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O Capital e o Desenvolvimento Desigual do Espaço

É sabido que o capitalismo herda um mercado e um modo de produção organizado em escala mundial.

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Resumo: Para se abordar as razões e as maneiras pelas quais o complexo das relações capitalistas reproduz a organização geográfica do espaço, tem-se que se atentar ao trabalho abstrato e alienado, produtor de valor-de-troca que, na forma de fixos e fluxos, percorrem e ou abrangem os mais variados cantos do mundo, mas que encontra morada em determinados países, sob o mando de determinadas classes sociais hegemônicas.

Palavras-chave: Capitalismo, espaço geográfico, desenvolvimento desigual.

Introdução

É sabido que o capitalismo herda um mercado e um modo de produção organizado em escala mundial, estruturado sobre a propriedade privada, o trabalho assalariado, tendo como único objetivo a obtenção do lucro e a produção do capital, buscando universalizar o modo de produção, substituindo os sistemas pré-capitalistas, conduzindo à organização espacial peculiar do próprio sistema. Portanto, o capital busca diferenciar o espaço na escala global como um meio de controle político, bem como de sobrevivência econômica, deixando como conseqüência grande diversidade social.

Atualmente, é de suma importância juntar esforços em busca de uma sistematização geográfica sobre o que está a se passar no mundo do trabalho, quais as suas diretrizes principais nos países desenvolvidos, e, de outro lado, quais seus impactos nos espaços geográficos periféricos, todavia não menos importantes ao sistema econômico vigente. Ou seja, como se efetiva a materialização singularizada desse quadro de transformações globais com a especificidade da formação sócio-espacial em termos políticos, econômicos, ideológicos e culturais. E mais, como se arranjam ainda internamente, em um processo quase que infinito de diferenciação interconexa, os espaços "centrais" e "periféricos" dessa mesma formação sócio-espacial, nas regiões mais desenvolvidas e nos "interiores arcaizados".

Por isso, elencar o mundo do trabalho como filão de análise central implica, eleger o mundo do espaço vivido. Daí o vai-e-vem do pensar entre a universalidadede transformações e conformações (re)postas, no espaço-mercado imperialista, com a particularidadeda formação sócio-espacial brasileira e suas manifestações diferenciais-combinadas singulares nos aparentemente desconexos espaços vividos, ou seja, os espaços que se encontram além, entretanto anexos, à lógica de consumo da sociedade de mercadorias e, portanto, amarrados ao espaço-mercado de realização da mais-valia global.

Entender a colcha de retalhos rasgadas/costuradas pelo capital significa apreender o conteúdo de sua fina linha, isto é, a lógica social que a quase tudo atravessa e destrói (territórios, sujeitos, paisagens, recursos, culturas, subjetividades, etc.), embutida no tecido do espaço social.

Para tanto, faz-se necessário uma visão sistêmica que dê conta de abranger esses fenômenos de conseqüências algumas vezes parceladas, mas com razões e causas globais que geralmente escapam ao "olhar" newtoniano-cartesiano, focado pontualmente, e meramente empirista, do sujeito cognoscente (Ribas et. al., 1999).

Urge entender o capital como um sistema de escravidão disfarçada, sob formas assalariadas e não-assalariadas, quer nas cidades ou nos campos interioranos (nesses últimos, enquanto formas pré-capitalistas estruturalmente incorporadas pelo crivo do sistema do capital, expressas na: peonagem, escravidão por dívida, etc.).

E mais, entender esse complexo metabólico como um mecanismo mimetizado e catalisador, centrado na extração de mais-valia e na subordinação do trabalho.

1 O Capitalismo e as transformações do espaço vivido

O capitalismo inaugurou e extremou a razão social do trabalho abstrato voltado à produção de valores-de-troca. Esse processo ocupou o lugar que antes pertencia àquela relação metabólica homem-natureza que primava e findava na satisfação das necessidades dos seres conscientes, envoltos em mediações de primeira ordem, que nada mais é do que o processo consciente de estabelecimento de relações sociais entre os sujeitos e destes para com o meio em que se encontram orientados à produção de valores-de-uso.

Com essa inversão de funções, o metabolismo que anteriormente tinha como razão de ser a produção como meio de satisfação material (e espiritual) dos sujeitos – como o que se podia verificar entre os índios, que, por sua vez, se constituía em uma forma organizacional totalmente diferenciada daquelas sociedades feudais européias, cuja produção encontrava-se voltada para o sustento e luxúria das famílias abastadas e de "sangue azul" –, transforma-se em um complexo de relações estranhas, ou mediações de segunda ordem (Antunes, 2000; Ribeiro, 2001), cuja funcionalidade tende a prender cada vez mais os sujeitos à produção em si, sob o controle social burguês: a classe que desse processo mais se beneficia, onde a produção passa a ser a razão de seu existir.

No plano material, vê-se a propriedade privada ganhar corpo e a segregação social (espacial) expressar-se entre os detentores dos meios geográficos de produção e os seus despossuídos, que possuem a sua força de trabalho para tentar garantir o meio (o dinheiro: equivalente universal das trocas) de satisfação das necessidades mínimas de se reproduzir socialmente, atribuindo uma nova função àquela relação metabólica homem-natureza, de realização de trabalho, à qual resultaria em um novo arranjo do sujeito com o seu meio.

Assim, se o trabalho é esta relação do homem com o seu meio, com vistas a satisfazer necessidades materiais e imateriais de seu ser e do coletivo social ao qual pertence – o que permite entender esse processo como a natureza tomando consciência de si mesma –, então, a relação do homem com o seu meio geográfico (de existência e reprodução), sob critérios capitalistas, tende a se ramificar na separação do social com o natural; na bifurcação entre ofício e lazer, o lazer como o não-trabalho e, o não-trabalho, como algo destituído de engrandecimento e humanização; ou, em outras palavras: o trabalho como negação do propósito social de humanização – o indivíduo caminhando no sentido do desenvolvimento de sua omnilateralidade – e afirmação dos princípios amarrados à reprodutibilidade do capital (Fávero, 2007), parecendo estranha a relação entre os sujeitos e destes para com o espaço social produzido, também distantes, e quase que totalmente estranhas, os sujeitos vêem de si as conseqüências geradas por esse processo, seja no "outro" proletário ou na natureza fetichizada, degradada (Ribas et. al., 1999; Thomaz Jr., 2002). Neste ponto, funda-se uma espacialidade animada pela racionalidade capitalista. E com a expansão dos mercados de troca, extensificam-se territorialmente os espaços produtores de capital, de realização da mais-valia social, ou seja, do trabalho a mais (sobre-trabalho) roubado na esfera da produção dos sujeitos-fragmentos. A realidade, vista sob esse enfoque, apresenta-se como um quebra-cabeça: os sujeitos são diferentes e diferenciados, sua razão de ser exteriorizada e estranha, o mesmo se dando com os espaços, cada vez mais desiguais, irregulares, dessemelhantes, em termos de concentração e centralização de ações e objetos que dão espessura à sua conformação sócio-espacial, onde quase tudo e todos (pessoas, territórios, objetos, etc.) estão interconectados socialmente pelo espaço-mercado: o espaço de realização da mais-valia global dessa fase supra-imperialista de realização do capital. Dessa forma, os sujeitos, sejam eles proletários ou subproletários, patrões ou empregados, trabalhadores "formais" ou "informais", marginalizados ou excluídos, etc., bem como os lugares centrais e periféricos, industrializados e desindustrializados, dinâmicos e inertes, etc., da mesma forma, desempenham uma função no complexo capitalista da atualidade, redundante de um espaço monopolista controlado, atualmente, pela força sinérgica exercida pelo circuito da mais-valia global, encabeçada pelos setores industriais e financeiros fortemente oligopolizados, expresso nas empresas multinacionais, atuantes nas esferas da produção e, mormente, na especulação (ver Thomaz Jr., 2000; Ribeiro, 2001b).

Dessa forma, faz-se necessário entender a lógica da configuração territorial capitalista, assim como o atual contexto em que a classe trabalhadora se encontra imersa, pelo fato de não dirigir a gestão espacial do processo social, não possuindo controle nem sobre o espaço, os elementos de produção, ou sobre si mesmo, já que é obrigadaa vender a sua força de trabalho para que possa simplesmente existir.

Considerações finais

Pode-se concluir que o capitalismo atual (re)criou os mecanismos perpetuadores de sua lógica (destrutiva) insaciável por lucro. Arrastou e continua arrastando, nesse processo, o pouco de conquistas trabalhistas que possui a classe que vive do trabalho (Antunes, 2000), e por que não considerarmos como sendo ela a classe que vive da venda da sua força de trabalho?

Mais feroz que no hemisfério Norte, a região Sul, menos industrializada e mais dependente econômica e politicamente das instituições financeiras e das empresas multinacionais, sente as mais profundas agressões lançadas pelo capital ao mundo do trabalho e ao espaço social, nessa fase imperialista de realização do capital. Mais e mais são fundidos e supercontrolados o espaço vivido e o mundo do trabalho, dando a vitalidade a esse espaço-mercado capitalista, que, detendo os meios de comunicação de massa, institui os mecanismos materiais e ideológicos de dar prosseguimento à engrenagem da totalidade do corpo social.

Torna-se urgente a necessidade de reconhecimento da situação social dessa nova e ampla classe trabalhadora, que se encontra para além das fábricas e indústrias e do plano do sistema salarial, que envolvia os trabalhadores dantes proletarizados – e que agora entoam fragmentariamente os sentidos e nexos da reforma agrária, somente para exemplificar as (des)sintonias internamente à classe trabalhadora (Thomaz Jr., 2001).

O mundo do trabalho é mais amplo e complexo. A classe trabalhadora também. A escravidão social, de tão sutil e disfarçada, aparenta-se como algo de mais natural e evoluído pelo corpo social. O que faz reforçar o processo de estranhamento, de alienação objetiva e subjetiva do ser social, tanto do espaço, do outro, como de si mesmo.

Eis as novas questões que quanto antes entendermos, devem ser abraçadas pela classe trabalhadora, se mais uma vez quiser ela quebrar as correntes da sujeição social, dando vazão à liberdade de criação de novos espaços mundiais, não mais combinados pelas desigualdades que caracterizam o sistema do capital.

A emancipação do trabalho para além do capital continua a nos inspirar a prosseguir nas investigações e compreender, além de nos movimentarmos coerentemente e humanamente no espaço geográfico capitalista.

Referências bibliográficas

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª ed. Perdizes: Bontempo, 2000.

FAVERO. Roberto Carlos. Humanizar o Humano – Uma releitura de Camus e Sartre. Porto Alegre: Evangraf Ltda, 2007.

RIBAS, Alexandre Domingues et al. Marxismo e Geografia: paisagem e espaço geográfico – uma contribuição para o entendimento da sociedade contemporânea. Caderno Prudentino de Geografia. Presidente Prudente: AGB, nº 21, p. 103-24, 1999.

RIBEIRO, Júlio Cézar. A geografia da escravidão no território do capital. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2001 (Dissertação de Mestrado).

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec.1988.

SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1988.

THOMAZ JR, Antonio. Qualificação do trabalho: adestramento ou liberdade? Revista Pegada. Presidente Prudente: CEGeT, v. 1, nº 1, p. 5-16, 2000.

THOMAZ JR, Antonio. Desenho social dos Sem-Terra no Brasil, 500 anos depois. Revista Pegada. Presidente Prudente: CEGeT,v. 2, nº 2, 2001.

THOMAZ JR, Antonio. Por uma Geografia do Trabalho. Presidente Prudente: CEGeT v. 3, 2002.

VESENTINI, José Wilian. A Nova Ordem Mundial. São Paulo:Ática,1996.

Jones Godinho
Professor, Licenciado em Geografia


Publicado por: Jones Godinho

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