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Alternativas ao predomínio eurocêntrico na historiografia antiga: a existência dos conceitos de identidade política, cidadania e autogoverno na antiguidade do Oriente Próximo

Breve resumo sobre alternativas ao predomínio eurocêntrico na historiografia antiga: a existência dos conceitos de identidade política, cidadania e autogoverno na antiguidade do Oriente Próximo.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

VLASSOPOULOS, Kostas. “East and West, Greece and the East: the polis vs. Oriental despotism”. In: _____________. Unthinking the Greek Polis. Ancient Greek History Beyond Eurocentrism. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 2007. cap. 4. pp. 101-122.

Compondo a segunda parte da obra intitulada originalmente Unthinking the Greek Polis (2007), o quarto capítulo tem o objetivo de apresentar críticas do autor sobre certas premissas da forma pólis, no mesmo sentido de Guarinello (2003), como entidade espacial do Mediterrâneo antigo e sobre a consequente interpretação da história como sucessão ou supressão dessas próprias entidades antigas. Nessa via, a partir da utilização de alguns estudos de caso, Vlassopoulos (2007) procura criticar alguns “postulados perniciosos do pensamento social do século XX” (TILLY, 1984, p. 11) e desfazer a dicotomia entre estrutura interna e influência externa, posto que valoriza as sociedades como partes de sistemas mais amplos, no sentido historicizado do conceito de “sistema-mundo” de Wallerstein (1974). Desse modo, como síntese desses empreendimentos, o autor procura descentralizar o estudo antiquista e examinar as formas de silêncios empregados na escrita orientalista da história das póleis gregas, desvinculando-se do atenocentrismo e do helenocentrismo e oferecendo uma estrutura conceptual e analítica alternativa centrada no Oriente Próximo, como está explicitado na própria introdução da sua obra.

O autor inicia a discussão do capítulo desmistificando um axioma consolidado na historiografia europeia clássica de que a pólis seria um locus de delimitação física entre a civilidade almejada do Mediterrâneo europeu e o renegado despotismo religioso do Oriente Próximo. Com o intuito de desfazer essa falsa dicotomia entre um ocidentalismo (Vlassopoulos, 2007) e um orientalismo (Saïd, 2007), Vlassopoulos (2007), ao longo do capítulo, procura por influências conexas das culturas orientais nas poleis gregas e vice-versa visando, assim, pensar a própria história das poleis gregas na perspectiva de uma história dinâmica do Mediterrâneo oriental e não a partir de um imaginário europeu idealizado. Nessa direção, mesmo com o reconhecimento de uma certa carência de fontes historicamente confiáveis e de ferramentas metodológicas, o historiador acredita na urgência dessa mudança de perspectiva para que, enfim, se possa abandonar o eurocentrismo e pensar a forma pólis não como um fator de determinância, mas sim como parte de um sistema mediterrâneo.

A partir do uso da metodologia da História Comparada e da ideia central de história espacial do Mediterrâneo, o autor procura superar esses empecilhos por meio da mobilização de certos traços implícitos e subjetivos presentes em relatos literários e/ou documentações administrativas, o que, mesmo sendo válido, não o exime de deixar importantes questões em aberto. Nessa via, em virtude da necessidade de depender dessas fontes, que se encontram parcializadas e fragmentadas, o autor acaba adotando estratégias metodológicas para a sua pesquisa, como, por exemplo, a elaboração crítica de questões específicas de acordo com o próprio material disponível, com o intuito de preservar a consistência e a suficiência dos fatos históricos mobilizados.

Sendo assim, após a explicitação detalhada de sua metodologia, Vlassopoulos (2007) delimita os aspectos focalizados em seu capítulo. São eles: a explicitação de uma identidade política centrada na cidade e os conceitos de cidadania e autogoverno. Entretanto, como grande parte dos historiadores antiquistas pensam, tais aspectos não estavam restritos apenas às sociedades do Mediterrâneo antigo, mas sim poderiam ser perfeitamente transpassadas para o Oriente Próximo. Nesse sentido, desfazendo o eurocentrismo e o evolucionismo imperantes na escrita histórica europeia, o autor retoma a análise de alguns documentos orientais, visando descentralizar certos conceitos oriundos da Antiguidade.

Desse modo, primeiramente, mesmo que manuais políticos não fizessem parte da realidade oriental antiga, não se pode negar que existia uma distinção clara entre escravizado e livre nas primeiras fontes primárias do Oriente Próximo. O autor tece tal conclusão a partir da distinção entre os estamentos sociais da região, tomando como norte alguns registros neobabilônicos de vendas de escravos. Assim, da mesma forma que acontecia nas poleis gregas, cada categoria social no Oriente tinha direitos, privilégios e obrigações claramente definidos. Para exemplificar essa afirmação e apresentar uma certa especificidade desse processo social na região oriental, Vlassopoulos (2007) utiliza uma cidade mesopotâmica como parâmetro comparativo, salientando a confluência que existia entre cidadania e a aquisição de propriedades. Assim, mesmo existindo uma grande heterogeneidade nos corpos civis orientais, é fato que os conceitos de cidadania e liberdade não estavam restritos ao Mediterrâneo europeu, posto que a delimitação entre cidadãos livres e escravizados também estava presente na realidade social oriental.

Outro aspecto salientado por Vlassopoulos (2007) é a questão da identidade das cidades nos escritos antigos. Prescindindo o modelo ateniense, o autor, em consonância com os preceitos de Mossé (1995) e De Polignac (1984), desconstrói o modelo atenocêntrico naturalista, baseando-se no fato de que o exemplo de Atenas era relativo e, por conta disso, exorta que os historiadores antiquistas precisam se desvincular desse discurso antiquado e buscar novas informações arqueológicas em outras localidades periféricas. Nessa direção, o próprio autor inicia a busca identitária dos agrupamentos humanos a partir da referência às cidades fenícias nos documentos neoassírios do primeiro milênio. Essas alusões permitiam diferenciar cada região entre si e continham conceitos de cidade, estado e comunidade, como nos seis modelos historiográficos de poleis gregas salientados por Morales (2009). Ademais, um dos aspectos mais importantes da identificação com as cidades eram os privilégios sociais que acompanhavam esse status citadino. Dessa forma, desconsiderando a visão ocidentalista de surgimento das cidades no continente europeu, Vlassopoulos (2007) afirma a existência de uma identidade política centrada nas cidades antigas presente também no Oriente Próximo, assim como no sistema-mundo do Mediterrâneo.

Por fim, após a exemplificação da existência de conceitos como liberdade e cidadania em regiões orientais, o historiador, em busca de uma alternativa aos clássicos modelos democrático ateniense e oligárquico espartano, expõe a questão do autogoverno também como um dos elementos constituintes da política oriental em certas regiões. Nesse ínterim, Vlassopoulos (2007) destaca três aspectos relativos a essa temática, sendo: i) a deliberação política e administrativa da vida citadina como constituinte das relações sociais; ii) a conciliação de disputas entre divergências como marca desses debates; e iii) como síntese, como se dava a representação da comunidade diante desses conflitos mediados por autoridades consideradas superiores. Assim, em ambas, é imprescindível analisar o grau de desenvolvimento das atividades dos cidadãos e como elas interagem entre si. Desse modo, partindo da análise dos magistrados e assembleias, o autor também apresenta o autogoverno como uma possível característica de algumas regiões do Oriente Próximo, retirando a especificidade inovadora de algumas poleis gregas, como Atenas e Esparta, nesse quesito político.

Assim, após a leitura do quarto capítulo de Unthinking the Greek Polis (2007), é possível perceber que existem alternativas orientais ao predomínio atenocêntrico na historiografia antiquista. A partir da análise de conceitos importantes como identidade política, cidadania e autogoverno transpassados para outras realidades, pode-se analisar a magnitude e a concretude de certas relações sociopolíticas em regiões periféricas ao até então hegemônico Mediterrâneo antigo, como é o caso do Oriente Próximo. Desse modo, desfazendo-se de um eurocentrismo imperante, é possível pensar nas confluências entre eles, posto que, mesmo que em continentes diferentes, não há sociedades independentes entre si, mas sim a constituição de um grande sistema mediterrâneo que engendrava povos distintos e culturas semelhantes.

Referências

DE POLIGNAC, François. Cults, Territory, and the origins of the Greek City-State. Chicago: University of Chicago Press, 1984.

GUARINELLO, Norberto. Uma morfologia da História: as formas da História Antiga. Politeia, v. 3, n. 1, pp. 41-61, 2003. Disponível em: . Acesso em: 26 mai. 2021.

MORALES, Fábio Augusto. “Cidades Invisíveis: a historiografia sobre a polis ateniense”. In: ___________. A Democracia Ateniense pelo Avesso. Os metecos e a política nos discursos de Lísias. 2009. 243 f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em História Social, São Paulo, 2009. cap 1. pp. 26-48. Disponível em: . Acesso em: 26 mai. 2021.

MOSSÉ, Claude. “Foreword”. In: DE POLIGNAC, François. Cults, Territory, and the origins of the Greek City-State. Chicago: University of Chicago Press, 1995. pp. 1-10.

SAÏD, Edward. O Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das letras, 2007.

TILLY, Charles. Big Structures, Large Processes, Huge Comparisons. New York: Russell Sage Foundation, 1984.

VLASSOPOULOS, Kostas. Unthinking the Greek Polis. Ancient Greek History Beyond Eurocentrism. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 2007.

WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system I: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. Nova York: Academic Press, 1974.


Publicado por: Lucas Barroso

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