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Análise do narrador pós-moderno no conto As Babas do Diabo de Julio Cortázar

Confira uma análise de como o narrador pós-moderno se apresenta na narrativa de Júlio Cortázar.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

O presente artigo científico faz uma análise de como o narrador pós-moderno se apresenta na narrativa de Júlio Cortázar. Em uma verificação de autenticidade e na incomunicabilidade da experiência, veremos a dificuldade e a necessidade que esse narrador tem de narrar algo que ele vivenciou ou talvez tenha apenas observado.

PALAVRAS-CHAVE: Narrador. Experiência. Observação. Ação.

1 INTRODUÇÃO

Ao analisarmos o conto de Júlio Cortázar veremos como o narrador se coloca em relação aquilo que ele irá narrar, e como será o desenrolar da narrativa por ele narrada. Ao lermos o conto “As babas do diabo,” de Júlio Cortázar começa a surgir diversos tipos de narradores, no início vemos um narrador-escritor, um homem sentado em uma cadeira escrevendo à máquina, indeciso, confuso sem saber em que pessoa ele deve narrar determinado fato, então ele começa narrar, não o acontecimento, mas a dificuldade que ele encontra de contar uma determinada ação por ele vivenciada ou apenas observada. Podemos ver na citação do conto a seguir um narrador que é apresentado com um ser movido por uma vontade, um desejo imenso, porém sombrio de relatar algo que aconteceu:

Nunca se saberá como isto deve ser contado, se na primeira ou na segunda pessoa, usando a terceira do plural ou inventando constantemente formas que não servirão para nada […] Então tenho que escrever. Algum de nós tem que escrever, se é que isto vai ser contado […] De repente me pergunto por que tenho de contar isto, mas se a gente começa a se perguntar por que faz tudo o que faz, se a gente se pergunta apenas por que aceita um convite para jantar[...] Já sei que o mais difícil vai ser encontrar a maneira de contar, e não tenho medo de me repetir(CORTÁZAR, 2009, p. 01)

Em seguida começa a aparecer alguns verbos na primeira pessoa, onde se apresenta um narrador em primeira pessoa, o narrador-personagem que é o fotógrafo Roberto Michel que começa a narrar a manhã, a boa luz das onze horas e o seu percurso até a ilha onde ele senta em um parapeito e observa a cena da mulher e o rapaz conversando e mais distante um homem de chapéu cinza sentado ao volante do automóvel e começa a descrevê-la eram apenas dez da manhã, e calculei que lá pelas onze havia boa luz, a melhor possível no outono; para passar tempo; derivei até a ilha Saint-Louis e fiquei andando pelo Quai d' Anjou[...] Depois continuei pelo Quai de Bourbor até chegar à ponta da ilha, onde existe a intima pracinha[...] Não havia nada além de um casal[...] Num salto me instalei no parapeito e me deixei envolver e atar pelo sol[...] ...creio que no momento em que aproximava o fósforo do cigarro vi pela primeira vez o rapazinho […] Tudo isso era tão claro, ali a cinco metros estávamos sozinhos contra o parapeito, na ponta da ilha que no começo o medo do garoto não me deixou ver direito a mulher loura[...] Gostaria de saber o que pensava o homem de chapéu cinza sentado ao volante do automóvel estacionado no cais que levava à passarela, e que lia o jornal ou dormia...(CORTÁZAR, 2009, p.02,03,05)

Ao decorrer do conto após observada a cena Michel o fotógrafo, tira uma foto com sua câmara como algo bem simples, mas só quando ele chega em sua casa e revela a foto é que ele se surpreende, e ao ampliar a fotografia ele vai observando e descobrindo, manifestando diversas maneiras de como se deu aquele acontecimento, ou seja, somente agora olhando a foto ampliada ele começa a perceber acontecimentos que no dia em que ele observava a cena não tinha percebido, e desta forma o narrador também leva o leitor a imaginar o que teria acontecido naquele dia.

Passaram-se vários dias antes que Michel revelasse as fotos do domingo[...] O negativo era tão bom que preparou uma ampliação; a ampliação era tão boa que preparou outra muito maior, quase um poster[...] pregou a ampliação numa parede do quarto, e no primeiro dia passou um bom tempo olhando e recordando, nessa operação comparativa e melancólica da recordação frete à realidade perdida; recordação petrificada, como toda fotografia, onde não faltava nada[...] O importante era haver ajudado o garoto a escapar a tempo[...] Intrometido, eu tinha dado a oportunidade de finalmente aproveitar seu medo para algo útil; agora estaria arrependido, desprezado, sentindo-se pouco homem. Isso era melhor que companhia de uma mulher capaz de olhar como o olhavam na ilha. No fundo, aquela foto havia sido uma boa ação. (CORTÁZAR,2009,p. 07,08)

2 A INEXPERIÊNCIA DO NARRADOR PÓS-MODERNO

No conto de Júlio Cortázar percebemos a presença do narrador pós-moderno, um narrador jovem, inexperiente e privado de palavras, ao longo do conto o narrador quer narrar uma experiência proporcionada por um olhar lançado sobre determinada ação, essa experiência é algo que foi vivenciado por outra pessoa, nisto a narrativa perde a sua noção de autenticidade, porque para ser autentico é necessário haver uma experiência por parte do próprio narrador

Segundo BENJAMIN(1936), “A arte de narrar esta em vias de extinção”, ou seja, nós não conseguimos narrar por não ter experiencia, perdemos a capacidade de narrar o que vivemos, é exatamente o que está acontecendo com a narrativa contemporânea , esse narrador pós-moderno que quer se extrair da ação narrada, ele é apenas expectador, narra a ação como quem esta assistindo algum espetáculo de uma plateia ou de uma arquibancada, o narrador sai da narrativa, ele não narra enquanto atuante, nisto ele começa a se distanciar, se afastando do narrador clássico que é o primeiro estágio do narrador caracterizado por Walter Benjamin.

A medida que a sociedade se moderniza, torna-se mais e mais difícil o diálogo enquanto troca de opiniões sobre ações que foram vivenciadas. As pessoas já não conseguem hoje narrar o que experimentaram na própria pele. O narrador se subtrai narrada e, ao fazê-lo, cria um espaço para a ficção dramatizar a experiencia de alguém que é observado e muitas vezes desprovido de palavra. Subtraindo-se à ação narrada pelo conto, o narrador identifica-se com um segundo observador_ o leitor. Ambos se encontram privados da exposição da própria experiencia na ficção e são observadores atentos da experiência alheia. Na pobreza da experiência de ambos se revela a importância do personagem na ficção pós-moderna; narrador e leitor se definem como espectadores de uma ação alheia que os empolga, emocionam, seduz etc.(SANTIAGO,2002,p. 45;51).

O anseio de narrar ou contar histórias vivenciadas, gera um desejo tão exacerbado no narrador que ele busca constantemente “uma maneira de dizer”, e não consegue, e a narrativa chega a terminar e ele não conta o fato, apenas relata a dificuldade de contar. Essa incapacidade de encontrar, de dizer o essencial, essa incomunicabilidade também é vista nas narrativas de Clarice Lispector, onde suas obras começa e termina em um conflito interior imenso pela busca do essencial, esse essencial que segundo Santiago, “é a própria arte de narrar hoje”.

A literatura pós-moderna existe para falar da pobreza da experiência, dissemos, mas também da pobreza da palavra escrita enquanto processo de comunicação. Trata-se de um diálogo de surdos e mudos[...] As narrativas hoje são, por definição, quebradas. Sempre a recomeçar[...]...a ação pós-moderna é jovem, inexperiente, exclusiva e privada da palavra_ por isso tudo é que não pode ser dada como sendo do narrador. Este observa uma ação que é, ao mesmo tempo, incomodamente auto-suficiente.(SANTIAGO,2002, p. 53, 54, 56)

3 CONCLUSÃO

Ao fazermos essa análise do narrador pós-moderno dentro do conto “As babas do diabo,” percebemos como a narrativa vem perdendo a sua autenticidade nos dias de hoje, a narrativa da oralidade está ficando para trás e o narrador contemporâneo já não tem conhecimento de suas histórias e tradições, suas narrativas não possui mais o senso prático, o narrador se encontra isolado do contexto e não consegue mais transmitir as experiências vivenciadas.

Esperamos que essa análise possa ajudar aos professores, aos alunos e universitários e aos demais que lerem este artigo, nas pesquisas e interpretações a respeito do conto “As babas do diabo” de Júlio Cortázar, e a todos os que estiverem desejosos na busca do essencial, das palavras que realmente dizem o que vivenciam e na reflexão desse narrador pós-moderno da contemporaneidade

4 REFERÊNCIAS

BENGAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Trad. Sérgio Paulo Ronanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.

CORTÁZAR, Júlio. As armas secretas. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2009.

SANTIAGO, Silviano. Nas machas da letra. Ensaios. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.


Publicado por: Maria Ozanila dos Santos

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.