PAPEL DA ATIVIDADE FÍSICA NA SAÚDE COGNITIVA
Análise sobre o papel da atividade física na saúde cognitiva.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Por Edinalva Natalina da Silva Pereira.
A atividade física sempre existiu na história da humanidade. Estudos antropológicos e evidências históricas relatam a existência desta prática desde a cultura pré-histórica, como um componente integral da expressão religiosa, social e cultural (1).
Atualmente, o exercício físico é uma necessidade absoluta para o homem, pois com o desenvolvimento científico e tecnológico advindo da revolução industrial e da revolução tecnológica, pela qual passamos, nos deparamos com elevado nível de estresse, ansiedade e sedentarismo que compromete a saúde de boa parte das populações de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Mediante esse quadro, nas últimas décadas tem-se presenciado o crescimento do interesse por parte dos indivíduos e dos profissionais da área de saúde pela atividade física regular (treinamento) como meio de atingir o bem-estar físico e cognitivo (2). Apesar dos efeitos do exercício serem inquestionáveis, aproximadamente 60% dos norte-americanos não se exercitam regularmente enquanto 25% não se exercitam de forma alguma. Dentre os segmentos populacionais que tradicionalmente não se engajam na prática de exercícios físicos incluem os indivíduos idosos (particularmente as mulheres) notadamente aqueles de menor nível educacional, os fumantes e os indivíduos obesos (2).
No Brasil, constatou-se tendência à inatividade física de forma semelhante a observada nos EUA segundo o relatório sobre padrões de vida dos brasileiros, elaborado pelo IBGE (3), indicando que 26% dos homens realizam atividade física regular e somente 12,7% das mulheres estão envolvidas em algum programa de treinamento. Quando se verifica a quantidade de pessoas que se exercitam pelo menos trinta minutos ou mais por dia, no mínimo três dias na semana, encontra-se 10,8% e 5,2% de homens e mulheres respectivamente (3).
Na população da cidade de São Paulo, em levantamento realizado por Mello et al. (2000) (4) sobre a prática de atividade física e distúrbios do sono, encontrou-se nível de atividade física um pouco maior em relação ao restante do território nacional, pois 31,3% dos entrevistados estavam engajados em algum tipo de atividade física, porém somente 36,4% desses indivíduos possuem supervisão de um profissional qualificado. Além disso, esse estudo revelou que o engajamento em programas de treinamento físico é maior em classes sociais mais altas e que pessoas fisicamente ativas apresentam menor índice de queixas a respeito de distúrbios do sono. Os autores destacaram, ainda, a importância da conscientização da população quanto aos benefícios da prática regular e supervisionada de exercícios físicos e a necessidade de uma mudança no estilo de vida sedentário da população da cidade de São Paulo no sentido de diminuir as queixas relacionadas à saúde do indivíduo.
Matsudo et al. (2002)(5), em estudo com a população do Estado de São Paulo, tinham por objetivo investigar o nível de atividade física (NAF) dessa população, levando em consideração gênero, idade, níveis socioeconômico e intelectual. Foram realizadas 2.001 entrevistas com 953 homens e 1.048 mulheres entre 14 e 77 anos selecionados em 29 cidades de grande, médio e pequeno porte no Estado. Utilizando a versão 8 do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) na forma curta para determinar o nível de atividade física, foi encontrado que 45,5% dos homens, 47,3% das mulheres e 46,5% da amostra total são pessoas insuficientemente ativas (sedentários e irregularmente ativos).
Esta condição prevalente do sedentarismo observada na população em geral, notadamente nos mais idosos, representa uma séria ameaça para o organismo, estimulando o surgimento de doenças crônico-degenerativas, transtorno de humor, diminuindo as funções fisiológicas e cognitivas, provocando imunossupressão, piora do perfil lipídico, glicêmico e da qualidade do sono(6-8). Além disso, o sedentarismo diminui a autoestima, aumentando a ansiedade; podendo ainda contribuir para o agravamento de quadros de depressão (9).
Fatores de risco como o tabagismo, hábitos alimentares inadequados, etilismo, estresse emocional e problemas cognitivos também estão relacionados com a inatividade física (6), de modo que aproximadamente 250.000 vidas são perdidas anualmente em razão do estilo de vida sedentário (10). Nesse sentido, Breslow et al. (1980)(11) apresentaram uma lista de hábitos associados com a saúde e longevidade que, incluindo a prática regular de exercício físico, poderiam adicionar entre sete e 11 anos na vida de uma pessoa.
Assim, a adoção de melhores hábitos de vida representa uma economia importante para os cofres públicos na medida em que se diminui a procura por atendimento em postos de saúde e hospitais da rede pública. Dessa forma, o incentivo à prática de exercício físico regular deveria ser rotina na configuração das políticas públicas de saúde no presente e no futuro, bem como a conscientização de toda população em relação à essas práticas e sua interferência nas funções cognitivas dos indivíduos.
Papel da atividade física na saúde(função) cognitiva
Entende-se por função cognitiva ou sistema funcional cognitivo as fases do processo de informação, como percepção, aprendizagem, memória, atenção, vigilância, raciocínio e solução de problemas. Além disso, o funcionamento psicomotor (tempo de reação, tempo de movimento, velocidade de desempenho) tem sido frequentemente incluído neste conceito (12,13).
Embora essas funções cognitivas sejam afetadas negativamente pela idade, pois a partir da terceira década de vida ocorre perda de neurônios com concomitante declínio da performance cognitiva (14), os processos baseados em habilidades cristalizadas, como conhecimento verbal e compreensão continuam mantidos ou melhoram com o envelhecimento. Em contrapartida, processos baseados em habilidades fluidas, tais como tarefas aprendidas, mas não executadas, sofrem declínio (15).
Colcombe et al. (2003) (14) encontraram declínios importantes na densidade de tecidos neurais em função do envelhecimento no córtex frontal, parietal e temporal. Isso pode ser justificado em razão de uma quebra do equilíbrio entre a lesão e o reparo neuronal. O cérebro é sensível a inúmeros fatores que resultam em danos às redes neurais. De forma similar aos outros tecidos, ele possui a capacidade de autopreparação/auto adaptação, ou mesmo uma compensação pela perda de neurônios e interrupções na arquitetura neural. Quando ocorre um desequilíbrio entre lesão neuronal e reparação, essa capacidade de plasticidade neuronal é prejudicada, estabelecendo-se então o envelhecimento cerebral e a demência (16).
Ao longo da última década foram identificados alguns fatores de risco que podem aumentar a predisposição de um indivíduo ao prejuízo cognitivo. Dentre esses fatores destacam-se idade, gênero, histórico familiar, trauma craniano, nível educacional, tabagismo, etilismo, estresse mental, aspectos nutricionais e socialização. Mais recentemente fatores que podem ser revertidos ou atenuado pelo exercício físico (17), tais como as doenças crônico-degenerativas, hipercolesterolemia e aumento na concentração plasmática de fibrinogênio e o sedentarismo, estão sendo associados ao maior risco de declínio cognitivo (18).
Os motivos que levam ao surgimento do déficit cognitivo ao longo dos anos ainda não estão bem estabelecidos; todavia, algumas propostas têm sido levantadas, dentre elas a redução da velocidade no processamento de informações, decréscimo de atenção, déficit sensorial, redução da capacidade de memória de trabalho, prejuízo na função do lobo frontal e na função neurotransmissora, além da deterioração da circulação sanguínea central e da barreira hematoencefálica (15,19).
Interferência do exercício físico no desempenho cognitivo:
O exercício físico pode interferir no desempenho cognitivo por diversos motivos:
a) em função do aumento nos níveis dos neurotransmissores e por mudanças em estruturas cerebrais (isso seria evidenciado na comparação de indivíduos fisicamente ativos x sedentários);
b) pela melhora cognitiva observada em indivíduos com prejuízo mental (baseado na comparação com indivíduos saudáveis);
c) na melhora limitada obtida por indivíduos idosos, em função de uma menor flexibilidade mental/atencional quando comparados com um grupo jovem.
A ação do exercício físico sobre a função cognitiva pode ser direta ou indireta. Os mecanismos que agem diretamente, aumentando a velocidade do processamento cognitivo, seriam uma melhora na circulação cerebral e alteração na síntese e degradação de neurotransmissores. Além dos mecanismos diretos, outros como diminuição da pressão arterial, decréscimo dos níveis de triglicérides no plasma sanguíneo e inibição da agregação plaquetária parecem agir indiretamente, melhorando essas funções e também a capacidade funcional geral, refletindo-se desta maneira no aumento da qualidade de vida.
Além disso, estudiosos tem sugerido alguns mecanismos que seriam responsáveis por mediar os efeitos do exercício sobre as funções cognitivas. Para a síntese, ação e metabolismo de neurotransmissores, é indispensável o aporte de quantidades adequadas de substratos para essas reações. Dessa forma, acredita-se que o exercício físico poderia aumentar o fluxo sanguíneo cerebral e, consequentemente, de oxigênio e outros substratos energéticos, proporcionando assim a melhora da função cognitiva. Outra hipótese que tem sido formulada diz respeito aos efeitos do estresse oxidativo sobre o Sistema Nervoso Central, de modo que a prática de exercício físico aeróbico poderia aumentar a atividade de enzimas antioxidantes de forma semelhante ao que acontece em outros tecidos como no músculo esquelético, aumentando a capacidade de defesa contra os danos provocados por espécies reativas de oxigênio.
Além disso, não pode ser descartada a hipótese de que o exercício físico, por si só, aumenta a liberação de diversos neurotransmissores como aumento nas concentrações de norepinefrina e seus precursores, aumento nas concentrações de serotonina e ß-endorfinas após uma sessão aguda de exercício. Mesmo após um período de treinamento, uma sessão aguda de exercício aumenta a concentração de norepinefrina em seres humanos e outros animais. Esses achados são importantes, pois estudos em roedores têm demonstrado que a elevada concentração plasmática de norepinefrina está relacionada a uma melhor memória.
Por outro lado, é possível que a atividade física regular influencie a plasticidade cerebral. Estudos demonstraram que o exercício físico aumenta a densidade vascular no córtex cerebelar de roedores submetidos a exercício físico, além de manter a integridade cerebrovascular, evitando a diminuição da circulação cerebral por efeitos adversos. Embora os benefícios cognitivos de um estilo de vida ativo pareçam estar relacionados aos níveis de atividades físicas exercidos durante toda a vida, sugerindo uma “reserva cognitiva”, nunca é tarde para iniciar um programa de exercícios físicos. Esses fatores associados contribuem para uma melhor condição mental de superação das crises e problemas do dia a dia.
Referências:
Nazaré Oliveira, Eliany , Aguiar, Rômulo Carlos de , Oliveira de Almeida, Maria Tereza , Cordeiro Eloia, Sara , Queiroz Lira Tâmia . Benefícios da Atividade Física para Saúde Mental. Saúde Coletiva [en linea]. 2011, 8(50), 126-130[fecha de Consulta 13 de Octubre de 2023]. versão impressa ISSN: 1806-3365. Disponible en: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84217984006
1. US Department of Health and Human Services. Surgeon General's report on physical activity and health. From the Centers for Disease Control and Prevention. JAMA 1996;276:522.
2. Kig AC, Martin JE. Aderência ao exercício. In: Blair SN, editor. American College of Sport Medicine (ACSM). Prova de esforço e prescrição de exercício. Rio de Janeiro: Revinter, 1994.
3IBGE, Pesquisa sobre padrões de vida 1996-1997. Rio de Janeiro, IBGE, 1999. OU Fundação IBGE – Informações estatísticas e geocientíficas – contagem da população (2000) [HTTP]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br
4. Mello MT, Fernandez AC, Tufik S. Levantamento epidemiológico da prática de atividade física na cidade de São Paulo. Rev Bras Med Esporte 2000;6:119-24.
5. Matsudo SMM, Matsudo VR, Araújo T, Andrade D, Andrade E, Oliveira L, et al. Nível de atividade física da população do Estado de São Paulo: análise de acordo com o gênero, idade, nível socioeconômico, distribuição geográfica e de conhecimento. Rev Bras Ciência e Movimento 2002;10:41-50.
6. Nieman DC. Exercício e saúde. São Paulo: Manole, 1999.
7. Wilmore JH, Costil D. Fisiologia do esporte e do exercício. São Paulo: Manole, 2001.
8. Mcardle WD, Katch FI, Katch VL. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 4Ş ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
9. American College of Sports Medicine, Guidelines for exercise testing and prescription. 5th rev. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000.
10. Pate RR, Pratt M, Blair SN, Haskell WL, Macera CA, Bouchard C, et al. Physical activity and public health. A recommendation from the Centers for Disease Control and Prevention and the American College of Sports Medicine. JAMA 1995; 273:402-7.
11. Breslow L, Enstrom JE. Persistence of health habits and their relationship to mortality. Prev Med 1980;9:469-83.
12. Chodzko-Zajko WJ, Moore KA. Physical fitness and cognitive functioning in aging. Exerc Sport Sci Rev 1994;22:195-220.
13. Suutuama T, Ruoppila I. Associations between cognitive functioning and physical activity in two 5-year follow-up studies of older finish persons. J Aging Phys Act 1998;6:169-83.
14. Colcombe SJ, Erickson KI, Raz N, Webb AG, Cohen NJ, McAuley E, et al. Aerobic fitness reduces brain tissue loss in aging humans. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2003;58:176-80.
15. Kramer AF, Willis SL. Enhancing the cognitive vitality of older adults. Curr Direc Psychol Science 2002;11:173-7.
16. Ball LJ, Birge SJ. Prevention of brain aging and dementia. Clin Geriatr Med 2002; 18:485-503.
17. Chodzko-Zajko WJ. Physical fitness, cognitive performance, and aging. Med Sci Sports Exerc 1991;23:868-72.
18. Schuit AJ, Feskens EJ, Launer LJ, Kromhout D. Physical activity and cognitive decline, the role of the apolipoprotein e4 allele. Med Sci Sports Exerc 2001;33: 772-7.
19. James D, Coyle C. Physical exercise, IQ scores and working memory in older adult men. Education & Ageing 1998;13:37-48.
Publicado por: Edinalva Natalina Severina da Silva Pereira
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