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Ensaio sobre o poema “As realidades” de Louis Aragon por Elvira Costa

Confira um ensaio sobre o poema “As realidades” de Louis Aragon por Elvira Costa.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Esta abordagem buscará os aspectos mais relevantes de um olhar sobre o poema “As realidades”, revelando a intensidade do autor francês que tinha por características propor jogos obscuros aos seus leitores.

As realidades

Era uma vez uma realidade
com as suas ovelhas de lã real
a filha do rei passou por ali
E as ovelhas baliam que linda ela está
a re a re a realidade


Na noite era uma vez
Uma realidade que sofria de insônia
Então chegava a madrinha fada
e realmente levava-a pela mão
a re a re a realidade

No trono havia uma vez
um velho rei que se aborrecia
e pela noite perdia o seu manto
e por rainha puseram-lhe ao lado
a re a re a realidade

CAUDA: dade dade a reali
dade dade a realidade
A real a real
idade idade dá a reali
ali
a re a realidade
era uma vez a REALIDADE.

Sobre A realidade

Era uma vez uma realidade
com as suas ovelhas de lã real
a filha do rei passou por ali
E as ovelhas baliam que linda ela está
a re a re a realidade

Poema dividido em quatro estrofes. Na primeira estrofe o autor nos apresenta uma cena inicial que nos remete a mais de um referente e o narrador se coloca à parte da história. Revela um ambiente de realeza, como em uma fábula, que tem como principal personagem a magestosa realidade. Lança mão de figura de pensamento (prosopopeia) para brincar com  a palavra realidade e o balir das ovelhas, dando voz às ovelhas e causando uma sonoridade extremamente envolvente.

“E as ovelhas baliam que linda ela está
a re a re a realidade.”

O termo “Era uma vez” nos remete a um tempo impreciso, indeterminado.

Na noite era uma vez
Uma realidade que sofria de insônia
Então chegava a madrinha fada
e realmente levava-a pela mão
a re a re a realidade

O surrealismo é característica importante do autor que se faz presente no poema.Nele, Louis Aragon extravasa diretamente os impulsos criadores do subconsciente, sem qualquer controle da razão ou do pensamento. A noite, adquire uma enorme representatividade de acordo com a própria literatura. A escuridão noturna, sem definição, opaca, aguça nossos sentidos mais inusitados, remetindo-nos de encontro a profundidade da arte.

Em sentido mais amplo, a noite é a natureza da arte, portal de entrada para o conflito, a dialética do texto.Na noite, assim como na arte, é onde o improvável, o inesperado, o incrível , o maravilhoso pode acontecer.

“Uma realidade que sofria de insônia”, termo que garante à realidade uma humanização sem se importar com coerência, adequação.Esta realidade se mostra desassossegada, incomodada.Mais uma vez chamo a atenção para o inconformismo de Aragon com as condições impostas pela mentalidade da sociedade.

A valorização do sono é uma espécie de ponte para o acesso ao inconsciente e aos seus mistérios, observe que esta realidade do poema não dorme. Para os surrealistas, o sono é, de fato, uma etapa importante da experiência, pois possibilita a entrada para a atividade onírica, para esta realidade que está além, um dos contactos mais íntimos com a vida primitiva. Segundo Duplessis, “considerar o sonho como um meio de evasão e atribuir-lhe um papel sobrenatural, em oposição à atividade, vem da insatisfação que o ser humano encontra na sociedade tal como ela é”. (1956, p. 121). É através da loucura que os seres que a sociedade rejeita (devido a sua inadaptação a ela) vivem no mundo do sonho e da fantasia e abrem novas portas para o domínio onde tudo é permitido.

No terceiro verso, a fada madrinha (novamente o clima de conto de fadas), resgata esta realidade de sua angústia, a leva, como que salvando-a de seu sofrimento.

No trono havia uma vez
um velho rei que se aborrecia
e pela noite perdia o seu manto
e por rainha puseram-lhe ao lado
a re a re a realidade

Nesta estrofe, com o verbo ser substituído pelo haver, o tempo indeterminado dá lugar a um tempo preciso, mais definido.

“No trono havia uma vez”

Este verso inicia com o signo trono, o mesmo vem carregado de significância. Signo de poder, autoridade,autonomia e independência. Poderíamos Traçar uma relação entre este termo e as ideias adotadas por Louis Aragon em determinado momento de sua vida. Os surrealistas perscrutavam “[...] a emancipação total do homem, o homem fora da lógica, livre de suas relações psicológicas e culturais ( TELES, 1997, p.170), sem qualquer controle da razão ou do pensamento.

“um velho rei que se aborrecia”

A forma verbal aborrecia, no pretérito imperfeito, promove uma sensação de continuidade, um aniquilamento por se aborrecer, um desagrado emocional profundo, um rei que adoecia. É o tempo de uma ação prolongada ou repetida com limites imprecisos. Nada esclarece sobre a ocasião em que ação iria terminar, ou nada informa do momento inicial.

“e pela noite perdia o seu manto”

Num estado psíquico noturno, este velho rei vai sendo destituido de seu poder, simbolisado pelo signo manto.

“e por rainha puseram-lhe ao lado”

A forma verbal “puseram” determina uma situação imposta, dominada, controlada por outros, afinal este rei já não tem mais poder.Ele se desidentifica como rei diante da realidade, se enfraquece e perde seu poder.

“a re a re a realidade”

Esta fragmentação da palavra realidade,  provoca em nossa mente uma sensação de situação que se arrasta, uma repetição rítmada, constante e vagarosa.

CAUDA: dade dade a reali
dade dade a realidade
A real a real
idade idade dá a reali
ali
a re a realidade
era uma vez a REALIDADE.

Nesta última estrofe, o autor inicia o primeiro verso pelo final da palavra realidade, a cauda, parte última: dade. A palavra, assim como a própria realidade vai se formando aos poucos, em pequenos fragmentos, até com certa dificuldade.

“A real a real
idade idade dá a reali”

ali

Uma única palavra ocupando um verso inteiro, o poeta quer dizer muito com isso. A realidade está sempre ali, lá, acolá, porém jamais aqui. A realidade é passageira,fugidia e fugaz.

“era uma vez a REALIDADE.”

Novamente o termo era uma vez nos remete ao universo da irrealidade, uma terra do nunca, um tempo indefinido. Fala de uma realidade intangível, intocável, que talvez exista apenas no universo da imaginação, do maravilhoso. Supra-realidade, outras realidades onde o espírito poderia apreender na relação com a ilusão e o sonho.

“a mais profunda emoção do ser tem todas as possibilidades de se expressar apenas com a aproximação do fantástico, no ponto onde a razão humana perde seu controle”. (Louis Aragon apud Duplessis, 1956, p. 34).

No poema “As realidades”, o autor desmonta imagens de um mundo exterior pelo produto da imaginação, do fantástico. Neste jogo obscuro entre o real e imaginário ele nos desafia com uma nova possibilidade de compreender o todo à nossa volta. No texto de Aragon, a realidade é totalmente alheia a todos os valores e padrões estabelecidos, ele liberta o inconsciente da lógica e da razão para dar vazão aos sonhos e as informações do inconsciente.

REFERÊNCIAS

DUPLESSIS, Y. 1956. O surrealismo. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 140 p.

TELES, G. M. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972, Petrópolis: Vozes, 1997.


Publicado por: Elvira Livonete Costa

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.