Novo canal do Brasil Escola no
WhatsApp!
Siga agora!
Whatsapp

Percurso gerativo de sentido em um fábula

Clique e saiba como a leitura pode e deve ser ensinada através das concepções advindas da Semiótica Greimasiana.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

A escola exerce papel decisivo na formação do leitor, pois cabe a ela ensinar os caminhos que o aluno deve percorrer para compreender os mistérios envoltos no texto. Desse modo, esse trabalho tem objetivo de explicitar como a leitura pode e deve ser ensinada através das concepções advindas da Semiótica Greimasiana, que são complementadas através de alguns conceitos teóricos de Fiorin (2006) e de Barros (2005).

LEITURA E SEMIÓTICA:

Documentos prescritivos como os PCNs (1998) e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2006) apontam que a função da escola é contribuir como desenvolvimento da cidadania e, também, com a formação de leitores e produtores competentes de textos. Entretanto, através de resultados de exames como o SAEB (2001,2003), observamos que o nível de competência de nossos leitores é deficitário. De acordo com Fiorin (2006), ao focarmos o ensino de leitura e produção textual percebemos que algumas crenças relacionadas com o ensino de língua materna contribuem com a obtenção desses resultados. São elas: - Que os textos devem ser produzidos como se os alunos tivessem algum dom especial ou inspiração divina; - Que o livro didático e o professor são detentores de todo o conhecimento; - Que uma única leitura ou apenas o processo de decodificação são suficientes para que o sentido do texto seja produzido.

Entretanto, felizmente, algumas teorias se mostram eficientes para que essas situações sejam revertidas.

Podemos mencionar, entre outras, a Semiótica, que se preocupa em entender o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz. Essa teoria instrumentaliza o aluno a construir o sentido do texto por meio de um percurso que utiliza as marcas linguísticas presentes no mesmo. Segundo Fiorin (1997, p.22) os textos são narrativas complexas e neles uma série de enunciados de fazer e de ser estão organizados hierarquicamente estruturando-se numa sequência canônica que compreende quatro fases.

Para entender cada uma dessas fases, tomemos como exemplo a famosa fábula "O lobo e cordeiro", de La Fontaine:

O LOBO E O CORDEIRO

Na água limpa de um regato,
matava a sede um cordeiro,
quando, saindo do mato,
veio um lobo carniceiro.

Tinha a barriga vazia,
não comera o dia inteiro.
- Como tu ousas sujar
a água que estou bebendo?
- rosnou o Lobo a antegozar
o almoço. - Fica sabendo
que caro vais me pagar!

- Senhor - falou o Cordeiro -
encareço à Vossa Alteza
que me desculpeis mas acho
que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo
de vós, nesta correnteza,
não posso sujar-vos a água.

- Não importa. Guardo mágoa
de ti, que ano passado,
me destrataste, fingido!
- Mas eu nem tinha nascido.
- Pois então foi teu irmão.

- Não tenho irmão, Excelência.
- Chega de argumentação.
Estou perdendo a paciência!
- Não vos zangueis, desculpai!
- Não foi teu irmão? Foi o teu pai
ou senão foi teu avô.
Disse o Lobo carniceiro.
E ao Cordeiro devorou.

Onde a lei não existe, ao que parece,
a razão do mais forte prevalece.

La Fontaine. "O lobo e o cordeiro".
In: Fábulas. Trad. Ferreira Gullar. Rio de Janeiro, Revan, 1997, p. 12.

Existem vários elementos concretos que compõem esta narrativa (cordeiro, lobo, regato, água etc). No entanto, por baixo desses elementos poderíamos imaginar uma representação de nível mais abstrato: o texto relata uma transformação, ou seja, a passagem de um estado inicial para um estado final. Vejamos como isso ocorre.

Manipulação:

Nas duas primeiras linhas do texto está explícito que o que levou a personagem cordeiro a beber água no regato foi a sede: esta é a manipulação. A manipulação consiste em uma personagem induzir outra a fazer alguma coisa. O manipulador pode usar de vários expedientes para induzir uma personagem a agir: um pedido, uma ordem, uma provocação, uma sedução, um tentação, uma intimidação, etc.

Mas pode-se dizer, numa instância mais abstrata, que a manipulação nessa fábula é a manutenção, por parte do cordeiro, de sua própria vida. Como se vê, o manipulador não precisa necessariamente ser uma personagem isolada (o príncipe, por exemplo), ou uma personagem coletiva (o povo, a pátria, um grupo de pessoas, etc), ou um ser animado (o cachorro fez o gato correr); inanimado (a ponte caiu, o que nos levou a procurar outro caminho) ou uma personagem que imponha a si mesma uma obrigação.

Todavia, para que a manipulação seja eficiente, é necessário que a personagem manipulada queira ou deva fazer (podendo querer e fazer ao mesmo tempo). No caso do cordeiro, ele queria matar a sede e manter-se vivo.

Competência:

A próxima fase seria a competência. Para agir, não basta que a personagem queira ou deva, mas também que saiba e possa. Ilustrando com o exemplo da fábula, podemos dizer que o cordeiro, naturalmente, é presa do lobo na cadeia alimentar. Sendo assim, para desempenhar a função de saciar a própria sede (e de manter-se vivo), o cordeiro deveria livrar-se do lobo, quando este surgiu do mato. Como vimos, o cordeiro tenta argumentar contra o lobo na tentativa de escapar com vida. Esta parte da fábula pode ser considerada como a competência.

Performance:

No entanto, a performance, isto é, o fazer persuasivo do cordeiro para com o lobo, não surte efeito, pois o lobo queria mesmo era devorá-lo, não importando o argumento que o cordeiro usasse. Tendo em vista que, nessa fase do percurso narrativo, geralmente, há sempre uma relação de perda e ganho, o lobo ganhou, o cordeiro perdeu.

Sanção:

Na última linha da fábula narra-se que o cordeiro é devorado pelo lobo. Há aqui a sanção negativa do cordeiro, que se dá com a sua morte.
Em resumo, a personagem cordeiro é manipulada pela vontade de beber água. Esse sujeito (cordeiro) do fazer (beber água/ manter-se vivo) ao se deparar com o lobo (personagem antagonista), precisa adquirir uma competência (tentar persuadir o lobo a não matá-lo). O cordeiro, então, tenta desempenhar essa competência apelando para o bom senso (personagem auxiliar). Cria-se um conflito (o instinto predador do lobo), que não importando qual fosse o argumento usado pelo cordeiro (performance), devora-o.

Chega-se, assim, a uma sanção que é negativa para o cordeiro: sua morte; e positiva para o lobo: sua refeição.

FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 6.ed. São Paulo: Contexto, 1997.
BARROS, D. L. P. Estudos do Discurso. In: FIORIN, L. F. Introdução à Linguística II. Princípios de Análise. 2. ed.  São Paulo: Contexto, 2003,.p. 187-218.
NUNES, Benedito. O Tempo na Narrativa. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1995.p. 16-24.


Publicado por: Ricardo Santos David

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.