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Tecnocracia na educação brasileira: o atendimento as teses neoliberais capitalistas

A luta empreendida pela sociedade brasileira para a elaboração de um Plano Nacional de Educação.

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Tecnocracia na educação brasileira: o atendimento as teses neoliberais capitalistas

O período compreendido entre os anos de 1979 a 1985 representou o processo de abertura política e redemocratização do Brasil, finalizando a Ditadura Militar, caracterizado pela ocorrência de diversos movimentos e reivindicações pelo restabelecimento e garantia dos direitos políticos e sociais, dentre os quais destacamos a universalização da educação por meio da escola pública gratuita, de boa qualidade e a erradicação do analfabetismo.

A sociedade civil organizada brasileira se reuniu em defesa da educação para a cidadania englobando tanto o projeto político quanto o projeto social individual e a escola entendida como o “lócus da interface do projeto político da sociedade, com projetos políticos que incluíam a formação de cidadãos autônomos, participativos e conscientes de seus direitos e deveres” (OLIVEIRA; PÁDUA, 2000, p. 1).

Recordamos que foi exatamente na transição da década de 1970 para a década de 1980 que se formaram as entidades no plano educacional como a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPED), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), a Associação Nacional de Educação (ANDE), aglutinando em âmbito nacional educadores de diferentes níveis de ensino e especialistas em educação. Foram construídas também, as três maiores centrais sindicais de trabalhadores: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e Força Sindical com discordâncias e divergências programáticas e ideológicas.

A correlação de forças envolvida nos processos de (re) democratização e elaboração da constituição brasileira caracterizou-se pelo conflito entre ensino público e ensino privado, explicitado pela contrariedade da defesa dos interesses defendidos entre a sociedade civil organizada em torno do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) construído por entidades científicas, sindicais, estudantis e especialistas em educação, entre outros e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEM), defensora dos interesses empresariais, recebendo o apoio da Associação de Educação Católica (AEC) e da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC) do grupo confessional.

O resultado deste embate político, segundo Winckler (1992) foi determinado pelo alcance e limites dos princípios educacionais, remetendo por conseqüência, a LDBEN de 1996 às condições de sua implementação dada a sua abrangência:

a) a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola deve ser interpretada pela LDB; b) o princípio da gestão democrática é restrito ao ensino público, sendo necessária a sua regulamentação; c) o principio da liberdade de expressão e do pluralismo evidenciou a posição dos conservadores, que destacaram como perigosa e danosa a estatização e homogeneidade do pensamento; d) a gratuidade é garantida com verbas públicas para o ensino público; e) a laicidade foi derrotada, devendo a LDB dizer o que entende por ensino religioso (Artigo 240); f) a liberdade de ensino à iniciativa privada, desde que se cumpram normas gerais da educação nacional e haja autorização e avaliação pelo poder público (Artigo 242) (WINCKLER, 1992, p. 137).

A luta empreendida pela sociedade brasileira integrou os temas sociais na agenda das reformas políticas, garantindo na Constituição alguns direitos como a gestão democrática, a gratuidade e obrigatoriedade do ensino público elementar, bem como, a elaboração de um Plano Nacional de Educação.

Contudo, boa parte das reivindicações preconizadas e expressas no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública cedeu lugar às formulações tecnocráticas dos organismos internacionais, em especial do Banco Mundial que promoveu em março de 1990, em Jomtien, na Tailândia, a realização da Conferência Mundial de Educação para Todos, financiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial com seus países mutuários e signatário da Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de construir um consenso de sustentação aos Planos Decenais de Educação, tendo como eixo fundamental a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem.

Concomitantemente com Conferência Mundial de Educação para Todos, eleito pelo voto direto após a Ditadura Militar, assumia a presidência do Brasil, o Sr. Fernando Collor de Mello (15/03/1990), afinado com as teses neoliberais, pautado na visão de uma democracia representativa consubstanciada na eficiência e eficácia política da restrição participativa aos poucos eleitos e na passividade da ampla maioria da população. Este governo deu início a uma política econômica privatista, minimizando o papel do Estado nas questões sociais, justificado na exaltação da modernização e desenvolvimento econômico, relegando à sociedade a função de eleger os seus representantes.

O modelo educacional proposto pelos conservadores privatistas encontrava-se em sintonia com os pressupostos neoliberais, inscrevendo-se num amplo movimento de inserção da economia brasileira no mercado internacional.

Nesta perspectiva, o modelo de democracia representativa chocou-se com as ideais de participação e representação popular, contrapondo-se às propostas iniciais para a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases defendidas pela sociedade civil organizada, definidas no documento “Declaração de Brasília” elaborado na V Conferência Brasileira de Educação (CBE) em agosto de 1988, tendo como focos a universalização do ensino fundamental (1º grau), a organização de um Sistema Nacional de Educação, o dever do Estado com a educação e a destinação de recursos públicos para as escolas públicas, contidos na proposta denominada “Contribuição à Elaboração da Nova LDB: um início de conversa”, de autoria do Professor Demerval Saviani.

O projeto inicial de LDB na correlação de forças existente em sua formulação e aprovação se apresentou desfavorável aos interesses da educação pública e condescendente aos conservadores privatistas.

Em maio de 1992, o senador Darcy Ribeiro apresentou o seu projeto de LDB. Em meio a um conturbado processo de votação e aprovação, o projeto sofreu e/ou passou por emendas e substitutivos, arrastando-se à legislatura seguinte (1995), sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso (FHC), que assume uma postura notadamente neoliberal, abandonando suas teses de descentralização política, governando o país de forma autoritária, utilizando-se de inúmeras medidas provisórias, mantendo a visão de democracia representativa inaugurada no governo Collor de Mello.

O governo de FHC caracterizou-se, explicitamente, por meio das propostas, orientações e teses neoliberais, uma vez que promoveu e implementou a reforma do estado em conformidade com os planos e programas de ajustamento e desestatização da economia emanados pelos organismos internacionais: enxurrada de privatizações de empresas produtivas e lucrativas governamentais, abertura de mercados, redução de encargos sociais relativos aos assalariados por parte do poder público e das empresas e/ou corporações privadas, informatização de processos decisórios, produtivos e de comercialização, busca da qualidade total, intensificação da produtividade e da lucratividade de empresas nacionais e transnacionais (OLIVEIRA, 1997, p. 822).

O substitutivo de Darcy Ribeiro seguiu as orientações neoliberais do Banco Mundial, recebendo 315 emendas sendo aprovado pelos senadores em fevereiro de 1996. Em dezembro do mesmo ano foi sancionada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional com 92 artigos (LDBEN 9.395/96).

A LDBEN restringiu a participação da sociedade civil na elaboração e avaliação das políticas educacionais, uma vez que o Conselho Nacional de Educação ficou subordinado às ações executivas do MEC. A organização da educação nacional ficou condicionada ao regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, não sendo assegurada uma organização sob a forma de um Sistema Nacional de Educação.

Neste sentido, todo o trabalho desenvolvido pela sociedade civil de forma democrática foi relegado e a sociedade política se constituiu enquanto autoridade educacional “inserida no quadro da política educacional brasileira calcada no projeto neoliberal do Estado” (Ibid., p. 824).

A concepção de gestão educacional, por exemplo, inculcou-se na ênfase dada à informatização, controle e gerenciamento profissional e nas decisões centralizadas no poder executivo. Em outras palavras, este governo retomou a concepção tecnocrática de gestão da década de 1970 (governos militares) no sentido de adequá-la as necessidade e exigências da conjuntura internacional, centrado nos eixos de produtividade, eficiência e racionalização de recursos, efetuando o corte de gastos públicos em educação, com vistas a reduzir os índices estatísticos de fracasso escolar em consonância com as exigências das agências (organismos) internacionais de financiamento (II CONED, BH, nov. 1997, p. 4).

Portanto, o governo brasileiro procurou adequar-se à reestruturação produtiva de acordo com as teses neoliberais que transformaram radicalmente as demandas de disciplinamento da sociedade em decorrência das demandas que o capitalismo impôs à escola, ou seja, na medida em que as demandas do processo de valorização do capital passaram a exigir da escola um novo tipo e/ou novas formas de educar o sujeito (trabalhador), bem como, novas formas de organização e gestão de acordo com os princípios do toyotismo (KUENZER, 2002, p. 85-87).

A prática tecnocrática na educação brasileira revestiu-se do autoritarismo, isolando a sociedade da participação democrática efetiva no processo de tomada de decisão e apresentou-se diretamente vinculada à necessidade de legitimar sem contestação a implementação de políticas como aquelas expressas nas Leis nº. 9.394/96 (LDB) e nº. 10.172/01 (PNE), cabendo ao poder executivo a definição das políticas educacionais, ou seja, a centralização do poder e o afastamento da sociedade no processo decisório de elaboração e implementação das políticas de educação.

A gestão de FHC garantiu a sustentação e desenvolvimento do pensamento tecnocrático em educação e as políticas implementadas neste período se caracterizaram pela ausência de participação política da sociedade nos processos de formulação e/ou elaboração e implementação destas. A tomada de decisão concentrou-se no executivo e a imposição vertical se constituiu em prática permanente do Ministério da Educação e do Desporto. Em outras palavras, as políticas sociais (educacionais) do governo FHC foram introduzidas de cima para baixo, sem a participação popular no processo decisório, sem considerar as realidades, necessidades e particularidades dos alvos dessas políticas: as populações pobres de nosso país, que encontram na escola pública a única opção para a formação escolar de seus filhos.

Dentre as modificações legais efetuadas na educação brasileira ao longo deste período com vistas a garantir o atendimento das orientações (determinações) do Banco Mundial, citamos:

[...] A Lei 9.131/95, que extinguiu o antigo Conselho Federal de Educação, criou o Conselho Nacional de Educação (CNE) e instituiu o processo de avaliação do ensino superior que redundou no Exame Nacional de Cursos, o Provão, a Lei 9.192/95, que regulamentou o processo de escolha dos dirigentes universitários. A Emenda Constitucional de 14 de setembro de 1996 que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96. A regulamentação dos dispositivos explicitados nesses documentos legais, particularmente o Decreto nº. 2.208/97 que reestruturou o ensino profissional e a Lei nº. 10.172/01 (Plano Nacional de Educação), complementaram as modificações de longo alcance implementadas no governo de FHC com Paulo Renato à frente do MEC (CAMARGO, 2002, p. 7-8).

Segundo Gentili (2005) as reformas educacionais promovidas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso foram tão profundas quanto autocráticas, pois não contaram com a consulta e participação popular. A qualidade da educação pública foi desprezada em prol da elevação dos índices estatísticos de maior acesso à escolarização e à diminuição do fracasso escolar, por meio da implantação dos ciclos escolares no ensino fundamental (Ciclo I: 1ª a 4ª séries – Ciclo II: 5ª a 8ª séries) e da implementação da progressão continuada em alguns Estados e Municípios, em especial, no Estado de São Paulo. Esse sistema de avaliação não garantiu a melhoria da qualidade do ensino e prejudicou o processo de aprendizagem à medida que deixou de avaliar conhecimentos básicos de leitura e escrita.

Neste sentido, Gentili (2005) afirma que dois dados desestimulantes e desoladores devem ser considerados, em termos democráticos na gestão da educação de FHC:

[...] a) Durante a década de noventa os pobres ampliaram suas oportunidades de acesso à escola ao mesmo tempo em que se tornaram mais pobres; b) O processo de segmentação e diferenciação do sistema escolar brasileiro, longe de diminuir, aumentou. Uma fórmula já conhecida: escola pobre para os pobres e rica para os ricos (GENTILI, 2002, p. 2).

A sucessão de políticas neoliberais que priorizaram a satisfação da lógica mercadológica capitalista conduziu a educação brasileira ao caos, não houve valorização da construção de espaços de aprendizagens e construção de conhecimentos, não foram formulados planos de cargos e salários dignos e condizentes com a importância da função de educador, não houve, de fato, uma preocupação com a promoção de medidas que garantissem uma educação gratuita de qualidade conforme prevista na legislação brasileira.

Referências

GENTILI, P. Entre a herança e a promessa: o governo Lula e a política educacional. Observatório Latino Americano de Políticas Educacionais. Rio de Janeiro, p. 1-8, 2005. Disponível em: http://www.lpp.uerj.net/olped/documentos/0811.pdf . Acesso em: 8 ago. 2009.

KUENZER, A. Z. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: SAVIANI, D.;

SANFELICE, J. L.; LOMBARDI, J. C. (Orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Autores Associados, 2002.

LOMBARDI, J. L.; SAVIANI, D.; NASCIMENTO, M. (Orgs.). A escola pública no Brasil: história e historiografia. Campinas: Autores Associados, 2005.

OLIVEIRA, R. T. C. A LDB e o contexto nacional: o papel dos partidos políticos na elaboração dos projetos – 1988 a 1996. Anais do IV Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil. Campinas, 1997. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/.../trab077.rtf . Acesso em: 11 jul. 09.

PNE – Plano Nacional de Educação. Ministério da Educação e do Desporto. Brasília, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf  . Acesso em: 12 jul. 2009.

PNE – Proposta da Sociedade Brasileira – Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.

II Congresso Nacional de Educação. Subsídios para análise do Plano Nacional de Educação do Ministério da Educação e do Desporto. Belo Horizonte, p. 1-16, nov. 1997. Disponível em: http://www.www.andes.com.br . Acesso em: 11 jul. 2009.

SAVIANI, D.; SANFELICE, J. L.; LOMBARDI, J. C. (Orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Autores Associados, 2002.

WINCKLER, C. R. O contexto das velhas e (não tão) novas reformas educacionais no Brasil. Revista Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, n. 2, v. 20, p. 1-17, 1992. Disponível em: http://revistas.fee.tche.br?index.php/indicadores/article/view/694 . Acesso em: 11 jul. 2009.

Flávio Reis dos Santos

Doutorando em Educação – Estado, Políticas e Gestão Educacional – pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Políticas Sociais – Famílias e Desigualdades Sociais – pela Universidade Cruzeiro do Sul. Graduado em Pedagogia pela Universidade Iguaçu e em História pela Universidade Camilo Castelo Branco.


Publicado por: Flávio Reis dos Santos

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