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A desconstrução do discurso romântico no conto Uns Braços de Machado de Assis

Veja a desconstrução do discurso romântico no conto Uns Braços de Machado de Assis.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

O conto “Uns braços” de Machado de Assis foi escrito em 1895 e se passa na Rua da Lapa, em 1870, pouco tempo depois do término do Romantismo. É possível observar que algumas características do Realismo vão surgindo, mesmo que suavemente, já que Machado está à frente do seu tempo e anuncia a tendência que está por vir.

A trama consiste no apaixonamento de Inácio, um rapaz de 15 anos pela mulher de seu patrão, em especial por seus braços. O ápice do conto se dá quando Dona Severina percebe os olhares do garoto e passa a observar-lhe o sono e como por instinto cede aos seus próprios desejos de vaidade e beija-lhe a boca, enquanto o rapaz sonha com o mesmo beijo. Depois disso, ela passa a evitar-lhe como se ele tivesse percebido o ocorrido. O rapaz volta para casa sem saber o que se passou, embora extasiado com o sonho daquela tarde. Embora os valores morais resistam ao desvio de conduta da jovem senhora e a preservação da família burguesa triunfe no final da trama, Machado lança a temática do adultério feminino, ainda que suavemente, assunto nunca abordado anteriormente por outros autores e que viria a ser uma das principais chaves para o Realismo em ascendência. É justamente o final da trama que marca a decadência romântica, já que os desejos de Inácio não são extravasados, como é comum no Romantismo.

É perceptível no decorrer da história a oposição entre a fantasia e a realidade, onde os sonhos de Inácio se confundem com as reações sucintas e gradativas de Dona Severina. O que é realidade para um, é sonho para o outro; eis o grande conflito da história. Os universos dos personagens nunca se encontram e na única oportunidade de se cruzarem, o sono pesado de Inácio é o motivo de frustração desse sonho. O “final feliz”, portanto, não acontece, nem mesmo o reconhecimento recíproco de sentimento entre os personagens; ao contrário, o que existe é uma confusão e a desilusão, os sonhos perdidos na própria realidade.

Dona Severina, por sua vez, tem personalidade complexa, pois muda de postura no decorrer da trama, deixando-se envolver pela possibilidade de um romance extraconjugal. A complexidade dos personagens é uma característica própria do Realismo.  A profundidade do caráter de Severina é perceptível até mesmo por sua descrição física:

“Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de mui pouco; alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça com o pente de tartaruga que a mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro, nas orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos.”

Ao descrever seus anos como floridos e sólidos, o autor contrasta o viço de sua beleza com a sua situação social e sua postura diante do casamento.  Logo vemos a sexualidade reprimida diante dos fatores sociais. Esse conflito vai achar refúgio nos sonhos e insinuações inocentes de Inácio, que não consegue esconder as distrações à mesa, os olhares indiscretos e o fascínio por seus braços. Dona Severina apaixona-se antes por sua própria beleza, ao descobrir-se desejada e dá vazão aos seus sentimentos, talvez porque seu marido não demonstrasse afeto ou ela achasse impossível ser notada por um jovem de apenas quinze anos.

Outro possível motivo pela aproximação de ambos seja a idealização em Inácio do filho desejado. Dona Severina compensa ou justifica seu interesse no menino alegando ser ele o filho que ela nunca tivera e por isso cerca-o de tantos mimos e recomendações:

"D. Severina tratava-o desde alguns dias com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura, havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão."

O motivo de tanta brandura poderia ser para realmente confirmar os sentimentos de Inácio para com ela, ou já uma forma inconsciente de aceitação e retribuição desse sentimento, usado para suprir alguma carência afetiva ou mesmo capricho. O fato é que depois do beijo dado em Inácio adormecido na rede desfez todas as suas certezas e a vergonha tomou de conta de seu ser, seja porque foi capaz de fantasiar algo tão intensamente, indo tão longe em seus atos, ou porque o rapaz não correspondeu suas expectativas, ou ainda por medo de ser descoberta e perder sua posição social tão valorizada na época. Percebemos nas obras machadianas certa semelhança, tanto em Dom Casmurro, como no conto Missa do Galo e no conto Uns Braços, há essa semelhança desses braços nus. Nesses dois últimos há a diferença de idade visto que os dois rapazes nutrem sentimentos por mulheres mais velhas e casadas.

Vemos no conto Missa do Galo essa semelhança quando D. Conceição se prostra diante do rapaz com os braços de fora. Como podemos observar nesse trecho:

Pouco a pouco tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor (ASSÍS, 2001, P.12).

Já em Dom Casmurro não há a diferença de idade mas, há a semelhança em que ambos se tratam, os braços das personagens. Percebemos nesse trecho como o narrador descreve os braços de Capitu:

Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina, se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no mármore, donde vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos da noite, a ponto que me encheram de desvanecimento. (ASSÍS, 1899, P.162).

Percebemos essa semelhança nessas obras machadianas que se atribui ao conto aqui trabalhado. Nessa época não era comum uma mulher mostrar os braços. Vimos nesse conto um refinado humor de Machado de Assis quando desmascara os personagens do lar (marido e esposa), simplesmente introduzindo um terceiro elemento (um jovem adolescente). Têm-se assim a teia que envolveria sua descrença na fidelidade conjugal, uma das características do Realismo. No que concerne ao papel feminino da época elas tinham maior dependência e viviam sobre o domínio dos homens, não possuíam desejos próprios como exercer uma profissão, para muitos homens a mulher era vista apenas como uma pessoa doméstica, para cuidar da casa e dos filhos e porventura satisfazer aos desejos carnais sem nenhum tipo de carinho. As mulheres machadianas para quem o eterno feminino é uma vasta figura moral, têm de extraordinário uma soberania de beleza e sedução. Vemos isso em D. Severina quando ela passa a gostar de si mesma. Os motivos que levaram a jovem senhora a tratar o rapaz com rispidez são incertos até mesmo para o leitor. Tem-se a impressão que foi uma estratégia utilizada por Machado para tornar o conto enigmático e mais interessante. Machado, através de seu texto, consegue transportar o leitor de qualquer época para dentro do seu conto, fazendo com que haja uma real comunicação entre texto e leitor, que, por sua vez, consegue se inserir de tal modo na própria narrativa que passa a vivenciar as mesmas experiências dos personagens, como se de fato estivesse fazendo parte daquele contexto, daquele exato momento histórico em que se insurge a narrativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSÍS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. V. II

ASSÍS, Machado de. Obras completas, Dom Casmurro: editora globo. 1ºedição: Rio de Janeiro, 1899.

ASSÍS, Machado de. Contos escolhidos. Martin Claret, São Paulo, 2001.

Ana Elisa Alves de Freitas1
Maria Janete Rodrigues Moura2


Publicado por: Ana Elisa Alves de Freitas

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