História e história da educação
A educação não como valor social mas como mecanismo de luta de classes, mecanismo de manutenção das estruturas sociais.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Introdução
É inegável que muito já se escreveu sobre história da educação. Aqui se pretende acrescentar alguns elementos nessa discussão, pretendendo mostrar que a prática educacional é constante e que a educação escolar nasce não como valor social, mas como mecanismo de luta de classes ou, se quisermos outra categoria, ela se manifesta como mecanismo de manutenção das estruturas sociais. Sendo assim, a classe dominante se utiliza não só da educação informal, mas da instituição escolar para preparar seus quadros. Mesmo o advento da escola pública não é sinônimo de popularização da escola, mas de popularização da demanda por trabalhadores mais bem preparados para atender às necessidades da classe dominante. Esse processo pode ser bem observado no Fenômeno da criação da instituição escolar, e, mais tarde, na criação da instituição à qual denominamos de universidade, como espaço privilegiado para a reprodução de quadros que ensinarão aos posteroscomo manter as estruturas sociais.
1- Educação
Para entender a história da educação, podemos partir não da história, mas de uma caracterização de Educação. E, para entender a educação podemos, entre outras áreas do conhecimento, nos voltar para a filosofia, a sociologia, a antropologia, a moral... todas essas áreas têm uma palavra sobre isso que chamamos de Educação. Assim, se fossemos tratar a educação do ponto de vista filosófico, deveríamos começar perguntando: o que é isso que chamamos de Educação? Para a sociologia e a antropologia a indagação seria sobre os processos sociais e relações grupais que ocorrem dentro do ambiente educacional. Para a moralidade teríamos que desvendar os valores inerentes a esse processo. E assim por diante, até termos bem caracterizado esse processo que, podemos dizer, é essencialmente humano. Os demais seres vivos não desenvolvem o processo educacional.
Iniciemos afirmando que essa atividade humana à qual denominamos de educação é um processo, é amplo e se desenvolve nas relações. O processo educacional nasce no ambiente familiar e se ramifica por todos os ambientes nos quais e com os quais a pessoa mantém contato ou estabelece relações. Isso implica dizer que uma primeira característica do processo educacional é o fato de se desenvolver a partir de um cada vez mais amplo processo de relações. Ninguém se educa sozinho, mas nas relações. E relação é processo que se amplia, constantemente.
Olhando de acordo com a proposta de N. Piletti (2002), teríamos o processo educacional como relação de oposições. Diz o autor que “parece existir algo de comum entre as várias perspectivas, que é uma espécie de definição dicotômica da educação, na qual esta é sempre classificada em dois termos opostos” (PILETTI, 2002, p. 7). Em seguida mostra as relações de oposição dizendo que existe um processo de educação formal que se contrapõe à educação informal; à educação como produto opõe a educação como processo; à educação certa opõe a educação errada; à educação como meio opõe a educação como fim; para a visão da educação como prática individual opõe a prática coletiva; à educação autoritária contrapõe a democrática; à educação opressora propõe a educação libertadora e ao modelo reprodutivista contrapõe a educação crítica. Não nos cabe discutir cada ponto proposto por esse autor, mas podemos dizer que em sua perspectiva está presente a idéia do processo se contrapondo à tendência de estagnação.
Podemos acrescentar, a partir disso, a constatação de que só ocorre educação em processo. A estagnação é a negação da educação. Entretanto a sociedade humana, apesar de se caracterizar pela constância do progresso, concretamente é avessa às novidades. Por mais que se beneficie com a evolução, com o progresso, com o desenvolvimento, sempre que se defronta com situações que demandam a desinstalação para instalação de novidades o ser humano cria resistências. O novo incomoda... e, sendo assim, o processo educacional é um processo incômodo...mas necessário
Outro comentário que se pode fazer, em relação ao processo educacional formal-escolar, é a afirmação de que ele produz divisão social. Divide-se a sociedade entre os que estudaram e os que não estudaram; entre os que alcançaram ascensão sócio-econômica, com o processo educacional e os que não entraram no processo escolar ou os que, embora tendo passado pela escolarização, não alcançaram melhorias significativas em sua qualidade de vida. E aí teríamos que admitir que a educação, dentro de uma perspectiva dialética, pode ser vista como instrumento de libertação (educação crítica, educação libertadora...), na medida em oferece perspectivas de transformação social. E para fundamentar essa perspectiva poderíamos nos lembrar da proposta de Libâneo (1990) e popularizada por Luckesi (1993), como pedagogia progressista.
Essa perspectiva prevê a possibilidade do processo educacional exercer papel transformador, na sociedade. Essa tendência vê a educação a partir de uma ótica marxista, como sugere Azevedo, dizendo que “a educação é ai compreendida como um dos instrumentos de apoio na organização e na luta do proletariado contra a burguesia” (Azevedo, 2004, p. 40). Mas também não podemos desconsiderar a perspectiva ideológica do processo educacional, que passa a ser visto, como propõe L. Althusser comentado por Aranha (1991) e por Guareschi (1989), mostrando que o processo educacional é reprodutivista uma vez que a instituição escolar é criada “pelo grupo dominante para reproduzir seus interesses, sua ideologia” (GUARESCHI, 1989, p. 69).
Não nos parece, entretanto que o processo educacional – formal ou não formal – tenha poder transformador, mas, pelo contrário, é reprodutor. A educação informal, aquela que ocorre no cotidiano e nas inter-relações das pessoas e grupos, é prenhe da ideologia ou dos valores do senso comum; dos valores preservados pela sociedade em que se insere. A educação formal, ocorrida principalmente na instituição escolar, é resultado dos interesses dessa mesma sociedade. Os interesses da sociedade, é definido pela classe dominante. Portanto, ao surgir uma classe dominante nasce, também, a necessidade de uma escola que, ao mesmo tempo reproduza os valores hegemônicos e instrua quadros para a manutenção do aparato estrutural dessa sociedade. Aníbal Ponce (2001) comenta essa situação da seguinte forma:
“Não é necessário dizer que a educação imposta pelos nobres se encarrega de difundir e reforçar esse privilégio. Uma vez constituídas as classes sociais, passa a ser um dogma pedagógico a sua conservação, e quanto mais a educação conserva o status quo, mais ela é julgada adequada. Já nem tudo o que a educação inculca nos educandos tem por finalidade o bem comum, a não ser quando esse ‘bem comum’ pode ser uma premissa necessária para manter e reforçar as classes dominantes. Para estas, a riqueza e o saber; para as outras, o trabalho e a ignorância”. (PONCE, 2001, p. 28)
Em síntese podemos ter clara a afirmação de que cada sociedade moldou seu processo educacional de acordo com suas necessidades. Esse processo não ocorreu com a função de preparar horizontes, e abrir perspectivas, na linha de frente de todos os processo de desenvolvimento humano, mas ao contrário, desenvolveu-se como suporte para os valores da sociedade em que se manifesta. Isso justifica a afirmação de que cada sociedade desenvolveu o seu modelo educacional para que fosse eficaz
“para ser eficaz toda educação imposta pelas classes proprietárias deve cumprir as três finalidades essenciais seguintes: 1º destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga, 2º consolidar a ampliar a sua própria situação de classe dominante, e 3º prevenir uma possível rebelião das classes dominadas” (PONCE 2001, p. 36.
Essa perspectiva pode ser corroborada pelas palavras de C. R. Brandão, dizendo que “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é sua única prática e o professor profissional não é seu único praticante” (BRANDÃO, 1985, p. 9)
Entretanto nossa questão, aqui, é a história da educação vista a partir da ótica do ensino superior. Portanto nossa reflexão se volta não para o processo educacional amplo, mas para um processo específico: o do ensino superior. E esse somente acontece no ambiente formal da escola e muitas vezes de forma ainda elitista e elitisado.
2- História e história da educação
Tudo é história e tudo tem história. No processo educacional isso é ainda mais presente. No processo educacional escolar o professor, para lecionar, sempre precisa apresentar informações ao estudante. A questão é que todas as informações apresentadas não são produzidas simultaneamente ao processo da aula. São conhecimentos que se foram produzindo e acumulando ao longo de alguns anos, em tempos passados. Portanto são informações históricas.
E aqui se manifesta um problema, que é o grande problema da história: como saber se aquilo que está sendo apresentado como fato histórico realmente aconteceu como está sendo apresentado? O que determina que este ou aquele fato histórico seja analisado ou mostrado como sendo algo memorável? Seja qual for a resposta, o fato é que o passado não está à disposição do historiador: “as características mais visíveis da informação histórica... foram muitas vezes descritas. O historiador, por definição, está na impossibilidade de ele próprio constatar os fatos que estuda” (BLOCH, 2001, p. 69), pois seu objeto de estudo é inacessível.
“a própria idéia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto de uma ciência é absurda. Como, sem uma decantação previa, poderíamos fazer, de fenômenos que não têm outra característica comum a não ser não terem sido contemporâneos, matéria de um conhecimento racional”. (BLOCH, 2001, p. 52)
O problema da história é que o historiador precisa fazer escolhas. Ele não estuda todos os fatos nem todos os processos, mas seleciona-os. Principalmente por que não tem acesso a eles. Dedica-se somente àquilo que lhe parece ser importante, por isso as escolhas. Além disso, o historiador olha para os fatos e processos históricos não em si mesmos, pois esses já não existem mais, mas os examina de forma indireta: mediante os documentos históricos que são uma versão do fato e não o fato mesmo. Isso posto, podemos dizer que tudo o que é apresentado como histórico não é a história, mas as versões da história. Cada versão do passado manifesta-se no tempo presente somente enquanto tem alguma relevância para aquele momento histórico ou para justificar algum elemento considerado importante no presente. Nas palavras de Marc Bloch: “O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa” (BLOCH, 2001, p. 75). E isso sempre é feito a partir dos interessas do pesquisador, do historiador.
Podemos dizer que o problema da história manifesta-se também quando pretendemos fazer a história da educação. O objeto de estudo é o passado, mas o passado do processo histórico já não está acessível; o historiador está na “impossibilidade de ele próprio constatar os fatos que estuda”. O que temos são as versões dos fatos; os textos com estas ou aquelas opiniões; os comentários localizados no espaço e no tempo; comentários que foram válidos para o momento em que foram emitidos. Mas como saber se essas opiniões permanecem válidas para nosso cotidiano? Como podemos dizer que aquilo que foi dito sobre a educação em outro tempo e espaço pode ser aplicado à nossa realidade educacional?
Podemos dizer que o drama da história manifesta-se também na educação e na história da educação. Como não podemos deixar de nos manifestar estamos sempre emitindo opiniões. Entretanto, fundamentamos essas opiniões no passado, sobro o qual não temos mais acesso, para justificar nossas opiniões...
Referências:
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A Educação como Política Pública. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2004
BLOCH, Marc, Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar. 2001.
BRANDÃO, C. Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Abril Cultura; Brasiliense, 1985
GADOTTI, Moacir. História das Idéias pedagógicas. 8 ed. São Paulo: Ática, 2001
GILES, T. Ransom. História da Educação. São Paulo: E.P.U. 1987
GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia Crítica: alternativas de mudanças. 19 ed. Porto Alegre: Mundo Jovem. 1989
KLEIN, Ralph W. Israel no Exílio: uma interpretação teológica. São Paulo: Paulinas. 1990.
LIBÂNEO, José C. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 9 ed. São Paulo: Loyola, 1990
LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação 6 reimp. São Paulo: Cortez, 1993
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 14 ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1983
MANACORDA, Mario A. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 12 ed. São Paulo: Cortez. 2006
PILETTI, Nelson. História da Educação no Brasil. 7 ed. São Paulo: Ática, 2002.
PONCE, Aníbal, Educação e Luta de Classes. 18 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no Exílio. São Paulo: Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 1987.
Neri de Paula Carneiro: Mestre em Educação (UFMS). Especialista em Educação. Especialista em Leitura Popular da Bíblia. Professor de História e de Filosofia na rede estadual, em Rolim de Moura – RO. Filósofo; Teólogo; Historiador. Professor de Filosofia e Ética na Faculdade de Pimenta Bueno; radialista colaborador em jornais de Rondônia.
Publicado por: NERI DE PAULA CARNEIRO
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