Estamos todos doentes?
Estamos todos doentes?, Saúde é um estado bem-estar físico, mental e social, valor ético, o individualismo e a solidariedade, a competitividade e a cooperação, a urgência de ações humanas em favor do humano.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
“Saúde é um estado bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, conceitua a Organização Mundial da Saúde. Mas, se formos considerar minimamente essa concepção, chegamos à conclusão de que estamos todos doentes. Por quê? Porque a ética hegemônica na atualidade nos leva a isso. E como não existe ética desprendida do humano, essa constatação só reafirma nossas doenças e enfermidades generalizadas.
Mas poderão objetar: “Você está generalizando. Não são todas as pessoas que estão doentes”. E eu reafirmarei: “Se a saúde de poucos é conseguida à custa da doença de incontável multidão, essa saúde não é saudável”. Os considerados saudáveis estão cercados de doenças e enfermidades por todos os lados.
Que doenças e enfermidades são essas? Físicas. Sim, elas não têm recebido o verdadeiro enfrentamento em nossas sociedades contemporâneas porque o cuidado, um valor ético, está fragilizado em nossa sociedade. E ética, de ethos, em grego, diz respeito ao que herdamos da espécie e ao que adquirimos por meio da educação. Nossa herança biológica e física deteriora-se em função da má educação que recebemos para cuidar de nosso corpo, de nosso planeta, de nosso mundo. E os cuidadores, profissionais da saúde, mal têm conseguido cuidar de si próprios, que dirá dos seus semelhantes. Os hospitais superlotam-se. As pessoas estão morrendo em filas. Remédios e medicamentos não estão surtindo os efeitos esperados. Nossa alimentação está precária. Os maltratos roubam-nos o bem-estar corporal.
Além de estarmos fisicamente alquebrados, nossa dimensão mental regride a cada dia. Mais uma vez os valores éticos plantados em nosso entendimento levam-nos a visões distorcidas sobre o que seja a vida, as relações humanas, o trabalho e o lazer. Aqui, imprimimos em nossa mente os princípios de que: o individualismo vale mais do que a solidariedade, a competitividade é mais importante do que a cooperação, o dinheiro tem de sobrepor-se às gratuidades da vida e o consumir deve determinar a satisfação. Nesse sentido, o fulcro da realização humana entre nós assenta-se no ter, ao passo que os valores do ser permanecem em condição de menoridade para não nos dizerem nada. Por essa razão, a mentira aprisiona a verdade, o jeitinho assujeita a ética e o direito, a indiferença anula a sensibilidade, o “eu” trucida o “nós”, o mercado destroça a cidadania e o que é humano já não nos toca mais.
Estamos doentes. Nossa sociedade não vai bem das pernas. O mundo que criamos, de igual modo, não vai nada bem. Humana e socialmente combalidos, vemos os governos tomando medidas políticas de saúde que não primam pela competência teórica, metodológica e ética para que o valor do cuidado qualifique as ações de promoção da saúde. Cresce muito o número de pessoas que optam pelas profissões do cuidado, mas a qualidade da formação que lhes é destinada não cresce em qualidade como seria de se esperar. Desde os anos 1970, a saúde e a educação, práticas sociais imprescindíveis para a reconquista de nossa saúde, estão sendo tratadas, não como direitos sociais e parte de nosso patrimônio comum, mas como verdadeiras mercadorias, segundo a lei que afirma que o acesso a esses bens depende do poder de pagar. Nessa onda, o profissional da saúde se vê desprovido de competências, habilidades e aptidões para o magno serviço de prestar cuidados e para se cuidar.
Essa é a perspectiva que identifica cidadania com o ato de consumir. E consome-se até o enfado. E a qualidade desse consumo? A qualidade à parte cria cidadãos que se acostumam com mercadorias tóxicas, com educações aligeiradas e com serviços de saúde que não cuidam como deveriam.
O círculo vicioso se instalou entre nós. Poucas iniciativas púbicas e da sociedade civil são empreendidas para convertê-lo no círculo virtuoso que nos recobre o bem-estar físico-mental-social. Porque vivemos na sociedade de mercado, a coisa pública e o bem comum tornam-se questão de oferta e procura. Se são mercadorias, o Estado não precisa investir para garanti-las à sociedade, porque cada um as adquire conforme as próprias possibilidades econômicas. Se o mercado cresce o as riquezas compartilhadas passam à égide da iniciativa privada, o indivíduo torna-se presa indefesa das regras de mercado e de seus operadores, nem sempre escrupulosos ante a sanha de lucro que os mobiliza. Instala-se entre nós o cada um por si. O vale-tudo. A luta de todos contra si mesmos e contra os semelhantes. Os valores humanos se exilam de nossas cabeças, casas, ruas, cidades, países, planeta. A solidariedade se acanha. A cooperação passa a ser pieguice. E nós, cada um em sua pseudo-ilha, isolados e fragilizados, adoecemos e definhamos.
É como garante a professora Madel Therezinha Luz**, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “A solidariedade, a visão do outro, a possibilidade de se colocar, ainda que por um minuto, na posição do próximo. Entender suas aflições. Isso poderia ter um bocado de resultados, se situado no plano da ética. Não é no plano técnico, nem intelectual. Esses valores que estão em processo de degerescência na sociedade têm a ver com a organicidade do tecido social. É como se, com a perda deles, o tecido que sustenta a sociedade estivesse se esgarçando. Com isso, as pessoas adoecem. Daí a busca por uma solução, incluindo os profissionais da área. Todos precisam do cuidado."
Oxalá, a voz dessa ilustre professora nos toque o entendimento. Mais: faça-nos compreender a urgência de ações humanas em favor do humano, da ética e do cuidar. Isso é premente se quisermos levar a efeito o conceito de que saúde para além da ausência de enfermidades e de doenças, mas rumo àquele estado de bem-estar integral que inclui o corpo, a mente e a vida social.
Pode parecer utopia, mas o dia que eu deixar de acreditar que esse outro estado de bem-estar é possível, pouquíssimas coisas, ou quase nenhuma, farão sentido para mim.
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* Wilson Correia é mineiro e divorciado. Desenvolve pesquisa de doutoramento na UNICAMP. É mestre em Educação pela UFU. Cursou especialização em Psicopedagogia pela UFG. Graduou-se em Filosofia pela UCG.
É professor universitário. É autor de Saber Ensinar. São Paulo: EPU, 2006. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.
** Fonte: BoletIn Lappis: Integralidade em Saúde. Universidade do Estado do Rio de Janeiro: . Acesso: 16.10.2007.
Publicado por: Wilson Correia
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