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Análise Crítica da obra O ventre do Atlântico de Fatou Diome

A análise de algumas passagens da obra da autora senegalesa Fatou Diome de maneira a obter traços e ideologias que se inscrevem, em especial o pós-colonialismo, a ideologia, a teoria dos polissistemas, entre outras.

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INTRODUÇÃO

Fatou Diome é uma escritora senegalesa da atualidade que trata especialmente de questões acerca da identidade, origem e imigração. Nascida em 1968 na pequena ilha do Senegal chamada Niodior situada na costa oeste da África. A autora em seu livro Le Ventre de l’Atlantique escreve de uma maneira autônoma, mesclando a cultura de seu país, elementos da religião islâmica e a língua francesa; o que faz da sua obra uma espécie de miscelânea de vários povos e culturas.

Em seu livro de caráter quase autobiográfico, Diome relata a dificuldade de ser imigrante na França. O continente europeu é visto pelos nativos do seu país como o El Dorado ou até mesmo como a pátria mãe, detentora de tudo o que existe de mais desejável e superior. Ela retrata que, para muitos de seu país que sofrem devido à fome e à escassez de recursos, a ida à Europa representa a garantia do sucesso; onde supostamente todos os que imigram obterão sucesso e qualidade de vida.

A narrativa retrata a vida de vários homens e mulheres do Senegal, país cuja economia é essencialmente sustentada pela pesca e agricultura. Diante dessa realidade, a imigração se apresenta como um horizonte promissor para várias pessoas. Para muitos, o caminho mais curto para chegar à Europa, seria o da contratação por uma grande equipe europeia, prioritariamente francesa; pois a França, símbolo da pátria mãe, serve de exemplo para os senegaleses daquilo que representa o modelo de nação a ser copiada.

No seguinte trabalho, busca-se analisar algumas passagens da obra da autora senegalesa Fatou Diome de maneira a obter traços e ideologias que se inscrevem nas diferentes teorias estudadas ao longo da disciplina Teorias Contemporâneas de Tradução, em especial o pós-colonialismo, a ideologia, a teoria dos polissistemas, entre outras. O propósito da análise é poder fazer um paralelo entre as teorias e as diferentes passagens do livro que também serão traduzidas para o português a fim de definir a perspectiva adotada durante o processo tradutório.

A LÍNGUA FRANCESA NO SENEGAL

O Senegal, ex-colônia francesa, é um país que possui muitas línguas e o francês é uma das línguas oficiais apesar da existência de outras línguas. O Wolof é a língua mais falada no território senegalense, contudo, por questões étnicas e de comunicação, muitos senegaleses de outras etnias optam pelo francês como uma maneira de se comunicar com outras etnias cujas línguas são outras; porém há também uma perspectiva de ascensão social quando se adota a língua do colonizador. É preciso salientar que o francês permanece ainda uma língua muito associada à elite e aos que tiveram uma boa educação.

O seguinte trecho do livro expõe o status do francês no Senegal, ainda que grande parte da população não fale e nem entenda a língua de Voltaire, a língua ainda é amplamente usada em documentos oficiais e administrativos do país. Neste momento da história, os garotos acompanhavam a partida de futebol entre duas equipes europeias e no momento de propaganda, um dos personagens se irrita, pois não entende a língua francesa:

« Cette langue , il l’a souvent entendue et même vue. Oui , il l’ a vue, cette langue porte des pantalons, des costumes, des cravates, des chaussures fermées ; ou alors des jupes, des tailleurs, des lunettes et de hauts talons. Oui, il reconnaît cette langue qui fait la musique des bureaux sénégalais, mais il ne la comprend pas et ça l’irrite. »

                   

“Essa lingua, ele a ouviu e viu com frequência. Sim, ele a viu, ela veste calças, ternos, gravatas, sapatos fechados; ou até mesmo saias, tailleurs, óculos e salto alto. Sim, ele reconhece essa língua que faz parte da melodia dos escritórios senegaleses, mas ele não a entende e isso o irrita.”


Vemos aqui a marca clara dos efeitos da colonização europeia no Senegal e na África como um todo. Muitos países dispõem da língua do colonizador como meio de comunicação para o alcance das massas, contudo, o nível de educação em alguns países africanos ainda é relativamente precário em algumas esferas da sociedade. O texto, por conseguinte, demonstra a ausência de uma língua local própria que atenda as demandas da população menos letrada.

Esse tipo de fenômeno é muito comum por parte de autores africanos oriundos de ex-colônias europeias; eles escrevem na língua do colonizador não somente com o propósito de promover a própria cultura, mas também porque muitas línguas africanas não possuem ainda uma forma escrita, e se possui, nem todos os habitantes receberam a alfabetização completa ou adequada.

O tradutor de uma obra proveniente de uma ex-colonia europeia deve estar atento às nuances e questões históricas do país de onde a obra vem, pois elas ajudam a delinear a estrutura do projeto e suas especificidades durante o processo tradutório. A visão que temos, tanto do processo de colonização quanto do colonizado, é resultante de um papel ativo da tradução. Isso vale, portanto para culturas hegemônicas e minoritárias.

Norman Simms (1983) aborda em parte esse aspecto se referindo em particular à questão do lugar em que a tradução é feita. O tradutor pode se deparar com certas demandas na sua tradução se inserido em um contexto pós-colonial, como por exemplo, a identificação de elementos híbridos, elementos típicos daquele povo, elementos do colonizador, etc. O seguinte trecho foi extraído da obra Tradução e relações de poder:

Simms demonstra como a política da tradução se entrelaça com a posição do tradutor. Mostra ainda que tal fato acontece não importando se o tradutor é um membro de uma cultura pós-colonial utilizando a tradução em uma língua imperialista (como meio de advocacia cultural) ou se ele assume uma das possíveis posições segundo a qual a tradução é produzida para membros da própria cultura-alvo em um complexo ideológico específico. Estudos descritivos e argumentos teóricos de muitos autores (incluindo Simms) ilustram que o tradutor pode estar posicionado dentro da cultura receptora (o caso mais comum), dentro da cultura fonte (como por exemplo, no caso da tradução autorizada dos escritos de Mao para o inglês, que foi contratada na República Popular da China durante o período de 1949-79) ou em outro lugar como uma terceira cultura (como no caso em que filólogos alemães traduziram literatura irlandesa para o inglês e a publicaram numa série alemã, ou quando tradutores bíblicos estadunidenses traduziram o Novo Testamento para línguas nativas sul-africanas). (TYMOCZO, Maria)

A TRADUÇÃO PÓS-COLONIALISTA

No que diz respeito à colonização, é comum que textos oriundos de países que passaram pelo processo de colonização possuam elementos de dominação. Quando se fala da exploração europeia na África, Ásia ou América, deve-se examinar o processo de colonização como resultado de um conjunto de ações que conduziram à ocupação de outras nações por meios militares, econômicos, culturais, lingüísticos e políticos.

O tradutor que se dispõe a tratar um texto inscrito nesse contexto necessita ter consciência das ideologias por trás dessa ocupação como o conceito de hierarquia, hegemonia, e dominação cultural. Esses vocábulos costumam aparecer, especialmente, em textos que foram escritos durante o período colonial e pós-colonial. A tradução de textos estrangeiros pode também refletir os objetivos ideológicos e políticos da língua de chegada. Para melhor exemplificar esse fenômeno, vejamos a tradução desta passagem do livro em que vemos a hegemonia da França permanecer apesar do fim da colonização histórica:

«Pourtant, la télévision montrait aussi d’autres grands clubs occidentaux. Mais rien à faire. Après la colonisation historiquement reconnu, règne maintenant une sorte de colonisation mentale : les jeunes joueurs vénéraient et vénèrent encore la France. à leurs yeux, tout ce qui est enviable vient de France.

Tenez, par exemple, la seule télévision qui leur permet de voir les matchs, elle vient de France. Son propriétaire, devenu un notable au village, a vécu en France. Tous ceux qui occupent des postes importants au pays ont étudié en France. Les femmes de nos présidents successifs sont toutes françaises.

Pour gagner les éléctions, le Père-de-la-nation gagne d’abord la France. Les quelques joueurs sénégalais riches et célèbres jouent en France. Pour entraîner l’équipe nationale, on a toujours été chercher un Français. Même notre ex-président , pour vivre plus longtemps, s’était octroyé une retraite française. Alors, sur l’île, même si on ne sait pas distinguer, sur une carte, la France du Pérou, on sait en revanche qu’elle rime franchement avec chance. »

« No entanto, a televisão mostrava também outros grandes clubes ocidentais. Mas não adianta. Depois da colonização historicamente reconhecida, reina agora uma espécie de colonização da mente: os jogadores jovens veneravam e ainda veneram a França. Na visão deles, tudo o que é invejável vem da França.

Veja, por exemplo, a única televisão existente na ilha para assistir às partidas de futebol vem da França. O dono dela morou na França. Todos os que têm um cargo importante no país estudaram na França. As mulheres dos nossos presidentes são todas francesas.

Para ganhar as eleições, o Pai-da-nação conquista primeiramente a França. Os poucos jogadores ricos e famosos do Senegal jogam na França. Para treinar a seleção senegalesa, sempre se escolhe um francês. Até mesmo nosso ex-presidente, para viver mais tempo, tinha garantido a própria aposentadoria na França. Na ilha, mesmo se a gente não sabe distinguir, num mapa, a França do Peru, a gente sabe, em compensação, que França rima sem dúvida com bonança.»


Durante o procedimento tradutório, existe uma rima que foi feita propositalmente pela autora entre “France” e “chance”. Para poder preservar o conceito de “prosperidade” e “sorte” francesas, foi proposto a rima de “França” com “bonança”, fomentando assim o estereotipo do sonho francês. Além da rima que estabelece esse estereotipo francês; a narrativa apresenta o efeito de dominação cultural na mentalidade dos habitantes do Senegal como foi ilustrado.

No que diz respeito a historicidade desses povos que vivem sob a influência de uma mentalidade pós-colonial. Tejaswini Niranjana, uma teórica indiana dos estudos de tradução pós-colonial, marca o início da discussão de tradução pós-colonial com sua obra intitulada Siting Translation (1992) ao relacionar questões de história, filosofia, poética e representação no contexto colonial. A proposta geral, com relação à tradução, é afirmar que, nos moldes em que abordava determinadas questões, a teoria da tradução não conseguia abranger as peculiaridades dos textos das ex-colônias. A autora traz inicialmente a questão da historicidade à tona. No Ocidente, ironicamente muitos alegam que os europeus trouxeram a civilização aos povos africanos, essa afirmação chega ao ponto de dizer que não havia nada antes da chegada dos europeus, aliás, as ex-colônias eram povos “sem história”, que passam a tê-la apenas após a colonização.

A VALORIZAÇÃO DO OUTRO NA TRADUÇÃO PÓS-COLONIAL

Segundo Niranjana, em um contexto pós-colonial, como é o da escrita de Fatou Diome, a problemática da tradução torna-se um local essencial para discutir questões de representação, poder e historicidade. Por muito tempo, a tradução e a antropologia compartilharam e ainda compartilham em alguma medida da função de trazer o Outro para dentro de uma outra cultura (normalmente mais hegemônica) por meio de um processo de domesticação dos elementos que o compõem que são estranhos ou “selvagens”; dessa maneira, muito do conhecimento que temos do Outro é um entendimento que tende para uma redução ou simplificação, o qual não compreende o Outro em seus próprios termos. Wang Hui destaca esse aspecto no seguinte trecho:

A recusa de ver culturais não-ocidentais em seus termos apropriados é manifestada na própria tradução ou na crítica: tradutores orientalistas podem se sentir forçados a representar a visão dos nativos na parte principal da tradução, mas eles são raramente temerosos ao transformar o espaço paratextual – prefácios, introduções, notas, apêndices, e assim em diante – em um espaço de colonização em que as diferenças culturais são interpretadas com marcas de inferioridade das culturas não-ocidentais. (Wang Hui 2007) 1

Nos estudos de tradução pós-colonial, percebe-se a tendência dos grandes centros a abordar as literaturas mais periféricas de maneira a omitir traços que vão de encontro às culturas hegemônicas, ao mesmo tempo em que acentuam o elemento exótico. Não há dúvidas de que a hegemonia do Ocidente fomenta a ideia do Oriente, do Outro, como um lugar distinto e muitas vezes inferior em termos de cultura, historia e ciência. Said relata esse aspecto em sua obra Orientalismo, o Oriente como invenção do Ocidente:

Comecei com a suposição de que o Oriente não é um fato inerte da natureza. Ele não está meramente ali, assim como o próprio Ocidente tampouco está apenas ali. Devemos levar a sério a grande observação de Vico de que os homens fazem a sua história, de que só podem conhecer o que eles mesmo fizeram, e estendê-la à geografia: como entidades geográficas e culturais – para não falar de entidades históricas –, tais lugares, regiões, setores geográficos, como o “Oriente” e o “Ocidente”, são criados pelo homem. Assim, tanto quanto o próprio Ocidente, o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, um imaginário e um vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente. As duas entidades geográficas, portanto, sustentam e, em certa medida, refletem uma à outra. (Said, 2007, p. 31)

A HIBRIDIZAÇÃO COMO REFLEXO DA COLONIZAÇÃO

No contexto de países que passaram pela colonização, é comum pensar que o colonizador trouxe alguma ordem ou estrutura que antes não havia. Os habitantes dessas ex-colônias podem acreditar que o fato de não serem “Europa” os torna automaticamente “o Outro”. Contudo, ser o Outro num contexto pós-colonialista é criar um estereôtipo carregado de uma simbologia depreciativa daquela cultura que já existia ali antes mesmo da chegada do colonizador.

É perceptível em textos oriundos de ex-colônias européias, o elemento híbrido, esse que é fruto das trocas ocorridas entre as duas culturas, a dominante e a dominada. Essa hibridização é o que teóricos como os irmãos Campos intitularam de antropofagia, termo utilizado em referência aos índios brasileiros que comiam os indivíduos oriundos de outros lugares que se destacavam por suas qualidades. Os índios brasileiros comiam seus adversários com o intuito de se incorporar as qualidades, o que, aos olhos dos europeus, era visto como selvageria.

A hibridização resulta então em culturas mistas de elementos europeus e nativos, o que também se reflete em sua literatura, língua, cultura, etc. Said acredita que essa mescla que ocorre é uma maneira de provar que povos dominados ainda podem se expressar a sua maneira apesar da opressão e violência da colonização que busca apagar o outro a fim de criar uma província européia (Said 1978).

No entanto, quando se trata da relação entre dois sistemas literários que se impõem em busca de obter a primazia, podemos falar de uma disputa natural entre entidades que se diferem. Esse conceito é explorado por Gideon Toury e Itamar Even-Zohar a respeito da teoria dos polissistemas; esse conceito sustenta a ideia de que diferentes gêneros e literaturas, traduzidas ou não traduzidas, estão constantemente disputando umas com as outras a posição central no cânone literário. A respeito dessa relação de sistemas literários, Even-Zohar afirma o seguinte:

É importante dizer que a interação e a posição desses sistemas ocorrem em uma hierarquia dinâmica, que muda de acordo com o momento histórico. Se, em um dado momento, a posição mais alta é ocupada por um tipo literário inovante, a camada mais baixa terá mais chances de ser ocupada por um tipo literário mais conservador. Por outro lado, se o tipo conservador está no topo, o inovador e o renovador virão provavelmente do nível mais baixo da hierarquia.  De outra maneira, o período de estagnação ocorre. (Even-Zohar 1978).

Considerando a afirmação acima, pode-se inferir que a tradução de obras oriundas de um contexto pós-colonialista podem vir a ocupar um lugar central no polissistemas quando ela é capaz de preencher um espaço que as literaturas mais hegemônicas não conseguem. Contudo, é comum que a literatura pós-colonialista seja traduzida e valorizada quando é repleta de elementos que reforçam estereótipos.

O que os tradutores do pós-colonialismo procuram é a valorização do Outro, em oposição a Europa e Estados Unidos que são os centros, de maneira a afirmar a problemática do processo de colonização e pós-colonização como um elemento de hegemonia e supremacia.

No que diz respeito à tradução, Venuti afirma que a tradução se tornou um verdadeiro campo de batalha entre as forças hegemônicas da língua e cultura de chegada e o mundo subjugado das culturas não-ocidentais. Venuti acredita que a natureza da tradução deve enfatizar uma espécie de resistência à dominação dessas forças hegemônicas. Uma das maneiras de resistir na tradução seria a valorização de elementos da cultura de partida, vejamos um trecho da obra de nosso estudo que apresenta traços da língua local:

“Vive les Lions! Gaïndé N’diaye ! M’barawathie !

Deux d’entre eux avaient bifurqué dans une ruelle, avant de rejoindre le groupe munis de djembés. Ils improvisèrent une danse au milieu du Dingaré, la place du village, en reprenant un air très fameux de Yandé Codou Sène. Cette chanson à la gloire du lion, totem national, affirmant que le lion n’aime pas le mboum (une sorte d’épinard), qu’il se nourrit de viande, semblait inventée pour l’événement. A qui mieux mieux, les jeunes la chantaient en la parodiant. D’après eux, non seulement les joueurs de l’équipe nationale étaient des lions, mais, outre la viande, disaient-ils, ils se nourrissaient de buts, de balles, de dribbles et de tirs victorieux.

 

Khamguenè Gaïndé,

Gaïndé bougoule mboum, yâpe laye doundé

Gaïndé, Gaïndé

Gaïndé bougoule mboum, yâpe laye doundé

Henri Camara gaïndé la,

Henri bougoule mboum, buts laye doundé

El-Hadji Diouf gaïndé la,

El-Hadji bougoule mboume, dribbles laye doundé

Tony-Silva gaïndé la,

Bruno bougoule mboume, entraînements laye doundé

Les Lions de la Téranga

Kène bougouci mboum, victoires lagnouye doundé...

 

Viva aos Leões! Gaïndé N’diaye ! M’barawathie !

Dois deles tinham virado numa ruela, antes de se juntar ao grupo cheio de djembés. Eles improvisaram uma dança no meio do Dinagré, a praça do vilarejo, com uma expressão muito famosa de Yandé Codou Sène. Essa música para a glória do leão, símbolo nacional, afirma que o leão não gosta de mboum (uma tipo de espinafre), ele se alimenta de carne, parecia inventada para o evento. Quem podia, cantava bem, os jovens a cantavam em forma de paródia. Para eles, não só os jogadores da equipe nacional eram os leões, mas, além da carne, eles se alimentavam de gols, de bolas, de dribles e de chutes vitoriosos.

 

Khamguenè Gaïndé,

Gaïndé bougoule mboum, yâpe laye doundé

Gaïndé, Gaïndé

Gaïndé bougoule mboum, yâpe laye doundé

Henri Camara gaïndé la,

Henri bougoule mboum, gols laye doundé

El-Hadji Diouf gaïndé la,

El-Hadji bougoule mboume, dribles laye doundé

Tony-Silva gaïndé la,

Bruno bougoule mboume, treinos laye doundé

Os Leões da Téranga

Kène bougouci mboum, vitórias lagnouye doundé...

 


O trecho acima retrata um momento da história em que todos estão animados apoiando a seleção senegalesa na partida. Vemos a expressão de alegria dos torcedores por meio de gritos de euforia na língua Wolof. Na tradução, os traços da língua foram mantidos em português. A preservação dos elementos da língua do colonizado é uma maneira de afirmar a identidade de um povo e suas marcas no original como também na sua tradução.

O elemento híbrido dentro do texto original como na sua tradução reflete uma ambivalência em dois sistemas literários, duas culturas, dois povos que de alguma forma se cruzam e se misturam fazendo assim uma verdadeira miscelânea de representações e elementos culturais mistos, etc. Podemos perceber essa mistura no contexto brasileiro nas religiões brasileiras de matriz africana como o candoblé que mistura elementos do catolicismo com divindades africanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, podemos inferir que os trechos aqui expostos associados às diferentes teorias a respeito da tradução, em especial, inserida num contexto pós-colonial, são repletos de elementos distintos que buscam promover a afirmação e o reconhecimento da singularidade de um povo e da sua literatura. Essa atitude é necessária como uma maneira de reduzir a hegemonia das grandes potências do Ocidente, como também estabelecer o valor e a importância daqueles países que passaram por um processo de exploração e dominação.

O que foi exposto aqui buscou destacar o papel do Oriente, em oposição ao Ocidente, na contribuição para a definição do ser-humano em suas diferentes esferas e expressões, indo além do padrão eurocêntrico. O estudo e o aprofundamento dessa área da tradução contribuíram para a compreensão do oficio do tradutor fora do escopo dos mais fortes e influentes; trouxe igualmente mais clareza aos que se encontravam obscuros e ofuscados por essas grandes potências econômicas, políticas, militares.

A obra original e a tradução pós-colonialistas refletem elementos novos para os leitores habituados a uma literatura traduzida e não-traduzida nos moldes dos grandes centros. Quando obras de outros meios menos conhecidos são contempladas, percebe-se uma nova perspectiva, uma outra maneira de exprimir uma realidade. A tradução pós-colonialista permite desbravar novos mundos sob as lentes do Outro. Como Spivak (1993) que acredita que a língua pode ser um dos elementos que nos permite dar sentido as coisas e a nós mesmos.

Por meio da tradução pós-colonialista, pode-se obter a compreensão de outras literaturas mais periféricas em seus próprios termos, e não mais uma descrição rasa dessas camuflada por uma imagem de um pequeno “britânico” ou “francês”. Vê-se um texto real, esboçado dentro de uma cultura que difere dos grandes cânones em termos de formato, estilística, filosofia, etc.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHERRAU, Pierre. Le Sénégal est-il encore un pays francophone ? - http://www.slateafrique.com/21377/linguistique-senegal-est-il-encore-un-pays-francophone. acesso 20 jun 2018

DIOME, Fatou. Le Ventre de l’Atlantique. 12. ed. Anne Carrière: Paris, 2014. (corpus)

MUNDAY, Jeremy. Introducing Translation Studies: Theories and Applications. 3rd Edition. London and New York: Routledge, 2012; MUNDAY, Jeremy. Introducing Translation Studies: Theories and Applications. 3rd Edition. London and New York: Routledge, 2012

SAID, Edward (1978/2003) Orientalism, New York: Vintage Books. In: BAKER, M; SALDANHA, G. Routledge Encyclopedia of Translation Studies. 2ed. New York: Routledge, 2009, p.201.

SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SPIVAK, Gayatri. The Politics of Translation. In: SPIVAK, Gayatri. Outside in the teaching machine.  New York: Routledge, 1993;

TYMOCZO, Maria. Ideologia e Posiçao do Tradutor: Em que sentido se situa o “entre”(lugar) in: BLUME, Rosvitha Friesen, PETERLE, Patricia (org.), Tradução e relações de poder. Tubarão : Ed. Copiart; Florianópolis : PGET/UFSC, 2013, p. 115-149.

Wang, Hui (2007) A Postcolonial Perspective on James Legge’s  Confucian Translation: Focusing on His Two Versions of the Zhongyong, PhD dissertation, Hong Kong Baptist University. In: BAKER, M; SALDANHA, G. Routledge Encyclopedia of Translation Studies. 2ed. New York: Routledge, 2009, p.201.


____________________________ 
1 The refusal to see non-Western cultures on their own terms is manifested either in the translation proper or in the critical apparatus: orientalist translators may feel constrained to represent native views in the main body of the translation, but they are seldom shy of turning the paratextual space – prefaces, introductions, notes, appendixes, and so forth – into a colonizing space where cultural differences are interpreted as signs of the inferiority of nonWestern cultures (Wang Hui 2007).


Publicado por: julio lenz rodrigues barrocas

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