Axé Rio! A Participação das Tias Baianas na Construção da Cultura Popular Urbana do Rio de Janeiro, 1850-1930.
As tias baianas e a cultura popular urbana do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX e início do século XX, trazem um palco muito rico de informações em relação às mudanças da cidade, às formações de atores culturais, ao surgimento de costumes e de redes de sociabilidade.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
RESUMO: O seguinte trabalho pretende analisar e entender a participação das tias baianas na cultura popular urbana do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX e início do XX. A partir de certos fatores as mães de santo e outras pessoas da Bahia chegaram ao Rio e escolheram a região da Saúde para viverem, todavia era um período de transformações na capital federal, resultando na mudança para a região da Cidade Nova que ficou conhecida como a “Pequena África”. Com base nesta fixação e o surgimento de redes de sociabilidade as baianas e a sua comunidade puderam mostrar os seus costumes que indiscutivelmente interferiram o cotidiano da cidade. Através da historiografia pode-se perceber que no primeiro momento as tias foram vistas como protagonistas no processo de formação cultural do Rio, mas recentes análises revelam novos fatores possibilitando uma ampliação de ações na trama. Assim sendo, esta discussão almeja colaborar trazendo uma nova reflexão e propor alguns caminhos visando um melhor entendimento acerca do tema.
PALAVRAS-CHAVE: Baianas; participação; cultura popular; Rio de Janeiro.
ABSTRACT: This work intends to analyze and understand the participation of the “tias baianas” in the urban popular culture of Rio de Janeiro in the second half of the 19th century and beginning of the 20th. From certain factors, the “mães de santo” and other people of Bahia arrived in Rio and chose the region called Saúde to live, but it was a period of transformation in the capital, resulting in the change to the region of the Cidade Nova that became known as the "Small Africa". Based on this fixation and the emergence of networks of sociability, the “baianas” and their community were able to show their customs and traditions that undoubtedly interfered in the daily life of the city. Through the historiography we can see that in the first moment the "tias" were seen as protagonists in the process of cultural formation of Rio, but recent analyzes reveals new factors enabling an amplification of actions in the plot. Therefore, this discussion aims to collaborate bringing a new reflection and propose some ways to understand better the theme.
KEYWORDS: Baianas; participation; popular culture; Rio de Janeiro.
Este artigo tem como cerne entender a participação das tias baianas na cultura popular urbana da cidade do Rio de Janeiro nas décadas finais do século XIX e iniciais do XX, dando ênfase para o aspecto religioso, carnavalesco e musical. Para instaurar esta análise é preciso deixar claro quem são elas, como chegaram a capital federal e se fixaram, entender as transformações que o Rio passava no período e de que maneira forjaram uma liderança perante a comunidade baiana.
De acordo com Helena Theodoroii, as baianas vieram das comunidades terreiros que irromperam a partir das confrarias religiosas especificamente da Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo fundada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Pelourinho (negros de Angola) e da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da igreja da Barroquinha (mulheres nagôs como Iyá Nassôiii). As baianas tornaram estes espaços verdadeiros pilares de identidade afro-brasileira e de formas de comportamento social e individual. Estas comunidades foram forjadas a partir dos costumes de cada etnia africana e das particularidades das regiões brasileiras. Na Bahia surgiu o candomblé; em Pernambuco, o xangô; na Paraíba e em Alagoas, o tambor; no Maranhão, o batuque; e em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, a macumba, a quimbanda e a umbanda. As tias possuíam um papel de destaque em relação aos rituais comunitários, visto que seus corpos se transformavam em verdadeiros altares vivos, que recebiam, compartilhavam e multiplicavam o axé, ou energia vital dos orixás, dos participantes e dos ancestrais.
A chegada das ialorixás e da comunidade baiana à capital federal ainda gera controvérsia na historiografia, variando de uma possível diáspora a uma quantidade bem mais tímida, pois o tráfico interprovincial que procurou suprir o fim do tráfico internacional em 1850 trouxe escravos nordestinos de vários estados para o Rio, entretanto, poucos permaneceram na cidade, visto que foram rumo às fazendas de café no Vale do Paraíba e não há certeza de que eram realmente baianosiv. Todavia outras razões explicam a migração do povo da Bahia, como por exemplo pessoas livres em busca da manutenção do contato com seus entes escravizados e/ou visando uma vida melhor, já que o poderio econômico começava a ganhar cores no Sudeste e perdê-las no Nordeste. Como já foi dito é difícil cravar a quantidade de baianos, todavia a cidade de São Sebastião cresce de forma abrupta no período entre 1890 e 1917, de acordo com Roberto Moura:
“O crescimento urbano-industrial e as migrações internas provocadas pela Abolição provocariam um crescimento populacional acelerado. Se em 1890 a cidade tinha 522.561 habitantes, 15 anos após já subira para 811.443, para chegar ao primeiro milhão no final da Primeira Guerra Mundial em 1917”. (MOURA,1983, p.28/29).
Negros alforriados, islamizados, vendedores de ervas, adivinhos, cantadores, ialorixás, babalorixás e artesãos revelam a pluralidade do grupo baiano que faz da região da Saúdev, Gamboa e Santo Cristo, a primeira grande morada. No tocante às mães de santo que desembarcaram e atuaram nesta região, valem ser destacadas por causa das suas respectivas influências na comunidade e fora dela, Tia Bebiana, Perciliana, Perpétua, Calú Boneca, Maria Amélia, Rosa Ole, Mônica, Carmem da Xibuca, Josefa Rica, Gracinda (famosa devido ao seu terreiro e ao bar Gruta baiana) e Tia Ciata. Mas entre 1903 e 1906 o governo federal de Rodrigues Alves e municipal de Pereira Passos no afã de felicitar os empresários nacionais e internacionais reformaram a cidade, a partir de obras para melhorar o porto, alargar as ruas, rever questões higiênicas e habitacionais no Centro, resultando no chamado “bota abaixo” que foi a demolição de centenas de casas e cortiços sem planejamento resultando na busca desorientada da população negra e pobre por novos lares e um imprevisível desenho geográfico ampliado pelos jovens subúrbios, favelas e outras áreas centrais.
De acordo com Moura, a preferência do povo baiano foi a região da Cidade Nova. Após o aterro dos antigos alargamentos vizinhos ao canal do Mangue, a Cidade Nova começa a ganhar forma na primeira metade do XIX e com a reforma de Pereira Passos tem um crescimento populacional considerável. A Praça XI, famosa pelo carnaval popular no início do século XX, sofreu algumas alterações em sua história. No século XVIII era destino do lixo da região, gueto de ciganos e intitulada de Rossio Pequeno. A partir do século XIX enfrentou uma reforma e transformou-se em uma área de lazer para a Cidade Nova e com a ocupação proporcionada pela remodelação de Passos a praça passou a ser um local de encontros e relações culturais. Portanto este torrão virou o novo abrigo dos baianos e foi eternizada com a alcunha de “A Pequena África”vi. Para a autora Mônica Pimenta Vellosovii a “Pequena África” foi o espaço da comunidade baiana propalar a sua presença e os seus costumes perante a sociedade era um quilombo urbano, ou seja, lugar de resistência negra:
“A “Pequena África”, trecho da cidade geralmente habitada pelos negros baianos, constitui um exemplo nesse sentido. Para eles, demarcar e defender o pedaço era uma estratégia de sobrevivência, que aparecia nas mais variadas do cotidiano. O depoimento de Pixinguinha testemunha o apego do grupo ás suas tradições culturais. Nascido em 1898, nas proximidades do Catumbi, ele nos conta que a sua avó, que era africana, apelidou-o de “Pinzindim”, o que, no seu dialeto, significava “pequeno bom”. Era comum no pedaço o uso dos dialetos africanos, principalmente os de origem nagô”. (VELLOSO,1990, p.208).
Para Sampaio a pujança dos baianos na região é de fato real, porém a “Pequena África” está longe de ser um lugar homogêneo socialmente e etnicamente, pois foi abrigo de judeus, africanos, crioulos vindos da Paraíba e do Rio Grande do Sul e além de italianos humildes, resultando numa trama cultural bem maior.
Foi nessa “África baiana” ou “Babel popular” que as tias baianas conseguiram desenvolver redes de sociabilidade possibilitando na interferência na cultura popular carioca, fruto duma liderança adquirida desde os tempos da escravidão e consolidada no período de migrações para o Rio de Janeiro. Um exemplo de liderança e do eclodir de relacionamentos sociais pode ser observado na vida de Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata. Nascida em Salvador em 1854 chegou ao Rio em 1875. Casou-se com o baiano João Batista da Silva que conseguiu um emprego no gabinete de chefe de polícia da capital federal, por meio da indicação feita pelo presidente da república Wenceslau Brás, agradecido por ter a perna curada através das mãos e rezas de Ciata. A importância do cargo do marido fez com que a casa da baiana virasse um ponto de referência dos costumes negros no início do século XX, mas deve-se destacar as próprias atitudes de Ciata como motivos da valorização da cultura afro-brasileira e também da feitura de relações com grupos da elite carioca. Uma delas era o próprio ato de benzer e curar, que atraia pessoas de diferentes regiões da cidade interessados na proteção, na melhoria da saúde ou pela simples curiosidade de conhecer o funcionamento de um terreiro. Uma outra atitude era a fabricação e a venda de doces no tabuleiro pelas ruas do Rio, resultando em encomendas de diversas famílias. Além disso ela costurava roupas de baiana para clubes carnavalescos e foliões. Segundo Theodoro um outro motivo que explica este cenário deve-se ao fato da forte perseguição feita aos quilombos brasileiros por causa da ligação entre as insurgências negras e as comunidades religiosas de matriz africana, ocasionando na liderança religiosa das mulheres, posto que o governo além da intimidação, executou vários líderes religiosos e/ou revolucionários. Conforme Velloso essa ascendência das ialorixásviii veio da época escravocrata quando a parentela africana foi separada e a mulher acabou sendo incorporada ao ideal do senhor que era entrar no ciclo reprodutivo da família branca para aumentar a mão de obra, dando em parceiros efêmeros limitando a constituição da família em mãe e filhos fazendo com que ela enfrentasse basicamente sozinha as amarguras do pós abolição para cuidar dos entes próximos, deste modo, ela teve que pisar na rua e ignorar as moralidades burguesas do período e através do comércio miúdo, herança da África Ocidental, do bate papo, do poder de cura, da organização de festas e da confecção e aluguel de fantasias carnavalescas, ela conseguiu viver e como já foi dito tramou elos de contatos sociais de diferentes níveis:
“Por meio do trabalho doméstico, da culinária e dos mais variados biscates as mulheres conseguiram garantir, mesmo que em bases precárias, o sustento dos seus. [..]. A figura do pai, quando não era desconhecida, tinha pouca expressividade. [...]. Nas camadas populares não se sustentava o modelo burguês de família que delega à mulher o espaço do lar, a criação dos filhos e a submissão, e ao homem o trabalho, a subsistência da família e o poder de iniciativa. [...]. Ela jamais briga pelas “grandes causas”, mas é incansável nas lutas do cotidiano. [...]. É ela que, na maioria das vezes, cria os contatos sociais, ampliando as perspectivas de participação social do grupo”. (VELLOSO,1990, p.211-212-219).
Entendido o modo de surgimento, da vinda e das situações que levaram as ialorixás adquirirem um papel de destaque frente a sua comunidade e de tecer redes de sociabilidade com pessoas fora do seu núcleo, o debate acerca do protagonismo delas na construção da cultura popular urbana do Rio de Janeiro torna-se mais compreensível. Para não correr o risco de uma possível divagação na obra e porque a historiografia centraliza a discussão nesses três elementos, focarei a participação e a influência das tias na religião, no samba e no carnaval. No aspecto religioso podemos observar que o candomblé sofreu importantes mudanças na Bahia e as mães de santo, junto com os babalorixás, trouxeram esta nova maneira de cultuar os orixás para a capital federal e com o passar do tempo também possibilitaram na criação de uma nova religião que foi a umbanda, entretanto, a historiografia contrária vai mostrar que antes da comunidade baiana já existiam terreiros de candomblé no Rio, evidenciando a exiguidade de uma influência dominadora no processo para revelar uma troca, se não equitativa, muito próxima disto de conhecimento.
De acordo com Moura surgiu a partir da Bahia no século XVIII o encontro dos elementos dos cultos afros com os fundamentos católicos e indígenas. Os orixás iorubas começaram a ser relacionados com os santos católicos desde a vinda das novas religiões sudanesas a Salvador. Esta mistura religiosa foi provocada por causa da realidade negra no Brasil principalmente após as insurreições escravas que ocasionaram numa perseguição mais severa das autoridades, sendo necessária essa adoção de símbolos católicos para mascarar os rituais africanos a fim de celebrar em paz os orixás. O que manteve de original foram as dinâmicas de transe e a socialização através da possessão das entidades comunais. Isto posto, o candomblé na Bahia passa por mudanças com relação às suas referências cosmogônicas e nas suas liturgias, ganhando uma pluralidade cultural, além do culto em muitos terreiros tornou-se mais simples e os rituais de iniciação reduzidos. Os bantos incorporaram o catolicismo de forma mais orgânica, pois os portugueses implementaram seus costumes há mais tempo em Angola, por isso, os escravos que aportaram no Brasil celebravam os dias santos com manifestações oriundas das irmandades católicas; a título de exemplo: cucumbis, pastoris e ranchos (ao longo do século XIX e XX estes folguedos foram transferidos para os dias de carnaval).
No início do século XIX quatro africanos livres do Golfo do Benin fundaram o candomblé Ilê Iyá Nassô no Engenho Velho. Iyá Nassô, Iyá Kalá e um Wassa, sacerdote com alto título religioso, formaram uma casa de orixá em Salvador, precisamente na Barroquinha. Iyá Nassô liderou a casa, todavia na metade do século XIX é sucedida por Marcelina, acabando numa cisão no terreiro e na criação de outro candomblé no Rio Vermelho, o Gantois. Mais casas surgem inspiradas nas tradições de Angola ou cabocla com forte presença indígena em um encontro de semelhanças filosóficas e cumplicidades sociais. Portanto, este candomblé oriundo da Bahia é um culto novo que compensa as lacunas deixadas pelo período da escravidão com um moderno modelo de ritual agregando num só terreiro o culto das principais divindades das nações iorubás. Somente no Brasil o candomblé teria o significado de cerimônia religiosa e um dos poucos lugares que o negro exerceria seus costumes africanos em coletividade, e com as migrações provocadas no fim do XIX estas tradições dos iorubas e dos bantos erigidas na Bahia bailam em direção ao Rio de Janeiro. Com a natural fixação desta gente na morada de São Sebastião, além dos muçulmanos negros considerados feiticeiros de grande poder, capazes de elaborarem trabalhos mágicos e eventualmente maléficos aparecem os primeiros terreiros, a título de exemplo: João Alabá de Omulu, na rua Barão de São Félix na região da Saúde. Nesta casa foram iniciadas a Tia Carmen do Xibuca e Tia Ciata, esta tornou-se Iyá Kekerê, Mãe Pequena, encarregada pelas obrigações das festas dos ranchos, pelas oferendas dos cultos, decidia questões materiais e espirituais dos fiéis e era Achogum, ou seja, a mão de faca podendo realizar sacrifícios de animais. As tradições religiosas trazidas pelo povo baiano somado com outros elementos (como por exemplo o espiritismo e cultura indígena) fez irromper no município a religião umbanda que recria o culto dos bantos (provenientes de Angola e do Congo) sob o panteão dos orixás iorubas (vindos da Nigéria)ix.
Questionando a centralidade do grupo na estruturação da cultura popular do Rio, Sampaio mostra que o candomblé teve contribuição de pessoas não baianas:
“Já no Rio de Janeiro, o deus da fortuna era o célebre Juca Rosa, negro nascido no Rio, em 1834, filho de uma africana, que se tornou famoso por suas práticas de cura e de magia. Conhecido como o chefe das macumbas no Rio de Janeiro, Rosa liderava uma organização religiosa que pode ser entendida como os primórdios do candomblé carioca”. [...]. Pode-se alegar que Juca Rosa aprendeu seus conhecimentos religiosos com líderes baianos, em suas viagens à Bahia “para se limpar” quando teria tomado iniciações com pais de santo como Sodré ou Antão. [...]. Rosa completou sua formação com outros “africanos” na Bahia ou mesmo no Rio, mas em seus rituais encontramos, [...], também, [...], vários termos de origem angola, como macumba já aqui citada, cambondo, para seu auxiliar e tocador de tambor, e samba para sua filiada mais próxima e assistente”. (SAMPAIO, 2009, p. 77 e 79).
Deste modo a autora mostra que a influência do candomblé baiano foi importante no universo religioso afro-brasileiro do Rio, entretanto também aconteceu o movimento contrário, ou seja, costumes presentes nos rituais cariocas interferiam as celebrações do estado nordestino ficando evidente que não havia uma relação de dependência e sim de trocas iguais de saberes e práticas.
No avançar do século XIX eclodiu pelas ruas centrais da capital federal um folguedo diferente, com a preocupação de celebrar a folia de reis, entretanto com o adiantar do tempo passou a festejar os dias de carnaval. Os ranchos foram introduzidos pela turma baiana carregados de grande influência das manifestações negras, como os cucumbis e as congadas, presumivelmente trazidos pelos africanos de origem sudanesa e banto e dos costumes musicais populares portugueses. Nos jovens anos do século XX estas organizações folclóricas tornaram-se uma das principais atrações do carnaval carioca rivalizando com as Grandes Sociedades, mormente após a primeira apresentação do Ameno Resedá que estabeleceu o formato final da brincadeira momesca, revelando desfiles exuberantes e vistos pela população e pela crônica carnavalesca como verdadeiras óperas populares. A inovação provocada pelos baianos é algo difícil de ser questionado, mas é bom analisar o motivo da mudança da época dos desfiles e se a criação e o desenvolvimento só foram encabeçados pelas tias ou outras pessoas oriundas da Bahia.
Hilário Jovino Ferreira ganhou destaque devido ao pioneirismo de organizar o rancho baiano em solo carioca em meados do século XIX. Jovino nasceu em Pernambuco no começo do XIX, entretanto foi menino para Salvador e depois para o Rio, onde se tornou um dos grandes líderes na comunidade baianax. Ele criou o rancho Rei de Ouro que excluiria as tradições religiosas do folguedo e adotaria elementos dionisíacos, ou seja, deu contornos carnavalescos para esta manifestação popular, pois para Hilário o pessoal do Rio ainda não possuía uma vivência de cultura de rua, principalmente em tempos cristãos. Era um cortejo colorido e pujante, evoluía a porta-bandeira, o porta-machado, mestre de harmonia, mestre de canto, batedores, pastoras, o som vinha da orquestra que possuía vários instrumentos de sopros, além de violões, cavaquinhos, bandolins e batuqueiros e a beleza visual emergia das alegorias e fantasias. Esta contribuição foi bem aceita pelos grupos elitistas, intelectuais e até pelos oficiais de segurança por causa da origem familiar e religiosa, além de uma organização coesa e da narrativa com figuras e procedimentos repetidos e atualizados, todavia vale ressaltar que não foi de imediato, porque era uma manifestação de negros, pobres ou de classe média. Os ranchos normalmente usavam as flores para escolher seus respectivos nomes, como por exemplo Ameno Resedá, Flor de Abacate, Lírio de Amor, Papoula do Japão, Rosa Branca, Flor da Romã para facilitar a tolerância das autoridades públicas e ter um apreço maior de diferentes segmentos sociais. Era um folguedo inovador para a época pois inseria as mulheres em papeis briosos e não somente para “embelezar” o cortejo como faziam as Grandes Sociedades. As pastoras formavam o coral que entoava a marcha rancho (era a música dos ranchos), a porta estandarte desfilava e exaltava o símbolo-mor da agremiação e as baianas eram senhoras importantíssimas, porque muitas delas foram fundadoras, transmissoras de conhecimento e era obrigado antes da apresentação o grupo carnavalesco ir no terreiro das mães pedir a benção. Esta brincadeira conseguiu empolgar e ter frutos em toda a cidade:
“Reinado de Siva, da rua Senador Pompeu, na Cidade Nova, era formado também por estivadores, embora contasse entre suas fileiras com músicos como Pixinguinha, Maria Adamastor, Amor e o famoso Índio. Cantaram nas ruas a Lei Áurea e os Jardins Suspensos da Babilônia, também da Cidade Nova era o Cruzeiro do Sul-conhecido como o “rancho da italianada”, pois fora organizado pelos irmãos Baroni, [...]. Em outros pontos da cidade, floresciam também: pode-se citar como exemplo os Gravatas, rancho formado quase exclusivamente por operários da Fábrica de Tecidos Carioca, que tinha sua sede na rua Jardim Botânico”. CUNHA (1991, p.62, apud SOIHET, 1998, p.92).
Este alastramento, de acordo com Jota Efegêxi, contou com figuras importantes fora da comunidade baiana, dentre elas, Maria Adamastor. Nascida no Rio, mais precisamente na rua do Hospício (atual Buenos Aires) conseguiu fundar a partir dos ensinamentos adquiridos pelas tias e por outras pessoas experientes na formação dos cortejos, o Jardineira, e posteriormente, o Rosa Branca. Em 1909, com a sua amiga Juliana Emília dos Santos fez parte do Papoula do Japão e ocupou o importante cargo de Mestra. Como consequência deste fulminante começo, Adamastor foi disputada por quase todas as agremiações. Colaborou na criação do Sempre Vivas, do Flor da Romã, do Rei de Ouros, do Macaco é Outro e participou dos desfiles como “Porta Estandarte” ou “mestre sala”. O engrandecimento dos ranchos provocados pela ampliação de elementos contidos na exibição e do envolvimento de pessoas fora do grupo nas posições de destaque, ocasionaram na indignação de Hilário, pois estava acontecendo a perda de tradições baianasxii.
Tiago de Melo Gomes vai questionar a alegação dada por Jovino em relação a mudança da data de apresentação dos ranchos. O autor propala que a cidade apresentava uma gama variada de manifestações nos dias de celebrações religiosas e consequentemente havia uma maior repressão por parte dos policiais perante as entidades festivas, principalmente as negras, porque foi um período de levantes, revoltas e turbulências no governo regencial, ocasionando numa vigilância e controle nos eventos de escravosxiii. O carnaval era o momento de grande festança e alegria, porém ainda existia espaço para outras organizações recreativas, uma vez que os folguedos, como por exemplo o entrudo e os cordões eram enxergados como brincadeiras de baixo nível cultural e sem organização, desta forma, era importante a criação de uma inovadora maneira de jubilar carnaval. Em vista disto, Jovino preferiu transferir os ranchos para os dias de momo e com o passar do tempo mostrou ter sido uma ideia bem-sucedida, caindo no gosto do carioca. Portanto, apesar da originalidade, da ampliação cultural feita pelos baianos e da resposta das camadas populares contra a pressão civilizatória das elites republicana forjando uma manifestação ordeira com traços religiosos, mas sem perder a essência negra, foi preciso dialogar com outras organizações já tradicionais a fim de obter um espaço para demonstrar os seus costumes em meio ao diversificado caldeirão de culturas existente e também foi uma maneira encontrada pela camada pobre e negra da cidade de buscar proteção e aceitação das pessoas da classe média e alta.
Nas ruas em meio a gritos, confetes, limões de cheiro, bumbo, amores, desavenças e no espaço privado o carnaval era apreciado com alguns estilos musicais, mas não existia o que se destacava. O samba no século XIX e bem no início do XX era sinônimo de festa, somente após a junção de alguns ritmos, dentre eles os trazidos pela comunidade baiana, e a música “Pelo Telefone” que ganhou a sua forma musical. Graças aos modernos meios de comunicação de massa no Brasil e as forças modernizantes do capitalismo no princípio do século XX, o samba atravessou por uma outra fase e se converteu em produto para poder ser vendido pela indústria do entretenimento e ao mesmo tempo passou a ser um elemento de identidade brasileira, resultado da política nacionalista do governo republicano. Então, neste trabalho é preciso compreender a sua primeira fase, já que mostra a transição da festa para a música, como as suas práticas tradicionais foram executadas no Rio de Janeiro e a participação das tias neste processo, além de outros personagens anteriores da segunda fase do samba que começou no fim dos anos 20 e começo dos 30.
O gênero musical samba, como já foi mencionado vai ser consolidado somente no início do século XX, mais precisamente no fim dos anos 10. Até o fim do XIX o carnaval de rua do Rio não desfrutava de uma música oficial e sambar era algo relacionado a festa, religião, dança, comida e bebida, e o palco mais comum desta festança era a casa de alguma baiana, só depois espalhou-se pela cidade, destaque para os morros um lugar utópico para os sambistas, uma vez que era uma região tranquila para batucar e cantar, sem as perseguições das autoridades que ignoravam a vida lá em cima. Esta aproximação entre samba e religião é devido as culturas tradicionais, principalmente as africanas, que entendem a música como elemento intrínseco do indivíduo e da sociedade, isto é, a música é importante, tanto quanto, a dança, mitos, lendas e objetos para despertar o processo de interação entre homens, mundo invisível e visível.
A patuscada nas casas das tias acontecia da seguinte forma: o baile com chorinho evoluía na sala de visita, pois era permitido pelas autoridades da época, mas o samba de partido alto e a batucada que sofriam preconceito eram efetuados nos fundos das casas e nos terreiros respectivamente. Apesar da distinção entre a turma que se divertia na sala de visita e a que celebrava nos fundos, não era impedido o trânsito da elite branca na roda de samba e vice-versa, podendo ser observado numa composição de Pixinguinha e Cicero de Almeida:
“Samba de partido-alto
Só vai cabrocha que samba de fato
Só vai mulato filho de bahiana
E gente rica de Copacabana”. (SANDRONI, 2001, p.87).
A batucada de acordo com Carlos Sandronixivpode ser entendida como um jogo variado da capoeira e pode ser considerada também como uma nuance do samba de umbigada , porque era formada uma roda com o pessoal produzindo cantos responsoriais, batendo palmas, entretanto a umbigada era trocada pela pernada, típico golpe da capoeira. Não há relatos determinando qual samba predominou nas salas de jantar das baianas, todavia acredita-se que era o samba de umbigada, porém existiam outros estilos. O samba de partido alto veio de Santo Amaro da Purificação, (cidade localizada no Recôncavo Baiano), por intermédio dos senhores de engenho que organizavam sambas para mostrar suas amantes escravas, por isso da dança ser realizada de forma individual, auxiliada somente de instrumentos e o canto irrompe no intervalo entre uma dança e outra. O samba corrido possuía o canto responsorial com frases curtas e com duração imprevisível carregando fortes características africanas.
O samba começa a transformar-se em ritmo musical a partir da junção do samba de roda oriundo da Bahia com as heranças musicais deixadas pelo lundu e pela modinha. A Festa da Penha realizada durante o mês de outubro foi um espaço fundamental para a popularização do samba, porque no início do século XX os negros, especialmente os da Pequena África começaram a exibir suas canções e as que produziam um grande sucesso embalavam o carnaval seguinte. Porém foi no ano de 1916, (apesar de ser gravado apenas para o carnaval de 1917), que o samba teve uma enorme repercussão através da música “Pelo Telefone” de Mauro de Almeida e Donga, (veremos no continuar da obra que há muitas divergências sobre quem compôs e o lugar do surgimento da obra), elaborada na Casa de Tia Ciataxv. Donga, em entrevista, a Muniz Sodré revela a importância das ialorixás para a cultura popular do Rio e que o samba veio da Bahia por meio delas, em especial a sua mãe, Tia Améliaxvi:
“Quando eu nasci, em 5 de abril de 1891, na Rua Teodoro da Silva (Aldeia Campista), minha mãe, Amélia dos Santos, natural da Bahia, já era conhecida como uma das pessoas que haviam introduzido samba no Rio. Meu pai, Pedro Joaquim Maria, tocava bombardino. Era o tempo do samba verdadeiro, o samba do partido alto, com mote e glosas improvisadas. [...]. Com andamento lento, depois foi sendo alterado para formas mais corridas. Então começou a ser muito cantado o samba raiado. Formava-se uma roda, roda de respeito, com as baianas de balangandãs, os calcanhares ralados a caco de telhas. No centro, as pessoas sapateavam, com acompanhamento de flauta, cavaquinho, violão, pandeiro, além de prato e faca. Dançava um de cada vez, com entusiasmo, fazendo samba nos pés. (SODRÉ, 1998, p.70).
Rodrigo Cantos Savelli Gomesxvii mostra que paira um consenso sobre as matriarcas baianas no surgimento do samba no início do século XX que é de administradoras do ritual, ou seja, elas protegem, abrigam, preparam a comida e a bebida, todavia a parte musical é destinada aos homens, mas no decorrer do seu pensamento ele revela que as baianas foram primordiais na elaboração do samba, transpassando a sua ajuda na cozinha, no auxilio espiritual e no papel de anfitriãs para adentrar o espaço musical, seja como apreciadoras, instrumentistas, compositoras e cantoras. A baiana Carmem do Ximbuca em entrevista a Moura revelou que a Tia Ciata além de preparar a celebração do samba também era protagonista quando versava e improvisava nas rodas realizadas na sua casa e Gomes amparado em Nilcemar Nogueiraxviiievidencia a Tia Perciliana por ter introduzido novos instrumentos no gênero musical que estava em formação:
“Perciliana [...] ensinou ao filho a batida do pandeiro que tanto o diferenciava de outros músicos. Perciliana foi a grande responsável pela introdução do instrumento no samba, em 1889. Todos os seus filhos se envolveram com a música. O movimento das mãos de Perciliana transmitido a João da Baiana era único. Não é à toa que, aos 15 anos, o jovem sambista era atração nas festas pela sua habilidade como pandeirista. Perciliana foi também a primeira a ser vista raspando a faca no prato, um instrumento de ritmo inusitado”. NOGUEIRA (2007, p.18, apud GOMES, 2010, p.976).
Alessandra Tavares de Souza Pessanha Barbosaxix traz novos atores que ajudaram a construir a cultura popular do Rio, principalmente o samba no início do século XX, proporcionando uma ampliação de influências e contatos. Eloi Antero Dias, ou simplesmente Mano Eloy, nasceu em 1888 na região de Resende no Vale do Paraíba e teria chegado ao Rio de Janeiro por volta de 1900 com 15 anos de idade. Ele foi sambista, trabalhador do porto, líder da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores do Porto do Rio de Janeiro, jongueiro, Ogan de terreiros de umbanda, cidadão do samba em 1936 e fundador de diversos blocos de carnaval e de duas escolas de samba: Deixa Falar, (atual Estácio de Sá) e o Império Serrano. Segundo Barbosa, Eloy frequentou várias rodas de samba, inclusive das tias baianas e foi ele, de acordo com uma entrevista de Carlos Cachaça feita pelo Jornal do Brasil, que levou o samba para o morro de Mangueira.xxBarbosa também destaca a contribuição cultural das tias não baianas que residiam nos morros e nos subúrbios derramando no solo carioca tradições mineiras e do interior do Rio:
“ [...] nota-se a presença de tias cariocas, mineiras e fluminenses, tão influentes em suas comunidades como Ciata, Amélia e Sadata o foram para as suas próprias: a Tia Ester de Oswaldo Cruz, com seu bloco carnavalesco e suas relações com “artistas de rádio” e “políticos em evidência”, [...], as tias mangueirenses, como a mineira Tia Fé ou Tia Tomásia, jongueiras e mães de santo que estiveram presentes no processo de fundação da Mangueira; a jongueira e religiosa valenciana Maria Rezadeira, que trouxe para a Capital Federal, práticas aprendidas na fazenda onde nasceu”. GOMES (2003, p.197 apud Barbosa, 2015, p.7).
O depoimento de Cachaça e a presença das ialorixás mineiras e fluminenses contribuem para o despertar de dúvidas em relação a centralidade das baianas, uma vez que havia elementos da cultura afro no morro da Mangueira e o samba já conhecido na área central parecia anônimo em outras regiões. Talvez o que explique tal cenário é a inexistência de elementos culturais prontos e a presença de indivíduos ou grupos construindo costumes populares pela cidade, inclusive o samba. Thiago Gomes mostra que o samba “Pelo Telefone” de 1916 possui na letra fatos ocorridos em 1913, ou seja, pode-se aceitar que a canção foi cantada em outros redutos de sambistas e não só na casa da Tia Ciata. Mais um motivo importante é que o samba contém trechos de músicas folclóricas sugerindo uma participação coletiva na composição e, por fim, existe a glosa sobre o local da realização da obra que seria o morro de Santo Antônio perto do morro de Mangueira e vale lembrar que Mano Eloy tinha uma certa influência nesta região, dessa maneira não é possível oficializar o nascimento do samba como gênero musical na “Pequena África”.
Percebe-se que as baianas colaboraram para a realização das festas, na composição das letras, na maneira de dançar e até mesmo no canto de sambas fazendo com que pessoas de diversas posições sociais conhecessem tal ritmo, mas ao mesmo tempo houve influências fora da “Pequena África”, como por exemplo Mano Eloy, Tia Ester, Tia Tomásia e outros que levaram o samba para áreas aparentemente isoladas ou com menores contatos das festanças e rezas das ialorixás.
Enfim, as tias baianas e a cultura popular urbana do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX e início do século XX trazem um palco muito rico de informações em relação às mudanças da cidade, às formações de atores culturais, ao surgimento de costumes e de redes de sociabilidade. É preciso dizer que apesar de ser um assunto muito pesquisado, há importantes lacunas para serem resolvidas, com a vontade de possibilitar uma maior compreensão e ampliação acerca do tema, como por exemplo apresentar diferentes grupos distante das baianas, mostrar como era a comunicação da comunidade baiana com estes distintos grupos, e detalhar outras ialorixás além das famosas, Amélia, Carmem e Ciata.
Em relação a historiografia, percebe-se que na década de 80 o assunto ganhou corpo e importância, as baianas foram entendidas como protagonistas no processo da formação cultural do Rio, todavia estudos a partir do fim dos anos 90 e, principalmente a partir de 2010, trazem outros indivíduos e grupos que também colaboraram no forjar dos costumes e hábitos na terra de São Sebastião, resultando não na perda de importância das tias, mas na divisão de influência e saberes populares. Acredito que esta modificação se deve ao fato das recentes pesquisas buscarem questionar a opinião consolidada deixada pelos primeiros pesquisadores e o acesso de outras fontes.
Outro motivo pode ser a mudança de visão de mundo por parte dos autores, visto que a maioria destes, na década de 80 e começo de 90, estavam imergidos na ideia de colocar o povo como protagonista social e de se afastar de qualquer relação com os projetos modernizadores realizados pelas elites no começo da era republicana, diferindo dos investigadores do fim de 90 e dos anos 2000 que buscaram entender as manifestações culturais populares, porém sem excluir as relações entre pobres, classe média e os mais abastados.
Roger Chartier diz que a cultura popular é uma categoria erudita, pois os debates e os estudos são feitos por pessoas fora do espaço público visando enquadrá-la a margem da cultura letrada. Ele considera que popular não é caracterizar e/ou definir elementos tidos como populares, mas analisá-los como são utilizados num determinado grupo ou sociedade. O historiador revela (apesar da desconfortável possibilidade de uma simplificação severa), que há dois grandes modelos de interpretação e descrição de cultura popular. O primeiro a enxerga como um sistema simbólico autônomo que atua de maneira isenta e irredutível à cultura culta. A segunda é oposta ao primeiro modelo, pois acredita nas relações de dominação que organizam o mundo social e, por isto, a observa como dependente da cultura dos dominantes.
Apesar dos métodos apresentados serem bem distintos não existe a certeza de uma tranquila definição da cultura popular por parte dos pesquisadores, primeiro pelas deficiências mostradas e segundo pois no decorrer de algumas obras é possível encontrar evidências dos dois procedimentos sem a preocupação de problematiza-los. Portanto quando um historiador for estudar a cultura popular a partir dos dois modelos conhecidos, é preciso mostrar as práticas que visam subestimar os elementos populares e as usadas contra os agentes dominantes, ou seja, o caminho mais prudente não é escolher apenas um, mas os dois esquemas e intrica-losxxi. Desta forma, acredito que a distinta aplicação metodológica dada a cultura popular pelos pesquisadores colabora para entender o porquê da historiografia tradicional exaltar a participação das mães baianas e a mais recente reconhecer o seu valor, todavia negar a centralidade a favor da comunicação entre diferentes grupos sociais na construção da cultura popular urbana da até então capital federal.
Sendo assim, as ialorixás da Bahia desempenharam um bonito e importante papel na cultura popular do Rio, mas não creio na centralidade, isto é que elas e a comunidade baiana ditaram tendências e os outros grupos e indivíduos apenas receberam as ideias sem produzirem nada de especial ou que apenas complementaram de maneira coadjuvante os costumes e hábitos populares da Cidade Maravilhosa. É bom lembrar que neste período as reformas urbanas, feitas por Pereira Passos, visavam unir todo o município e que as pessoas se relacionariam a partir dos costumes civilizatórios, ou seja europeu, todavia apesar desta ideia não ter surtido efeito o fato é que possibilitou uma maior interligação entre bairros, morros e subúrbios ajudando numa maior troca de costumes e dificultando o pensamento da posição de destaque do grupo baiano.
Vimos que nos elementos religiosos, carnavalescos e musicais, as tias tiveram um esforço para divulgar e proteger seus valores culturais, criaram redes de sociabilidade com diferentes camadas sociais, mas não estiveram sozinhas, Mano Eloy, Tia Ester, Tomásia, Fé, Maria Rezadeira, africanos, fluminenses, até membros da elite que assistiam sambas de partido alto nas casas das mães de santo, além de outros nomes não citados nesta obra e os que ainda podem aparecer em trabalhos futuros contribuíram para a cultura popular, seja na divulgação das suas crenças ou na apresentação de costumes existentes, mas desconhecidos em certas regiões da cidade, resultando não na menor importâncias das mães baianas, mas sim na ampliação desta história e na soma de personagens e relações.
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ii Ver com mais detalhes na obra Guerreiras do samba, 2009.
iii Ela foi uma das fundadoras do candomblé da Barroquinha junto com Iá Acalá e Iá Adetá.
iv Ver com mais detalhes na obra Conexões Rio-Bahia: Identidades e dinâmica cultural entre trabalhadores, 1850-1888 de Gabriela dos Reis Sampaio, 2009.
v Um fato curioso sob a Saúde encontrado no livro Histórias das ruas do Rio de Janeiro de Gerson Brasil é que no dia 21 de agosto de 1898 ocorreu a assembleia de fundação do Clube de Regatas Vasco da Gama na sede do Clube Dramático Filhos de Talma, no antigo 293, por determinação de Henrique Francisco Monteiro, Manoel Teixeira Sousa Júnior, Luis Antônio Rodrigues e José Alexandre de Avelar Rodrigues e outros comerciários.
vi Título dado por Heitor dos Prazeres para designar a nova área habitada pelas tias baianas que era a Cidade Nova e Praça XI.
vii Ver as tias baianas tomam conta do pedaço: Espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro de Mônica Pimenta Velloso,1990.
viii Ialorixás (mães de santo) será um outro termo para quando a obra citar as tias baianas.
ix Guerreiras do Samba pág. 22.
x Ver Roberto Moura, Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro e Rachel Soihet, A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle Époque ao tempo de Vargas.
xi Ver a obra Figuras e coisas do carnaval carioca de Jota Efegê.
xii Entrevista dada por Hilário Jovino ao Jornal do Brasil em 1903 que está contida na obra Ecos da Folia: Uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920 da autora Maria Clementina Pereira Cunha.
xiii Tiago Melo Gomes chega a esta conclusão amparado nas ideias de Karasch na obra, A vida dos escravos.
xiv Ver com mais detalhe na obra, Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933, 2001.
xv Ver com mais detalhes na obra de Rachel Soihet, A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle Époque ao tempo de Vargas e José Adriano Fenerick, Nem no morro nem na cidade: as transformações do samba e a indústria cultural (1920-1945).
xviA entrevista está na integra no livro, Samba, o dono do corpo, p. 70-76.
xvii Ver com mais detalhes na obra As tias baianas que lavam, cozinham, dançam, cantam, tocam e compõem: Um exame das relações de gênero no samba da Pequena África do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX.
xviii Autor do livro A força feminina do samba, 2007.
xix Ver a obra, Estando com Mano Eloy com seu lindo terno azul: trajetórias e redes de sociabilidade no pós abolição, 2015.
xx Esta entrevista foi realizada no dia 20/02/1971 e pode ser vista na obra, Estando com Mano Eloy com seu lindo terno azul: trajetórias e redes de sociabilidade no pós abolição, p.4 e 5.
xxi Ver com mais minúcias na obra, Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico, 1995.
Vinicius Francisco Lopes Dalanesi
Graduando em História pela FCHS-UNESP Campus de Franca sob a orientação do Prof. Dr. José Adriano Fenerick.
Publicado por: Vinicius Francisco Lopes Dalanesi
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