Novo canal do Brasil Escola no
WhatsApp!
Siga agora!
Whatsapp

A poética em Heidegger

Análise do texto "O que é metafísica" a partir da relação da arte com a verdade.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Donaldo de Assis Borges[1]

Marco Antonio de Souza[2]

O presente estudo analisa o texto “Que é Metafísica?” (1929), de Martin Heidegger (1889-1976), em suas expressões poéticas para comentá-las a partir da relação da arte com a verdade. O texto resulta do pronunciamento de Heidegger na aula inaugural que deu início às suas atividades como professor de Filosofia em Freiburg, vaga com a aposentadoria de Edmund Husserl (1859-1938). Esta aula inaugural pública realizada no dia 24 de julho de 1929, trazia o título “Que é Metafísica?”. Publicado no mesmo ano, o texto integral da preleção obteve profunda repercussão. Provocou também muitos mal-entendidos. Parecia vir reforçar suspeitas despertadas já por “Ser e Tempo”. Heidegger era promotor do niilismo, da filosofia do sentimento da angústia e da covardia, do irracionalismo que combatia a validez da lógica. Em resposta às objeções que se multiplicavam o filósofo acrescentou à quarta edição de 1943 um pósfacio que respondia às objeções e elucidava aspectos da preleção que suscitavam dúvidas e mal-entendidos. Em 1949 o autor publicou, com a quinta edição do texto, uma introdução com o título “Retorno ao Fundamento da Metafísica”. O texto “Que é Metafísica?” é o terceiro trabalho impresso por Heidegger. Depois de “Ser e Tempo” e “Kant e o Problema da Metafísica”, “Que é Metafísica?” foi publicada no mesmo ano em que surgia “Sobre a Essência do Fundamento” no volume complementar do Anuário de Filosofia e Investigações Fenomenológicas, comemorativo dos setenta anos de Edmund Husserl.

O texto “Que é Metafísica?” aborda várias idéias sobre o ser-aí do homem e o nada, além de propor questões fundamentais que aos poucos Heidegger responde com o objetivo de confirmar as suas teses. O fenômeno dos “sentimentos” expressos na forma do humor e da angústia, do ser-aí e do nada são temas importantes de sua argumentação poética na busca da verdade.

Para Platão, a poesia não leva à verdade, o discurso da poesia é fantasioso, não obedece à lógica do pensamento, não instrui, e está em demasia afastada da verdade (o conceito de verdade para Platão habita o Mundo das Idéias e é acessível somente pelos sábios); diferentemente de Heidegger para quem a verdade como clareira e ocultação do ente, acontece na medida em que se poetiza. O filósofo alemão tentou trabalhar filosofia e poesia ao mesmo tempo. As reflexões de Heidegger marcaram uma virada na tradição filosófica e o início de um novo pensamento em que o cuidado com a linguagem era tão importante quanto à trajetória do pensamento. Por isso, a filosofia e a poesia estão tão intrinsecamente relacionadas na linguagem poética de Heidegger.

A poética opera implícita ou explicitamente na criação artística. Surge na filosofia antiga com Aristóteles, que a trata como um dos métodos do discurso. Em “A Poética”, Aristóteles reúne um conjunto de anotações para lembrar as aulas sobre a poesia e a arte. A obra foi editada no final da vida do autor e remete, muitas vezes, a um texto anterior chamado “Dos Poetas”, onde Aristóteles estabelecia os conceitos de imitação e catarse. A obra se divide em duas partes. A primeira apresenta o conceito de poesia como imitação de ações. A segunda parte de “A Poética”, a mais extensa, estuda a tragédia, um das espécies ou gêneros da poesia dramática, e faz a comparação da tragédia e da epopéia. “A Poética” de Aristóteles se trata mais basicamente do ato de “imitar” uma arte e conseguir criar outra, ou seja, fazer com que a partir das diferenças se crie uma imitação diferente.

Em “Que é Metafísica?”, Heidegger se utiliza largamente da função poética da linguagem. A linguagem exerce função poética quando valoriza o texto na sua elaboração, ou seja, quando o autor faz uso de combinação de palavras, figuras de linguagem (metáfora, antítese, hipérbole, aliteração etc), exploração dos sentidos e sentimentos, expressão do chamado eu-lírico, dentre outros. Assim, é mais comum em textos literários, especialmente nos poemas que enfatizam com mais freqüência a subjetividade. É muito comum a utilização de palavras no sentido conotativo (figurado) ao invés do denotativo (dicionário).

No texto “Que é Metafísica?”, Heidegger é enfático ao afirmar que o sentimento de situação da disposição de humor não revela apenas o ente em sua totalidade, é, além disso, um acontecimento fundamental do ser-aí (combinação de palavras). O que chama de “sentimentos” não é um fenômeno secundário do comportamento pensante e volitivo do ser-aí, nem um simples impulso causador dele nem um estado atual que se leva a ater-se de uma ou outra maneira. O filósofo alemão revela o que vai à alma e expressa tanto quanto possível, com o uso de códigos lingüísticos, os sentimentos e os conflitos que suscitam o ser-aí do homem.

As disposições de humor do ser-aí, o leva diante do ente em sua totalidade, e oculta o nada que se busca. Para Heidegger, a negação do ente em sua totalidade, manifesta na disposição de humor, pode revelar o nada. Daí a pergunta: acontece no ser-aí do homem semelhante disposição de humor na qual ele seja levado à presença do nada? Esse acontecer, afirma Heidegger, é possível e também real. Ainda que bastante raro, apenas por instantes, na disposição fundamental da angústia.

Contudo, a angústia não se confunde com a ansiedade que, em última análise, pertence aos fenômenos do temor que com tanta facilidade se mostram. A angústia é radicalmente diferente do temor. Atemoriza-se sempre diante deste o daquele ente determinado que ameaça. O temor existe sempre por algo determinado. O temor é sempre temor de alguma coisa. Pelo fato de o temor ter como propriedade a limitação de seu “de” e de seu “por”, o temeroso e o medroso são retidos por aquilo que os amedronta. Ao esforçar-se por se libertar disto, ou seja, de algo determinado, torna-se, quem sente o temor, inseguro com relação às outras coisas. Perde-se a cabeça (conotação). A angústia, segundo Heidegger, não deixa mais surgir tal confusão. Muito antes, perpassa-a uma estranha tranqüilidade. A angústia é sempre angústia de [...], mas não angústia disto ou daquilo. A angústia diante de [...] é sempre angústia por [...], mas não por isso ou aquilo. O caráter de indeterminação daquilo diante de e por que se angustia, contudo, explica Heidegger, não é apenas uma simples falta de determinação, mas a essencial imposição de determinação. Ele exemplifica: na angústia, diz o ser-aí, “a gente sente-se estranho”. O que suscita tal estranheza e quem é por ela afetado? Não se pode dizer diante de que a gente se sente estranho. A gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e o ser-aí afundam-se numa indiferença. Isto, entretanto, não no sentido de um simples desaparecer, mas em se afastando elas se voltam para eles. Este afastar-se do ente em sua totalidade, que lhes assedia na angústia os oprime. Não resta nenhum apoio. Só resta e lhes sobrevém, na fuga do ente, este “nenhum” (metáfora). A angústia manifesta o nada. O ser-aí está suspenso na angústia (metáfora e função conotativa da linguagem).

O ser-aí está suspenso na angústia, ou seja, a angústia o suspende porque ela põe em fuga o ente em sua totalidade (conotação). Nisto consiste a disposição de se refugiar no seio dos entes. Disso resulta em dizer: não sou “eu” ou não és “tu” que te sentes estranho, mas a gente se sente assim. Somente continua presente o puro ser-aí no estremecimento deste estar suspenso onde nada há em que apoiar-se. A angústia corta a palavra do ser-aí, pelo fato de o ente em sua totalidade fugir, e assim, justamente, acossa-lhe o nada, em sua presença, emudece qualquer dicção do “é”.

Para Heidegger, o fato de se procurar muitas vezes, na estranheza da angústia, romper o vazio silenciar com palavras sem nexo é apenas o testemunho da presença do nada. Que a angústia revela o nada é confirmada imediatamente pelo próprio homem quando a angústia se afastou. Na posse da claridade do olhar, a lembrança recente leva a dizer: Diante de que e por que se angustiava era “propriamente” - nada. O nada mesmo, enquanto tal, estava aí.

O nada se manifesta e se revela na transformação do homem em seu ser-aí absorvido pela angústia. O nada se revela pela angústia, mas não enquanto ente, tampouco é dado como objeto. A angústia não é uma apreensão do nada, contudo o nada se torna manifesto por ela e nela, ainda que não da maneira como se o nada se mostrasse separado, “ao lado” do ente, em sua totalidade, o qual caiu na estranheza. Na angústia, explica Heidegger, depara-se com o nada juntamente com o ente em sua totalidade. Interroga: Que significa este “juntamente com”? Heidegger explica: na angústia o ente em sua totalidade se torna caduco. Em que sentido acontece isto?, questiona-se e depois conjectura: certamente, o ente não é destruído pela angústia para assim deixar como sobra o nada. Como é que poderia fazê-lo quando justamente a angústia se encontra na absoluta impotência em face do ente em sua totalidade? Bem antes, revela-se propriamente o nada com o e no ente como algo que foge em sua totalidade.

O estar suspenso do ser-aí no nada originado pela angústia escondida transforma o homem no lugar-tenente do nada. A finitude não capacita o coloca-se do ser-aí originariamente diante do nada por decisão e vontade próprias. O estar suspenso do ser-aí dentro do nada originado pela angústia escondida é o ultrapassar do ente em sua totalidade: a transcendência.

Heidegger sabe que não se pode explicar os “sentimentos”, mas é possível usando-se linguagem e imagem figuradas para provocar no leitor ou ouvinte um modelo destes sentimentos que assolam a alma poética. A sua linguagem oferece fórmulas representativas e descritivas de uma realidade interna, consegue reproduzir a sua volta, naqueles que o assimilam, uma idéia, às vezes vaga, outras vezes forte das suas próprias emoções.

REFERÊNCIAS

BARROS, Chimena M. S. de. A poesia na filosofia heideggeriana: uma brave investigação rumo à crítica. Disponível em: http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol5/v5_1.pdf . Acessado em: 31.ago.2009.

DRUMMOND, João. Para que serve a poesia?. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Po%C3%A9tica_(Arist%C3%B3teles). Acessado em: 31.ago.2009.

HEIDEGGER, Martin. Que é Metafísica? São Paulo: Nova Cultural, 1999.

Poética. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Po%C3%A9tica . Acessado em: 31.ago.2009.

--------------------------------------------------------------------------------

[1] Docente da Universidade de Franca e do Centro Universitário de Franca – Uni-FACEF.

[2] Docente da Universidade de Franca.


Publicado por: DONALDO DE ASSIS BORGES

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.