Nicarágua: A Guarda Nacional no governo de Anastácio Somoza Garcia
Nicarágua, influência política americana em Nicarágua, economia de Nicarágua, golpe contra Sacasa, Guarda Nacional de Nicarágua, controle, repressão e oposição em Nicarágua.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Resumo
Marcada pela influência política norte-americana e pelos interesses do capital estrangeiro, a história da Nicarágua passa a viver, após a morte do líder revolucionário Augusto César Sandino, uma ditadura comandada pela família Somoza. Embora contenha todos os elementos que caracterizam os governos ditatoriais na América Latina, a presidência de Anastácio Somoza Garcia tem sido pouco estudada. O presente artigo tem como objetivo analisar a bibliografia existente, focando a atuação da Guarda Nacional como braço armado do governo Somoza.
Palavras-chave: Ditadura. Guarda Nacional. Nicarágua.
Introdução
A economia e a política nicaragüense esteve marcada, desde cedo, pelo controle dos Estados Unidos e pelo monopólio de empresas como a United Fruit. Com a revolta dos setores médios urbanos, em 1926, houve a intervenção dos fuzileiros navais norte-americanos, quando, contra tal, surge a figura do líder revolucionário Augusto César Sandino.
Sobre este período, Cláudia Wassermann nos diz: “A partir de 1909, a Nicarágua submeteu-se ao ordenamento imperial, embora o poder político tenha sido deslocado das mãos dos cafeicultores (economicamente dominantes) para a oligarquia pecuária tradicional” (1992, p. 63). Nos ocorridos de 1926, os nacionalistas resistiram na costa oriental até 1928, quando os generais Sacasa e Moncada se rendem. Sandino suspende a luta com a promessa da retirada das tropas norte americanas, embora continuasse junto aos seus, nas montanhas, sem se render. Moncada é eleito presidente em 1928, sendo sucedido em 1933 por Sacasa, quando as tropas americanas finalmente se retiram. É quando Sandino se aproxima do Presidente Sacasa, ao tempo em que o Chefe da Guarda Nacional, Somoza, manda matar Sandino.
Com a morte de Sandino, em 1934, a Nicarágua torna-se praticamente um feudo da Família Somoza, cujos membros mantiveram um regime tirânico, “controlando, junto a United Fruits, toda a economia do país e deixando a massa camponesa no analfabetismo e na mais absoluta pobreza”. (Lopez, 1998, p.128). É neste regime ditatorial que a Guarda Nacional exercerá um papel fundamental.
O assassinato de Sandino e o golpe contra Sacasa
A Guarda Nacional da Nicarágua foi criada com o objetivo de substituir os soldados norte-americanos que mantinham o controle do país. Dessa forma, a Guarda era uma garantia de que os interesses econômicos dos Estados Unidos continuariam preservados mesmo sem uma intervenção direta. O presidente da Nicarágua, Sacasa, deveria indicar um nicaragüense para ocupar a chefia da Guarda, e o escolhido o General Anastácio Somoza Garcia, considerando que “a retirada dos Estados Unidos está vinculada intimamente à criação desta polícia política e fundada na confiança que depositavam em Somoza”. (Wassermann, 1992, 64).
Os primeiros tempos da Guarda Nacional foram marcados pela ascendente ambição de seu comandante, Somoza. Na obra Nicarágua, um povo e sua história (São Paulo: Paulinas, 1986), os jornalistas barsileiros Marco Antonio Piva e Márcia Cruz Piva, que viveram na Nicarágua, atribuem o assassinato do líder revolucionário Augusto César Sandino aos planos de poder do chefe da Guarda:
“Ambicionando abertamente o poder, o chefe da Guarda Nacional via as atitudes libertárias de Augusto César Sandino como um perigo para seus planos futuros. [...] O assassinato de Augusto César Sandino foi o primeiro passo dado por Anastácio Somoza Garcia para início de novos longos anos de exploração e opressão pelos quais passaria o povo nicaragüense. [...] Em 1936, Somoza Garcia derruba Sacasa e, através de eleições fraudulentas, ocupa a presidência”. (PIVA, 1986, p. 24).
Detalhando o assassinato de Sandino, os autores de Nicarágua, Nicarágua (São Paulo: Grêmio Politécnica, 1980) também atribuem o fato a ambição de Somoza
“Sandino faz várias viagens à Manágua até conseguir de Sacasa a garantia de que eles não seriam mais molestados e recebe também um delegado presidencial de sua confiança para o Norte. Somoza vê nisso um golpe para suas ambições de poder: um militar talentoso, herói popular que sem dúvida passaria a lhe fazer oposição dentro do governo. [...] No dia 21 de fevereiro de 1934, depois de jantar com o presidente, Sandino é detido por uma patrulha da Guarda Nacional com o seu pai e dois de seus generais. Na mesma noite é fuzilado”. (GALVÃO, 1980, p. 193).
Conferindo um caráter romântico ao fato e enfatizando Sandino como mártir, a jornalista Marisa Marega, na obra A Nicarágua Sandinista (São Paulo: Editora Brasiliense, 1982) registra:
“Na noite de 21 de fevereiro de 1934, após jantar com o presidente, quando está saindo do palácio, Sandino é preso por soldados da Guarda Nacional. A filha de Sacasa vê o seqüestro e avisa o pai. Mas o presidente não consegue falar com o Chefe da Guarda Nacional. [...] A cidade de Manágua acorda com o barulho das rajadas de metralhadoras. Sandino grita: “Pátria livre ou morrer”. [...] A traição tem poucas testemunhas”. (MAREGA, 1982, p. 29-30).
Morto Sandino, o poder de Somoza junto à Guarda Nacional aumenta, enquanto foram piorando suas relações com o Presidente Sacasa. Em setembro de 1935 Somoza faz o Partido Liberal escolhê-lo candidato presidencial para o ano seguinte. Em 1936, Somoza cerca o Palácio do Governo com a Guarda, dando início ao golpe. Sacasa continua presidente, depois de um armistício, embora Somoza agora presida de fato, mas “Sacasa não agüenta muito e, desmoralizado, renuncia em 06 de junho de 1936, para nunca mais voltar à Nicarágua”. (GALVÃO, 1980, p. 205).
Controle, repressão e oposição
Embora já exercesse grande poder, é após a subida de Somoza à presidência que a Guarda Nacional vai se tornar o grande instrumento repressor do governo. De Nicarágua, Nicarágua, merece destaque:
“Quando Somoza assume a presidência, a Guarda Nacional é a única força armada do país e fonte de todo poder. A Guarda Nacional controlava a Aduana, os serviços postais, telegráficos e de rádio internos e tinha uma rede de informações que seguia os passos da oposição. A Guarda também controlava a Imigração, as entidades fiscais, a Estrada de Ferro e os serviços sanitários do país, além da importação e da venda de explosivos. Ninguém podia abrir ou fechar negócios, entrar ou sair do país sem o visto da guarda”. (GALVÃO, 1980, p. 205-206).
Marisa Marega destaca a violência da Guarda Nacional com base em documentos escritos fora do país:
“Na Costa Rita, Enrique Somarriba Tijerino publica documentos sobre as violências da Guarda Nacional: gente é presa e morta sem culpa. O Direito não existe. Os presos não têm advogados. Só com muita sorte alguns escapam da sentença: O réu é culpado! A pena é de morte! De 1948 a 1957 todos os documentos publicados sobre a Nicarágua contêm denunciais de matança. Executantes: os membros da Guarda Nacional”. (MAREGA, 1982, p. 32).
Mesmo com tamanha repressão, é possível encontrar histórias de resistência, pois, embora tenha matado Sandino e perseguido seus homens, as atitudes de Somoza desagradam a população. Em 1944 estudantes protestaram contra a reeleição do ditador e, segundo Marega, operários chegaram a pegar em armas. Na década de 50 a situação piora, quando aparecem “alguns grupos armados que enfrentam a Guarda Nacional”, com os quais “Somoza não se importa, manda matar quem ousar fazer oposição” (MAREGA, 1982, p. 33). A obra Nicarágua Nicarágua, lembra o início da resistência, ainda no governo Somoza, mas atribui a oposição à ditadura à “velha oligarquia dos conservadores” que, “alijada do poder e sufocada pela concorrência comercial de Somoza e seu grupo, começa a se levantar” (GALVÃO, 1980, p 199).
O assassinato de Anastácio Somoza Garcia vai marcar o início do fim da ditadura na Nicarágua e do poderio da Guarda Nacional, embora ela tenha perdurado até a década de 70. Em 21 de setembro de 1956, um jovem descarrega sua pistola no ventre de Somoza. Piva reconhece o fato como o “início do fim da ditadura”, mas enfatiza o sucessor de Somoza:
“O poder somozista, solidificado através das alianças com a burguesia nacional e com o imperialismo norte-americano, passou às mãos do filho do ditador morto, Luiz Somoza Debayle, que completaria o mandato presidencial até a realização de novas eleições presidenciais. Em 1967, o então chefe da Guarda Nacional, Anastácio Somoza Debayle (irmão de Luiz Somoza), se elege presidente em eleições consideradas fraudulentas pela oposição” (PIVA, 1986, p. 25).
Anastácio Somoza Garcia governou a Nicarágua por vinte anos, tendo crescente oposição e sendo mantido no poder, através da Guarda Nacional, devido a sua lealdade aos interesses internacionais. Em 1956 a Guarda não teve como reagir: Somoza é morto a tiros pelas mãos de um intelectual.
Conclusão
Nascida para ser o braço armado do governo e a garantia da dependência do país em relação ao imperialismo, a Guarda Nacional exerceu um papel fundamental na manutenção de Somoza no poder e no controle do país e de seu povo.
A bibliografia analisada evidencia a estreita relação entre o interesse do capital estrangeiro e a existência da Guarda Nacional e vê na figura de Anastácio Somoza Garcia o seu líder máximo.
Marisa Marega enfatiza o lado poético das trajetória de Sandino, Sacasa e Somoza. Quanto ao assassinato de Sandino, a autora não busca os motivos que levaram o chefe da Guarda Nacional a mandar matá-lo, mas sim ressaltar a atmosfera do “martírio” e a continuidade da luta de Sandino através dos opositores dos Somoza. Mas a obra traz informações importantes quanto à resistência a partir da década de 40, o que levou ao assassinato de Somoza e, posteriormente, a queda da ditadura militar com a luta dos sandinistas.
Nicarágua, Nicarágua é uma obra histórica e acima de tudo jornalística. Os autores ressaltam os motivos da criação da Guarda Nacional e busca prestar mais informações quanto ao assassinato de Sandino e o Golpe contra Sacasa, considerando o aumento do poder de Somoza e suas ambições quanto ao poder. Dentre as obras pesquisadas, é a que mais detalha a atuação da Guarda Nacional em suas tarefas de controle e repressão no governo Somoza.
Em Nicarágua, um povo e sua história, embora o foco seja a luta sandinista (considerando que o sandinismo retorna com força somente após a morte de Anastácio Somoza Garcia), a questão da criação da Guarda Nacional e sua utilização é tratada com especial atenção por parte dos autores.
Embora seja um país sem grande peso nas questões políticas e econômicas da América Latina, a Nicarágua merece ser mais pesquisada, especialmente quanto ao seu processo político. A ditadura nicaragüense, na qual a Guarda Nacional teve papel principal, e a luta sandinista devem, considerando a bibliografia existente, ser objeto de estudo de historiadores, principalmente em suas semelhanças e diferenças com relação a outras ditaduras latino-americanas.
Douglas Souza Angeli
(Acadêmico do curso de História do Centro Universitário La Salle – Canoas, RS.)
Referências
LOPEZ, Luiz Roberto. História da América Latina. 4ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.
MAREGA, Marisa. A Nicarágua Sandinista. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.
PIVA, Márcia Cruz e PIVA, Marco Antonio. Nicarágua, um povo e sua história (1552 – 1984). São Paulo: Paulinas, 1986.
GALVÃO, Gilberto N. OLIVEIRA FILHO, Ornisyr Marcondes. JOHN, Liana e MONTIEL, Flávio da Rocha. Nicarágua, Nicarágua. São Paulo: Grêmio Politécnica, 1980.
WASSERMAN, Cláudia. História Contemporânea da América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1992.
Publicado por: Douglas Souza Angeli
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