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Operariado urbano e moradia na República Velha

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O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Na virada do século XIX, o Brasil tinha como base de sustentação econômica as atividades desenvolvidas no campo. Ligada aos setores sociais detentores do poder político e historicamente alimentada como “vocação natural” pelas autoridades lusitanas e, posteriormente, brasileiras, a agricultura liderava a pauta de exportações através dos seus produtos-modelos, como o café, que neste período se irradiava pelos confins do oeste paulista, e o açúcar, “ouro branco” nordestino, que ainda foscamente reluzia.

Ao mesmo tempo, centros urbanos como São Paulo e o Distrito Federal (Rio de Janeiro) despontavam em crescimento e passaram a atrair a atenção tanto de imigrantes recém aportados da Europa, como das camadas marginalizadas das zonas rurais, que projetavam nas cidades a possibilidade de prosperar e melhorar suas condições de vida. As famílias camponesas percebiam, ainda, a chance de se verem livres da truculência levada a cabo pelos coronéis e sua matula de capangas. No meio urbano havia uma gama diversificada de atividades as quais não requeriam um tipo de especialização profissional aprofundada, como eram os casos do comércio de rua e, especialmente, das fábricas e fabriquetas que, por esta época, tinham no vestuário, alimentos e bebidas seus produtos de destaque.

Seduzido pelos baixos aluguéis, o operariado urbano concentrou-se em áreas de desvalorização imobiliária, não necessariamente afastadas da região central, mas prioritariamente próximas às estações de trem. Era o caso, por exemplo, de São Paulo, que experimentara um salto urbanístico e industrial jamais visto, e evidenciou como redutos desta classe emergente, bairros como Brás, Mooca, Bom Retiro, Luz e Barra Funda, cujos preços baixos dos terrenos também cativaram a instalação de novas indústrias.

Imperavam habitações no formato de cortiços: casarios de arquitetura colonial, dotados de um ou mais andares e constituídos de pequenos cubículos, normalmente pouco arejados e mal iluminados. Ali, se comprimiam as famílias nucleares ou extensas, no que os colunistas dos principais jornais da época denominaram, não à toa, de “colméia humana”, em atitude comum às elites do período, em “animalizar” os hábitos das camadas subalternas. Aliás, tal caracterização – que tendia a “rebaixar” as práticas populares aos níveis mais inferiores – aos poucos foi sendo acompanhada por aversão e intolerância. Mais tarde, políticas governamentais excludentes se esforçariam para lançar estas populações a regiões cada vez mais afastadas.

Se o saneamento básico era precário, a escassez de água freqüente e a disseminação de doenças, como a febre amarela e a varíola, muito comum nos imensos quarteirões que amontoavam cortiços, é certo que nestes locais as relações sociais eram intensas. Ora, os espaços coletivos, mais amplos e arejados que os apertados cubículos, proporcionavam encontros entre as pessoas, mesmo fossem realizados de maneira forçada. Os quartos eram muito próximos uns aos outros, e a linha que separava o que era considerado íntimo, privado, do público era muito sutil. Varais de roupa que se estendiam pelos pátios centrais, as pequenas plantações de hortaliças, até mesmo as latrinas, acirradamente concorridas pelas manhãs, eram todas de uso comunitário.

Ainda se tratando de moradas, muito comum também foi o estabelecimento das chamadas vilas operárias. Construídas pelos próprios industriais, fixavam-se nas mediações das instalações fabris. Neste quesito, certos historiadores parecem concordar que, como um prolongamento da fábrica, algumas vilas acabaram atuando como instrumento de controle e disciplina dos patrões em relação aos seus “empregados”, já que, por vezes, eram oferecidos serviços assistenciais, como escolas, creches, igrejas e espaços para prática de esportes. Nos ditos “armazéns”, estabelecimentos comerciais de secos e molhados, normalmente geridos pela própria família do proprietário industrial, as compras “no caderno” ocasionavam fartos endividamentos, estreitando ainda mais os laços de subordinação. Contudo, é importante salientar que os operários agiam criticamente mediante a estratégia do patronato, e jamais deixaram de demonstrar sua indignação através da organização política em sindicatos, instituição de greves e artimanhas de barganha.

Hoje, em vários pontos da capital paulista ainda pulsam, ainda que com menos ardor, as antigas vilas operárias. Em Belezinho, por exemplo, podem ser vistas as construções da Vila Maria Zélia, inaugurada em 1917 e idealizada pelo industrial Jorge Street, ou resquícios dos Apartamentos Bernardini que, nas primeiras décadas do século XX, abrigaram operários especializados na produção de cofres e móveis de aço. São espaços que persistem às transformações da cidade e que resguardam a memória do operariado.


Publicado por: André Eitti Ogawa

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