O Mundo Codificado sob a perspectiva da Geração Z
A transformação do homem, mudança de comportamento entre as gerações e o impacto da tecnologia na vida das pessoas.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Resumo
Para Flusser (2007), o mundo codificado do Séc. XXI seria orientado por códigos numéricos e esta geração programada por números não compartilharia dos mesmos valores que as gerações passadas. Se analisarmos o mundo moderno, os números fazem parte das nossas vidas e os valores entre as gerações são diferentes. Desta forma, o presente artigo apresenta uma reflexão sobre os ensaios do filósofo Vilém Flusser, correlacionando-os, sob a perspectiva da Geração Z, com a tecnologia.
Palavras-chave: Geração Z. Flusser. Design. Tecnologia.
Introdução
Hoje, vivemos em um mundo inquieto, repleto de informações e mudanças que influenciam na nossa maneira de viver e pensar. Cada vez mais é necessária a conscientização do amplo universo de possiblidades que a tecnologia incorporou e impactou na vida das pessoas. Desta forma, os nascidos a partir de 1995 já estão integrados neste ambiente tecnológico. À vista disto, este estudo analisa o conjunto de indivíduos conhecido como Geração Z, que cresceu em contato com este mundo onde a informação se manifesta de forma dispersiva e em grandes quantidades.
Diante deste contexto, entendemos que é pertinente este estudo sob a ótica do Design, uma vez que esta disciplina é intrinsecamente criativa e interessada no comportamento humano, em busca de soluções inovadoras. Além disso, é importante ressaltar que existem poucos referenciais teóricos relacionados ao tema, que ainda não foi tratado com a profundidade exigida, o que desperta novas possibilidades de conteúdo, estudos, entre outros.
Vilém Flusser (2007), ao definir design, procurou pelo sentido etimológico da palavra, traduzido por de-signar. Também posiciona a palavra tanto como verbo, denotando "tramar algo", "simular", "projetar", "esquematizar" quanto como substantivo, "propósito", "plano", "meta", "forma". Além disso, design está associado a signo (zeichen), indício (anzeichen), presságio (vorzeichen), insígnia (abzeichen); e nesse caso poderia surgir uma explicação diversa, ou seja, de dar forma às coisas, que é também e igualmente plausível para a situação atual da palavra. Mas é exatamente assim que o autor coloca: tudo depende do design! (FLUSSER, 2007, pg. 186).
Portanto, o design está voltado para o modo como as coisas devem ser, a fim de funcionar e de atingir metas (SIMON, 1981). Para Manzini (2017), uma das interpretações que podem ser feitas a partir desse conceito é olhar o design como um agente solucionador de problemas em todos os níveis, desde os encontrados no dia a dia até aqueles de escala global. O autor aponta que esta interpretação não é a única e poderia focalizar o papel do design no campo da cultura, da linguagem e do significado (MANZINI, 2017). Em vista disso, percebemos que o design tem vários sentidos, e o estudo proposto é relevante diante do papel do design, visando entender e desenvolver soluções inovadoras com o surgimento da geração Z, no contexto atual.
Observamos que faz parte da vida dos jovens do sec. XXI, de forma muito natural, a tecnologia touch screen. Eles se acostumaram a decidir, através das “pontas dos dedos”. Esta tendência já era descrita pelo filósofo Vilém Flusser (1920-1991), nascido em Praga e naturalizado brasileiro em 1950. Os ensaios do autor, que não presenciou a era dos tablets e smartphones, avaliava que as pontas dos dedos seriam indispensáveis para pressionarmos as teclas. Flusser (2007, p. 63) ressalta que “[..] o homem, nesse futuro de coisas imateriais, garantirá sua existência graças às pontas dos dedos.”. Esta reflexão poderia nos levar a muitas interpretações, como por exemplo, que a tecnologia é indispensável para a Geração Z e que as suas decisões são movidas pelo acesso rápido, fácil e de qualquer lugar. Além disso, o autor descreve que graças aos aparelhos eletrônicos, todos estariam conectados onde e quando quisessem, e que por meio de cabos e aparelhos, as pessoas poderiam se apropriar das coisas existentes, transformá-las e utilizá-las. O filósofo mostrou-se um precursor, pois a tecnologia proporcionou, através de redes, uma interação maior entre os indivíduos, diminuindo o espaço geográfico entre eles. Hoje, as pessoas podem se conectar, trocar informações, trabalhar e estudar em qualquer lugar.
Na mesma perspectiva, Megan e Corey (2016) salientam que os jovens da Geração Z são verdadeiros nativos digitais, uma vez que a tecnologia está interligada nas suas rotinas, fazendo com que não apenas estimule a demanda por novas, mas também desenvolva outras inovações. Para a geração Z, a tecnologia sempre desempenhou um papel importante. Diante disso, podemos inferir que, através delas, estes indivíduos tenham a capacidade de acessar informações e obter novos conhecimentos, além de ajudá-los a encontrar soluções para frequentes desafios.
Mais uma vez, observamos que os meios digitais estão gerando mudanças significativas no comportamento humano. E nesse sentido, o estudo percebe uma oportunidade para propor, através dos ensaios de Flusser, uma reflexão alinhada com as circunstâncias contemporâneas enfrentadas pela Geração Z.
O novo homem, quem é?
O comportamento humano, como podemos analisar, vem sofrendo mudanças e a tecnologia tem se apresentado como um dos fatores principais desta transformação. Após a II Guerra Mundial, o avanço científico e tecnológico possibilitou a Terceira Revolução Industrial, ou a chamada Revolução da Informação. A partir dela, os conhecimentos tecnológicos e a estrutura social foram modificados de forma acelerada (CARVALHO, 1997).
Conforme Flusser, a Revolução Industrial surge com a substituição da mão pela ferramenta. A segunda Revolução Industrial pressupõe a troca da ferramenta pela máquina, e a terceira é a que implica a substituição de máquinas por aparelhos eletrônicos (FLUSSER, 2007). Com o passar dos anos, o universo terrestre foi se transformando e consequentemente o ser humano se adaptando. Por esta razão: “A cada 15-20 anos, uma nova geração surge com um conjunto único de características e comportamentos, que são moldados pelos eventos sociais de sua época.” (GRACE; SEEMILLER, 2016, tradução nossa).
Podemos observar, então, que as gerações são moldadas através do contexto que vivenciou e experimentou. A classificação das gerações, conforme suas faixas etárias, varia muito na literatura, visto que uma nova geração surge a partir de outro pensamento e/ou de uma nova forma de agir, baseada na sua bagagem histórica e cultural. Ao contrastar os períodos apontados por autores europeus e americanos, verificamos que os fatos impactantes de uma geração, em outros países, podem não ser os mesmos observados em relação ao contexto brasileiro, pois a década de 1980 foi marcada por fatos importantes para os Estados Unidos e a Europa, como a ampliação de mercados e transformações políticas. Desta forma, adotamos, neste trabalho, a classificação utilizada pelas pesquisadoras Meghan Grace e Corey Seemiller (2016), mesmo diante do cenário americano.
Para as autoras, a geração Baby Boomers é composta por indivíduos nascidos no período pós-guerra. “A Geração X foi moldada pelo declínio econômico e pelo aumento das taxas de divórcio que persistiram durante os anos 70 e 80.” (GRACE; SEEMILLER, 2016, tradução nossa). Já a geração Y, chamada também por geração do milênio, formada pelos nascidos dos anos 80 e início dos anos 90, vivenciou os avanços tecnológicos e comunicacional. Por fim, a Geração Z, conforme Grace e Seemiller (2016, tradução nossa), “[...] cresceu após o 11 de setembro durante a guerra ao terror, recessão econômica e batalhas políticas sobre igualdade no casamento, imigração, regulamentações sobre armas e assistência médica a preços acessíveis.”. Eles só conhecem um mundo com tecnologia.
Flusser (2007) pressupõe que o novo homem está unido aos aparelhos através de milhares de fios, alguns deles invisíveis e, aonde quer que vá, ou onde quer que esteja, leva consigo os aparelhos (ou é levado por eles). No contexto atual, a disponibilidade de informações e comunicação online afetou o comportamento da nova geração. Hoje a internet facilita a comunicação, descomplica a compra e ajuda na transmissão de informações em tempo real. Há pouco tempo atrás, esse processo era diferente. As compras eram feitas apenas em lojas, as informações eram comunicadas em tempo determinado, como o jornal da noite, e grande parte da comunicação era feita por carta. Para aqueles das gerações anteriores, estas ferramentas online são úteis, tornando a vida mais fácil, mas para a Geração Z elas são uma parte indispensável da vida cotidiana (GRACE; SEEMILLER, 2016). Neste cenário atual, a tecnologia se tornou primordial. Flusser (2007) complementa, “homem-aparelho” eletrônico só podem funcionar conjuntamente: o homem em função do aparelho, mas, da mesma forma, o aparelho em função do homem. Perante o exposto, podemos perguntar: é possível fazer uma relação entre o novo homem de Flusser com a Geração Z?
A Fábrica do Futuro
O método de aprendizagem está sofrendo um processo de transição, assim como o mundo em geral, após a inserção da tecnologia em nosso cotidiano. Para Seemiller e Grace (2016), com o aumento sucessivo de conhecimento fica cada vez mais difícil encontrar informações úteis e legítimas. Aqueles das gerações anteriores podem facilmente ver esta dificuldade e gastar mais tempo buscando fontes plausíveis, enquanto para a Geração Z, “[...] a Internet pode parecer um playground de qualidade infinita e informações precisas.” (SEEMILLER, 2017, p. 7, tradução nossa).
Observarmos que as mudanças de aprendizagem entre a Geração Y e a Geração Z, mesmo sendo pouca a diferença de idade, são diferentes. As gerações anteriores a 1995 presenciaram uma vida ainda sem Internet, buscavam as informações nos livros e nas bibliotecas, enquanto hoje o aprendizado pode ser realizado online, por meio, por exemplo, do Youtube.
O conceito trazido por Flusser em seu ensaio “A fábrica” traz uma reflexão que poderíamos interpretar de diversas formas. Neste estudo, iremos abordar o conceito mais relacionado ao processo de aprendizagem, pois para o autor “a fábrica do futuro deverá ser aquele lugar em que o homem aprenderá, juntamente com os aparelhos eletrônicos” (FLUSSER, 2007, p. 43). Ainda, citando o autor:
Deverão ser locais em que os homens aprendam como funcionam os aparelhos eletrônicos, de forma que esses aparelhos possam depois, em lugar dos homens, promover a transformação da natureza em cultura. E os homens do futuro, por sua vez, nas fábricas do futuro, aprenderão essa operação com aparelhos, em aparelhos e de aparelhos. Em função disso, a fábrica do futuro deverá assemelhar-se mais a laboratórios científicos, academias de arte, bibliotecas e discotecas do que às fábricas atuais (FLUSSER, 2007, p. 42).
Esta constatação é coerente com a atualidade, pois a partir dela, percebemos que os “aparelhos eletrônicos” fazem parte da aprendizagem dos nativos digitais. Seemiller e Grace (2016) salientam que os jovens estão acostumados a aprender sozinhos, pois os alunos da Geração Z gostam de observar a outra pessoa antes de realizar a ação ou tarefa. Como, por exemplo, estudar através de vídeo, ao invés de ler sobre o assunto em uma página estática da internet. Por esse motivo, as pesquisadoras apresentam que 90% dos alunos da Geração Z revelaram que a principal plataforma on-line para buscar novas informações é o YouTube. Além disso, 80% dos alunos do ensino fundamental e médio acreditam que os vídeos online são as principais ferramentas de ensino. Sendo assim, podemos observar que um dos métodos de aprendizagem dos jovens do séc. XXI se dá por meio digital. Flusser (2007) pressupõe que os novos homens, nas fábricas do futuro, aprenderão essa operação com aparelhos. Contrastando esta reflexão, analisamos os dias atuais vividos pelos jovens da geração Z e, face ao exposto, não podemos ignorar a importância da tecnologia para o processo de aprendizagem desses jovens.
As pesquisadoras também trazem outra informação relevante sobre os nativos digitais, ao demonstrarem que, por mais que sejam aprendizes intrapessoais e gostem de trabalhar de forma independente, eles são aprendizes sociais (SEEMILLER; GRACE, 2016). Ainda que os jovens tenham mais facilidade em aprender sozinhos, eles valorizam o papel do orientador. Para os alunos do ensino fundamental e médio da Geração Z, “[...] os professores representavam um papel fundamental em seu envolvimento e conectividade.” com os alunos (GERACI; PALMERINI; CIRILLO; MCDOUGALD, 2017 apud SEEMILLER, 2017, p. 7, tradução nossa). As autoras ressaltam que o ambiente de aprendizado ideal para a Geração Z é o lugar “[...] onde o instrutor realmente se importa com o que está ensinando e demonstra grande paixão em suas aulas.” (SEEMILLER; GRACE, 2014 apud SEEMILLER, 2017, p. 7, tradução nossa). Podemos observar que eles admiram e confiam no educador que mostra entusiasmo e interesse em ensinar. Desta forma, o profissional que irá receber esses jovens, sendo no mundo educacional como no corporativo, tem que estar aberto, a fim de entender o novo jovem, percebendo que o contexto em que eles estão inseridos é diferente daquele em que o orientador foi criado. Devemos, então, estar preparados para atender às expectativas e escutá-los, pois, a fábrica do futuro, segundo Flusser (2007, p. 43) é aquela onde “[...] fabricar significa o mesmo que aprender, isto é, adquirir informações, produzi-las e divulgá-las.”. À vista disso, podemos nos permitir o seguinte questionamento: estamos indo em direção à Fábrica do Futuro ou já estamos vivenciando este tempo?
Considerações finais
A Terceira Revolução Industrial, apresentada por Flusser em seus ensaios, evidência que há uma transformação comportamental do “homem”, através do homem-máquina para o homem-aparelho eletrônico, fazendo com que se materialize sua fábrica do futuro. Diante do exposto, comparando aos dias atuais, podemos perceber que existiu uma mudança de comportamento entre as gerações em um curto prazo de tempo por conta da inserção da tecnologia.
Observamos que a tecnologia pode nos proporcionar muitas possibilidades, visto que facilita a comunicação, permite o acesso em qualquer lugar, estimula o aprendizado, além do desenvolvimento de inovações em outras áreas do conhecimento. Não podemos deixar de citar que a tecnologia também afastou o homem do mundo dito real, mas, neste estudo, não iremos aprofundar a questão do distanciamento, ficando esta abordagem como sugestão para outras pesquisas.
Em última análise, verificamos que estamos vivenciando um limite entre eras e que a tecnologia faz parte de nossas vidas, principalmente da Geração Z, que utiliza-se deste meio para gerar significado e propósito no seu dia a dia. À vista disso, o breve esboço teórico acerca dos ensaios de Flusser (2007) tornou-se significativo, pois seus pressupostos podem ser fortemente relacionados com a Geração Z. Entendemos, sobretudo, que a área do Design poderá contribuir para aprofundar estas reflexões, para tentar entender como a Geração Z interage e percebe este universo contemporâneo de comunicações e comportamentos intangíveis que as máquinas trouxeram.
Referências
CARVALHO, M. G. Tecnologia, Desenvolvimento Social e Educação Tecnológica. Revista Educação &Tecnologia. Curitiba: Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, julho de 1997, semestral, p.70-87.
FLUSSER, V. O mundo codificado. Por uma Filosofia do design e da comunicação. 1ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
GRACE, M.; SEEMILLER, C. Meet Generation Z. In: SigEp: a valued partner in higher education, dez. 2016. Disponível em: < http://sigep.org/sigepjournal/meet-generation-z/>. Acesso em: 01 jul. 2018.
MANZINI, E. Design: quando todos fazem design. São Leopoldo: Unisinos, 2017.
SEEMILLER, C. Motivation, Learning, and Communication Preferences of Generation Z Students. In: eHearsay: Electronic Journal of the Ohio Speech-Language Hearing Association, v. 2, n. 7, p. 4-9, 2017. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2018.
SEEMILLER, C.; GRACE, M. Generation Z goes to college. San Francisco: Jossey-Bass, 2016.
SIMON, H. A. As ciências do artificial. Coimbra: Armênio Amado, 1981.
Por Rafaela Moreira
Publicado por: RAFAELA MOREIRA
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