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A LOCAÇÃO SOCIAL COMO FORMA DE ACESSO À MORADIA

Produção da habitação na política habitacional brasileira, histórico e os diversos aspectos que caracterizam o programa de locação social.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Sabemos que no Brasil, quase que exclusivamente, a política habitacional tem sido voltada para a aquisição da casa própria que apesar do volume produzido pelo maior programa habitacional já visto no Brasil, o Minha Casa, Minha Vida, o déficit habitacional conta com  dos 5,4 milhões, segundo dados da Fundação João Pinheiro de 2012. O que frequentemente vemos na produção de habitação social no Brasil é a falta de cuidado com os locais de inserção do projeto, mal justificado pela urgência de demanda e falta de organização de  recursos.

O presente artigo tem como objetivo geral apresentar a alternativa para habtação social através do programa de  locação social e analisar a efetividade do mesmo no Brasil. Os objetivos específicos consistem na identificação da experiência internacional mais especificadamente a França com a locação social e a provisão e  experiência brasileira. Procurou-se, inicialmente, apresentar o contexto histórico da produção da habitação na política habitacional brasileira, bem como apresentar o histórico e os diversos aspectos que caracterizam o programa de locação social.

Palavras-chave: Habitação de interesse social. Aluguel Social. Direito  á moradia. Políticas Habitacional.

ABSTRACT

We know that in Brazil, almost exclusively, the housing policy has been directed towards the acquisition of the house that despite the volume produced by the largest housing program ever seen in Brazil, Minha Casa, Minha Vida, the housing deficit has 5, 4 million, according to data from the João Pinheiro Foundation of 2012. What we often see in the production of social housing in Brazil is the lack of care with the places of insertion of the project, hardly justified by the urgency of demand and lack of organization of resources.

The present article has as general objective to present the alternative for social housing through the social lease program and to analyze the effectiveness of the same in Brazil. The specific objectives are to identify the international experience more specifically France with the social leasing and the Brazilian provision and experience. It was initially proposed to present the historical context of housing production in Brazilian housing policy, as well as to present the history and various aspects that characterize the social leasing program.

Keywords: Housing of social interest. Social Rental. Right to housing. Housing Policies.

1 INTRODUÇÃO

A provisão habitacional é estruturada a partir da interação entre a estrutura social, econômica, política e cultural que governa tanto o processo de provisão e de consumo de habitação em um dado contexto quanto os diferentes agentes envolvidos nesse processo (consumidores finais, proprietários de terras, investidores, incorporadores, gestores públicos, políticos, financiadores, movimentos sociais, ONG’s, entre outros). As relações entre esses agentes, ponderadas pela sua estrutura de capital próprio em suas diferentes configurações, determinam a forma final da estrutura e, ao mesmo tempo, são influenciados por essa estrutura (WERNA et al., 2004; BOURDIEU, 2006).  

Conforme Harvey (1982), o estímulo à aquisição de unidades habitacionais estimula moradores-usuários a se tornarem moradores-proprietários, envolvendo-os numa luta de apropriação de valores e de captação de externalidades. Desse modo, sujeita-se a economia doméstica à lógica capitalista de produção de mercadorias, na qual a habitação adquire, além do seu valor de uso, um valor de troca. A difusão de externalidades distorce preços e permite  obter rendas e lucros de monopólio espacial[1] , acirrando conflitos e descontentamentos principalmente nas camadas da população que não conseguem ter acesso à habitação pelos mecanismos de mercado.

Um dos fatores agravante quando se considera os modelos calcados exclusivamente na oferta da moradia-propriedade é o fato de que metade do déficit habitacional apontado pelo PLANHAB está localizado nas regiões metropolitanas brasileiras, onde o valor da terra é maior. Frequentemente, o alto valor da terra inviabiliza a oferta de moradias em áreas centrais e consolidadas para os setores de menor poder aquisitivo. Conforme relatado pelo Observatório do Uso do Solo e da Gestão Fundiária do Centro de São Paulo (LABHAB et al., 2006), por mais que se consiga reduzir os custos de obtenção de terrenos, a localização central é mais cara e não permite os artifícios que a política habitacional brasileira tem adotado para viabilizar uma “casa própria” para a população de menor renda (lotes sem serviços, “embriões”, etc.).

Por ser uma forma de ocupação muito mais flexível do que a casa própria, a locação tem maior potencial para atender as diferentes demandas ao longo do ciclo de vida domiciliar[2] , já que a transferência entre unidades locadas motivadas pela alteração de necessidades apresenta um custo menor de transação do que a transferência entre unidades próprias via compra e venda. A quitação e transferência de IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), ITBI (imposto de Transição sobre Bens Imóveis), tarifas cartoriais (registros de compromisso de compra e venda e averbação em matrícula/certidão de Registro de Imóveis) estão entre os custos que compõem a transição entre imóveis próprios no Brasil, os quais inexistem ou são reduzidos na transição entre imóveis locados. Nesse contexto, a insuficiência de oferta habitacional para locação induz à ineficiências da disponibilização de verbas do estoque habitacional e contribui para um grau maior de imobilidade residencial: afim de evitar custos transacionais elevados, proprietários se veem presos a moradias inadequadas às suas necessidades habitacionais e arcam, muitas vezes, com custos de manutenção e impostos além de sua real capacidade de pagamento (JARAMILLO e IBAÑEZ, 2002; BLANCO et al., 2014).

Cabe ressaltar que ainda há demanda para ações em locação social nas áreas urbanas brasileiras. Isso é indicado pela existência de um grande contingente de famílias afetadas pelo ônus excessivo com aluguel (um dos quatro componentes que definem o déficit habitacional no Brasil[3]), o qual ocorre quando mais de 30% da renda média mensal de famílias em domicílios urbanos com renda de até três salários mínimos se encontra comprometida com o pagamento de aluguel. Conforme apontado pelo IPEA (2013), cerca de 2,29 milhões de domicílios urbanos em 2012 encontram-se em situação de ônus excessivo com aluguel. O número de domicílios afetados pelo ônus excessivo com aluguel dobrou em relação a 2000, quando cerca de 1,2 milhão de famílias locatárias com rendimento de até 3 salários mínimos se encontravam em situação semelhante (BRASIL, 2004).

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 PROCESSO HISTÓRICO DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL

Entende-se como habitação de interesse social aquela destinada ao atendimento habitacional das famílias de baixa renda, especificamente financiada pelo Poder Público. 2 (BONDUKI et al, 2011). Neste âmbito questões como funcionalidade e qualidade do espaço habitado são desconsideradas em detrimento ao simples fato de promover abrigo a um baixo custo localizado onde quer que seja. Malard (1992) nos alerta que a habitação; enquanto habitat humano; assume papeis que vão além da função de abrigar, chega a ser ponto de referência, o local seguro para onde se volta e se constroem os sonhos. Desta forma, abrigar o habitar deve ser pensado para além do abrigo, para o significado de lugar, para que atenda à determinadas funções do viver e não somente do sobreviver.

Historicamente, a habitação popular surgiu com a grande demanda de migração,do campo para a cidade,influenciada pela chegada da Revolução Industrial entre os séc. XVIII e XIX. Para BONDUKI(2004):

“O problema da habitação popular[...] é concomitante aos primeiros indícios de segregação espacial. Se a expansão da cidade e a concentração de trabalhadores ocasionou inúmeros problemas, a segregação social do espaço impedia que os diferentes estratos sociais sofressem da mesma maneira os efeitos da crise urbana, garantindo à elite áreas de uso exclusivo, livres da deterioração, além de uma apropriação diferenciada dos investimentos públicos.”

Assim, a urbanização brasileira se desenvolve de maneira mais expressiva a partir do século XVIII, amadurece no século XIX e apenas no século XX é que atinge as características da atual urbanização (SANTOS, 2009, p. 21).Entre o fim do período colonial até o final do século XIX, o índice de urbanização pouco se alterou no Brasil, entre os anos de 1890 e 1920 cresceu aproximadamente 3% e foi somente no período entre 1920 e 1940 que o Brasil viu sua taxa de urbanização triplicar, chegando a 31,24% (SANTOS, 2009, p. 25)

No Rio de Janeiro, já no final do século XIX iniciou-se o processo de conformação da periferia pela classe de baixa renda, onde, segundo Villaça (2001, p. 231) “em 1890, a população suburbana era quase 18% da total”. Assim, o Brasil se urbanizava de maneira e intensidade diferente em cada cidade. Segundo Maricato (2000). Os cortiços eram a “habitação problema” (VILLAÇA, 2001, p. 229). Na década de 1920, o discurso do poder público era que a construção de habitações higiênicas resolveria o problema habitacional. Estas substituíram os casebres e cortiços, habitações consideradas como sendo o início dos problemas habitacionais. Além disso, o investimento na ampliação das redes de água e esgoto foi bastante expressivo.

2.2 SURGIMENTO DOS CONJUNTOS DESTINADOS A  HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL

Com a população pobre desfavorecida, os problemas com moradia da classe trabalhadora não faziam parte da reforma urbana instituída pelo poder público. Neste contexto, surgem as Vilas Operária, com algumas semelhanças dos cortiços, porém como modelos considerados mais higiênicos, ‘’pois era salubre e continha equipamentos sanitários em casa unidade ’’ (BONDUKI,2004).

LEITE apud VERÍSSIMO (2006) relata que:

[...] as vilas foram uma evolução dos ‘’cortiços’’ Vila é a ‘’avenida’’, na liguagem popular, aquele nosso correr de casas semelhantes, térras ou assobradas, em torno de área comum com acesso por estreita servidão, produto de outro retalhamento de propriedades maiores que podem gerar capital. Estas Vilas vão abrigar a classe méfia, que primeiro aluga suas casas, com a remota esperança de um dia compra-lá.

A questão habitacional adquiriu papel fundamental nos planos e realizações do Estado Novo. O objetivo era viabilizar a casa própria para o trabalhador de baixa renda. Segundo (BONDUKI, 2004, p.12).

[...] o objetivo dos governos desenvolvimentistas era estimular a criação de uma solução habitacional de baixo custo na periferia, visto ser ela conveniente para o modelo de capitalismo que se implantou no país a partir de 1930, por manter baixos os custos de reprodução da força de trabalho e viabilizar o investimento na industrialização do país.

No início da década de 30 são criados os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), atuando no campo habitacional somente a partir de 1937, onde um decreto federal estabeleceu que parte das reservas financeira spoderiam ser destinadas ao financiamento de moradia através das “carteiras prediais” que atendiam diversas classes de trabalhadores. A produção deste instituto é uma referência no histórico da habitação social, em função da melhoria que conjuntos residenciais representaram na qualidade projetual da habitação. Ainda em 1937, os IAPS passaram a atuar no campo habitacional, onde poderiam investir até 50% de suas reservas para o financiamento habitacional. Sobre os conjuntos habitacionais produzidos pelos IAPS, Bonduki (2004) acredita que,

[...] o nascimento da habitação como uma questão social também significou a formulação de uma nova proposta não apenas de arquitetura e urbanismo, mas também de produção, incorporando os pressupostos do movimento moderno que propunham a edificação em série, com padronização e pré-fabricação, como instrumentos para atender às grandes demandas existentes nas cidades contemporâneas, marcadas pela presença do operariado (BONDUKI, 2004, p.15).

Em 1942, foi criado a Lei do Inquilinato como forma de regulamentar as relações entre locadores e inquilinos. Esta Lei agravou ainda mais o cenário habitacional, onde as obras destinadas à moradia foram paralisadas em função de não constituírem em lucro para os proprietários, tendo em vista o congelamento dos aluguéis.

Decreto Lei nº 4.598, de 20 de Agosto de 1942. ... Art. 2º Não é permitido cobrar, na locação ou sub-locação de residência qualquer importância a título de taxas, impostos, luvas ou outra qualquer despesa ou indenização não prevista em lei. Parágrafo único. Fonte: Disponível em .

A Lei do Inquilinato teve grande importância no contexto da política habitacional brasileira, já que desestimulou o aluguel por parte dos trabalhadores, estimulou a iniciativa da casa própria, dando ao governo mais responsabilidade em tratar do problema das habitações de interesse social. A partir de 1942, ano de congelamento dos aluguéis pela Lei do Inquilinato, a produção rentista foi desestimulada e o Estado e os trabalhadores foram encarregados de produzir suas moradias. Isso ocorreu durante uma das mais graves crises de moradia da história brasileira. Com relação à Lei do Inquilinato, Bonduki (2004) descreve:

A década de 40 é, portanto, crucial no que se refere à ação do Estado no setor habitacional, quando ocorrem as principais intervenções do governo federal – congelamento dos aluguéis, produção em massa de moradias por intermédio dos IAPS e criação da Fundação da Casa Popular. Este processo ocorreu numa conjuntura dinâmica de transformações políticas, urbanização, crescimento econômico, mobilização popular e redesenho urbano (BONDUKI, 2004, p. 209).

Em 1946, foi criada a Fundação da Casa Popular, órgão responsável por centralizar a política habitacional. Porém, em função da falta de recursos, a produção habitacional neste período foi inexpressiva, sendo construídas 18.132 unidades habitacionais no período de 1946 a 1964. Enquanto queo Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAPs) construiu 47.789 conjuntos habitacionais no período 1937 a 1964 (Bonduki,1998).

Em 1964, após o Golpe Militar, foi criado o Sistema Financeiro de Habitação juntamente com o Banco Nacional de Habitação (SFH/BNH), que tinha como função as operações de crédito imobiliário e a gestão do Fundo de Garantia doTempo de Serviço: “estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda”. (Leinº4380/64).

Apesar dos números expressivos, Bolaffi, 1977 mostra que a Habitação não era a prioridade deste sistema:

“ tudo indica (...) que o ‘problema da habitação’ (...) apesar dos fartos recursos que supostamente foram destinados para a solução, não passou de um artifício político  formulado para enfrentar um problema econômico conjuntural.”

O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi criado pela Lei 4380/64 que instituiu “a correção monetária e o Banco Nacional da Habitação (BNH), que se tornou o órgão central orientando e disciplinando a habitação no País” (LEI 4380/64). Para Villaça (1986, p. 26), “A criação do BNH ocorreu cinco meses apenas, após o golpe de 64. É um típico produto da ditadura que então se instalou, dadas as características econômicas, políticas e ideológicas de sua atuação”. Em 1986, atravésdo Decreto nº2.291, O BNH – Banco Nacional de Habitação foi extinto,sendo incorporado pela Caixa Econômica Federal.

Em 2001, foi aprovada a Lei 10.257/2001, o Estatuto da  Cidade tendo como foco o ordenamento territorial para promoção da inclusão social, ampliando as possibilidades de  regularização fundiária, colocado como diretriz XIV do artigo segundo:

“ Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação de solo e edificação, consideradas a situação soci oeconômica da população e as normas ambientais.”

Em 2003, foi criado o Ministério das cidade com objetivo de cmbater as desigualdades sociais, transformando as cidades em espaço mais humanizados, ampliando o acesso da população à moradia, ao saneamento e ao transporte. Em 2004, foi aprovada a Política Nacional de Habitação.

O Fundo Nacional de Habitação deInteresse Social que estabelece que os Governos em âmbito Federal, Estadual e Municipal façam um Termo de Adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) que através do Plano Nacional de Habitação estabelece os critérios para o financiamento habitacional. Desta forma, através do SNHIS os municípios podem constituiros Fundos de Habitação e Interesse Social, e através de um Conselho Gestor elaborar o seu próprio Plano Local de Habitação e Interesse Social (PLHIS).

3  PROGRAMAS HABITACIONAL DE LOCAÇÃO SOCIAL

No Brasil, até os anos 1940, a ausência de atuação do Estado na provisão habitacional fez com que restasse à iniciativa privada as providências relacionadas à ocupação do espaço urbano. Investir na construção de habitações para aluguel era, então, uma atividade econômica de alta rentabilidade, com possibilidade de acúmulo de capital[4]. O investimento era seguro, com riscos “baixos, e (...) a valorização imobiliária, sobretudo em cidades de grande crescimento e dinamismo econômico”, era garantida (BONDUKI, 2011, pg. 44), inexistindo qualquer controle estatal aos valores dos aluguéis.

A locação somente despontará no cenário dos instrumentos de política habitacional com a Política Nacional de Habitação (PNH) instituída em 2004. Tal política surge após a criação do Ministério das Cidades em 2003, como uma alternativa de provisão habitacional para a população de menor poder aquisitivo. Entre as diretrizes para a provisão habitacional, a PNH destaca o desenvolvimento de “programa e linha de financiamento destinado à produção de unidades habitacionais dirigidas à locação social” (BRASIL, 2004, p.42). Além disso, a PNH insere a reabilitação de imóveis para locação social pública e privada – inclusive com recursos do FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social)[5] – no contexto de ações necessárias para a reabilitação de áreas urbanas centrais, ressaltando que a locação social, aliada “a medidas de incentivo à utilização de imóveis do mercado secundário de imóveis para fins residenciais, poderia contribuir para criar condições de equilíbrio do mercado e, consequentemente, reduzir o déficit habitacional.” (BRASIL, 2004, p.46).

Resumidamente, a provisão de habitação por locação assume uma variedade de configurações. A configuração precisa é determinada de acordo com as condicionantes nacionais e locais e qualquer política sensata em relação ao setor deve reconhecer tal diversidade  (UN- HABITAT, 2003, p.27).

Nos países que possuem programas de locação social, o perfil dos empreendimentos habitacionais direcionados a esses programas varia consideravelmente em termos de porte, peso no sistema habitacional, idade, tipologia, organização, financiamento, propósito, trajetória histórica, entre outras variáveis. Há que se considerar, que a política habitacional da qual emana cada perfil se situa em contextos específicos e complexos, característicos de cada realidade em que estão inseridas, sendo instrumento e estratégia de uma determinada sociedade. (ABIKO et al., 1994; UN-HABITAT, 2003; WHITEHEAD e SCANLON, 2007; MALPASS, 2008).

3.1 PERFIL DAS CONSTRUÇÕES PARA LOCAÇÃO SOCIAL

O perfil etário das construções destinadas à locação social é bastante diversificado. O pico de produção se deu entre a segunda metade dos anos 1960 e a primeira metade dos anos 1970. Nesse período, chegou-se a produzir, na França, mais de 110.000 unidades por ano, quantidade quase três vezes maior do que a produção anual francesa no início dos anos 2000. A produção intensiva nesse período se deve ao fato da provisão habitacional subvencionada ter se tornado um dos esteios das políticas de bem-estar social, incentivada pela instituição de subsídios públicos à construção e formação de atores importantes, como cooperativas e organizações habitacionais sem fins lucrativos, muitas das quais ligadas a governos locais (LEVY- 22 VROELANT et al., 2008; ELSINGA & WASSENBERG, 2007; LEVY-VROELANT & TUTIN, 2007).

A reforma e reabilitação de edificações existentes em áreas de requalificação urbana são recomendadas pelos autores. Entretanto, os mesmos afirmam não ser possível a proposição de um padrão arquitetônico para essas áreas, no Brasil, devido às especificidades das edificações a serem reformadas/reabilitadas, bem como à ausência “em nosso país, de uma tradição consolidada de reforma e reciclagem de edificações e áreas para fins com tipologia específica.” (ABIKO e BARREIROS, 1993, p.999).

3.2 LOCAÇÃO SOCIAL EM SÃO PAULO (SP)

O Programa Locação Social foi iniciado na cidade em 2002, na gestão da prefeita Marta Suplicy, com a viabilização de cinco empreendimentos, totalizando 853 unidades habitacionais, alguns entregues na mesma gestão e outros entregues nas gestões seguintes. Foram construídos três empreendimentos novos: Parque do Gato e Olarias, entregues em 2004, e Vila dos Idosos, entregue na gestão do prefeito José Serra (2007). Os outros dois conjuntos foram viabilizados com a reforma de edifícios existentes: Asdrúbal do Nascimento e Senador Feijó, entregues na primeira administração do prefeito Gilberto Kassab (2009). Em dezembro de 2014, após anos sem nenhum investimento em locação social, o prefeito Fernando Haddad inaugurou um novo empreendimento no programa, o Palacete dos Artistas, destinado a abrigar 50 artistas com idade acima de 60 anos e renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos[6].*

O Plano Municipal da Habitação de São Paulo (PMH 2009-2024) vigente propõe a extensão do Programa de Locação Social para o parque locativo privado, como forma de atender o déficit por ônus excessivo com aluguel (PMSP/SEHAB, 2011).

Secretário municipal de Habitação Fernando Chucre em entrevista para o G1[7] afirma;

A locação social tem diversos subprogramas que vão gerar a produção de unidades habitacionais em um modelo parecido que nós temos  agora, sem a transferência da propriedade no final do processo. Isso resolve um problema bastante conhecido no Minha Casa, Minha Vida, que é a revenda de unidades habitacionais a partir do momento em que o poder público entrega essas unidades para a familia.

Há uma grande importância dentro desta política que é a reciclagem e reabilitação de prédios antigos e ociosos , já que o número de unidades habitacionais é considerável. Esta atividade gera uma demanda por mão-de-obra maior do que a construção de novas unidades, propiciando mais empregos, além do Poder Público criar instrumentos para minimizar o custo destas unidades, como isenção tributária. Os agentes desta política são SEHAB (gestora); Cohab (operadora); Prefeitura Municipal de São Paulo (promotora); locatários (beneficiários).

Entre os principais instrumentos legais criados para a área central estão as Zonas Especiais de Interesse Social, abrangendo um determinado número de quadra e imóveis no centro. Nas ZEIS foram aplicados alguns instrumentos do Estatuto das Cidades voltados para o cumprimento da função social da propriedade, tais como IPTU progressivo, usucapião especial de imóvel urbano, parcelamento, edificação ou utilização compulsório do solo urbano não-edificado, direito de superfície, direito de preempção e transferência do direito de construir. Em contrapartida às exigências, o conjunto fica liberado do pagamento da outorga onerosa vigente no restante da cidade para coeficientes de aproveitamento superiores.*[8]

O Residencial Parque do Gato foi implantado em uma área parcialmente ocupada pela Favela do Gato. O conjunto possui 486 unidades habitacionais, divididas em 9 blocos que compõem quatro condomínios distintos. As unidades variam entre quitinete e apartamentos de 1 e 2 quartos.  O Conjunto Residencial Olarias, com 137 unidades, foi concluído em 2004. Seu projeto teve como público-alvo a população moradora de rua (em especial catadores de lixo reciclável), população moradora em áreas de risco, idosos e portadores de necessidades especiais. A Vila dos Idosos tem como diferencial o atendimento à demanda constituída por pessoas acima de 60 anos, ainda negligenciada pelos programas e financiamentos habitacionais. O conjunto foi finalizado em agosto de 2007 e oferece um total de 145 unidades habitacionais adaptadas ao uso específico da população idosa. (Programa de Locação Social. São Paulo: PMSP, s/d.Disponível em:< http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/ /habitacao/0021/. Acesso em 15 de junho de 2018.)

Os projetos de readequação dos edifícios Asdrúbal do Nascimento e Senador Feijó foram entregues em 2009. Os projetos utilizaram edifícios vazios de dois antigos hotéis e têm, portanto, uma escala bem menor. O Edifício Asdrúbal do Nascimento possui 40 unidades habitacionais, sendo 7 quitinetes e 29 apartamentos de 1 dormitório e de 4 apartamentos de 2 dormitórios. O Edifício Asdrúbal do Nascimento possui 45 unidades habitacionais, sendo 15 quitinetes e 30 apartamentos de 1 dormitório. (Programa de Locação Social. São Paulo: PMSP, s/d.Disponível em:< http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/ /habitacao/0021/. Acesso em 15 de junho de 2018.)

Afirmou em entrevista ao Jornal à Folha o secretário municipal de Habitação, o arquiteto Fernando Chucre[9]:

Reabilitar edificios é bem mais barato e rápido que produzir do zero. Desapropriar terrenos, encomendar projetos, tirar os licenciamentos, levar infraestrutura, creche, hospital, tudo isso demora. Há muitos edifícios deteriorados no centro porque os proprietários não têm recursos para reformar ou para pagar IPTU devido. Eles poderão entrar nesse pacote para locação social", diz

Os dados do último Censo Demográfico do IBGE, de 2010, vão de encontro ao viés histórico em favor da propriedade como modelo de provisão habitacional: entre 2000 e 2010, verifica-se pela primeira vez nos últimos setenta anos - (ligeira) diminuição da taxa de propriedade no Brasil, acompanhada por um aumento inédito no percentual de domicílios alugados.

3.3 A EXPERIÊNCIA FRANCESA: HABITATION Á LOYER MODERÉ (HLM)

Entre os países europeus, a França se destaca por possuir o maior estoque habitacional para locação social: são aproximadamente 4,3 milhões de domicílios (os quais abrigam cerca de 10 milhões de pessoas), correspondentes a 17% do total de domicílios e 45% do total de domicílios alugados é o predominantemente urbano. Schaeffer (2008) estima que 90% do estoque de locação social está concentrado em menos de 2.000 das 36.300 municipalidades francesas, as quais concentram 60% da população. Cabe ainda destacar que mais de um terço desse parque (36,4 %) se encontra em cidades com mais de 100 mil habitantes. 76% das unidades habitacionais situa-se em edificações multifamiliares, possuindo em média 70 m² e três dormitórios (APUR, 2014). Aproximadamente 70.000 unidades para locação social foram produzidas em 2007 e 2008 (o que corresponde a 17% das novas unidades habitacionais produzidas no 83 período), frente a uma demanda estimada por Schaeffer (2008) em 1,2 milhões de unidades.

O caráter compulsório da oferta de moradia social foi reforçado pela Lei de Solidariedade e Renovação Urbana (Loi Solidarité et Renouvellement Urbain - SRU), aprovada em 2000. Essa lei define que todos os municípios ou aglomerações urbanas com mais de 50.000 moradores deverão ter, no mínimo, 20% de habitação social em seus territórios num prazo de 20 anos.  O Estado francês assumiu o protagonismo no financiamento à oferta de locação social (em substituição aos fundos filantrópicos e fundos de entidades patronais) e instituiu um sistema de provisão habitacional por aluguel moderado, conhecido como HLM (Habitation á Loyer Moderé). Nesse sistema, a provisão financiada pelo Estado é feita por organizações públicas e privadas de HLM – as quais atualmente chegam a 800 –, classificadas em quatro tipos (DIOGO, 2004, p.79-80):

  • ofícios públicos de direito público, gerido pelas municipalidades ou pelos departamentos (subdivisão regional francesa);
  • sociedades anônimas de direito privado, formadas por pessoas físicas (compram ações para investir) e empresas privadas (esse investimento é uma alternativa ao pagamento da contribuição fiscal obrigatória de 1% destinada à habitação social). Podem fazer empreendimentos mistos, de caráter social e para classes de renda mais alta;

  • sociedades cooperativas, formadas por grupos de moradores que se reúnem para construir
  • cooperativas de crédito imobiliário ou instituições financeiras de crédito que financiam a construção com recursos subsidiados.

As fontes de recursos disponíveis para a construção de empreendimentos de locação social no sistema de HLM são basicamente, os recursos próprios das organizações de HLM (obtidos através das receitas dos aluguéis), empréstimos subsidiados oferecidos por um banco público (a Caisse de Dépôts et Consignations), subsídios públicos oferecidos pelos governos central e local e aportes diretos por empresas privadas (alternativa ao imposto de 1% para habitação social).

Desde 1977, o auxílio à oferta se dá por intermédio de convênios entre o poder público e os empreendedores de locação social. Esses últimos teriam acesso à subsídios e financiamentos específicos em troca da observância de valores máximos de aluguel a serem cobrados e de faixas de renda familiar de locatários a serem alojados. Há três faixas de locação social, correspondentes aos três tipos de empréstimos que o governo disponibiliza às organizações de HLM para atuar sobre a oferta de locação social ou reabilitação das construções existentes: alta (financiada pelos empréstimos PLS[10]), média (empréstimos PLUS[11]) e baixa (empréstimos PLAI[12]).

O governo francês instituiu um prêmio para melhoramentos de habitações em uso locacional social (PALULOS), destinado à reabilitação de unidades com mais de 15 anos que já fazem parte do parque público de locação social. Esse prêmio pode cobrir de 10 a 40% dos custos estimados. Os custos restantes da reabilitação do parque público, bem como a reabilitação de imóveis de propriedade das organizações privadas de HLM, também podem ser financiados pela CDC à mesma taxa de juros do PLUS, com amortização em até 25 anos. A Lei de Solidariedade Urbana buscou estimular a demolição, reconstrução e reabilitação de conjuntos habitacionais. Entretanto, conforme apontam Levy-Vroelant e Tutin (2007, p. 84), as unidades de locação social demolidas frequentemente não têm sido substituídas na mesma quantidade, o que implica no reassentamento dos antigos moradores em outras áreas. Imóveis de propriedade privada também podem acessar os recursos da ANAH (Agence Nationale de L'habitat) para fins de reabilitação. Segundo Levy-Vroelant e Tutin (2007).

O auxílio à pessoa se dá por subvenções a famílias de baixa renda. O valor do aluguel na França é determinado por fórmulas vinculadas ao custo original da construção e ao seu financiamento. Nos casos em que o valor do aluguel social não é compatível com a renda da família, ela pode solicitar o auxílio à pessoa para complementar o valor a ser pago. Os auxílios são disponibilizados diretamente aos locatários (no caso de imóveis privados não cadastrados pelo Estado) ou aos locadores (no caso de imóveis cadastrados), os quais devem se comprometer a alugar o imóvel por um valor controlado.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Após mais de uma década do Programa de Locação Social, a gestão do parque público de habitação é o principal entrave apontado pela equipe da Secretaria Municipal de Habitação. Existem atualmente, em São Paulo, pouco mais de 800 unidades de locação social (Parque do Gato, 486 famílias; Olarias, 137 famílias; Vila dos Idosos, 145; Asdrúbal do Nascimento, 40; e Senador Feijó, 45). É inegável a importância do pioneirismo deste Programa de Locação Social da prefeitura de São Paulo, bem como o fato de se trazer habitação, seja ela de interesse social ou não, para o centro da capital paulista.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reside aí a importância da disponibilização de instrumentos de apoio financeiro à provisão habitacional de locação social. Enquanto forma de provisão habitacional de interesse social, um programa de locação social vincula-se à ideia de habitação, como serviço (e não somente como um bem de consumo) e direito garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade de 2001. Requer, portanto, a existência de políticas públicas que não se restrinjam ao estímulo à produção e financiamento de habitação destinada à população de baixa renda, mas que também orientem, induzam e regulamentem a prestação do serviço habitacional enquanto serviço insubstituível, legítimo e necessário, sujeito às imperfeições e às falhas da concorrência e da lógica do mercado (BONDUKI, 2011; BOURDIEU, 2006; SILVA, 2013).

A proposta de locação social representa uma possibilidade de se concretizar o objetivo de consolidação de moradias nos centros urbanos, temática que ganhou novos contornos com as ondas de ocupações realizadas pelos movimentos de moradia. É importante destacar este significado no momento em que as cidades históricas brasileiras seguem o caminho da revitalização de suas áreas centrais, desprovidas de ações que facilitem a permanência das famílias mais pobres em seus locais de moradia.

A cidade de São Paulo, assim como outras grandes cidades no país, é dotada de boas condições físicas e humanas para desenvolver programas de moradias alternativas, já que pode utilizar de seu próprio patrimônio para tornar mais barata a operação.

De maneira geral, o aluguel como forma de acesso à moradia é pouco valorizado pelo poder público e também por boa parte da sociedade civil. Nos debates sobre a questão habitacional, a ideia de locação social não tem papel de destaque, é pouco considerada como proposta. Refletindo de certa forma na lógica da sociedade é de preferência pela propriedade privada.

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[1]  Conforme Harvey (1982, p.9), “o caráter fixo e imóvel do ambiente construído acarreta a produção e uso de mercadorias sob condições de competição monopolística espacial, com fortes efeitos de ‘vizinhança’ ou de ‘externalidades’”.

[2] O conceito de “ciclo de vida domiciliar” baseia-se, como as demais teorias sobre ciclo de vida, na ideia de que, à medida que a idade avança, os indivíduos atravessam etapas que modificam suas necessidades e os seus padrões de uso e consumo de recursos. O ciclo de vida domiciliar, portanto, é determinado pela série de estágios demográficos que as famílias atravessam ao longo do tempo, sendo cada estágio definido pela composição etária do domicílio (i.e, pela idade de seus ocupantes). (CAMPOS, 2014).

[3] Os componentes do déficit habitacional no Brasil, além do ônus excessivo com aluguel, são: a coabitação familiar forçada, caracterizada pela existência de domicílios nos quais hajam famílias conviventes (aquelas que residem no mesmo domicílio com pelo menos outra família) com intenção declarada de se mudar; a habitação precária, i.e, domicílios improvisados ou rústicos (casas e apartamentos que não sejam de alvenaria ou madeira emparelhada, cujo material predominante seja de taipa não revestida, madeira aproveitada, palha ou outro material); e o adensamento excessivo em domicílios locados, o que ocorre nos domicílios alugados nos quais hajam mais de 3 habitantes (V0105) por cômodo, que sirva, permanentemente, como dormitório (IPEA, 2013)

[4] Bonduki (2011) aponta quatro tipos de locadores: (i) aqueles que, sem desenvolverem atividade produtiva, tinham à mão recursos que precisavam ser investidos para gerar rendimentos (herdeiros e profissionais liberais); (ii) empregadores que precisavam construir casas para seus funcionários; (iii) empregados que conseguiam juntar alguma poupança para investir e garantir renda complementar; e (iv) instituições de previdência privada (como as companhias mutuárias e instituições de seguro).

[5] A locação social foi incluída entre as ações vinculadas aos programas de habitação de interesse social passíveis de aplicação de recursos do FNHIS na lei que regulamenta esse fundo (Lei 11.124, Art. 11, inciso I).

[6] LIMA, Thiago C. Habitar a São Paulo Contemporânea. O Programa de Locação Social como Alternativa ao Morar na Capital Paulista. Setembro de 2011, 100 f. (Trabalho de conclusão de curso de Graduação). Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2011.

[7] Por Tatiana Santiago, G1 SP, São Paulo. G1 site jornalistido da Rede de televisão Globo. Disponível em . Acesso em 18 de junho de 2018.

[8] LIMA, Thiago C. Habitar a São Paulo Contemporânea. O Programa de Locação Social como Alternativa ao Morar na Capital Paulista. Setembro de 2011, 100 f. (Trabalho de conclusão de curso de Graduação). Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2011.

[9] A gestão João Doria (PSDB) . Em vez da produção da "casa própria" em conjuntos habitacionais distantes, feitos em grande escala por empreiteiras, o plano é estimular a produção de unidades subsidiadas para aluguel em áreas centrais de São Paulo. Gestão Doria. Jornal Folha de São Paulo. Disponível em < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/07/1900863-com-programa-minha-casa-em-crise-gestao-doria-aposta-em-aluguel-social.shtml>. Acesso em 18 de junho de 2018.

[10] Prêt locatif social (Empréstimo Locativo Social, tradução nossa).

[11] Prêt locatif à usage social (Empréstimo Locativo ao Uso Social, tradução nossa)

[12] Prêt locatif aidé d'intégration (Empréstimo Locativo de Auxílio à Integração, tradução nossa)


Publicado por: Cássia Raquel de Souza Apestegui

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