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A EPISTEMOLOGIA FEMINISTA: Uma análise crítica a partir das contribuições de Naomi Scheman

Breve discussão sobre a epistemologia feminina: uma análise crítica a partir das contribuições de Naomi Scheman.

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A EPISTEMOLOGIA FEMINISTA: Uma análise crítica a partir das contribuições de Naomi Scheman

Introdução

A Epistemologia é uma área fundamental da filosofia que se dedica à investigação do conhecimento humano, abordando seus mecanismos, fontes, limitações e métodos. Seu propósito primordial reside em compreender como o conhecimento é adquirido, justificado e aplicado em nosso mundo complexo. No entanto, essa busca pelo entendimento do conhecimento humano não pode desconsiderar a lente da perspectiva feminista, que lança uma crítica sobre o campo, visando a uma análise mais inclusiva e equitativa. Segundo Ketzer: A Epistemologia Feminista surge como um campo de pesquisa da Epistemologia Social, que está preocupada em investigar o papel do gênero nas diversas atividades epistêmicas. Considera que há preconceito de gênero infiltrado nas mais variadas áreas do conhecimento humano. Esses preconceitos de gênero são expressos em “determinadas afirmações e facilitado[s] pelos princípios disciplinares básicos. A experiência das mulheres torna-se invisível ou distorcida, assim como as relações de gênero.” (Longino, 2012, p. 506). Um dos papéis da Epistemologia Feminista seria elucidar esses preconceitos e questioná-los. (Ketzer, 2017, p. 97). A epistemologia feminista, intrinsecamente conectada às bases da Teoria do Conhecimento, emerge como uma corrente de pensamento que busca analisar a produção do conhecimento científico a partir de uma perspectiva feminista. Essa abordagem, enraizada em ideias contemporâneas, questiona a pretensa objetividade e neutralidade da ciência tradicional, que historicamente tem dominado o pensamento ocidental.

Neste artigo nos concentraremos na análise de Naomi Scheman, sobre epistemologia feminista. O objetivo é discutir as reflexões da filósofia traduzidas e publicadas pela revista Ideação no "Dossiê Mulheres" de 2020. Neste texto, a filósofa circunscreve não apenas o conceito de epistemologia, mas discute a pretensão de universalidade que lhe é inerente e questiona os fundamentos que serviram de sustentáculo para a concepção clássica de ciência. Atualmente, ela ocupa o cargo de Professora Emérita de Filosofia e Estudos de Gênero, Mulheres e Sexualidade na Universidade de Minnesota, além de atuar como professora convidada no Centro de Estudos de Gênero de Umeå, na Suécia. Ao aprofundar o debate sobre as outras possiblidades de conhecimento que divergem dos métodos tradicionais, Scheman oferece uma definição mais ampla e inclusiva de investigação científica abarcando produções normalmente menosprezadas pelo cânone.

Nesse sentido, destaca a filósofa: E se há algo que sabemos sobre masculinismo, racismo, heterossexismo e várias outras manifestações de privilégio, é precisamente isso: o privilégio na modernidade europeia é marcadamente caracterizado pela tendência de tomar suas próprias particularidades como comuns, conformando aqueles que diferem de suas normas não apenas como inferiores, mas como desviantes. (Scheman, 2020, p.32) Scheman, argumenta sobre a existência e importância da Epistemologia Feminista como um caminho desviante do conhecimento, que adiciona novas perspectivas ao pensamento contemporâneo, mostrando como a produção hegemônica do conhecimento é excludente e precisa ser constantemente revista. É fato que o pensamento ocidental assentou as suas bases filosóficas unicamente num modelo científico neutro e eurocêntrico, que não corresponde aos dilemas atuais da realidade latino-americana, na qual estamos inseridos. Nesse contexto, o estudo da Epistemologia Feminista desempenha um papel de destaque, sendo uma temática atual e crucial.

A perspectiva feminista, à semelhança de Naomi Scheman, lança luz sobre as emoções e experiências das mulheres que, por muito tempo, foram negligenciadas ou reprimidas no ambiente acadêmico e científico. Isso representa um exemplo atual e relevante da contínua luta pela igualdade de gênero e expansão do conhecimento. A contribuição de Scheman se destaca por explorar as complexas interações da epistemologia feminista, oferecendo uma análise crítica sobre como as relações de poder influenciam a produção do conhecimento científico e como isso molda a vida das pessoas, especialmente das mulheres. Nesse aspecto, Scheman afirma: E uma vez que se conceitue ciência como um conjunto de práticas sociais, historicamente variáveis e em complexa interação com outras partes da cultura, torna-se muito mais difícil não reconhecer a legitimidade de questões sobre a relevância do gênero (e de outras variáveis socialmente salientes) para a estruturação e o suporte de programas científicos, para o modo como metáforas moldam a explicação científica, ou como hipóteses e teorias competidoras compõem ou não o pano de fundo contra o qual a confirmação é ajuizada, e assim por diante. (Scheman, 2020, p.34).

Diante das mudanças significativas na grade curricular das universidades no contexto do ensino superior, é essencial reconhecer que, apesar dos avanços, o patriarcado ainda persiste profundamente enraizado em nossa história, perpetuando-se por meio de correntes conservadoras. Essas estruturas muitas vezes sustentam estereótipos que invisibilizam e limitam o papel das mulheres, insistindo na criação de modelos padrões tais como aquelas predestinadas a casar e ter filhos, relegando suas contribuições ao conhecimento e à sociedade em geral. A epistemologia feminista, portanto, é uma das muitas contribuições do feminismo para repensar a história da filosofia e da atividade filosófica. Segundo Janyne Sattler (2022), a epistemologia feminista é talvez a mais radical e desestabilizadora da nossa linguagm teórica tomada em sua acepção canônica. Ela questiona as bases daquilo que se considera como um dos núcleos fundamentais para a atividade filosófica “propriamente dita”, respondendo de certa forma à conhecida acusação de que “fazer feminismo” não é “fazer filosofia”. A epistemologia feminista amplia o escopo da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência ao demonstrar que estas áreas não estão livres de vieses sociais e políticos.

Essa abordagem busca promover uma ciência mais inclusiva e democrática, que valorize todas as perspectivas, desafiando as restrições impostas pelo patriarcado. Essa visão é particularmente relevante em um contexto histórico onde, ao longo dos séculos, as sociedades humanas se apoiaram em relações de dependência legitimadas por dinâmicas de dominação e subordinação. Essas relações, muitas vezes naturalizadas, são raramente questionadas pelos grupos sociais mais poderosos. Neste cenário, conforme destacado por Arnot (2006), tanto a teoria crítica quanto o pensamento feminista emergem como tradições epistemológicas e metodológicas que buscam emancipar a voz. Estas correntes se concentram nas desigualdades de classe e gênero, respectivamente, e reivindicam o uso do poder da voz como meio para romper com o desigual status quo. Assim, ao questionar as premissas fundamentais do conhecimento e da ciência, a epistemologia feminista atua diretamente contra as estruturas de poder que sustentam as relações de dependência, visando uma transformação social profunda que acolha a diversidade de perspectivas e experiências.

Conceito de epistemologia e as bases da formação de uma epistemologia feminista na filosofia

A Epistemologia, enquanto campo dedicado ao estudo das estruturas fundamentais do conhecimento, ocupa uma posição central na Filosofia, desempenhando um papel crucial na diferenciação entre o verdadeiro e o falso e na análise dos processos que estabelecem essas verdades. Collins (2019, p. 402) argumenta que essa área transcende a simples acumulação de saberes, mergulhando nas profundezas das razões e modos pelos quais certas crenças são aceitas ou rejeitadas em um contexto social permeado por dinâmicas de poder.

Nesse sentido, a epistemologia está intrinsecamente ligada às questões políticas, explorando como os processos dinâmicos do conhecimento influenciam e até determinam os saberes e crenças reconhecidos por uma comunidade. Avançando em sua análise, Collins (2019, p. 403) sugere que a epistemologia vai além da criação de paradigmas ou metodologias de pesquisa. Ela se concentra na seleção das questões merecedoras de investigação, na eficácia das estruturas interpretativas na análise dos dados e, crucialmente, no propósito e na aplicação do conhecimento gerado. Esta abordagem ressalta o caráter reflexivo e crítico da epistemologia, enfatizando seu papel em moldar não apenas o conteúdo, mas também o contexto e a direção da pesquisa científica e filosófica.

Assim, a compreensão epistemológica se estabelece como um exercício de poder, determinando quais vozes são amplificadas e quais silêncios são mantidos. Nesse panorama, ao questionar quais questões são dignas de ser exploradas e que respostas devem ser procuradas, a epistemologia emerge como um verdadeiro campo de batalha, onde diversas visões de mundo competem para estabelecer sua legitimidade e influência sobre o tecido social. Este entendimento destaca que o conhecimento não é um elemento neutro, mas um artefato cultural carregado de significados e consequências, diretamente moldado pelas forças sociais e políticas em ação. Dentro desse quadro geral, a Epistemologia Feminista apresenta-se como uma crítica incisiva às abordagens tradicionais, propondo a incorporação de valores éticos e políticos na construção do conhecimento. Desafiando as premissas convencionais, ela enfatiza a importância de considerar como as estruturas de gênero e poder influenciam não somente o que é conhecido, mas também quem é reconhecido como portador de conhecimento.

Assim, a Epistemologia Feminista se conecta coesamente ao debate mais amplo sobre a natureza e os processos do conhecimento, pleiteando a inclusão de uma diversidade maior de perspectivas e experiências na busca pela verdade e no desenvolvimento do saber humano. Este modelo de desenvolvimento enfatiza a necessidade de uma abordagem epistemológica que seja tanto reflexiva quanto crítica, uma que reconheça as interseções entre o conhecimento, o poder e a política. Ao fazer isso, ele abre caminho para uma compreensão mais inclusiva e equitativa do conhecimento, reconhecendo a importância de diversas vozes e experiências no avanço da pesquisa e na construção de um corpo de conhecimento que é verdadeiramente representativo da diversidade humana.

Uma análise da Epistemologia Feminista na perspectiva da autora Naomi Scheman

No texto intitulado Epistemologia Feminista, Scheman (2020, p.35) aponta elementos que o pensamento feminista trouxe para os debates da epistemologia contemporânea, adicionando e ampliando a abordagem tradicional do conhecimento. Essas contribuições apontadas pela filósofa, e que discutiremos mais adiante, são: uma abordagem não individualista do conhecimento, atenção à diversidade, críticas da objetividade como meta do conhecimento científico e exame crítico das normas epistêmicas. Por uma aborgagem não-individualista: É notório que a Epistemologia Feminista contesta a neutralidade e o individualismo tradicional associados à epistemologia. Em vez disso, Scheman (2020, p. 35-36) enfatiza a importância das relações sociais, das perspectivas múltiplas e da construção coletiva do conhecimento. Aponta que as epistemólogas feministas, juntamente com as epistemólogas sociais, argumentam que é enganoso pensar na agência epistêmica como idealmente exercitada na solidão. Seguindo essa lógica, a ideia de neutralidade é questionada, pois reconhece que os seres humanos não podem se desvincular das influências sociais em que vivem. O ambiente em que estamos imersos suscita comportamentos que moldam nossa interação com o mundo e afetam a forma como buscamos conhecimento. Por exemplo, os padrões culturais, as normas sociais e as estruturas de poder influenciam nossos entendimentos, nossas escolhas e até mesmo nossos valores. Nesse sentido, a busca pela objetividade absoluta se torna ilusória, pois nossas visões de mundo são inevitavelmente moldadas pelas condições sociais, históricas e culturais em que estamos inseridos. Reconhecer essa inter-relação entre sujeito e contexto é essencial para uma abordagem epistemológica mais crítica e inclusiva. A partir desse entendimento, podemos valorizar e dar voz às diferentes experiências e perspectivas, contribuindo para uma compreensão mais holística e enriquecedora da realidade. Nós não podemos mais acreditar que a filosofia é um processo solitário que se realiza dentro de gabinetes, de maneira individual. Principalmente nas últimas décadas, tem se revelado que quanto mais o ser humano dialoga em outras áreas como ciências sociais, literatura e história, e quanto mais introduz conhecimento que não seja focado em uma produção individual, mas sim na produção coletiva do conhecimento, ao envolvermos mais vozes, claramente teremos uma produção de conhecimento mais eficiente e potente. Por essa razão, essa visão feminista é importante para a produção do conhecimento.

Considerações finais

As considerações finais deste artigo reafirmam a grande importância do estudo da Epistemologia Feminista no panorama contemporâneo do conhecimento. À luz das contribuições de Naomi Scheman, reconhece-se o papel crucial que as emoções e experiências femininas desempenham no enriquecimento do ambiente acadêmico e científico, contrapondo- se a uma longa história de negligência e repressão. Scheman, ao enfatizar a ciência como uma prática social intrinsecamente ligada a outras dimensões culturais, desafia-nos a reconsiderar a relevância do gênero na formulação de hipóteses, na construção de teorias e na interpretação de dados científicos.

Esta abordagem não apenas ilumina o caminho para uma ciência mais inclusiva, mas também destaca a necessidade de questionar as estruturas de poder que moldam o conhecimento. Este trabalho ressalta a urgência de reconhecer e superar os resquícios do patriarcado que ainda permeiam o ensino superior e a produção do conhecimento. Através da inclusão da perspectiva feminista na grade curricular, desafia-se a perpetuação de estereótipos e normas que restringem o papel das mulheres na sociedade e na ciência.

A epistemologia feminista emerge, portanto, como uma ferramenta poderosa para repensar a história da filosofia e da ciência, propondo uma visão radical que questiona as fundações da atividade filosófica e do conhecimento. Ao ampliar o escopo da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência, a epistemologia feminista busca desvendar e desmantelar os vieses sociais e políticos que têm historicamente condicionado estas áreas. Promovendo uma abordagem mais democrática e inclusiva da ciência, esta perspectiva desafia diretamente as estruturas patriarcais, advogando por uma transformação social que valorize a diversidade de vozes e experiências. Nesse contexto, a intersecção entre a teoria crítica e o pensamento feminista emerge como uma força emancipatória, focando nas desigualdades de classe e gênero e utilizando o poder da voz para desafiar o status quo. A epistemologia feminista, portanto, não é apenas um campo de estudo acadêmico; é um movimento vital para a transformação social, que busca uma reconceptualização profunda do que significa conhecer, aprender e ensinar. Este artigo, ao destacar a relevância da Epistemologia Feminista, contribui significativamente para os avanços nessa perspectiva, promovendo uma reflexão crítica sobre as práticas epistêmicas atuais e incentivando a busca por uma sociedade mais justa e igualitária.

Referências Bibliográficas

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Publicado por: Francine Nascimento Abreu

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