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A política na pólis a partir dos poemas homéricos

Análise sobre a política na pólis a partir dos poemas homéricos.

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Introdução

Durante o período homérico, mais precisamente entre os séculos XII a.C. ao IX a.C., as civilizações das póleis gregas fundaram-se não sobre a escrita, mas sobre as tradições orais. Nesse sentido, o desenvolvimento de uma memória popular deliberada, como um dos primeiros elementos de coesão social registrados pela humanidade, era possibilitado por meio da poesia oral dos rapsodos, poetas responsáveis pela celebração dos Imortais, bem como pela valorização dos grandes feitos dos homens ditos corajosos. Para desenvolverem seus discursos eficazes, sob a forma da palavra cantada, esses poetas utilizavam de técnicas precisas e necessariamente míticas, o que lhes conferia um estatuto mágico-religioso (DETIENNE, 1988, pp. 16-17). Os grandes exemplos dessas poesias orais gregas são a Ilíada e a Odisseia de Homero.

Tendo como norte a leitura desses dois poemas épicos, neste texto, buscar-se-á realizar uma análise, a partir da visão mítica homérica, sobre a tematização das assembleias, explicando os procedimentos identificáveis nesse mecanismo participativo. Além disso, em consonância com as influências sociais da poesia de Homero, outro objetivo será compreender a influência da forma pólis para esses escritos, partindo das posturas de Finley (1982; 1989) e Trabulsi (2001).

Mobilização política na literatura homérica: a representação das assembleias

Com os mitos, os gregos aprendiam exemplos de moralidade e conduta na política e na sociedade, além de virtudes da nobreza. Não é à toa que, devido a isso, a poesia ocupou local de destaque na Antiguidade, posto que havia um consenso popular de que a tradição épica era necessariamente baseada em fatos concretos e verdadeiros (FINLEY, 1989, p. 6). Com a intenção de celebrar feitos espetaculares de homens mortais e narrar a história dos deuses, o poeta adquire prestígio social, que se perdurou da época micênica até o fim da arcaica, posto que, por meio de seu Louvor, concede o privilégio da memória – naturalmente privada – aos feitos grandiosos de mortais e deuses (DETIENNE, 1988, p. 20).

O exemplo mais emblemático da poesia oral grega é a literatura homérica. Conhecido por declamar os episódios da Guerra de Tróia e as aventuras do herói Odisseu, Homero tem como característica a sua capacidade artística “de não deixar nada do que é mencionado na penumbra ou inacabado” (AUERBACH, 1976, p. 3), isto é, sua narrativa é perfeitamente detalhada e distensionada. Nesse sentido, breves discursos em assembleias e conselhos gregos, como acontecem no Livro II da Ilíada, por exemplo, ganham floreios gramaticais e longas descrições ao longo da narração.

A partir dessa exemplificação, por intermédio dos excessos descritivos, é possível analisar a magnitude de uma vida social politizada que engendrava uma cidadania limitada e uma sociedade cosmopolita, sendo elas metonimizadas pelos debates públicos nas assembleias. Além disso, vale destacar que, mesmo em uma sociedade hierarquizada entre polos importantes, a nobreza detentora de poder e o povo sem distinção, a simples possibilidade de organizações políticas sob a forma de assembleias demonstra a relevância da existência de uma comunidade que se relacionava entre si, criando questões públicas formadas em detrimento de questões privadas. Nesse sentido, portanto, compreender esse mecanismo participativo típico do Mundo Mediterrâneo Antigo é de fundamental importância para a construção de qualquer narrativa histórica sobre esse período.

Na Ilíada, assim como na narrativa histórica hegemônica, a política geralmente estava relacionada a alguma questão militar crítica e, por conta disso, as narrativas homéricas partem de uma perspectiva basileica. Nessa direção, os debates ativos nas assembleias comumente giravam em torno dessa temática. Ou seja, qualquer decisão no campo das guerras estava ligada à mobilização política e, consequentemente, à contestação e ao convencimento. No entanto, eles não são restritos a isso, posto que, como Trabulsi (2001) salientou, em consonância com a narrativa de Homero, a possibilidade de convocar reuniões em assembleia diferenciava os ditos civilizados – isto é, os citadinos – dos selvagens (p. 24). Além disso, Homero também expõe a centralidade que uma boa oratória política tinha no seio das famílias mais abastadas do Mediterrâneo, posto que ela era a principal definidora de identidades sociais no período.

Buscando valorizar o ato político, a escrita homérica contrapõe as assembleias humanas, compostas por multidões em seus âmbitos complexos e disformes e, às vezes, por intervenções de divindades; e as assembleias divinas, formadas por deuses e semideuses. Em relação a elas, partindo da forma pólis, Finley (1982) destaca a fraqueza institucional das assembleias frente ao poder social das famílias aristocráticas em franca ascensão nesse período, sendo elas marcadas pela hospitalidade e reciprocidade entre seus oikos, a principal instituição da sociedade grega, segundo a definição finleyana. Ou seja, para ele, os aristocratas utilizavam os conselhos de anciãos e das assembleias como mecanismos que reforçariam seu poder e sua linhagem de parentesco (FINLEY, 1982, p. 99). Desse modo, nas assembleias homéricas, somente o rei seria o responsável por tomar qualquer decisão e isso fazia com que o povo, que não votava nem tomava decisão, tivesse um papel neutro e essencialmente aclamador (FINLEY, 1982, pp. 76-77).

Já Trabulsi (2001), em divergência aos preceitos finleyanos, destaca o potencial político das assembleias homéricas e afirma que a noção de autoridade não demandava necessariamente uma inquestionabilidade absoluta. Isto é, de acordo com o autor, nos meios sociais do Mediterrâneo Antigo, mesmo em situações envolvendo atores com poderes supremos e/ou divinos, o ato de convencimento continua sendo uma característica essencial desses grupos culturais, uma vez que somente o unanimismo – e não deliberação ou votação, uma vez que não as havia (TRABULSI, 2001, p. 38) – decretaria o fim de uma assembleia convocada ou espontânea. Ou seja, nesse período em específico, o questionamento seria inerente ao convívio em sociedade nas cidades antigas, como apontado por Trabulsi (2001, pp. 26-27).

Referências

AUERBACH, Erich. “A cicatriz de Ulisses”. In: __________. Mimesis. A representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1976. cap. 1. pp. 1-20.

DETIENNE, Marcel. “Verdade e Sociedade”; “A memória do Poeta”. In: __________. Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Tradução de Andréa Daher. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. caps. 1 e 2. pp. 13-23.

FINLEY, Moses. O Mundo de Ulisses. Lisboa: Presença, 1982. 

FINLEY, Moses. “Mito, memória e história”. In: __________. Uso e Abuso da História. São Paulo: Martins Fontes, 1989. cap. 1. pp. 3-27.

TRABULSI, José Antonio Dabdab. “A mobilização política no alto arcaísmo: contestação e disputas no mundo homérico” In: __________. Ensaio sobre a Mobilização Política na Grécia Antiga. Belo Horizonte: UFMG, 2001. cap. 1. pp. 19-45.

 

*Lucas Barroso é bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciando em História pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).


Publicado por: Lucas Barroso

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