. Pastorava o gado; cavava bebedouros e cacimbas; vaquejava a cavalo com o defunto; fazia todo o serviço da fazenda, até o de foice e machado na derrubada dos roçados. Só deixei de usar camisa e ceroula e andar encouraçada, quando já era moça demais, ali por obra dos dezoito anos. Muita gente me tomava por homem de verdade. (Luzia-Homem, 1984, p. 20).

Isso explica a força descomunal da personagem. O francês Paul, ao avistar Luzia na construção da cadeia, ressalta a magnitude de sua força ao anotar em seu caderno “Passou por mim uma mulher extraordinária, carregando uma parede na cabeça” (Luzia-Homem, 1984, p. 4). Observa-se então o determinismo, ou seja, a força de Luzia adveio de sua labuta desde a infância.

Ainda sobre o naturalismo, identifica-se o uso das longas descrições dos cenários e das paisagens.

No cabeço saturado de sangue, nu e árido, destacando-se do perfil verde-escuro da serra Meruoca, e dominando o vale, onde repousava, reluzente ao sol, a formosa cidade intelectual, a casaria branca alinhada em ruas extensas e largas, os telhados vermelhos e as altas torres dos templos, rebrilhando em esplendores abrasados, surgia em linhas severas e fortes, o castelo da prisão, traçado pelo engenho de João Braga, massa ainda informe, áspera e escura, de muralhas sem reboco, enteadas em confusa floresta de andaimes a esgalharem e crescerem, dia a dia, numa exuberância fantástica de vegetação despida de folhas, de flores e frutos. Pela encosta de cortante piçarra, desagregado em finíssimo pó, subia e descia, em fileiras tortuosas, o formigueiro de retirantes, velhos e moços, mulheres e meninos, conduzindo materiais para a obra. Era um incessante vai e vem de figuras pitorescas, esquálidas, pacientes, recordando os heróicos povos cativos, erguendo monumentos imortais ao vencedor (Luzia-Homem, 1984, p. 3).

Conforme Sânzio de Azevedo (1976), o romance oscila entre o realismo, com algumas pinceladas naturalistas e românticas. Para Massaud de Moisés (1979, p.261 apud Aragão, 2008, p.65) “Luzia-Homem enfileira-se junto do melhor que nosso Realismo produziu e cooperou para o clima de interesse efetivo pelo Nordeste que viria a fomentar o romance engajado de 1930”. Gustavo Barroso (2004), também considera a obra realista.

Sobre o Realismo, é válido ressaltar a concepção de Cogny que citada por Barros (1994),

O realismo desemboca numa reprodução exata, completa, sincera, do meio social, da época em que se vive, porque tal direção de estudos é justificada pela razão, pelas necessidades da inteligência e pelo interesse do público, e pelo fato de que ela está isenta de mentira, de todas as falcatruas. Esta reprodução deve ser tão simples quanto possível para que seja compreendida por todos. (Apud BORNECQUE, J-H., COGNY, P. Realisme et naturalisme. Paris: Hachete, 1958, p. 26)

Para Barros (1994), o romance realista é uma obra de observação e de análise cujas características são: a cidade, sendo o espaço privilegiado, o tempo que deve ser contemporâneo e a objetividade do discurso. Entre suas principais temáticas estão: a sociedade burguesa, a família, envolvendo questões sobre o casamento, educação e religião, além de problemas de ordem social, política e econômica.

Segundo Lira (1983, p.8) destaca “Domingos Olímpio, realmente, em seu romance descreve todos os temperamentos, analisa toda a alma humana com uma sensibilidade incomparável”.

Observa-se no romance um problema de ordem política, social e econômica; a seca de 77, o espaço privilegiado é a cidade de Sobral e o autor que busca retratar fielmente o contexto social da época.

Aliás, o escritor narra a obra de forma tão realista que de acordo com Camélia Maria Aragão (2008), houve quebra de acordo ficcional- a obra é projetada para a realidade e o leitor não mais distingue o real da ficção- ora, o que favoreceu para a quebra desse acordo ficcional foi o fato de Domingos Olímpio ter mencionado em seu romance fatos e personagens reais, além das várias narrativas imaginárias contadas por Raulino Uchoa.

Para Barroso (2004, p.330 apud Aragão 2008), “Ela existiu de fato. Domingos Olímpio não a tirou da própria imaginação: tirou-a da existência real”. Lira (1983), citando Otacilio Colares (1975), admite uma tese que existiu uma moça como Luzia, porém na cidade de Tamboril.

No entanto, como Azevedo (1976) afirma que o romance tem algumas pinceladas românticas, é importante frisar alguns aspectos desta corrente literária.

Conforme já foi citado, Luzia-Homem é dotada de uma força espetacular, que causa vários rumores entre os retirantes da cidade sobralense. Contudo deve-se observar que, embora esta característica da personagem seja naturalista, ao longo da narrativa o narrador revela uma Luzia frágil, sensível e bela que esconde sua feminilidade sob seus músculos. “Sob os músculos poderosos de Luzia-Homem estava a mulher tímida e frágil, afogada no sofrimento que não transbordava em pranto, e só irradiava, em chispas fulvas, nos grandes olhos de luminosa treva” (Luzia-Homem, 1984, p.9).

Sua feminilidade é fortemente revelada quando Luzia é surpreendida por Terezinha durante o banho matinal

Uma vez, estando ela a banhar-se, depois de cheio o grande pote, na cacimba aberta no leito de areia do rio, em sítio distante dos caminhos e aguadas mais freqüentadas, surpreendeu-a Teresinha, a rapariga branca e alourada, bem-parecida de cara e bem feita de corpo, que era flexível como um junco, de sóbrias carnações e contornos graciosos. Estava ainda longe o dia. As barras apenas despontavam no levante em pálido clarão e alguns farrapos de nuvens rubescentes. Exposta à bafagem da madrugada, Luzia de pé, em plena nudez, entornava sobre a cabeça cuias d'água que lhe escorria pelo corpo reluzente, um primor de linhas vigorosas, como pintava a superstição do povo o das mães-d'água lendárias, estremecendo em arrepios à líquida carícia, e abrigado em manto da espessa cabeleira anelada que lhe tocava os finos tornozelos. Ao perceber desenhar-se no lusco-fusco da neblina matinal, já perto, o vulto da moça a contemplá-la, soltou um grito de espanto e agachou-se, cruzando os braços sobre os seios. [...]

[...] - Agora sou sua defensora – continuou a outra torcendo os cabelos ensopados – Hei de punir por você em toda parte, porque vi com os meus olhos que é uma mulher como eu, e que mulherão! (Luzia-Homem, 1984, p. 9-10).

Não obstante, Leite Júnior (1997), caracteriza LH como uma personagem enigmática, simbolizando o sertão nordestino caracterizado pelos extremos da seca e do inverno. Para Pereira apud Júnior (1997, p. 20) a personagem é “taciturna e forte, solitária e boa, a heroína, a Luzia-Homem, é um dos tipos mais complexos e misteriosos de nossa ficção [...]”.

Assim, observa-se toda idealização feminina que envolve LH, e não somente nela, é possível ressaltar a idealização em Alexandre, pois ele também apresenta traços dos personagens românticos. Ele é o moço apaixonado, dedicado, amigo, que não tem coragem de se declarar para sua amada, ama-a com um amor puro e verdadeiro.

[...] Alexandre, o amigo dedicado e afetuoso, que se lhe deparara entre a multidão de desconhecidos e indiferentes, moço de maneiras brandas, muito paciente, muito carinhoso, com a tia Zefa, passando serões, noites em claro junto dela e da filha, num recato de adoração muda e casta [...] (Luzia-Homem, 1984, p.8).

Desta forma, pode-se afirmar que Luzia também representa a virtude e a pureza, pois independentemente do ambiente a que ela foi exposta e todas as oportunidades que ela teve para se corromper LH manteve-se pura até a morte.

Conforme Júnior (1997, p.40) exemplifica “Mais importante que viver em Luzia-Homem, é lutar pelo triunfo da virtude e da verdade. E tais atributos caracterizam o casal de namorados [...]”. Luzia morre como uma heroína, defendendo sua virgindade, ou seja, a virtude é mais importante que a vida e o sacrifício de Luzia segundo Júnior (1997), atesta o caráter idealista do livro.

Ainda de acordo com Júnior (1997), o sacrifício de Luzia faz alusão a hagiografia de Santa Luzia, conhecida como protetora dos olhos. Esta “perseguida ao tempo de Diocleciano, morreu defendendo sua virgindade” (SERULLAZ, ?, p.12 apud Júnior, 1997, p.40).

A última cena do livro mostra a luta entre Crapiúna e Luzia, esta lutando por sua honra e aquele por possuí-la.

Luzia conchegou ao peito as vestes dilaceradas, e, com a destra, tentou lhe garrotear o pescoço; mas, sentiu-se presa pelos cabelos e conchegada ao soldado que, em convulsão horrenda, delirante, a ultrajava com uma voracidade comburente de beijos. Súbito, ela lhe cravou as unhas no rosto para afastá-lo e evitar o contacto afrontoso.

Dois gritos medonhos restrugiram na grota. Crapiúna, louco de dor, embebera-lhe no peito a faca, e caía com o rosto mutilado, deforme, encharcado de sangue. (Luzia-Homem, 1984, p.96).

Conforme Júnior (1997), Luzia-Homem extirpou os olhos de Crapiúna para que a virtude triunfasse logo este fato, não deveria ser tomado como uma tirada naturalista, mas sim como uma simbologia cristã.

Outra característica romântica observável na obra é o maniqueísmo, em que os personagens bons serão sempre bons e os maus sempre maus e o uso das descrições minuciosas que é comum tanto a essa estética quanto ao naturalismo.

Seja qual for a classificação que a obra de Domingos Olímpio possa receber o que importa é a singularidade que o autor conseguiu imprimir na obra a qual como bem declarou Olavo Bilac citado por Lira (1983, p.7), “ [...] A publicação de Luzia-Homem foi um tão belo e ruidoso triunfo que esse livro forte, humano e profundamente nacional deu ao autor uma celebridade em todo o Brasil,que perdurará, enquanto formos um povo, e enquanto tivermos uma literatura”.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Sânzio de. Literatura Cearense. Fortaleza. Academia Cearense de Letras, 1976.

ARAGÃO, Carmélia Maria. Aspectos da crítica sobre uma obra. Dissertação apresentada ao curso de mestrado. Fortaleza, 2008.

BARROS, Elenir Aguilera de. Prosa de Ficção. In A Literatura Portuguesa em perspectiva. V.3 Dir. Massaud Moisés. São Paulo: atlas, 1994.

BARROSO, Gustavo. A margem da História do Ceará. Rio- São Paulo- Fortaleza: Funcet, 2004.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 1980.

LIRA, João Mendes (Padre). Luzia-Homem- Ontem e Hoje. Rio de janeiro: Companhia Brasileira de artes Gráficas, 1983.

MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. História da Literatura Brasileira: prosa de ficção. Rio de Janeiro: José Olympio editora, 1957.

OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. São Paulo: Ed. Moderna, 1984.

OLIVEIRA Jr., José Leite de. O Pictório em Luzia-Homem: ensaio. 2. ed. Fortaleza: Links, 1997.

 


Publicado por: DEBORA RAQUEL DE VASCONCELOS

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