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Resenha da obra "A alegria de ensinar", de Rubem Alves

Análise sobre a obra de Rubem Alves, "A alegria de ensinar".

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESENHA

Rubem Alves nasceu no dia 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais, Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary, Doutor em Filosofia (Ph.D.) pelo Princeton Theological Seminary, foi professor na Faculdade de Educação da UNICAMP e, em 1979, professor livre-docente no IFCH daquela universidade. O autor é membro da Academia Campinense de Letras, professor-emérito da Unicamp e cidadão-honorário de Campinas, onde recebeu a medalha Carlos Gomes de contribuição à cultura.

A obra “A alegria de ensinar” apresenta 14 capítulos apresentando uma linguagem coesa e simples com um conteúdo cheio de analogias de grande significado filosófico, que reflete acerca do prazer do processo de ensino-aprendizagem por vezes escasso no universo escolar. É uma ótima leitura para quem já atua na docência ou deseja enveredar por esse caminho.

ENSINAR A ALEGRIA

Neste primeiro capítulo o autor ressalta a importância do professor exercer o prazer no ato de ensinar. “Pois o que vocês ensinam não e um deleite para a alma? Se não fosse, vocês não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os seus alunos, sintam prazer igual ao que vocês sentem.” (p. 10).

Se não se sente prazer em sua função, o docente terá então falhado em sua missão. “Se isso não acontecer, vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer prazer, mas a comida saiu salgada e queimada...” (p. 10).

Ao professor, caberia ensinar a felicidade e reconhecer-se como um ‘pastor da alegria’, ao qual seus alunos também pudessem assim reconhecê-lo. “(...) quando perguntados sobre a sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar a absurda resposta: “Sou um pastor da alegria...Mas, e claro, somente os seus alunos poderão  atestar da verdade da sua declaração...” (p. 10)

ESCOLA E SOFRIMENTO

Apesar de reconhecer esse importante papel do professor, de levar o aluno no mundo da felicidade na busca do conhecimento, nem tudo são flores no cotidiano escolar, expressando Alves a distinção de classes. “(...) toda escola tem uma classe dominante e uma classe dominada: a primeira, formada por professores e administradores, e que detém o monopólio do saber, e a segunda, formada pelos alunos, que detém o monopólio da ignorância, e que deve submeter o seu comportamento e o seu pensamento aos seus superiores, se desejam passar de ano.” (p. 11)

A realidade da escola está longe da ideal. “O meu palpite é que, se se fizer uma pesquisa entre as crianças e os adolescentes sobre as suas experiências de alegria na escola, eles terão muito que falar sobre a amizade e o companheirismo entre eles, mas pouquíssimas serão as referências à alegria de estudar, compreender e aprender.” (p. 11-12)

A distinção de classes e a distinção do olhar educativo da aprendizagem pelos estudantes acaba impactando na qualidade da aprendizagem. Assim coloca Alves sobre sua experiência própria: “Não me espanto, portanto, que tenha aprendido tão pouco na escola (...) Era, de fato, difícil amar as disciplinas representadas por rostos e vozes que não queriam ser amados.” (p. 13)

Qual o grau de satisfação dos alunos no processo de aprendizagem? Será que estão afeitos à metodologia adotada no ambiente escolar? Afinal, isto representa um grande diferencial que  os pode motivar ou não na busca do conhecimento. “Mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parecem ter com sua vida?” (p. 14)

Alves considera na obra a importância de se considerar o grau de satisfação dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem. “Mas ninguém jamais pensou em avaliar a alegria dos estudantes – mesmo porque não há métodos objetivos para tal. Porque a alegria é uma condição interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de pensamentos e sentimentos.” (p. 14)

Aos professores, Alves deixa um conselho: “lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: “Por favor, me ajude a ser feliz...” (p. 15)

A LEI DE CHARLIE BROWN

Neste capítulo, o autor faz uma reflexão filosófica sobre o fazer educacional, fazendo uma analogia com uma tira de um recorte de jornal do personagem Charlie Brown. Ele está explicando ao seu amiguinho a importância das escolas. “Sabe por que temos que tirar boas notas na escola? Para passarmos do primário para o ginásio. Se tirarmos boas notas no ginásio, passamos para o colégio e se no colégio tirarmos boas notas, passamos para a universidade, e se, nesta tirarmos boas notas, conseguimos um bom emprego e podemos casar e ter filhos para mandá-los à escola, onde eles vão estudar um monte de coisas para tirar boas notas e...” (p. 16)

Alves lamenta que isso seja uma realidade no universo educacional de muitas crianças e adolescentes, tidos como máquinas. “é assim mesmo que as coisas acontecem. E, se o sorriso aparece, e porque a gente se dá conta, repentinamente, da máquina absurda pela qual nossas crianças e jovens são forçados a passar, em nome da educação.” (p. 17)

Alves anuncia seu desejo de que a educação tivesse um viés mais humanístico, não simplesmente no sentido de ensino para conquista de metas e números, mas concebe a falta de uma educação mais holística  “Acho que a tirinha do Charlie Brown me comoveu pela coincidência com este sofrimento imenso que se chama exames vestibulares. Fico pensando no enorme desperdício de tempo, energias e vida.” (p. 19)

BOCA E FORNO

Trazendo à tona a brincadeira do boca e forno, que ao final era proposto às crianças “Faremos todos, faremos todos, faremos todos...” (p. 21) Por que se propunha tal atividade na escola? “Sempre me perguntei sobre o sentido destas palavras. E por mais que me esforçasse, nunca encontrei sentido algum”. (p. 21)

Mas uma simples brincadeira como essa, cantada no universo infantil, reflete o universo das escolas, lamenta Alves. “Acho que esta brincadeira é uma repetição do que acontece nas escolas. As crianças são ensinadas. Aprendem bem. Tão bem que se tornam incapazes de pensar coisas diferentes. Tornam-se ecos das receitas ensinadas e aprendidas.” (p. 22)

Alves não critica o repassar do conteúdo, o uso das técnicas já aprendidas. “Não, não sou contrário a que se ensinem receitas já testadas. Se existe um jeito fácil e rápido de amarrar os cordões dos sapatos, não vejo razão alguma para submeter o aluno às dores de inventar um jeito diferente.” (p. 23) O que Alves critica é não se levar o aluno a pensar, a desenvolver seu espírito crítico, capaz de enxergar novas realidades, à luz da sua busca pelo conhecimento. “O equívoco está em se ensinar ao aluno que é disto que a ciência, o saber, a vida, são feitos. E, com isto, ao aprender as respostas certas, osalunos desaprendem a arte de se aventurar e de errar, sem saber que, para uma resposta certa, milhares de tentativas erradas devem ser feitas.” (p. 24)

O autor então conclui que no processo formativo não se estimula a formação num sentido mais amplo para o aluno. “Acho que a educação freqüentemente cria antas: pessoas que não se atrevem a sair das trilhas aprendidas, por medo da, onça. De suas trilhas sabem tudo, os mínimos detalhes, especialistas. Mas o resto da floresta permanece desconhecido.” (p. 25)

O SAPO

Alves faz uma analogia entre o processo educacional com a fábula do príncipe que virou sapo. “A estória do príncipe que virou sapo e a nossa própria estória. Desde que nascemos, continuamente, palavras nos vão sendo ditas. Elas entram no nosso corpo, e ele vai se transformando. Virando uma outra coisa, diferente da que era. Educação é isto: o processo pelo qual os nossos corpos vão ficando iguais às palavras que nos ensinam. Eu não sou eu: eu sou as palavras que os outros plantaram em mim.” (p. 27-28)

Ao aluno, faz-se necessário questionar, despir-se do que assimila do educador, para construir-se por si mesmo sua própria aprendizagem, sem engolir de forma acrítica tudo que absorve. “Uma bela imagem para um mestre! Uma bela imagem para o educador: fazer esquecer para fazer lembrar!” (p. 30)

SOBRE VACAS E MOEDORES

Neste capítulo, Alves conta outra fábula, o caso de um amigo que tinha um sítio e “colocou nele  uma vaca. A vaca lhe dava uma enorme despesa. Teve de construir um estábulo, além de comprar uma picadeira de cana para a ração. As pessoas ajuizadas de sua família tentaram trazê-lo de volta à razão.” (p. 31)

Mas, enfim, restariam os motivos pelo seu amigo ainda querer manter a vaca. “Uma vaca, além de ser um objeto com vantagens práticas e econômicas, é um objeto onírico. As vacas nos fazem sonhar.” (p. 31) Mas ao passar por um açougue, o autor revela ter refletido sobre outra visão acerca da vaca. “Meditei sobre o destino das vacas.” *(p. 34) Ali no açougue, a vaca teria um fim comercial. “Todas estão transformadas numa pasta homogênea.Estão preparadas para se tornar socialmente úteis.” (p. 34)

A partir daí, Alves faz uma analogia com  os formandos, acríticos e que seguem seu caminho com o destino predestinado como os bovinos. “Hoje, quando escrevo, os jovens estão indo para os vestibulares. O moedor foi ligado. Dentro de alguns anos estarão formados. Serão profissionais. E o que é um profissional se não um corpo que sonhava e que foi transformado em ferramenta? As ferramentas são úteis. Necessárias. Mas – que pena – não sabem sonhar...” (p. 35)

EU, LEONARDO...

Neste capítulo, o autor fala de sua experiência pessoal de suas habilidades artesanais e técnicas, mas que não utilizou isso para sua escolha profissional, mostrando que cada um pode fazer escolhas de sua trajetória, desvelando a sua autonomia. “Mas a vida nos conduz por caminhos não previstos, e ao invés de desenvolver minha competência na direção da técnica, acabei por me meter numa área totalmente diferente, onde a coisa mais impossível de se fazer é um artefato técnico.” (p. 37)

Alves faz uma analogia de Leonardo Da Vinci com a Universidade. Leonardo (1452-1519) era pintor, músico, arquiteto, poeta, engenheiro, geólogo, biólogo. Todas estas coisas. Dentro do seu corpo vivia um universo. Homem universal, ele foi a encarnação, num único corpo, do ideal da Universidade, como o lugar onde os homens se reúnem para, dando asas à imaginação, encontrar o deleite na visão, compreensão e harmonia com o mundo.” (p. 39) Mas apesar de tantas habilidades, Alves indaga: “Se o Leonardo Da Vinci tivesse vivido hoje, será que ele teria conseguido um emprego na IBM?” (p. 39) Afinal, se geraria dúvidas ver um candidato com tantas habilidades distintas... E será que o candidato seria capaz de produzir relatórios a contento? Enfim, a empresa busca selecionar alguém que esteja ao padrão que busca e não a pessoa mais criativa. “Em outras palavras: controle de qualidade do pensamento e cortar as asas da imaginação a fim de que ele marche ao ritmo dos tambores institucionais. O pensamento se tornará excelente ao preço de perder a sua liberdade.” (p. 42)

LAGARTAS E BORBOLETAS

Aqui Alves esboça outra crítica à realidade do processo educacional das crianças e jovens, que acabam sendo moldados sem lhes dar  tanta autonomia de escolha. “Permanece um fato fundamental: que ele só se realiza ao preço da morte dos universos que um dia viveram, como possibilidades adormecidas, no corpo das crianças: todo Leonardo deve se transformar em funcionário, toda borboleta deve se transformar numa lagarta, todo campo selvagem deve se transformar em monocultura...” (p. 47)

BOLINHAS DE GUDE

Alves faz outra analogia com a observação de uma criança brincando. “Olho para minha neta brincando com três bolinhas de gude. Meus pensamentos ficam leves como bolhas de sabão.” (p. 48) O simples ato de brincar de uma criança, fez Alves encontrar novas percepções da vida. “Quando eu era pai jovem eu não via as coisas do jeito como as vejo agora. Por isto meus pensamentos tratavam de preparar um futuro para os meus filhos. Claro, era o meu futuro, o futuro que eu sonhava. Não compreendia que os sonhos que saem das crianças não são os sonhos que os adultos sonham. Os sonhos que brotam das crianças colocam os nossos de cabeça para baixo.” (p. 49)

E ali na observação da sua neta, o autor esboça alguns pensamentos sobre o fazer pedagógico, considerando a criança como autora de seu conhecimento de mundo. “O normal é ver as crianças como aquelas que precisam ser ensinadas, seres inacabados que, à semelhança do Pinóquio, só se tornam pessoas de carne e osso depois de serem submetidas às nossas artimanhas pedagógicas.” (51-52)

Alves questiona essa realidade. “É preciso esquecer o aprendido que nos fez adultos para se ver o mundo com novos olhos.” (p. 53)

UM CORPO COM ASAS

Neste capítulo Alves fala da metamorfose por que passamos ao longo de nossa existência, que influenciam nossa percepção de mundo e nossa visão ante a vida, como a transformação de uma lagarta em borboleta ou as primeiras palavras proferidas por sua neta. “Quanto mais ricos forem estes universos, maiores serão os

vôos da borboleta, maior será o fascínio, maior será o número de melodias que saberá tocar, maior será a possibilidade de amar, maior será a felicidade.” (p. 58)

Mas Alves questiona que, por vezes, acontece uma metamorfose ao contrário, quando somos levados em nossa trajetória por nossos formadores a vetar nosso poder criativo e de liberdade. “Talvez, por medo, tenhamos abandonado as asas. Talvez, por medo, já não sejamos capazes de voar e sonhar. Gordas lagartas, que não têm coragem de se desprender das seguras folhas onde rastejam...” (p. 58-59)

TUDO O QUE É PESADO FLUTUA NO AR  

Neste capítulo, Alves destaca que o professor é um ser multifacetado, cujas leituras e saberes influenciam o seu cotidiano. “A mesa onde trabalho tem onze gavetas: cinco de cada lado e uma no meio. Nas gavetas laterais eu coloco as idéias que me aparecem, rabiscadas em pedaços de papel, cada uma delas no lugar que lhe pertence. Tem a gaveta da poesia, da psicanálise, das estórias infantis, da educação. Havendo tempo e desejo a gente vai lá, põe tudo em ordem, e a bagunça vira um livro. A gaveta do meio é diferente. Nela eu não arquivo idéias. Guardo objetos, os mais estranhos e inesperados. Por exemplo, um saquinho de bolinhas de gude. Para quê? Não sei. Faz tempo que não jogo gude. (p. 60)

Na correria da vida, com tantas preocupações e problemas, nem sempre se reforça o lado bom da vida, não se aproveita a vida. “O mundo é para ser brincado. Os adultos não sabem, os professores não percebem: o mundinho da menina com as três bolinhas de gude resume tudo o de importante a ser aprendido: a vida é para ser brincada. Tudo o mais que se aprende, geografia, história, física, química, biologia, matemática, são bolinhas de gude: brinquedos, objetos de prazer.” (p. 62)

Alves dá dicas muito interessantes ao educador para levar com mais leveza a vida. “Pode ser qualquer coisa: ler um poema, escutar uma música, cozinhar, jogar xadrez, cultivar uma flor, conversa fiada, tocar flauta, empinar papagaio, nadar, ficar de barriga para o ar olhando as nuvens que navegam, acariciar o corpo da pessoa amada (...)” (p. 62-63)

O autor levanta o quanto é chato quem não leva com leveza a vida. “Pense sobre isto: um chato é uma pessoa que não sabe brincar com o inexistente. É aquela pessoa que, depois de ouvir a piada que faz todo mundo rir, faz a pergunta: Mas isto aconteceu mesmo? Coitado.” (p. 65)

Ao professor, é fundamental que adote esse perfil. “(...) O professor é aquele que ensina a criança a fazer flutuar suas bolinhas de vidro dentro das bolhas de sabão. Tudo o que é pesado flutua no ar.” (p. 65)

AS RECEITAS

Alves destaca neste capítulo a importância do cuidado com o trato pedagógico, uma vez que “O primeiro momento da educação é a transmissão deste saber.” (p. 67)

Para o autor, o conhecimento é repassado pelos mais experientes às gerações mais novas. “As gerações mais velhas ensinam às mais novas as receitas que funcionam. Sei amarrar os meus sapatos automaticamente, sei dar o nó na minha gravata automaticamente: as mãos fazem o seu trabalho com destreza enquanto as ideias andam por outros lugares.” (p. 68)

O que se aprende é lembrado em momentos oportunos da vida, como uma receita que se tem acesso. “Não é coisa que eu tenha inventado. Me foi ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que e objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda.” (p. 70)

Não obstante, Alves ressalta a importância do cuidado que as escolas devem ter para não sedimentarem um passado cristalizado em saber, mas um futuro que se apresenta com uma multiplicidade variante. “Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinar bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não-saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento.” (p. 70)

ENSINAR O QUE NÃO SE SABE

Alves apresenta o cuidado que deve ter o docente em apresentar ao educando a representação da realidade, percepção esta que deverá ser apreendida pelo educando. “E chega o momento quando o Mestre toma o discípulo pela mão, e o leva até o alto da montanha. Atrás, na direção do nascente, se vêem vales, caminhos, florestas, riachos, planícies ermas, aldeias e cidades (...) ele toma rolos de papel que trazia debaixo do braço e os abre diante do discípulo. Aqui se encontra o retrato deste mundo.” (p. 72)

O professor deve reconhecer a liberdade do aluno. “O Mestre sabe que todos os homens são seres alados por nascimento, e que só se esquecem da vocação pelas alturas quando enfeitiçados pelo conhecimento das coisas já sabidas.” (p. 73)

Professor este que não tem todo arcabouço do conhecimento, mas acaba aprendendo muitas vezes junto com o aluno. “Ensinou o que sabia. Agora chegou a hora de ensinar o que não sabe: o desconhecido.” (p. 73)

Mapas e diplomas não são suficientes para se chegar aonde se quer chegar, mas ter em mente o foco onde  se quer alcançar, “Os sonhos são os mapas dos navegantes que procuram novos mundos. Na busca dos seus sonhos você terá de construir um novo saber, que eu mesmo não sei... E os seus pensamentos terão de ser outros, diferentes daqueles que você agora tem.” (p. 74)

Ao educando, deve-se dar a liberdade na busca do conhecimento, que “nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina. Brota das profundezas do corpo, como a água brota das profundezas da terra. Como Mestre só posso então lhe dizer uma coisa: “Conte-me os seus sonhos, para que sonhemos juntos!” (p. 77)

O CARRINHO

Alves relata que ganhou um carrinho, colocado ao lado de materiais de escritório, como caneta, grampeador, cadeira, usados de forma automática, mas somente o carrinho levou o autor a pensar. Pois o carrinho lhe traz lembranças. “Bastou que eu visse a primeira vez para sentir uma emoção, um movimento na alma. Eu o reconheci como morador do mundo das minhas memórias. Ele me fez lembrar e sonhar. Fez cócegas no meu pensamento.” (p. 78)

O carrinho fez o autor recordar seu tempo de infância. “Uma lata de sardinha. A tampa foi dobrada inteligentemente, e assim se produziu a capota. As rodas foram feitas de uma sandália havaiana (...) (p. 78)

Nessa analogia, Alves relata a importância do docente entrar nesse universo de sonhos do aluno para eficiência da aprendizagem. “Se os professores entrassem nos mundos que existem na distração dos seus alunos eles ensinariam melhor. Tornar-se-iam companheiros de sonho e invenção” (p. 80)

Um simples carro feito de uma lata de sardinha mostra o poder criativo e mágico que está nas mãos de uma criança de origem humilde, capaz de pensar e intervir no cotidiano. ““Esta lata de sardinha é o meu carro...” Fez aquilo que um fundador de religiões fez, ao tomar o pão e dizer que o pão era seu corpo. E a lata de sardinha ganhou um outro nome, virou outra coisa. O menino, sem saber, executou uma transformação mágica. Todo ato de criação e magia. O menino dobrou a tampa e se sentou ao volante.” (p. 80)

Alves reforça que sem amor, nenhum conhecimento vem, aspecto que deve ser considerado pelas escolas. “O menino e o seu carrinho resumem tudo o que penso sobre a educação. As escolas: imensas oficinas, ferramentas de todos os tipos, capazes dos maiores milagres. Mas de nada valem para aqueles que não sabem sonhar. Os profissionais da educação pensam que o problema da educação se resolverá com a melhoria das oficinas: mais verbas, mais artefatos técnicos, mais computadores. (ah! o fascínio dos computadores!).” (p. 82)

Para Alves, os professores devem ter essa sensibilidade de reconhecer nos estudantes seres com sonhos e com saberes próprios. “Os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos.” (p. 82)

Lidar com a aprendizagem é lidar com sonhos, os sonhos do aprendiz, e a afetividade do educador. “O menininho sonhava. Como Deus, que do nada criou tudo, ele tomou o nada em suas mãos, e com ele fez o seu carrinho. Imagino que, também como Deus, ele deve ter sorrido de felicidade ao contemplar a obra de suas mãos...” (p. 82)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 3 ed. São Paulo: ARS Poética Editora, 1994.

 

Autor: Francisco Edson do Nascimento Costa

Mestrando de Ciências da Educação - FACEM


Publicado por: Francisco Edson do Nascimento Costa

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