Uma reflexão sobre o presentismo de François Hartog
Breve reflexão sobre o presentismo de François Hartog.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Estruturada a partir da constatação de uma “crise do tempo”, uma das hipóteses de Hartog (2013) é que, a partir do final do século XX, a humanidade da época contemporânea passou a experienciar a sua realidade temporal de forma presentista. Nessa concepção, o presente reinaria de forma absoluta e, por conta disso, impor-se-ia como único horizonte possível para as ações dos seres humanos. Desse modo, esse presentismo, isto é, a experienciação de um presente de modo onipotente e hipertrofiado, dinamizar-se-ia na estagnação de um presente perpétuo e na tirania imediatista do instante de um determinado acontecido.
Esse presente vivido de forma presentista, porém, não seria uniforme e nem unívoco. Dependendo de localidades específicas, de épocas históricas e de lugares sociais ocupados em uma determinada sociedade, há cacofonias. Em outras palavras, o tempo pode ser experienciado de diversos modos. Para uns, a aceleração da vida (NORA, 1993), enquanto uma mobilidade de um horizonte aberto, seria valorizada. Para outros, o oposto, o presente seria vivido de forma fechada, desacelerada, sem perspectivas e precária (BUTLER, 2015).
Nessa direção, em meio a constatação da existência de vivências distintas e específicas, Hartog (2013) se questiona se o presente onipresente e onipotente seria experienciado de forma padrão (ou provisória) ou plena. O historiador se pergunta se essa experienciação contemporânea do tempo seria um momento de estagnação provisória para a passagem de um futuro do tipo “futurista” (o futuro comandaria) ou, de forma inédita de experiência ocidental no tempo, seria, de fato, um presente onipresente e onipotente experienciado de forma plena e total?
Mesmo que Hartog (2013) afirme não saber responder ao seu próprio questionamento, podemos refletir acerca de sua indagação. Para isso, precisamos confirmar a sua hipótese sobre o presentismo como uma evidência dessas reflexões. Ao fazermos isso, estaremos concordando com a sua tese, uma vez que há novas formas contemporâneas de experienciar o próprio tempo presente. Para entendermos isso, realizaremos uma breve análise sobre as consequências da crise do ideal filosófico de progresso e da hiperinformação atual.
Em um primeiro momento, é válido abordamos como o conceito de progresso pode ser visto como sinônimo de catástrofe (BENJAMIN, 2009). Manifestado desde o Renascimento, o ideal de caráter progressivo da civilização é uma forma de encarar o futuro com otimismo (FALCON, 1989). Entretanto, os conflitos armados e os crimes contra a humanidade ocorridos ao longo do século XX mudaram essa concepção. Alguns autores, como Benjamin (2009), relacionam o acúmulo de progresso com um acúmulo de corpos. E, dessa forma, o futuro, antes encarado com fé, seria visto como incerto e catastrófico, o que transformaria a antiga fé no porvir em uma cômoda estagnação presentista.
Aliado a isso, é importante também falarmos sobre como as experiências passadistas são experienciadas atualmente. De acordo com Vecchi (2021), ao passo que há uma facilidade digital no acesso a informações, que nos garante que o passado longínquo ou recente, por exemplo, esteja ao nosso alcance, há também uma deterioração da nossa capacidade de reter, entender e aproximar-se desses mesmos passados. Nesse caminho, o passado não se reteria em memórias e, assim, diluir-se-ia na história em movimento da contemporaneidade. Em detrimento do passado, o presente estaria localizado entre em dois abismos temporais.
Após essas breves explanações, concluímos que, atualmente, vive-se em um momento de incredulidade com as expectativas de um futuro incerto e em um desprendimento com as experiências do passado. Nessa direção, o que nos restaria seria o presente, que seria usurpado e experienciado de forma presentista e plena. Por conseguinte, por hora, não há expectativas para a passagem para um futuro do tipo “futurista” e muito menos para o retorno a um passado experienciado de forma “passadista”. Desse modo, instala-se uma forma inédita de experiência ocidental no tempo: um presente onipresente, onipotente e hipertrofiado que, guardando suas especificidades, é experienciado de forma plena.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Passagens. São Paulo; Belo Horizonte: Imprensa Oficial; Editora da UFMG, 2009.
BUTLER. Judith. Quadros de Guerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiência do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, v. 10, jul./dez. 1993, p. 7-28. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/ view/12101. Acesso em: 31 jan. 2022.
VECCHI, Roberto. A memória ensina ou ensina-se a memória?. Memoirs Newsletter, n. 127, p. 1-6, 2021. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/95952. Acesso em: 31 jan. 2022.
Publicado por: Lucas Barroso
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.