O corpo nosso de cada dia
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APRESENTAÇÃO
Conheça a ti mesmo. Estas palavras, proferidas inicialmente por Sócrates, foram depois escritas por Aristóteles nas paredes do templo de Delfos, na Grécia do século V antes de Cristo. Constituem a gênese de todo o saber. Contudo, como sempre foi, o homem continua ainda hoje sem querer se conhecer.
Muito se fala sobre o homem. Em seu nome, ao longo da história, foram criados doutrinas, religiões, ciências, sistemas políticos e filosofias. Contudo, poucos conseguiram até hoje dizer o que o homem significa, qual a sua essência, quais suas necessidades, quem ou o que ele realmente é. E acabaram, por fim, se transformando em paradigmas de opressão e sofrimento.
Durante muito tempo, algo no interior das sociedades humanas tem impedido o homem de visualizar a si mesmo. O processo pelo qual os seres humanos têm exilado suas emoções de seus corpos e seus corpos de suas vidas foi sempre um grande mistério. Com o esparrame dos conceitos freudianos pelo mundo a partir do início do século XX, a possibilidade de um autoconhecimento pôde ser proclamada numa perspectiva científica. Antes, Marx, a partir do início do século XIX, já havia denunciado, cientificamente, a existência de um mundo construído de forma desigual entre homens dominados e homens dominadores, iluminando os caminhos rumo a uma possível desconstrução das desigualdades sociais.
Findado o século XX, percebemos que ele assistiu a poucos dias de paz. Guerras sangrentas, atentados terroristas, genocídios e injustiças sociais, as mais variadas, foram o cotidiano de um século marcado pela violência e pela opressão. Tanto as descobertas freudianas como as marxistas mostraram-se ineficazes na tarefa difícil de erradicar da humanidade a miséria que a assola. Há motivos para ficarmos céticos. Entretanto, a vida é uma grávida de possibilidades.
Do mesmo modo que as descobertas científicas de Marx fundaram um paradigma científico para se entender o mundo e a realidade, também as descobertas freudianas nos são imprescindíveis ao entendimento dos conflitos humanos. As idéias de Freud sobre o inconsciente, por exemplo, como receptáculo de material psíquico exilado da consciência por ser incompatível com as normas e regras morais de convívio em sociedade, inauguraram uma nova concepção do ser humano. Contrariando a idéia corrente na época, segundo o predomínio da razão, a afirmação de que o comportamento humano não é tão dirigido pela consciência quanto o é por poderosas forças emocionais oriundas de uma região obscura da mente, o inconsciente, escandalizou e provocou debates acirrados, transformando-se, aos poucos, no embrião de uma nova compreensão da anatomia fisiológica do comportamento do animal humano em suas relações sociais.
Para Freud, os seres humanos aprendem o mundo à sua volta, desde a mais tenra infância, imitando comportamentos e adaptando-se às exigências do meio que é capaz de perceber, mesmo que aquilo que vê ou sente seja antagônico às suas necessidades. Quando adulto, o indivíduo que adotou para si normas e regras comportamentais repressoras, imitando e adaptando-se, irá projetar sobre as crianças aquilo que aprendeu, com o objetivo de sentir-se seguro.
O indivíduo que é obrigado a renunciar às suas necessidades de prazer, sofre danos psíquicos irreparáveis que variam de intensidade, de acordo com a rigorosidade da renúncia exigida e/ou segundo a importância para o indivíduo do prazer ao qual se viu obrigado a renunciar. O medo retira do consciente a lembrança das emoções (impulsos instintivo) reprimidas, banindo-as para o inconsciente.
Se alguém está triste chora; se está alegre, sorri; se está zangado, agride; se está com medo, foge. Mas quando as emoções são inconciliáveis com as regras sociais de conduta, elas são impedidas de se realizar e ficam armazenadas secretamente, podendo ser descarregadas, inconscientemente, a qualquer momento, sob a forma de atitudes incoerentes e irracionais (neuroses), geralmente destrutivas, como é o caso do sadismo e/ou das compulsões. Dito de outro modo, quando os impulsos de prazer são reprimidos, há fogo na lareira, mas a chaminé está obstruída: o fogo não se apaga, então, a fumaça invade e inunda a sala, espalhando-se pela casa toda para, finalmente, vasar por uma janela dos fundos que se encontra entreaberta. A neurose, acompanhada ou não de sintomas psicossomáticos, é a fumaça saindo pelo lugar errado. Mesmo emoções aparentemente inofensivas para a moral social, quando não encontram conciliação favorável com as regras sociais de conduta, têm no inconsciente seu destino derradeiro. Assim, podemos dizer que atitudes realizadas sem motivo aparente são emoções oriundas do inconsciente reprimido que, por algum motivo, conseguem, momentaneamente, salvo conduto à consciência.
O homem tem sido maltratado brutalmente em praticamente todas as tradições sociais, econômicas e religiosas. Vive-se (ou sobrevive-se) num conflito interminável entre os desejos do “corpo” e as exigências de uma presumível boa educação. Em prol de um desastroso conjunto de normas e regras hipócritas do convívio social, todo ser humano civilizado aprende, desde muito pequeno, a realizar uma renúncia rigorosa aos seus sentimentos mais profundos, naturais e sadios, principalmente aqueles historicamente associados à sexualidade e/ou à sensualidade (prazer de todo o corpo). Como citou Rousseau (1712 – 1778), em seu Contrato Social, O homem nasce livre, e não obstante, está acorrentado por toda parte. Julga-se senhor dos outros, mas é, ainda, mais escravo do que eles. Como se tem realizado essa transformação? Eu não sei.
A menos que consigamos responder satisfatoriamente a esta questão, toda procura por emancipação humana será vã.
O CORPO POR INTEIRO. VAMOS ENTRAR?
No primeiro período áureo da arte humana, aproximadamente há 40 mil anos atrás, os artistas rupestres desenharam nas paredes das cavernas onde moravam uma grande variedade de animais com grande maestria. Porém, as figuras humanas, já nesse período, eram muito raras e bastante esquemáticas. Mesmo aqueles nossos distantes ancestrais não se interessavam por eles mesmos. Existiam projetados nas coisas. A tradição resistiu e hoje, percebemos que os que se dizem interessados em conhecer o homem, na verdade não gostam de olhar para figuras de anatomia ou corpos nus.
Comecemos, então, readmitindo o homem por inteiro. Um homem que não se restrinja a uma análise puramente sociológica ou, de viés, puramente biológica. Um homem possuidor de instintos. Instintos que são moldados pelas relações sociais. Façamos uma análise que, de início, recorde as origens do ser humano. Uma análise que considere o homem como parte integrante da vida na Terra.
O corpo humano carrega consigo uma herança biológica de 3,5 bilhões de anos, que é a idade da vida em nosso planeta. São bilhões de espécies ancestrais - a maioria extinta - presentes nos cromossomos de suas células, produzindo gostos, conduzindo desejos, interferindo nos seus comportamentos e tomadas de decisões cotidianas. Negar a força e a intensidade dos instintos, isto é, dos desejos e medos que nascem com o indivíduo, é negar a própria vida. E, para aqueles que insistem em considerar o ser humano tão somente pela via sociológica, entendendo que todas as suas manifestações são omnilateralmente culturais, isto é, o produto daquilo que o homem foi capaz de aprender nas suas relações sociais, queremos lançar a seguinte questão: o que leva um bebê recém-nascido (que não teve oportunidade, ainda, de aprender nada em sociedade) a buscar o seio materno logo após o nascimento? Ou, ainda, o feto, visualizado no exame de ultra-sonografia, a sugar o próprio dedo? A resposta está clara para nós. É o instinto, senhores. Instinto este que passa a ser duramente repreendido, negado, maltratado, perseguido e anulado das mais variadas formas possíveis, tão logo a criança possa ser alvo da boa educação que as normas e regras sociais exigem que os pais ajustados socialmente releguem a seus filhos. Mas, qual será a função da repressão dos instintos? Qual terá sido sua gênese e o que pôde legitimá-la ao longo dos dez mil anos de civilização? Cremos poder responder a esta questão.
A vida é um maravilhoso e ininterrupto milagre. Sabemos que ela não existiria se não existisse o átomo de carbono, e se ele não tivesse essa sua capacidade de juntar-se a outros átomos de carbono um quase incontável número de vezes. As grandes moléculas de proteína têm um peso molecular da ordem de milhões. Essas moléculas (submicroscópicas) já são quase um universo em si mesmas, contendo, inclusive partes móveis, como se fossem máquinas muito pequenas.
O átomo de carbono surge no universo quando três átomos de hélio, perdidos no espaço, colidem no mesmo ponto, demorando a reação cerca de um milionésimo de segundo. Imaginemos a imensa improbabilidade dessa colisão tripla, e poderemos concluir que o átomo de carbono, em si, já configura um milagre. Somos feitos, na verdade de um número imenso de milagres atômicos. O próprio átomo é uma maravilha em si. Se tivesse o tamanho da Terra, suas partes teriam as seguintes proporções: o núcleo seria do tamanho comparável ao de uma laranja e os elétrons teriam o tamanho de pequenos grãos de areia. O resto é vazio. Em suma, somos compostos de vazio. Um vazio ocupado pela energia antagônica entre elétrons e núcleo. Somos, então, feitos de espaços quase vazios ocupados por energia.
A bioquímica do organismo humano envolve um fantástico número de substâncias, a maioria desconhecida. Uma célula hepática (do fígado), por exemplo, é um laboratório incomparavelmente mais complexo e sofisticado do que todas as indústrias químicas reunidas. Poderíamos pensar que esta declaração vale somente para a variedade de produtos e reações, mas, na verdade, ela vale também para a quantidade. O ATP (trifosfato de adenosina), produzido, diariamente, por todas as células do mundo, na certa, daria para encher os porões de todo um comboio de navios.
Nosso corpo é formado por um grande número de substâncias, a maior parte delas produzidas em seu interior a partir dos alimentos, do oxigênio e da água. Didaticamente, podemos classificar essas substâncias em grupos diferentes: aquelas que estão sendo sintetizadas como elementos estruturais do corpo; e aquelas que são sintetizadas ou decompostas, para liberação ou armazenamento de energia para as atividades corporais. Em suma, nosso corpo é formado por substâncias que vão surgindo pela decomposição de nossa estrutura, ou pelo uso de energia (na produção de movimentos, secreções, absorções ou eliminações seletivas e mais). Assim, podemos dizer que nosso organismo é uma imensa usina química. As ideologias alternativas que se espalham e se reproduzem a uma velocidade vertiginosa, ao falar dos produtos em conserva, dos pesticidas, dos adubos, dos produtos agrícolas trangênicos, fazem uma condenação generalizada de tudo que é químico. Deixemos claro que a química é um dos níveis mais elementares da existência. Sem ela a vida não poderia existir.
A bioquímica é uma ciência difícil porque todas as substâncias que estuda estão muito juntas e, ao mesmo tempo, separadas por membranas finíssimas e muito delicadas que delimitam espaços microscópicos. Nem por isso deve ser banalizada com generalizações ignorantes. Tomemos cuidados com tudo o que generaliza, uniformiza ou massifica, para que não sejemos inocentes úteis, e utilizáveis por algum sistema de poder e dominação que se camufle por trás de boas intenções.
Todos os organismos vivos usam o mesmo princípio dos vegetais a fim de melhor aproveitar a energia solar. As plantas abrem-se numa colossal superfície verde formada pela soma das áreas de todas as folhas da planta. Nosso pulmão, por sua vez, é idêntico a uma árvore cujo tronco é a traquéia, que vai se dividindo num número imenso de ramos, na extremidade dos quais estão os alvéolos pulmonares. Estes são pequenas vesículas constituídas por uma parede delgadíssima com ar em uma das faces e uma rede sanguínea densa na outra face. Cada um dos nossos 3 milhões de alvéolos pulmonares, cujo diâmetro médio está próximo de um décimo de milímetro, está revestido por cerca de mil fragmentos de capilares sanguíneos. Caso pudéssemos forrar o chão com os alvéolos pulmonares de uma só pessoa, obteríamos uma superfície quase igual ã de uma quadra de tênis, isto é, cerca de 100 metros quadrados. Esta fantástica superfície está contida no tórax de cada ser humano.
A cada instante somos outro. Segundo Heráclito de Éfeso (tido como o “pai da dialética”), que viveu entre 540 a 480 anos antes de Cristo, considerado o “pai da filosofia dialética”, “nenhum homem se banhará seguidas vezes no mesmo rio. Isso porque na segunda vez eles já não serão mais os mesmos. Ambos terão mudado”. Continuadamente, estão ocorrendo por todo o organismo, transformações de substâncias que não duram mais que poucas frações de segundo. Consideremos o esqueleto humano. Somos tentados a imaginar que aos vinte e pouco anos de idade ele adquire seu tamanho definitivo e que depois disso não muda mais. Nada mais equivocado. O esqueleto está sendo continuamente destruído e reconstruído. Se, num acidente, um osso da perna for quebrado, e tiver que ficar engessado por dois meses, o esqueleto, sujeito a esforços diferentes dos habituais, irá mudar de estrutura anatômica. Podemos verificar esse fato através de radiografias sucessivas. Quatro ou cinco meses depois do acidente, o esqueleto volta a mostrar a mesma estrutura fina de antes do acidente. Isso se o acidente não deixar a perna com defeito.
Consideremos um outro exemplo, o dos glóbulos vermelhos. Eles funcionam como vesículas de transporte de gases respiratórios e temos “sangue novo” a cada dois ou três meses! Existem cerca de 5 milhões de glóbulos vermelhos em cada milímetro cúbico de sangue. Se calcularmos a superfície total dos glóbulos vermelhos em cada pessoa verificaremos que, em 5 litros de sangue (esta é a quantia de sangue que um indivíduo adulto tem no corpo), a área de troca gasosa é de 2.500 metros quadrados. Este número, em relação ao volume dos órgãos é, deveras, astronômico. Se considerarmos que uma área igual à de uma quadra de tênis está contida em nosso tórax, então constataremos uma velha e simpática declaração filosófica: o microcosmo reproduz o macrocosmo tão bem como um fantástico computador analógico miniaturizado. Na verdade, o microcosmo deve ser bem mais complexo do que o macrocosmo. As moléculas das substâncias vivas são, como já dissemos, bem mais complexas do que as moléculas das substâncias inanimadas.
Ainda sobre o pulmão, precisamos dizer que além da árvore já descrita, ele possui, ainda, uma árvore venosa, uma árvore arterial, uma árvore linfática e uma outra nervosa. Igualmente, o fígado e o rim obedecem a esta forma de arquitetura. Todas as suas células estão distribuídas ao longo e em volta de mil canalículos dispostos como galho de uma árvore. Além disso, estes e os outros órgãos do corpo humano, compreendem sempre uma árvore vascular (veias, artérias e linfáticos) e uma nervosa. Sem falar na grande árvore arterial, mais a venosa, que constituem o principal de nosso Sistema Circulatório.
A estrutura geral do corpo é esta, primeiro por ser a que permite o maior número de superfícies ativas no menor volume possível. Segundo, porque todas as células necessitam estar a distâncias de, no máximo, fração de milímetro de um capilar sanguíneo, caso contrário, a difusão de substâncias vitais a partir dos capilares seria insuficiente para alimentar as células.
Digamos, agora, alguma coisa sobre os bilhões e bilhões de celazinhas (células) de que somos feitos. Elas são gotinhas viscosas de uns poucos milésimos de milímetro. Neste pequenino espaço, porém, funcionam todas as estruturas básicas da vida. Cada célula é, antes de tudo, uma esponja com mil delicadas paredes delimitando um incontável número de canais e lagos. Além disso, a maior parte das pequeninas estruturas e orgânulos que podem ser vistos nas células, na verdade, não fazem parte dela. Em particular, as mitocôndrias são formas primitivas de vida (procariontes) que acharam por bem conviver em benefício do todo (vivendo em simbiose com as células). As mitocôndrias podem viver fora das células, mas as células não podem viver sem mitocôndrias. Ainda mais: as mitocôndrias são as únicas estruturas da célula animal capazes de utilizar o oxigênio para com ele produzir o ATP (combustível universal da célula viva). Curiosamente, podemos considerar que não somos nós que respiramos, mas que são as mitocôndrias que respiram por nós. Embora minúsculas, a soma de todas as mitocôndrias do corpo humano constituem cerca da metade do peso de nossas proteínas. Portanto, uma boa parte de nosso corpo não é bem “nossa”.
Mas, a história do oxigênio e sua relação com a vida não param aí. A atmosfera original de nosso planeta era essencialmente constituída de metano, hidrogênio, amônia,ácido sulfídrico e demais gases tóxicos aos seres vivos. Com o aparecimento das algas verdes, começou a fotossíntese, o processo pelo qual os vegetais aproveitam a energia do sol e o carbono do gás carbônico do ar para produzir substâncias orgânicas, liberando oxigênio no processo. Foi a fotossíntese que originou TODO o oxigênio do planeta. Assim, paradoxalmente, as formas mais “humildes” de vida da Terra prepararam a vinda das formas de vida mais sofisticadas.
Somos filhos do sol, da água e do ar. Esses são nossos “deuses” da natureza. Eles não estão somente fora do corpo. Dois terços do peso de um homem é de água. Ela está dividida, em nosso corpo, em três compartimentos: cerca de 20% no aparelho circulatório; 50% dentro das células e 30% formando o grande lago intersticial que banha todas as células e que se renova continua e lentamente às custas da circulação linfática. Sabidamente, a vida nasceu na água e ainda hoje não pode ser compreendida sem ela. Em meios muito secos a vida morre ou se encasula passando a existir em um estado de vida latente.
Na água de nosso corpo existem numerosos outros produtos, como os sais minerais, necessários à realização de processos bioelétricos. Nossos líquidos são eletricamente ativos e o equilíbrio entre as partículas elétricas (íons) dissolvidas neles é essencial para que ocorram todos o fenômenos necessários à manutenção da vida. Basta um desequilíbrio ligeiro na ionização de nossos líquidos para que a vida deixe de existir. Os procedimentos que regulam a concentração destas soluções, na verdade, são numerosos, engenhosos, sutis e seguros. Um dos fantásticos milagres da vida é sua capacidade magistral de manter separados , em compartimentos microscópicos muito próximos uns dos outros, soluções orgânicas muito diferentes,porém com uma composição iônica (elétrica) praticamente igual em todos os compartimentos.
Outra capacidade magistral da vida é sua capacidade de realizar combustões em ritmo muitíssimo lento, ou em cascata. Se os açúcares de nosso organismo fossem queimados todos de uma só vez o corpo todo entraria em combustão. Não podendo queimar seu combustível principal (o carboidrato, ou açúcar) de uma só vez,a vida desenvolveu processos longos e complicados pelos quais as moléculas de açúcar são decompostas pedaço por pedaço e, assim, queimado em várias etapas, liberando uma pequena quantidade de energia em cada uma delas. As vitaminas do complexo B e a vitamina C são importantes porque elas fazem parte dos “degraus´ que permitem um aproveitamento gradativo da energia produzida. São verdadeiras engrenagens do metabolismo celular, isto é, atuam compondo ou decompondo substâncias, vagarosamente”.
Os espaços intersticiais de nosso corpo formam uma verdadeira esponja microscópica, na qual a circulação de líquidos é lenta. É devido a esta disposição que a massagem se mostra um processo invariavelmente benéfico.E o exercício físico também.
A massagem espreme e solta numerosas vezes esta esponja líquida que é a célula. Assim, se consegue uma renovação dos líquidos celulares muito mais rapidamente. A atividade física, ou mais exatamente, as contrações musculares, exercem um efeito de automassagem no sentido duplo: o músculo não só massageia a si próprio quando de suas contrações e relaxamentos consecutivos,como também massageia os tecidos periféricos ao se avolumar pela contração.
Na verdade, a microcirculação, justamente a que se processas nesse lago intersticial, vem se most6rando um fator extraordinari9amente importante na determinação da saúde ou da doença. Pode-se dizer que os males da vida sedentária e com pouca movimentação corporal são os principais responsáveis pela maio9r parte das moléstias crônicas que sofremos. Sabe-se que a doença nasce sempre da união de um ou mais agentes agressivos ao organismo – ou de uma resposta orgânica. Os médicos falam de um “terreno mórbido” ou de uma “predisposição patológica” que facilitaria a instalação de doenças em nosso corpo. O principal fator do terreno ou da disposição mórbida é a microcirculação deficiente. Ativá-la, portanto, é um elemento essencial em qualquer programa de saúde ou de profilaxia (prevenção de doenças).
Agora, consideremos o cérebro. Dez bilhões de neurônios (células nervosas), cada um deles Mantendo comunicação com dezenas ou centenas de milhares de outros. Todos numa atividade incessante, como se pode confirmar no eletroencefalograma.
Se quisermos uma pálida imagem do que seja o funcionamento cerebral, então vamos imaginar que estamos no alto de uma montanha numa noite fria de céu limpo, contemplando as estrelas. Ainda estamos longe de 10 bilhões, mas o céu estrelado já serve para termos uma impressão sobre o funcionamento cerebral. A todo instante as estrelas mudam de intensidade e brilho.No cérebro é igual. O cérebro é percorrido por ondas de lampejamentos, como se fossem anúncios luminosos do tamanho do céu e com 10 bilhões de luzinhas. Também podemos comparar estes padrões de cintilações às figuras formadas nos grandes painéis, usados originalmente nas Olimpíadas de Moscou. A cada instante uma figura nova. A palavra instante aqui quer dizer de um décimo a um milésimo de segundo. Cada neurônio consegue emitir, no máximo, mil excitações por segundo.
A diferença básica entre o elemento do computador e o neurônio é que cada resposta do neurônio resulta da soma algébrica de todos os impulsos de excitação e de inibição que ele está recebendo a todo o tempo, tendo, a cada instante, a condição de receber, organizar e emitir milhares de impulsos, ou alternativa. Enquanto o computador só trabalha com as variáveis sim ou não.
O cérebro não dorme nunca. O zumbido interminável das incessantes atividades desta gigantesca colméia contida na caixa craniana (um litro e meio de volume) está ligado a tudo o que percebemos a cada instante, seja fora de nós ou dentro.
Estamos a todo instante vendo, sentindo, percebendo e ouvi9ndo coisas. Cada gesto, cada onda de movimento, cada toque na pele. Além disso, freqüentemente somos tomados por ondas de humor, por diferentes formas de sentimentos, agradáveis ou desagradáveis, vagas ou claras Percepções de medo, raiva, prazer, tristeza, amor, alegria, e tantas outras emoções. De acordo com os estudiosos, nossas emoções possuem uma intima relação com nossas funções orgânicas – com o sistema nervoso vegetativo.
O sistema nervoso vegetativo é responsável pelas funções autônomas de nossas vísceras. Isto quer dizer que seu funcionamento independe de nossa vontade. Assim também é com nossas emoções e sentimentos. O medo e a raiva, produzidos e regulados pelo sistema nervoso simpático (parte do sistema nervoso vegetativo) fazem parte do grande momento biológico de ataque-e-fuga. O encontro biológico entre espécies diferentes, muitas vezes é de vida ou morte. Morre quem está menos atento, ou que não tem forças suficientes para lutar.
Todos os animais têm um regime de vida moderado, suficiente para as condições usuais de existência, e um regime máximo, que se instala precisamente nos momentos de luta pela sobrevivência, quando a vida é ameaçada. Os perigos da selva são bem diferentes dos perigos da vida social. A vida social é muito mais cheia de regras convencionais de comportamento do que de perigos ameaçadores, de feras ou predadores.
Segundo Freud (Psicanálise), a angústia (medo sem motivo evidente) é o primeiro motor de toda a atividade humana. A angústia, na visão de moreno (Psicodrama) e na visão de Pearls (Gestalterapia) é, invariavelmente, medo de entrar em cena, de entrar em ação.
Consideremos um coelho na selva, perseguido por um gato selvagem. Enquanto o coelho estiver correndo, estará usando o excedente de energia que se liberou nele pela percepção do perigo eminente, da ameaça à sua vida. No momento em que entrar numa toca segura, ele irá sentir, de início, uma angústia muito intensa. Toda a preparação visceral para a luta e para a fuga perdeu o sentido. Não há mais necessidade de fuga ou de luta.
Neste sentido, um bom conselho a uma pessoa profundamente angustiada,temendo um ataque qualquer a cada instante, seria o seguinte: dê uma desabalada corrida em torno do quarteirão, de preferência gritando (para desbloquear a respiração previamente presa). Os visinhos poderão estranhar, mas é garantia de uma sensação muito melhor. Se a pessoa puser um tênis e não gritar, todos pesarão que se trata de uma atividade física. Se a angústia é proveniente de uma briga em família, o negócio é propor para seu “inimigo” uma luta corpo a corpo. Mas, para evitar machucaduras indesejáveis, combine o seguinte: tudo em câmara lenta, mas com toda a força possível. Esta é uma boa forma de consumir a energia que se acumulou sem se realizar e evitar o desconforto emocional de emoções “entaladas”.
A razão desses conselhos é a seguinte: nosso sistema de emergência, uma vez posto em ação, não pode ser freado em poucos instantes.l O estado de alerta depende da adrenalina e esta circula no sangue muitos minutos após ter sido injetada na corrente sanguínea pelas glândulas do alerta : as supra-renais. Daí a importância de sempre que se estiver na iminência de “estourar”, realizar movimentos corporais amplos, intensos e/ou rápidos, isto é, desabafar. O movimento corporal funciona como uma espécie de válvula de escape às tensões emocionais acumuladas. Assim, podemos dissipar o excedente da preparação automática que o corpo realizou para a luta – e que não foi usada.
Mas é claro que medo e raiva não são nossas únicas emoções. Existem pelo menos duas outras: a tristeza e o amor. Estas duas emoções primárias (instintivas) dependem, principalmente, do sistema nervoso parassimpático, que funciona em antagonismo dialético ao sistema nervoso simpático. Ambos regulam o funcionamento de todas as vísceras, influindo poderosamente sobre nossos estados emocionais. Tanto a tristeza quanto o amor tendem a nos desmanchar, a mudar nossos hábitos. No caso da tristeza, tendem a dissolver os hábitos relacionados com uma pessoa querida, porém, ausente ou morta. Será necessário chorar a morte,senão o morto continuará vivo dentro de nós.
No caso do amor (instinto humano que impele para o contato e a fusão com o outro), a fusão acontece nos casos e momentos melhores entre duas pessoas. Há um afrouxamento do eu habitual este afrouxamento permite transformações pessoais, numa verdadeira troca de atitudes e qualidades (ou defeitos) entre os dois. Possivelmente também entre três ou mais – mas disso não se fala.
O interessante seria conseguir estipular o ponto exato em que termina as influências do meio e iniciam as que nascem com o indivíduo, isto é, conseguir delimitar os limites precisos daquilo que é biológico (instintivo) no ser humano e daquilo que é cultural. Se bem que, em sociedade não acreditamos ser possível haver qualquer comportamento humano que não seja tocado pelas influências exercidas pela cultura. De qualquer modo, há que se avaliar o quanto que um determinado comportamento é ditado, no indivíduo em sociedade, por circunstâncias culturais e o quanto há nele de instintivo, inato, biológico. No que se refere à sexualidade, por exemplo, caso um indivíduo seje alvo, desde bebê, de uma educação que prime por uma renúncia rigorosa à possibilidade da satisfação de suas necessidades instintivas de prazer, e, por conseguinte, acabe interiorizando um conjunto de idéias sexualmente repressivas, podemos dizer que ele possui um comportamento mais influenciado pelo meio do que pelo instinto. Indivíduos que tenham a sorte de ter uma educação mais liberal e flexiva em relação a conceitos sobre sexualidade, podem garantir para si – e para os que convivem com ele – , além de uma possibilidade maior de vivenciar estados de felicidade, também uma estrutura psíquica mais em contato com suas necessidades biológicas de prazer e, em conseqüência disso, mais saudável.
A função do sistema de emoções medo-e-raiva é nos afirmar, confirmar e endurecer, criando resistência a tudo que venha do exterior (conceitos, inclusive) e uma defesa fundamentada, em geral, no ataque. Assim acontece com as pessoas mais conservadoras. Elas aprenderam a viver de forma bastante rígida e dentro de um modelo fortíssimo de renúncia. Quanto mais renunciam (a si mesmas), mais tristes ficam; quanto mais tristes, mais agressivas, mais autoritárias, mais disciplinadoras e perseguidoras.
Tanto o amor quanto à tristeza nos amolecem e permitem transformações de personalidade. Só que o amor possibilita crescimento, expansão, entrega. Uma vida baseada na confiança em si mesmo e nos outros. A tristeza nos muda, mas tornando-nos desconfiados, ressentidos e agressivos.
Como podemos ver, frente a esses fatos, torna-se incompreensível ou absurda a exigência social de que devemos ser sempre os mesmos, seguindo sempre os mesmos padrões comportamentais, a mesma rotina, o mesmo cotidiano, que de tão cotidiano se torna tediante. A idéia que passa socialmente é a de que o cidadão de confiança é aquele homem de “princípios”, que não muda nunca. Previsível – e, por isso mesmo, confiável (e controlável). Devemos saber muito bem o que queremos para nossos filhos e filhas. Devemos aquilatar o custo- benefício de um paradigma educacional baseado na apologia cega ao costume e à tradição.
Sem vísceras não teríamos emoções. Nem afetos ou sentimentos, entendendo afetos e sentimentos como sendo ondas de evolução mais lenta ou conjunto de emoções misturadas. As vísceras humanas têm bastante autonomia de funcionamento, podendo todas elas funcionar fora do corpo em ambiente e com técnicas de laboratório. Apesar disso, o cérebro pode influir consideravelmente sobre esse funcionamento, como é do conhecimento e da experiência de todos.
Uma parte considerável do lampejamento cerebral está ligada`a coordenação das funções viscerais. A regulação das funções bio0lógicas é um campo de surpresa contínua pela precisão e pela força destes controles,que fornecem, para a teoria das comunicações,os primeiros modelos de feedback.
Para se ter uma idéia do que significa regulação visceral, consideremos estes exemplos simples. Se alguém toma duas garrafas de cerveja em meia hora, na hora e meia seguinte o rim elimina o excedente de líquidos ingeridos.No frio, a fim de reduzir a perda do calor corporal,fecha-se toda a circulação da pele, que fica pálida. Se o frio se intensificar, ou se a pessoa não tiver agasalhada, começa a tremer e este tremor muscular gera o calor que a aquece.
Se alguém comer um ou dois doces muito açucarados, poucos minutos depois começa a se elevar a quantidade de açúcar no seu sangue. Basta uma variação mínima e logo o pâncreas entra em funcionamento, e os excedentes de açúcar circulante na corrente sanguínea são compactados em grandes moléculas de glicogênio, que se imobilizam no fígado e nos músculos. Se nos dois ou três dias seguintes a pessoa fizer um dieta rigorosa, esta mesma grande molécula é desmanchada, mantendo constante o nível da glicose no sangue.
Se alguém subir a grandes altitudes, 3 mil metros ou mais, o que acontece nas primeiras horas é uma contração do baço,que funciona como reservatório de sangue. Ao se contrair, ele injeta na corrente sanguínea cerca de meio litro de sangue, isto é 10% do volume total de sangue no corpo (que é de 5 litros). Isto ocorre porque o ar rarefeito das grandes altitudes tem muito menos oxigênio do que os níveis inferiores da atmosfera. O corpo aumenta o transporte de oxigênio pelos glóbulos vermelhos ao mesmo tempo em que o indivíduo, quase sem perceber, vai respirando cada vez mais ampla ou cada vez mais freqüentemente. Se o indivíduo permanecer um mês ou mais nestas alturas, sua medula óssea começa a produzir muito mais glóbulos vermelhos, podendo seu número alcançar 7,8 ou 9 milhões de glóbulos vermelhos por milímetro cúbico de sangue.
Outra parte das cintilações do céu cerebral depende da nossa sensibilidade, ela também,de certo modo, infinita. Por exemplo, aceitemos o número mais que plausível de dez pontos sensíveis em nosso corpo para cada milímetro cúbico de nossa substância, então nosso corpo contém cerca de 7 milhões de pontos sensíveis, respondendo a categorias especiais de estímulos. Só os dois nervos óticos contêm 2 milhões de fibras nervosas! Em outras palavras, podemos dizer que nosso corpo é o maior playground do Universo conhecido.
Vamos mostrá-lo de outro modo. Imaginemos uma bolinha de vidro segura entre o polegar e o indicador da mão direita. Vamos girar essa bolinha alcançando todos os limites possíveis de movimento que não envolvam a queda da bolinha. Considerando a qualidade e a quantidade de pontos sensíveis da ponta dos dedos, que a bolinha vai estimulando, e levando em conta as variedades de movimentos possíveis para esses dois dedos, chegamos, novamente, à impossibilidade estatística de se conseguir dois movimentos absolutamente iguais. Nossa sensibilidade é, portanto, capaz de conseguir um número ilimitado de configurações.
Mas, de nada adiante essa sensibilidade refinável ao infinito se nossa capacidade de movimentação fosse tão precária quanto a de uma tartaruga. O ser humano é o mais versátil dos animais também nos movimentos. Podemos imitar praticamente todos os animais. Mas não há animal que nos imite. Podemos viver em, praticamente, todos os ambientes do planeta, no ar, na terra, no espaço, no mar ...
Nosso aparelho de movimento (aparelho locomotor) é composto de cerca de duzentas alavancas ósseas. Para entendermos o que isso significa, consideremos um boneco de marionetes, um fantoche. Ele tem mais ou menos dez articulações. Já o nosso corpo possui dez vezes mais. Para movermos nosso esqueleto, esse boneco deveras desengonçável, sobretudo para mantê-lo em pé ou fazê-lo ficar imóvel, atuam sobre ele aproximadamente 300 mil cordéis! Esse é o número de neurônios do eixo cérebro-espinhal.
A saída destes neurônios é uma fibra delgadíssima, invisível a olho nú, mas que pode ter mais de um metro de comprimento, como é o caso dos neurônios que controlam a musculatura da planta dos pés. Cada neurônio motor controla um certo número de fibras musculares que se contraem simultaneamente, quando este neurônio é ativado. Cada conjunto de neurônios, com suas fibras musculares, forma um tensor elementar, cuja força pode ser medida em gramas ou em fração de gramas. Mas é preciso notar que dependendo do número de impulsos emitidos pelo neurônio, tal será à força da contração muscular resultante. Podemos admitir que nossos tensores elementares podem se contrair segundo dez graus de tensões distintos e crescentes. Com isso, elevamos o número das possibilidades tensionais do corpo a este número absurdamente estarrecedor: 3000000 de tirantes, cordéis (neurônios) ou puxões elementares. Estes são os puxões ou cordéis que fazem todos os nossos movimentos e mantém todas as nossas posições,a cada instante e em todos os instantes. E à organização desta confusão interminável, desta verdadeira loucura, chamamos coordenação motora. A coordenação motora absorve cerca de dois terços dos neurônios cerebrais. Isso quer dizer que dois terços do nosso miolo servem somente para nosso movimento.
Tanto se fala sobre o cérebro e suas maravilhas parapsicológicas, mas ninguém percebe esta maravilha – tida como banal – que é o ato de acenar para um amigo, chutar uma bola ou carregar uma criança. Somos cegos para o cotidiano, e pagamos muito caro por isso.
Sabemos da dificuldade de se manter em equilíbrio – e uma criança que aprende a se erguer por si só e ficar de pé (para depois aprender a caminhar) sabe mais ainda. Mas, o que torna nosso ponto de equilíbrio, nosso centro de gravidade, tão complicado? A resposta é: nossa geometria também absolutamente instável e complicada.
Vamos dizer alguma coisa sobre a postura. Em textos que cuidam do tema, vemos um desenho ou uma fotografia do corpo, no qual certos pontos são assinalados e deveriam estar alinhados verticalmente. Assim,tem-se uma “boa postura”.Contudo, ninguém jamais fez a seguinte pergunta: “Muito bem. Agora estou na boa postura. E o que é que eu faço agora? Posso sair daqui e ir cuidar da minha vida, ou tenho de ficar aqui deste jeito, o dia todo, a fim de garantir uma postura correta?
É claro que não pode haver UMA boa postura. Existe uma boa postura para cada atividade corporal. Esta postura tem de ser encontrada a cada momento e deve estar de acordo com o0 centro de gravidade. Do mesmo modo que existe uma infinidade de possibilidades de movimento, também existe uma infinidade de boas posturas corporais. E mais, uma boa postura deve estar, ainda, em completa correspondência coma percepção do eixo da personalidade. A postura é, pois, ao mesmo tempo, uma realidade profundamente mecânica e profundamente psicológica.
O corpo é a nossa forma de existir, de estarmos no mundo, de dizer que estamos presentes. Para os existencialistas, nosso modo de estar no mundo é sinônimo de nossa atitude e, ainda, de nossa postura corporal, a cada instante.
Nem em relação à postura, nem em relação à vida existe isto de chegar lá e relaxar, acreditando que daí para frente tudo continuará bem “automaticamente”, sem que seja preciso perceber ou corrigir mais nada (mito do Paraíso,subjacente a toda noção de que um dia as coisas entrarão no seu lugar e nunca mais sairão dele). Na verdade, basta um momento de distração e já perdemos o centro de gravidade, o equilíbrio e a boa postura (uma coisa só). Basta um momento de desatenção e passamos de uma atitude de enfrentamento ou de desafio, para uma de submissão ou de subserviência. Podemos mudar de atitude com extrema rapidez. Numa fração de segundo. Dois garotos estão conversando numa sala de aula. Basta um olhar severo do professor e eles se congelam feito imagem de televisão. No instante seguinte, põem-se como meninos bem comportados e retomam à tarefa escolar. Realmente, basta um olhar e todos mudamos de atitude, seja qual for o olhar, seja qual for a atitude.
Nossas atitudes mudam, pois, tão rapidamente quanto nossos pensamentos. Na imensa maioria das vezes mudamos de atitude sem nos darmos conta disso. Não percebemos a mudança, pois não temos consciência sobre nossos atos. Contudo,quem nos observa, percebe.
Terá algum cabimento perguntar por que as variações de nossas atitudes podem ser tão rápidas? (corresponde a perguntar por que são tão rápidas as cintilações cerebrais). A rapidez de nossas respostas motoras decorreu de duas pressões igualmente poderosas. A primeira foi a luta pela sobrevivência. Nas imensas caçadas, que são a vida, os mais lentos são apanhados ou então, se caçadores, morrem de fome, porque não alcançam nenhuma presa. A natureza veio desenvolvendo continuamente táticas de ataque e fuga. E a velocidade é uma das principais. As famosas cheetas (em extinção), semelhantes aos leopardos, conseguem correr mais de cem quilômetros por hora. Mas os impalas, sua comida predileta, também correm a essa velocidade. Na verdade a uma velocidade ligeiramente maior do que a das cheetas (também conhecidos como guepardos), garantindo, assim, suas possibilidades de sobrevivência. A caça das cheetas, assim como a de todos os demais predadores, vai depender, então, de suas estratégias de ataque. Os seres humanos, provavelmente os predadores de corporeidade mais frágil do Reino animal, somente puderam se afirmar no Planeta como os senhores da vida e da morte porque desenvolveram táticas de ataque superiores a dos demais predadores, muito mais velozes e fortes. Mesmo um tigre, com toda a sua agilidade e rapidez, erra onze tentativas em doze – porque a presa é tão veloz e ágil quanto ele, ou mais!
A segunda pressão a cobrar velocidade em nossos momentos é a gravidade. Basta perdermos o equilíbrio por uma fração de segundo, e eis-nos esparramados no chão. Somos não só objetos pesados, mas objetos extremamente instáveis pela forma e pelos mil movimentos que podemos fazer.
Sabemos que o esqueleto e suas juntas, se deixado a si mesmo, invariavelmente se desapruma e vai ao chão, qualquer que tenha sido sua posição inicial. Ficar de pé exige a atividade constante de alguns grupos musculares chamados, em seu conjunto, de antigravitacionais.
Vivemos caindo todo o tempo. Nosso corpo pode ser considerado como sendo composto por três pirâmides verticalmente empilhadas uma sobre a outra, todas com o vértice para baixo. A primeira é desenhada, em cima, pelo anel ósseo da bacia, e seu vértice está nos dois calcanhares, quando juntos. A segunda pirâmide tem sua base nos ombros e seu vértice na coluna lombar. A base da última pirâmide é o cocuruto da cabeça e seu vértice é a sétima vértebra cervical. Esta disposição anatômica do corpo humano o coloca numa posição de instabilidade constante. A todo o tempo estamos prontos para cair, em todas as direções e de formas diversas. A isto se some nossa altura considerável (mais de um metro e meio, em média) em relação à nossa base minúscula (uma espécie de quadrado com 30 centímetros de lados). Além disso, um peso muito grande está situado bem alto em nosso corpo: o maciço dos ombros e braços e acima dele o maciço da cabeça. Os ossos destas partes do corpo são bem pesados e compactos. Esta somatória de instabilidades recebe um último e decisivo acréscimo: somos todos muito móveis e a maior parte de nossos movimentos ocorre na parte superior do corpo. Além disso, cada movimento que fazemos acaba funcionando como uma espécie de empurrão que damos em nós mesmos. Cada gesto, cada postura, cada onda de movimento, por menor que seja, é o produto resultante da equação entre o equilíbrio e o desequilíbrio.
POSTURA CORPORAL: POSTURA DE VIDA
Nossa postura não é só uma postura corporal. É também uma postura de idéias, uma postura de sentimentos, de desejos e temores. Trata-se de um problema extremamente complexo e delicado. E é por isso mesmo que o encontro ou a conservação do centro e do eixo da personalidade não são apenas analogias. Nosso corpo é uma massa considerável que se move complicadamente. E para cada movimento, para cada postura, teremos um eixo, ou um centro ótimo. Centros (ou eixos) da personalidade são, pois, realidades mecânicas e não apenas analogias para se referir algo espiritual.
Ao longo da história, essas noções sobre o corpo assinalam, iluminam e justificam um sem número de conceitos e esperanças relativos ao desenvolvimento espiritual do homem. A ETERNA vigilância, condição de todo animal saudável e de todos os iluminados, tem tudo a ver com a consciência do equilíbrio mecânico de nosso corpo no espaço. Com a consciência – ou inconsciência – de nosso centro de gravidade ou nossos eixos de rotação.
Uma das maneiras e se desenvolver o espírito e/ou de solucionar certos problemas emocionais consiste em cultivar nossas sensações de equilíbrio e desequilíbrio - o que poderia ser feito usando-se uma porção de tipos de balanços! Atividades físicas não estereotipadas e que sejam descompromissadas com o exacerbamento técnico e a busca compulsiva e obstinada por resultados podem se prestar a esse papel.
O espírito nasce no corpo e do corpo. O espírito é o corpo, o corpo é o espírito, nós somos o corpo. Nossa postura tem tudo a ver com nossas atitudes (emocionais) e com nosso modo de estar no mundo, de receber estímulos, de selecionar estímulos, de responder e de avaliar situações. Nossas posturas cotidianas revelam quem somos, o que queremos, o que sentimos e em que acreditamos.
O orgulhoso olha o mundo, invariavelmente , de cima para baixo. Tudo o que lhe chega de baixo para cima é percebido e reconhecido como sendo real. De viés, o que vem de cima o atinge na sua suscetibilidade de orgulhoso e é visto por ele como algo falso, agressivo, arrogante e presunçoso.
Mas, se alguém se colocar diante dele em posição de igualdade, ou ele não perceberá a pessoa ou não perceberá a atitude, ou, ainda, ele não compreenderá o que está acontecendo. O espaço visual do orgulhoso se divide em terço de cima, terço de baixo e no meio nada!
A pessoa por demais identificada com o papel de VÍTIMA - tantas e tantas mães – primeiro pode ser percebida pela sua aparência, pelas linhas do rosto, pelos ombros erguidos e pela coluna encurvada. Esta variante de “má postura” organiza a maior parte dos chamados processos psicológicos ou “interiores” do personagem que se sente uma vítima e não consegue abandonar a posição de vítima. Posição ou atitude – tanto faz – mas, note, posição de CORPO. Algo visível antes que se inicie qualquer diálogo verbal. A atitude da vítima governa primeiro a seleção de estímulos. De regra, estamos cercados por muitas pessoas, objetos e acontecimentos. Ninguém percebe o que acontece a cada instante. Dessa massa de “acontecer” a vítima extrai tudo o que possa alimentar a sua vitimização. Mostrará uma habilidade por vezes “cômica” em provar que tudo o que acontece acaba por prejudicá-la, é tudo feito contra ela. Posta no paraíso, onde não haveria nenhuma possibilidade de sofrimento, a vítima se sentiria fora de si em pouco tempo. Não tendo do que se queixar, ela não saberia o que fazer, uma vez que ser vítima é seu modo primário de estar no mundo. A atitude de vítima funciona como uma teoria, um conceito, uma filosofia de mundo e de vida.Tudo o que acontece é captado, elaborado e respondido segundo o mesmo padrão centrípeto e agressivo (tudo contra mim).
Os conceitos e as teorias de uma pessoa tem tudo a ver com suas posturas frente à torrente da realidade. Tem a ver com o seu corpo, com seu esqueleto com seus músculos e com o seu sistema nervoso. O conceito ou a teoria são concretos e corporais – no indivíduo que experimenta. No entanto, ainda hoje, mesmo em textos especializados no estudo de atitudes, escritos por sociólogos, não se vê a presença do corpo. Para o sociólogo, como para o filósofo e o povo, as atitudes são realidades “mentais” que só podem ser conhecidas se o sujeito as declarar verbalmente. Como vemos, não tem tamanho nossa negação do corpo.
Mas o pior ainda não foi dito. As pessoas, quase que invariavelmente, negam ou não percebem suas atitudes básicas, e , assim, não sabem dizer quase que nada a respeito delas. Os questionários verbais correm alto risco de darem imagem marcadamente falsa do personagem. Imagem vagamente ligada ao que ele supõe, imagina ou deseja de si, e pouco ou nada ligado ao que ele efetivamente faz ou é. É a alma que se sente vítima ou é o corpo que se põem de vítima?
Mover-se é tão fácil que se torna difícil mostrar para as pessoas quão complicado é o movimento. Lembremos que pelo menos dois homens do mundo moderno se preocuparam intensamente com a corporeidade humana, Reich e Piaget. Para o francês Jean Piaget (1896 – 1980) – maior estudiosos do desenvolvimento da inteligência na criança,
Nada existe verdadeiramente na inteligência que não
tenha passado antes pelas mãos! Se eu nunca juntei
nada - com as mãos! – jamais saberei o que significa
juntar. Se eu nunca desmontei nada – com as mãos ! – eu
não sei o que significa desmontar. Se eu nunca pus nada
em cima de nada, eu não sei o que significa por em
cima. Quem não tem experiência da manipulação de
objetos, não pode ter uma noção atuante do que seja
manipulação de idéias ou de conceitos.
No limite talvez se possa dizer de Piaget: toda operação intelectual é simplesmente a percepção interna de uma ação manual ou corporal.
BIOENERGÉTICA
Wilhelm Reich (1897 – 1957), psicoterapeuta austríaco, de abordagem psicossomática, trabalhou diretamente com Freud até a ruptura definitiva em 1934 devido a divergências inconciliáveis. Reich mostrou eficientemente, a extrema importância do corpo, na verdade, dos músculos, para a nossa vida emocional. Diferentemente da Psicanálise, que se propõem meramente a ouvir a voz do paciente, seu discurso verbal, a terapia reichianas procura observar também seu discurso corporal, até mesmo intervindo no seu corpo, através de exercícios e massagens.
Segundo a conceituação reichiana, toda emoção é uma onda de alteração visceral, preparatória para uma ação. Se o indivíduo entra em ação, não sente emoção (angústia). Ela se consome no ato. Mas, se o sujeito tiver que conter a ação por algum motivo (geralmente pelo fato da ação em questão ser incompatível com as regras de convívio social que o indivíduo internalizou), vai segurá-la como se segurasse outra pessoa que quer fazer a ação. Para segurar o choro, por exemplo, terá de contrair os músculos do peito, ombros e garganta, impedindo os soluços. Terá de enrijecer os lábios para que seus cantos não caiam na expressão típica do choro. Terá de segurar as sobrancelhas para cima e para fora, pois se elas vierem para baixo e para dentro, o indivíduo começará a chorar.
Dito de outro modo, tomado de uma onda emocional, pode-se deixar levar por ela, satisfazendo-a através de uma determinada ação (que o indivíduo deseja). Mas, se a pessoa deseja freá-la, terá de absorver sua energia em contrações musculares estáticas, que determinam e definem uma atitude: a de repressão emocional.
Vejamos a palavra CONTENÇÃO, com tensão. É isso mesmo! São contrações musculares, em princípio involuntárias, que transformam a dinâmica da emoção no estático da atitude ou da postura. Postura que, como vimos, não é somente uma postura corporal, mas, no mesmo mecanismo, uma postura de idéias.
Alexander Lowen, um dos mais destacados discípulos de Reich, nascido em 1920, nos Estados Unidos, baseando-se nas descobertas reichianas, elaborou sua própria teoria acerca do comportamento emocional humano, a chamada Bioenergética. Em outros termos, a Bioenergética consiste numa maneira peculiar de se entender a personalidade em termos do corpo e de seus processos energéticos. Esses processos, a saber, a produção de energia através da respiração e do metabolismo, e a descarga dessa energia nas atitudes corporais, em especial o movimento, formam as funções básicas da vida. A quantidade de energia que um indivíduo possui e a forma pela qual essa energia é utilizada determinam o modo como responde às situações da vida. Obviamente, um indivíduo pode enfrentá-las de modo eficiente, se tiver mais energia passível de ser livremente transformada em movimento e expressão.
A tese fundamental da Bioenergética é de que corpo e mente são fundamentalmente a mesma coisa. O que ocorre na mente reflete no corpo e vice-versa. O que se pensa influencia o que se sente e o que se sente influencia o que se pensa. Esta interação está, porém, limitada aos aspectos conscientes ou superficiais da personalidade.
No nível do inconsciente, tanto o pensamento como o sentimento são condicionados por fatores de energia. Assim, é praticamente impossível, por exemplo, uma pessoa deprimida emergir de sua depressão através de pensamentos positivos, pois seu nível de energia está baixo. Quando seu nível energético puder ser aumentado, através da respiração profunda (sua respiração estava reduzida junto com as outras funções vitais), e as sensações e sentimentos forem liberados, a pessoa sairá do seu estado de depressão.
Os processos do corpo estão relacionados ao estado de vitalidade corporal. Quanto mais vigorosa a pessoa está, mais energia ela tem, e vice-versa. Rigidez ou tensão crônica diminuem a vitalidade da pessoa e rebaixam sua energia. Ao nascer, o organismo está em seu maior estado de vitalidade. Ao morrer, a rigidez é total, rigor mortis. Nós não podemos evitar a rigidez que vem com a idade. Mas podemos evitar a rigidez – ou ao menos atenua-la – proveniente de tensões musculares crônicas, resultantes de conflitos emocionais não resolvidos.
Toda pressão (stress) produz um estado de tensão corporal. Normalmente, a tensão desaparecerá quando a pressão for aliviada. Tensões crônicas, persistem após ter sido removida a pressão,que assumira a forma de uma atitude física inconsciente ou de um endurecimento muscular. Estas tensões musculares crônicas perturbam a saúde emocional através do decréscimo de energia do indivíduo, restringindo sua mobilidade (ação espontânea e natural e movimento da musculatura), limitando sua auto-expressão. Torna-se necessário então avaliar esta tensão crônica,para a pessoa recuperar sua completa vitalidade e bem-estar emocional.
O trabalho bioenergético do corpo inclui tanto procedimentos manipulatórios como exercícios específicos. Os procedimentos manipulatórios consistem de massagem, pressão controlada e toques suaves para se alcançar o relaxamento desejado. Os exercícios se propõem a ajudar a pessoa a entrar em contato consigo mesma, com suas tensões, liberando as tensões através de movimentos apropriados. É importante saber que todo músculo contraído está bloqueando algum movimento. Porém os exercícios terápicos aqui descritos não são um substituto da terapia psicológica. Não resolverão problemas emocionais profundos, os quais, geralmente, requerem um trabalho psicoterapêutico prolongado. Ainda assim, com ou sem terapia, os exercícios bioenergéticos podem ajudar significativamente a aumentar a vitalidade e a capacidade`do corpo para o prazer.
Os exercícios específicos de bioenergética se propõem a ajudar o organismo a ganhar mais autoconhecimento, na acepção literal da palavra. Eles farão isso através do aumento do estado vibratório geral do corpo; do aumento significativo na qualidade respiratória; do grounding das pernas e do corpo, o que aprofunda a respiração; da agudização da autoconsciência e da ampliação da auto-expressão. Esses exercícios ainda podem melhorar a aparência, intensificar a sexualidade e promover a autoconfiança.
O OLHAR (QUE JAMAIS SE VÊ)
Ainda nos falta um passo na compreensão do cérebro. Nossa incrível capacidade de movimento é dirigida, de regra, pelos nossos olhos. Vendo o mundo à nossa volta, as pessoas e os objetos, são eles que vão nos mostrando o caminho e as ações que vão se fazendo necessárias, convenientes ou oportunas. Podemos dizer, estimativamente, que pelos olhos entram 90% de todas as informações que recebemos. Podemos dizer, também, que o olhar está presente em praticamente tudo o que fazemos. Essas afirmações podem ser comprovadas em laboratório da seguinte forma: se estimularmos aleatoriamente uma dada região do cérebro, com uma agulha elétrica, obteremos um grande número de respostas,algumas de sensações, outras de movimentos e muitas sem significado aparente. Mas, já foi verificado no homem e em outros animais que dois terços desta estimulação aleatória resultam em movimentos oculares, de regra conjugados (os dois olhos movem-se juntos) e, mais freqüentemente, na horizontal.
Já dissemos que dois terços da massa encefálica servem apenas para nos mover, e que dois terços da estimulação aleatória de encéfalo resultam em movimentos oculares. Isto explica nossa infinita capacidade de imitar. A imitação (mais conhecida em psicologia como mimeses)é a ação de identificação, introjeção e incorporação, pela qual o novo indivíduo que ingressa na sociedade aprende os códigos comportamentais à sua volta. Em condições normais, todo animal aprende quase tudo que vê os outros de sua espécie fazerem. A imitação é o modo peculiar dos animais aprenderem comportamentos complexos. E os comportamentos mais complexos do mundo animal são os humanos. Daí a enorme importância da imitação para nós.
Ninguém ensina às crianças gestos, posturas, tons de voz, gesticulações, caras. Mas elas fazem isso tudo assim mesmo. É muito comum vermos menininhas e menininhos de dois anos calçando os sapatos do pai e/ou da mãe. A brincadeira de casinha é o momento em que a criança aprende o mundo dos adultos.
A psicologia dinâmica dá um valor extraordinário às imitações inconscientes (que funcionam como meios de identificações) que são modos de alienação de si mesmo e, portanto, base das neuroses (distúrbio psíquio em conseqüência de recalque, isto é , da repressão dos instintos). Procedendo exatamente como o pai procedia a pessoa não está mais sendo ela mesma, está sendo ele.
Mas a identificação também é o grande momento do aprendizado, pois imitando podemos compreender o outro. Mas a imitação não pode ser muito ostensiva. Se o for, o outro ficará furioso. Isto porque assim mostramos a ele quem ele é. Mostramos, na imitação que fazemos dele, seu inconsciente funcionando, ou seja, mostramos que conhecemos seus segredos mais profundos e escondidos.
De acordo com as idéias freudianas, o indivíduo, desde a mais tenra idade, aprende o mundo ao seu redor imitando (mimeses) ou adaptando-se aos conceitos do mundo em que vive, ainda que tais conceitos sejam antagônicos às suas necessidades. Mais tarde, na vida adulta, para se sentir seguro, o indivíduo vai projetar sobre os outros esses conceitos, sobretudo sobre os pequenos indivíduos, em fase de aprendizagem social, como as crianças e adolescentes.
COURAÇA MUSCULAR DO CARÁTER
Ao renunciar aos seus prazeres instintivos, em prol de normas comportamentais, o indivíduo sofre traumas que variam de intensidade de acordo com a rigorosidade da renúncia exigida. Reich descobriu que as repressões sofridas pelo indivíduo produzem, juntamente com os mecanismos de defesa psicológicos, o enrijecimento crônico – e até certo ponto permanentes – de certos músculos. São músculos permanentemente tensos, funcionando como uma couraça que impede ou dificulta o fluxo de energia orgônica, fonte de todos os processos vitais, especialmente o sexual.
Além da couraça muscular, outra descoberta importante de Reich foi a do caráter, isto é, o conjunto de características comportamentais e atitudes físicas habituais e repetitivas de uma determinada pessoa. Reich foi o primeiro analista a interpretar cientificamente a constituição do caráter, ao invés de analisar isoladamente os sintomas apresentados pelos pacientes.
Podemos dizer que a couraça muscular do caráter consiste num conjunto de contrações musculares crônicas e até certo ponto permanentes, psiquicamente apoiadas em idéias e conceitos morais rígidos e repressores. Dito de outra forma, a couraça muscular é toda a força que o indivíduo faz para não fazer aquilo que quer, aquilo que deseja e necessita.
De acordo com Reich, a angústia é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência da couraça muscular. Se por um lado ela é formada como um meio de utilizar parte da energia reprimida, por outro, é também ela que acaba dificultando o contato entre a fonte da energia vital (interior) e o mundo externo. Nessa medida, distorce a expressão dos sentimentos e a compreensão do mundo.
A maior fonte das neuroses é a repressão sexual, que ocorre durante toda a vida, sendo a infância o período de sua máxima influência na formação do caráter.
De acordo com a terapia reichiana, a dissolução parcial da couraça (que não se dissolve completamente, jamais) produz a lembrança da situação de infância responsável pela repressão do instinto. Não podendo jamais ser totalmente destruída, a couraça muscular do caráter se torna mais flexível: rígida em ambientes hostis e aberta em ambientes favoráveis, isto é, em situações de prazer.
O indivíduo somente pode desenvolver sua capacidade orgástica, ou seja, sua capacidade de entrega e relaxamento totais, assumindo uma vida sexual saudável, o que somente pode ser alcançado com uma flexibilização da couraça muscular do caráter.
MUNDO INTERNO E MUNDO EXTERNO: UMA INEVITÁVEL RELAÇÃO
O corpo é muito mais alma do que pensamos. Ou a alma é muito mais corpo – tanto faz. Há muito tempo sabemos que o mais seguro sinal de ausência de vida é a parada da respiração. A respiração situa-se entre o óbvio e o mistério. E permite-nos entender como se formou na mente dos primeiros homens o conceito de alma, ou espírito. Espírito, em latim, significa que sopra, ou vento. Alma, em hebraico, significa sopro, ou hálito.
Para o homem, sua relação mais crucial e vital é com aquilo que não se vê. Cessada sua relação com o ar, com o invisível, cessa a vida. Logo, o invisível é que nos dá vida. A noção de espírito (vento) e de alma (sopro), extremamente poderosa e indefinida, surgiu, de fato, da relação do ser humano com o secreto, com o misterioso, com o escondido, com aquilo que não se pode ver, o sobrenatural. Como se pode saber de que forma é o invisível? Na verdade, posso pôr dentro desta noção do mundo invisível tudo aquilo que amamos, odiamos, imaginamos supomos existir, por mais fantástico que o produto de nossa imaginação possa ser. Assim o homem inventou os deuses.
De acordo com Marx, em seu livro A ideologia Alemã (Feuerbach) (pág. 17),...os homens sempre fizeram falsas representações sobre si mesmos, sobre o que são e o que deveriam ser. Organizaram suas relações em função de representações que faziam de Deus, do homem normal, etc. Os produtos de sua cabeça acabaram por se impor à suas própria cabeça. Eles, os criadores, renderam-se às suas próprias criações.
À essa noção de espiritualização da existência real, veio se somar a idéia de divinização das classes superiores, porque inatingíveis, sempre adoradas, respeitadas e odiadas. Os deuses da antiga Grécia foram o retrato das virtudes e defeitos dos homens. Mas não de qualquer homem. Dos homens livres, “superiores”, numa sociedade dividida entre homens livres e escravos. Os “inferiores” , escravos, procuraram fazer como eles, os livres, procuravam imitá-los, usando, inclusive os valores dos membros da classe dominante para julgar os da classe dominada. Em outros termos, puseram-se a defender os interesses da classe dominante contra seus próprios interesses. Lembremo-nos dos trajes de nobres usados pelos favelados durante o carnaval.
Mas, a respiração tem mais a nos ensinar. Ela é a única função vegetativa que está naturalmente sujeita à nossa vontade. Quem, na verdade, faz a respiração são os músculos do tronco associados ao diafragma – todos músculos voluntários. Isto significa que se alguém estiver disposto e interessado, pode aprender a controlá-los voluntariamente. O mesmo não pode acontecer com o coração ou com o fígado, por exemplo. Logo, a respiração está naturalmente sujeita á vontade. Falamos porque conseguimos controlar a emissão do sopro.
Notemos as palavras inspiração e aspiração. Ambas denotando altas funções psicológicas e ambas designando,ao mesmo tempo, fenômenos respiratórios. Será mera coincidência?
Vamos um pouco mais adiante e compreenderemos um pouco mais. De onde vem a inspiração? Do ar, diriam os antigos, conscientes, como nós, de que os pensamentos nos vêm sem que saibamos de onde – ou como. Como a inspiração sai depois? Sob a forma de palavras, isto é, sob a forma do invisível transformado em som. Certamente, os homens primitivos sentiam, sabiam, que suas palavras eram uma espécie de música saído de um tipo peculiar de instrumento de sopro: o corpo.
Um anjo, segundo a conceituação dogmática, é um espírito puro, intangível, intocado, como o ar. Ele é muitas vezes utilizado por Deus como mensageiro. Aliás, angelos, em grego significa mensageiro. Enfim, não sendo material, o anjo pode se transportar a qualquer lugar instantaneamente.
E o que é uma palavra? Um puro espírito, uma agitação organizada do ar e que transporta uma mensagem, sem que nada possa ser visto indo da boca para o ouvido do outro. Os anjos são representações visuais de palavras.
Resta-nos falar da ligação da respiração com a angústia. Angústia quer dizer oprimido, apertado. Basta dizer assim para imaginarmos que a respiração deve estar associada a ela. É dessa forma que a sentimos no peito.
O oxigênio é a substância fundamental da respiração, indispensável à nossa vida, e que não pode ser reservada pelo organismo como o alimento, por exemplo, reservável sob a forma de gordura. Podemos viver sem água de dez a quinze dias e sem alimento uns trinta e pouco dias. Mas morremos se ficarmos uns poucos minutos sem respirar.
A respiração é a única função corporal, dependente de nossa vontade, urgentemente necessária a todo o tempo.
Quando nos contraímos a fim de conter emoções, nosso tronco se faz impedimento para a expansão respiratória. Esta restrição do fornecimento de oxigênio para o corpo, impede a emoção de se desenvolver. De fato, todos nossos sentimentos reprimidos morrem por asfixia. É o endurecimento do corpo que produz a sensação de estreito, de apertado, tão característico da angústia. Podemos dizer, ainda, que a angústia é um sinal da morte da liberdade. Dadas aquelas circunstâncias, teríamos que responder a elas e entrar em cena. A fim de não nos comprometermos ou de não nos arriscarmos, não entramos em cena. Não fazemos. E morremos de angústia.
Neste contexto, a angústia aparece como sinal de morte da responsabilidade. E um sinal da morte da oportunidade que tivemos e que não aproveitamos. Oportunidade que perdemos – para sempre!
Da respiração, do peito e do pulmão nascem algumas das idéias mais fundamentais da humanidade. Idéias nascidas, portanto, no corpo. E idéias tidas como boas demais para esta pobre carne desprezível...
Ainda nem falamos do coração e de tudo que ele tem a ver com nossas emoções. Metade dos sambas só falam disso.
Mas o corpo tem mais coisas para nos ensinar. As coisas do olhar – dos olhos – têm tudo a ver com o pensamento e com os iluminados, aqueles que podem ver melhor que os outros, ou que realmente vêem, como o queria Teilhard de Chardin (teólogo, 1881 – 1955): é preciso ver tudo o que há para ser visto. Deus disse, no primeiro dia da criação: faça-se a luz. E a luz se fez. Ele estava criando ao mesmo tempo os olhos, pois, não tem sentido a luz sem os olhos para olhá-la.
Estudos eletroencefalográficos de recém-nascidos humanos demonstram que seu cérebro está em estado de sonho metade do tempo. No final da vida intra-uterina esta proporção é ainda maior. Não podemos ter a menor idéia do que seja o sonho do feto ou do recém-nascido, mas, como os sinais objetivos dos sonhos são iguais no adulto e no bebê, podemos concluir que o feto vê figuras oníricas, isto é, imagens interiores, ainda antes de ter visto a luz do dia.
A luz interior é a luz à luz exterior.
Olhamos para dentro, ou imaginamos usando os olhos como se estivéssemos olhando nossas imagens fora de nós e de olhos abertos. Os movimentos oculares que fazemos durante o sono paradoxal (período do sono em que estamos sonhando) são exatamente com no se estivéssemos olhando estas mesmas coisas do sonho, porém acontecendo no mundo exterior. Estes fatos emer5giram dos estudos de fisiologistas sobre o estado de sonho.
Já temos aqui duas noções altamente espiritualizadas decorrendo estritamente do funcionamento dos nossos olhos e de nossos cérebros: luz interior e visão interior.
Os cientistas que vêm desenvolvendo estudos de neurolinguística nos dizem coisas inacreditáveis sobre a dimensão do nosso olhar e sua conexão com o nosso pensamento. Seus dados, resumidos, parecem um artigo de almanaque, mas foram todos confirmados com taipes e filmes.
Eles nos dizem que, se durante uma conversa, eu olhar para cima e para a esquerda, estarei recordando cenas visuais já vivenciadas. Se alguém olhar para cima e para a direita, estará imaginando uma nova figura, ou estará olhando para uma velha recordação, porém de um novo ângulo. Na linha horizontal, acontece algo semelhante. Se olhar horizontalmente para a esquerda, estará recordando, na certa, frases ouvidas ou lidas. Se olhar horizontalmente para a direita, estará criando uma frase nova (para ele). Se olhar para baixo e para a esquerda estará presente a sensações corporais ou a emoções. Se olhar para baixo e para a direita, provavelmente estará falando consigo mesmo (com os canhotos é ao contrário).
Portanto, não podemos pensar se nossos olhos ficarem imóveis. De há muito os estudiosos da hipnose sabem que a técnica fundamental para se conseguir o transe é convidar o paciente a fixar um ponto, uma luz ou um objeto que não tenha nenhum interesse para o sujeito. Basta esta fixação ocular durante 30 a 40 segundos para que a pessoa passe para outro estado de consciência. Enfim, de há muito havia se notado que nossos pensamentos podem mudar de curso muito rapidamente. Também nossos olhos mudam de direção instantaneamente, e cada mudança de direção é uma mudança de cena ou de pensamento.
Vejamos um fato por demais estranho em Psicanálise: pouco ou nada se fala sobre a importância do olhar na comunicação humana. A Psicanálise levou esta omissão à altura de princípio quando pôs o paciente fora do campo visual do terapeuta. Como vimos, ao longo de nossa exposição, somos todos meio cegos em relação a nós mesmos – e aos outros. Aprendemos a fazer de conta que não vemos uma porção de coisas, freqüentes em nossa vida, e muito desagradáveis, feitas pelos outros e por nós mesmos. Desde pequenos aprendemos que ver os lados frágeis, mesquinhos, os vícios e defeitos das autoridades que nos cercam, é uma atitude bastante perigosa e que pode até nos custar bastante caro. Por isso, faz parte de nossa educação implícita primeiro deixar de falar destas coisas; depois, com o tempo, aprendemos a fazer de conta que não vemos estas coisas.
Acreditamos que algo semelhante aconteceu com Mestre Freud, que afinal de contas era gente como nós, foi criança como nós,aprendendo como nós a não ver o que está embaixo do nariz. E, se o que está embaixo do nariz for por demais evidente, então a pessoa afasta os olhos ou fica de costas – EXATAMENTE COMO FREUD FEZ. Assim foi nascendo a noção vaga e confusa de um inconsciente amoral, alógico, sem noção de tempo ou espaço, de causalidade, conseqüência...
Se Freud tivesse olhado para seus pacientes, teria visto o que Reich acabou vendo: que o inconsciente é inteiramente visível nas expressões não-verbais das pessoas. É no jeito de se pôr, no modo de gesticular, no tom de voz e na expressão do rosto que o inconsciente vai aparecendo, ao lado e ao longo das palavras. Mas ele é visível também quando não há palavras, como se pode ver no caso de briga de casal. Os dois podem estar com caras muito ruins e muito gritantes mesmo quando em silêncio, coma boca calada.
A observação atenta e astuta, ou a documentação cinematográfica, nos mostra que todos os movimentos interiores aparecem sempre um instante antes de serem reprimidos ou contidos. Na verdade, um instante antes de serem congelados em uma expressão dura, ou disfarçados com a sobreposição de outra expressão. Se digo uma coisa desagradável para alguém, esta pessoa poderá me dar um olhar fulminante, que dura uma fração de segundo e mostra, contudo, toda a intensidade do ódio. No instante seguinte ele desviará os olhos ou porá uma cara de agraciação, tudo feito par disfarçar o indisfarçável:o ódio no olhar. Nem o olhar nem sua contenção são feitos de propósito; obedecem a automatismos motores bem mais velozes que a percepção usual. Freud diria: nem o impulso nem a resistência – ou defesa – eram conscientes para o paciente.
Mas ambos podem ser mostrados – e podem ser vistos – num taipe ou num filme. Logo – e repetindo uma declaração importante -, o que é inconsciente para o sujeito é visível para o observador. Seria visível para o sujeito também, se o filmássemos. Aí ele veria seu inconsciente – veria os sinais de todos os sentimentos que ele acredita estar disfarçando muito bem, ou escondendo completamente (até – e principalmente -de si mesmo)...
Digamos, pois, que faz parte de nossa boa educação apagar nossa iluminação – isto é, nos tornarmos cegos frente a elementos importantes da realidade. Mãe é boa e sempre boa, e sempre boa, e sempre boa. Igual para todos os filhos.(? !)
A iluminação, portanto, não é uma conquista. É uma reconquista – de nossos olhos – do direito deveras sagrado de ver o que estou vendo, de ver a evidência. O que há para ser visto. O que não deve ser escondido.
É difícil não ser pessimista. Nossa negação do corpo pode nos ser fatal, pois, é dele que emergem todas as criações espontâneas da vida – como vimos. Negar o corpo é negar a Vida – e afirmar a morte.
O FAZ-DE-CONTA INTERMINÁVEL DA HIPOCRISIA SOCIAL
Hoje, depois de tanto avanço tecnológico, de tantas descobertas fantásticas da ciência, em qualquer família Normal, Respeitável, Honesta, Decente e Limpa– como são todas, no mundo todo (todas reivindicam para si essa condição) – ninguém tem pinto nem xoxota. A ninguém é permitido, dentro da família limpa, ter essas coisas sujas e malsãs. Embora, muito estranhamente, sejam dessas coisas sujas que nasce a família limpa. Eis o grande paradoxo da moral repressora de nossa sociedade.
Negamos, depois, nossa agressão – energia a mover a espantosa máquina que somos nós. Somos, todos corretos, bonzinhos, lógicos, justos, comedidos, compreensivos, participantes, solidários... Mas TODA nossa história e TODO o nosso presente nos dizem - na verdade gritam -, que somos cruéis, maldosos, desconfiados, invejosos, despeitados, rancorosos e vingativos. A história da humanidade é a história de lutas sangrentas e de todo o tipo de crueldade que o homem pratica contra seus próprios semelhantes.
Não há bons e maus. Somos todos bons e maus. Quando estivermos convencidos disto o mundo talvez se torne habitável e a espécie humana, viável. Não parece que ela seja.
Diz a Biologia que a Vida, em sua ascensão espontânea em direção a maior complexibilidade, eficiência e intensidade, busca incansavelmente a melhoria do OLHAR. O homem é o mais visual de todos os seres vivos conhecidos. Em termos esotéricos – que a Biologia esclarece – a Vida busca a Luz, a Iluminação.
Não temos o olhar mais aguçado. As aves de rapina os têm melhores do que os nossos. O que nos é característico – e talvez isto seja nossa maior vantagem evolutiva – é a multiplicidade de conecções dos nervos óticos com a maior parte das regiões cerebrais. Cada um deles é constituído por um milhão de fibras nervosas (para confronto: o nervo acústico tem apenas 30 mil). Isto é, o olhar está presente – e preside – a quase tudo que somos, que fazemos, que acontecemos.
Nascemos para ver. Nosso destino natural é a iluminação. A maior parte das forças de repressão social se concentra CONTRA a visão. É muito saudável socialmente a gente falar muito pouco daquilo que está vendo.
É tão perigoso dizer o que a gente está vendo que a maioria acaba não dizendo o que vê NEM PARA SI MESMO. Um torcicolo matinal é um recado inequívoco: para onde estamos sendo obrigados am olhar ou a não olhar. Olhando para cima somos donos de nós mesmos – e às vezes dos outros também. Olhando para baixo assumimos uma postura de submissão. No sonho, é reprisado, sob a forma de contrações musculares, o conflito vivido durante o dia entre a exigência do mundo externo para que a pessoa abaixe a cabeça em sinal de submissão e a sua necessidade interior de levantá-la em sinal de autodomínio. Acionados ao mesmo tempo os músculos que elevam e os músculos que abaixam a cabeça, ocorre uma “congestão” muscular, manifestada sob a forma de um torcicolo matinal.
É preciso cegar todas as crianças para que elas, como nós, cumpram sua tradição sagrada: não ver o que estamos fazendo conosco e com nossos semelhantes.
Somos todos cegos tagarelas que ao arrumar palavras acreditamos estar arrumando as coisas (e ao arrumar números, acreditamos estar fazendo justiça social)...
Não nos resta muita coisa depois da cegueira.
VIDA E MORTE
Na realidade biológica um organismo procura outro, os corpos buscam o contato entre si. Se o encontro é prazeroso, eles se entregam, caso contrário se fecham em si mesmos, procurando fugir da dor. A história da humanidade é um documento grandioso do quanto tem sido doloroso o encontro entre os seres humanos.
Para compreendermos de forma mais satisfatória o processo vital de fuga da dor e busca de prazer, tomemos como exemplo as reações do mais simples dos animais, a ameba, uma criatura unicelular.
A ameba consiste num núcleo ou centro, no protoplasma, numa membrana e num campo energético. O núcleo é o centro de energia do organismo e contém o mais alto potencial de carga, a partir da extração da energia protoplasmática obtida pela ingestão de comida. Evidentemente essa energia não pode ser visualizada senão por suas manifestações. As ondas de excitação atravessam todo o organismo a partir do núcleo, na qualidade de ondas intermitentes. O que ocorre é que, provavelmente, a energia se concentra até que o organismo atinja um ponto de tal excitação que se ilumina. Iluminação significa que a energia se acende da mesma forma que uma centelha quando explode uma chama. A nível humano é idêntica aos frêmitos ou excitação genital. Dizemos que a pessoa brilha ou está luzindo, nessa circunstância.
Ocorre então uma descarga, após a qual o organismo reinicia rapidamente o processo de rearmazenamento da carga. Resulta disso um efeito pulsátil intermitente cuja aparência é de uma alternância entre expansão e contração. Em circunstâncias normais, a ameba nunca está inativa, pois as ondas de excitação fluem continuamente através do protoplasma.Uma observação cuidadosa pode determinar um campo de energia ao redor da membrana, pulsando junto com o organismo, assemelhando-se bastante ao que se passa na coroa solar.
A ingestão de comida produz mais energia do que a que é gasta, de modo que o nível energético vai gradualmente aumentando no seio do organismo. Quando atinge o ponto de iluminação,cresce a tensão ao nível da membrana e a membrana começa a alongar-se, chegando até o ponto de estreitar-se em seu centro para que se encontrem seus dois lados opostos. Formam-se assim, por meio de uma divisão, duas novas amebas. Esta divisão cria uma área superficial maior, que reduz a tensão; este é o mecanismo que a ameba tem à disposição para dar conta do excesso de comida e evitar explodir. A propagação é um corolário e não a causa da divisão,segundo nosso parecer.
A expansão normal verificada nos movimentos pulsáteis é ampliada quando a ameba configura seus pseudópodos para englobar a comida e a energia excitada flui em direção da membrana, empurrando-a à frente. A ação inversa acontece quando a membrana sofre um ataque do meio. Se, por exemplo, for cutucada com um alfinete, contrai-se. Depois de uma alfinetada apenas, a ameba logo começa a expandir-se novamente. Se acontecerem várias alfinetadas sucessivas, a ameba torna-se cautelosa, expandindo-se ansiosa e incompletamente. Depois de uma série de ataques,a ameba permanece em contração, permitindo-nos dizer, por motivos práticos, que está encouraçada e passando por uma sensação e ansiedade. Está se defendendo do meio ambiente através de uma redução do seu tamanho, as custas, porém, de uma menor mobilidade e de um aumento no nível da pressão interna. Caso os ataques continuem, a ameba deixará de produzir energia. Na verdade, o nível da energia irá decaindo lentamente,fazendo com que a ameba perca sua tonicidade, sua membrana se enrugue, o campo energético diminua até desaparecer. Finalmente, a ameba se encolhe e morre. De igual modo ocorre com um ser humano canceroso ou deprimido.
O organismo humano, não obstante um nível infinitamente superior de complexibilidade, consiste fundamentalmente nas mesmas estruturas que a ameba: o centro, ou sistema nervoso vegetativo; o protoplasma, composto pelo sangue, pelo tecido e pelo líquido linfático; pela membrana, ou pele; e por um campo energético. Evidentemente, ocorrem especializações num organismo tão complexo sob a forma dos vários órgãos internos que servem a funções específicas, da estrutura esquelética que sustenta a forma característica, e da musculatura que provê os meios de locomoção.
O sistema nervoso vegetativo consiste em dois sistemas nervosos opostos: o parassimpático e o simpático. O primeiro produz a expansão ou o dirigir-se para fora, do ponto de vista do organismo todo (apesar de existir alguns órgãos internos contraindo-se realmente e forçando seu conteúdo em direção à superfície da pele); o segundo é responsável pelas contrações do organismo como um todo (embora alguns órgãos internos possam realmente se expandir e, ao fazê-lo, impedem seu conteúdo de atingir a superfície). É interessante observar que, a nível químico, o parassimpático é funcionalmente identificado com a alcalinidade, com os íons de sódio e de potássio, ao passo que o simpático tem afinidade com a acidez e com os íons de cálcio. É importante lembrarmo-nos deste ponto no que diz respeito à produção de algumas condições e doenças, tais como úlcera péptica, calcificação das artérias, dos ossos, dos ligamentos, etc.
Ambos os sistemas simpático e parassimpático são compostos por nervos e gânglios. Os gânglios do primeiro são localizados principalmente no cérebro e na pélvis, isto é, nas duas extremidades do organismo onde se situam as zonas erógenas e onde é mais importante o contato com o meio ambiente. O parassimpático expande concretamente os órgãos que rodeiam estes gânglios e do ponto de vista da expansão total (isto é, dos genitais em face de excitação sexual). Os gânglios do simpático estão principalmente situados no abdômen e peito,ao longo das víceras e expandem concretamente esses órgãos; mas, do ponto de vista do organismo como em todo, os gânglios simpáticos produzem contrações (do peito durante a inspiração, por exemplo,ou seja, uma contração do ponto de vista da totalidade orgânica).
Os efeitos antitéticos da expansão parassimpática da contração simpático já adquiriram sua reputação na linguagem popular: as mãos ficam frias como pedras de gelo, as pessoas têm calafrios de medo, ou ficam congeladas de tanto desgosto. Todas estas frases referem-se à contração do simpático. Por outro lado, estourando de entusiasmo, inundado pelo orgulho são expressões de uma expansão parassimpática.
À semelhança da ameba, o corpo humano está num estado de expansão e recolhimento contínuos, presente em todos os tecidos do organismo,apesar de mais facilmente observável no pulso e na respiração. A energia é transportada para a superfície e para os órgãos especializados através do sangue basicamente,embora flua sem dúvida de modo direto para os tecidos,até certo ponto. O sistema circulatório tem condições de levar a energia rapidamente para qualquer parte específica do corpo, no momento de uma necessidade; por exemplo, para os músculos, quando o organismo sofre um ataque. A excitação decorre do sistema nervoso vegetativo que estabelece a direção do fluxo energético quando abre determinados canais dentro do corpo e fecha outros. A intensidade da excitação, ao longo do montante de energia, determinam a força da carga ou impulso de qualquer fluxo em particular.
Este fluxo de energia é vivenciado como emoção. Por exemplo, a raiva, decorre de um fluxo de energia para os músculos; o prazer, semelhante à expansão, resulta de um fluxo energético para a superfície da pele (os genitais são parte da pele, ou ectoderma); e a ansiedade acontece se o fluxo se dirige para dentro,para os órgãos internos, causando necessariamente uma contração do organismo. Estas três são as nossas emoções básicas.
As duas emoções subsidiárias são as aspirações ou desejos e a tristeza. No caso da primeira,o fluxo de energia volta-se fundament6almente para o peito e braços, mas também para a pélvis e para a boca (desejo de superposição), determinando o voltar-se para fora em busca de algo não presente, mas desejado. No caso da tristeza, que é uma reação frente a perdas, o desejo ou anelo não tem perspectiva de ser satisfeito, e o organismo simplesmente se contrai.
O escoamento de energia para fora de uma certa região corpo resulta numa fraqueza conhecida como orgonia. Ou,então, a energia pode permanecer naquela região e o organismo se contrai ao nível da musculatura. A couraça é a resultante da energia contida por uma contração muscular, que não flui pelo corpo. É evidente que a couraça surge também como uma resposta temporária de autoproteção, endereçada ao meio ambiente, não se constituindo em desvantagem ao organismo na medida em que for abandonada quando desaparecer a situação que a suscitou.
A energia é produzida, corporalmente, pela ingestão de alimentos,de líquidos e de oxigênio, sendo também absorvida diretamente pela pele. É descarregadapor meio das atividades, da excreção, da expressão emocional, do processo de pensamento, e pela conversão em calor corporal,que se irradia pelo meio circundante. É igualmente usada para o crescimento. Em situações normais, fabrica-se mais energia do que a necessária para a descarga. Se este processo não se interrompesse, o organismo teria de crescer ininterruptamente até estourar. No intuito de manter um nível de energia estável e econômico, o excesso tem de ser descarregado a intervalos mais ou menos regulares. Essa descarga econômica de energia é a função do orgasmo. No caso das mulheres, é provável que a menstruação possa servir também a este propósito. O parto certamente o faz. Antes da menstruação, o sangue escola para a pélvis e determina que a tensão será descarregada com o fluxo menstrual.
Na expansão, ou expiração, o impulso parece sair da cabeça para baixo, em direção dos genitais, e pode-se notar uma onda de excitação movendo-se nessa direção.Na contração,ou inspiração, a excitação difunde-se no plexo solar tanto para cima como para baixo. Portanto, na expansão, o impulso cobre duas vezes a distância necessária na contração. Este pode ser o motivo da pausa normal depois de expiração, enquanto o corpo experiencia.
Reich, no livro Análise do Caráter (p. 388), considera que
As convulsões do orgasmo acontecem com a expiração
profunda e coma onda de excitação que parte da região
diafragmática para a cabeça, de um lado, e, para os
genitais, de outro lado.
Isto não contradiz a nossa afirmação. A convulsão se dá no final de uma expiração completa,sendo uma contração muscular de descarga de energia depois de uma expansão total.O estímulo para esta contração pode originar-se no plexo solar, como uma extrasístole.
Na medida em que a energia aumenta, o corpo vai regularmente criando tensão. Num ponto determinado, conhecido como ponto de iluminação, a tensão é vivida como excitação sexual pelo indivíduo saudável. A energia que ultrapassa esse ponto de iluminação poderá ser considerada como energia sexual ou libido, como Freud a descreveu. A expansão normal, descrita acima, aumenta, então, espantosamente. A pele torna-se aquecida e seca, o pulso é forte e lento, a respiração profunda, a visão aguda, e os genitais estão cheios de sangue, ficando extremamente sensíveis. O campo também se expande, ficando altamente carregado. No caso da excitação sexual total,a energia deve, não só atingir a superfície da pele, em especial os genitais, como deve ser excitada desde o centro do corpo. Para que a excitação aconteça de centro para fora, são necessárias a aceitação das sensações genitais e a antecipação do abraço genital.
A excitação é aumentada ainda mais pelo campo energético e pela membrana do objeto sexual até que se torne imperativo que haja um contato mais íntimo e a união dos aparelhos genitais. A fricção rítmica produz rapidamente um máximo de concentração de energia e de excitação sexual. A descarga ocorre por intermédio de convulsões totais do corpo – ou orgasmo – sendo restabelecido o nível de economia energética. A totalidade do processo passa por quatro tempos (tensão, carga, descarga e relaxamento) descobertos por Reich e por ele denominados de fórmula do orgasmo.
A ansiedade é, na verdade, uma contração contra a expansão. A contração, em si, não produz ansiedade, como ocorre quando o indivíduo se encolhe no frio. A contração normal sofre uma exageração nos estados ansiosos. A pele fica fria e úmida, o sangue abandona a superfície do corpo, o pulso fica acelerado e fraco, a respiração é mais inspiratória (isto é, inspiração completa e expiração incompleta), a visão fica nublada, as pupilas dilatadas, e os genitais se contraem, havendo uma ausência de sensações.
Para manter sua saúde, a pessoa precisa de uma descarga orgástica a intervalos aproximadamente regulares, dependendo das circunstâncias que governam os outros mecanismos de descarga bem como do montante de energia disponível. O orgasmo é o único mecanismo, além do parto, capaz de descarregar todo o excesso de energia e de mantê-la num nível econômico.
DESENVOLVIMENTO PSICO-SEXUAL HUMANO
Existem três picos de atividade sexual durante os primeiros vinte anos de vida: no primeiro ano de vida, na primeira puberdade (aos cinco anos), e na puberdade. No bebê, o contato com o meio ambiente, nessa época, é feito principalmente pela boca, que está bastante carregada de energia, funcionado como órgão quase autônomo.
A boca realiza sua energia no ponto de máxima intensidade por meio de uma reação convulsiva que pode ser propriamente chamada de orgasmo oral. Muitos pediatras ignorantes desse fato diagnosticam epilepsia infantil quando observam um destes orgasmos.
O orgasmo bucal ocorre somente nos bebês sadios, com um bom contato com a mãe, cujos bicos dos seios são sensíveis, cálidos e vibrantes. Este é um contato de importância vital para o bebê e também para a mãe. A maioria dos obstetras não sabe que amamentar colabora para a involução natural do útero. É freqüente a mãe sentir poderosas contrações genitais. São sentimentos e sensações que podem dar origem a sentimentos de culpa (em decorrência de estar sexualmente excitada pela criança e de crer que pode estar abrigando desejos incestuosos), ou talvez ela não seja capaz de tolerá-los de modo algum.Poderão ser, inclusive, a causa de uma forte ansiedade (angústia), conhecida por ansiedade genital.
Se tiver oportunidade, o bebê logo descobre seus genitais e começa a brincar com eles. Em algum momento, entre os três e os cinco anos, estabelece-se a genitalidade (ou primazia genital) e daí em diante a descarga energética devem ser realizadas pelos genitais.
A partir da puberdade, quando há um espantoso aumento do funcionamento genital, a estrutura do organismo demanda a descarga Orgástica., através do abraço genital.
Ninguém sabe com exatidão, ainda, qual deveria ser o comportamento sexual sadio do indivíduo entre a infância (primeiro ano de vida) e a puberdade. Provavelmente, devesse consistir em masturbação e jogos sexuais entre indivíduos de ambos os sexos. Nas ilhas Trobriand, o sexo é expresso unicamente por meio de jogos sexuais heterossexuais e/ou por meio de relação sexual a partir dos 4 ou cinco anos de idade.
Para uma descarga completa, são necessários dois organismos que se excitem mutuamente. Superposição é um funcionamento básico observado por Reich em toda a natureza. Trata-se de uma excitação, atração e fusão mútuas num único sistema de energia. Este processo cria matéria no cosmos e novas vidas ao nível dos seres vivos. Lembremo-nos de que o bebê tem outro organismo com o qual interage: o corpo da mãe. Mesmo as formas mais primitivas de vida reproduzem-se regularmente num estágio sexual, além de suas simples divisões. Todos já experimentaram o desaparecimento da exaustão depois de vivenciar uma excitação. A energia da excitação confere muito poder e revitaliza o corpo. Também em terapia, o paciente necessita ser excitado pelo terapeuta através de procedimentos ou descargas emocionais, para que ocorra a liberação da energia represada.
Durante a meninice, o rápido crescimento físico e as atividades musculares dão provavelmente conta de boa parte dessa energia acumulada no organismo, de modo que a descarga sexual pode não ser tão imperiosa quanto o será na puberdade, quando a maturação do sistema endócrino produz uma intensa excitação da energia do organismo e uma maior necessidade de descargas regulares. No entanto, não se deve acreditar que esta fase seja assexual, tal como entendia Freud, quando a denominou de período de latência. A latência aparente é produto da repressão de nossa cultura. Os indivíduos que não tiveram este período (tal como o foi descrito por Freud) são os que melhor prognóstico têm em terapia. Consideramos emocionalmente doente a criança que não tem uma saída sexual; as interferências, mesmo que moderadas, com o funcionamento sexual tendem a ser críticas. As circunstâncias ambientais e emocionais, por exemplo, da primeira experiência da masturbação são, muitas vezes, importantes na determinação do padrão subseqüente, se masoquista, erótico uretral ou erótico clitórico.
Infelizmente, nossa sociedade não se satisfaz em apenas negar a sexualidade. Nega também a vida. Assim,são poucas as pessoas que alcançam a maturidade donas de uma potência orgástica completa. Pais e professores não têm condições de tolerar os movimentos naturais e o funcionamento natural da meninice e da adolescência. Os modos naturais do comportamento dos jovens provocam nos adultos uma grande ansiedade, redespertando sua própria culpa sexual. Instituem, assim, vários métodos de deterem este funcionamento natural.
DESENVOLVIMENTO NEURÓTICO
O plano fundamental para a inibição do funcionamento natural pode começar a ser realizado antes do bebê nascer, por meio de um útero espástico , que inibe sua movimentação. O próprio processo de parto poderá ser longo e dolorido, com anestesia, drogas e fórceps. O próprio nascimento poderá ser mecanicamente retardado para se aguardar a chegada do médico. Além disso, sabe-se hoje que a visão do recém-nascido diminui proporcionalmente á ingestão de remédios por parte da mãe no momento do parto.
No momento do parto, o ambiente que recebe o recém-nascido é principalmente hostil.Para começo de conversa é frio, se comparado à temperatura intra-uterina. A seguir, o bebê leva um violento tapa para começar a respirar, pendurado pelos pés e aguilhoado nos olhos com uma medicação tida como conveniente.
Isto é só o começo. Tão logo nasce, o bebê é separado da mãe após nove meses de um contato íntimo e cálido, sendo colocado sozinho num berço em outro quarto, com cobertas ásperas, freqüentemente sob luzes bastante intensas brilhando sobre sua cabeça impiedosamente 24 horas por dia. A seguir, o regime um horário certo de alimentação vindo de um bico de seio frio e insensível, de uma mãe neurótica ou de uma mamadeira sem vida alguma. O meio ambiente é barulhento e caótico.As enfermeiras, muitas delas, rudes, grosseiras e descuidadas. Colocam-se luvas nas mãos dos bebês com a alegação de que sem elas eles poderiam facilmente se arranhar. Nem chupar seus polegares os pobrezinhos podem, o que, talvez os satisfizesse. É doloroso ver um bebê em apuros, tentando sugar o dedinho. São, muitas vezes, embrulhados feito pacotes com mantas e cobertores que limitam demasiadamente sua capacidade de movimento. O bebê é bloqueado em todos os seus sentidos, que poderiam pô-lo em contato com o mundo ao seu redor.
A medicina clássica nos ensina que os bebês não focalizam os olhos durante seis semanas e que a respiração é irregular e entrecortada pelo fato de sua medula ainda não estar desenvolvida. Os bebês saudáveis, porém, focam os olhos assim que nascem. Eles conseguem, por exemplo, apanhar com os olhos uma pessoa que se desloque pelo quarto. Seu ritmo respiratório vai para baixo num movimento inequívoco que atinge a pélvis, produzindo o reflexo do orgasmo.
Os bebês nascidos em hospital, nas atuais condições, jamais são capazes de se virar em poucas horas; os bebês sadios, nascidos de parto normal, conseguem. Rapidamente atingem sua auto-suficiência quanto a entretenimento e movimentos. Frente, porém, ao ambiente comumente adverso a este tipo de desenvolvimento, este não ocorre. Ao contrário disso, o bebê se contrai, o peito pára demover-se livremente, o diafragma se bloqueia, os olhos não ficam em foco, a pele torna-se fria e azul. Reage inicialmente com raiva (choro raivoso), depois, com charamingos e lamentos para exibir toda a sua miséria. A circuncisão, praticada em meninos, faz com que o pênis também se contraia e fique azul e frio. Vi alguns ficarem neste estado por dois anos.
Depois deste início bastante eficaz, a vida é mais bloqueada ainda, por volta dos dois anos de idade ou antes, por um treinamento de banheiro iniciado precocemente e de forma rigorosa e autoritária. Este procedimento, mais tarde, e em última análise, torna a criança mais submissa à idéia de abandonar seus impulsos masturbatórios e seus desejos sexuais. O controle esfincteriano não é possível antes dos 18 meses de vida. Nesse sentido, o treinamento precoce de banheiro (algumas mães chegam ao cúmulo de iniciá-lo aos quatro meses) exige contrações musculares, principalmente dos músculos da coxa, soalho pélvico e nádegas, além de uma retração da pélvica e de uma inibição respiratória suplementar. Este é um exemplo bastante conhecido0 do processo de encouraçamento, na medida em que diminui efetivamente a expressão emocional natural, além das sensações de prazer na região da pélvis.
A couraça é formada pelo medo da punição e pelo sentimento de culpa (menino, não toque nesta imundice) instalado na criança. Este tipo de educação, infelizmente, é rotineiro e amplamente aceito em nossa sociedade, não incluindo as diversas categorias de sadismo praticadas pelas babás e até mesmo por certas mães contra os pequeninos. Um paciente de Psicanálise lembrou-se de ter sido obrigado a comer o conteúdo se suas fraldas por tê-la sujado. Um outro, ainda, teve o nariz esfregado na fralda suja. Ainda por cima, existem as medonhas ameaças quanto aos resultados da masturbação. Sendo assim, a descarga bioenergética é impedida
A medicina clássica nos ensina que os bebês recém-nascidos não focalizam seus olhos durante seis semanas e que sua respiração é irregular e entrecortada pelo fato de sua medula não estar suficientemente desenvolvida. Os bebês saudáveis, porém, focalizam os olhos assim que nascem. E conseguem acompanhar pelo quarto uma pessoa que se desloque. Seu ritmo respiratório vai para baixo num movimento inequívoco que atinge a pélvis, produzindo o reflexo do orgasmo. Os bebês nascidos em hospital jamais serão capazes de se virar em poucas horas; os bebês sadios, nascidos de parto natural, conseguem. Rapidamente conseguem sua auto-suficiência quanto a movimentos e entretenimento. Frente,porém, a um ambiente adverso a este tipo de desenvolvimento, isso não ocorre. Ao contrário, o bebê se contrai, o peito pára de mover-se livremente, o diafragma se bloqueia, os olhos não entram em foco, a pele torna-se azul e fria. Reage, inicialmente, com raiva (choro raivoso), depois, com choramingos e lamúrias para exibir toda sua miséria. Nesse instante, a circuncisão, praticada nos meninos recém-nascidos, faz com que seu pênis também se contraia e fique permanentemente azul e frio. Vi alguns ficarem assim por dois anos.
Depois desse início particularmente difícil, a vida é ainda mais bloqueada pelo treinamento de banheiro, iniciado precocemente, que, em última análise, torna a criança mais submissa à idéia de abandonar seus impulsos masturbatórios e seus desejos sexuais. O controle esfincteriano não é possível antes dos 18 meses de idade. Portanto, o treino precoce do controle dos esfíncteres (algumas mães o iniciam aos quatro meses de idade) demanda contrações da musculatura, principalmente dos músculos das coxas, nádegas e assoalho pélvico, além da retração da pélvis e de uma suplementar inibição da respiração. Este é um exemplo clássico do processo de encouraçamento, na medida em que diminui significativamente a expressão emocional natural,além das sensações de prazer na região pélvica.
A couraça é introduzida a partir do medo da punição e pelo senso de culpa (não toque nesta imundice) instalado na criança. Este tipo de educação é rotineiro e amplamente aceito, não incluindo as diversas modalidades de sadismo praticadas por babás e mesmo por alguns pais. Um relato de paciente em psicoterapia nos dá conta de que um rapaz, quando criança, havia sido obrigado a comer o conteúdo da fralda por tê-la sujado. Um outro caso relata que uma moça, em tenra idade, teve o nariz esfregado nas fraldas sujas. Por cima disso, há as medonhas ameaças quanto aos resultados da masturbação. Sendo assim, a descarga é impedida, de modo que a energia se acumula e a tensão aumenta. Os impulsos sexuais e outros impulsos agressivos, ternos e suaves a princípio, tornam-se rudes e violentos. Esta é a origem do sadismo sexual que a sociedade tenta acertadamente abolir, mas através de método errado,isto é, intensificando a repressão.
Devemos recordar que, inicialmente, a criança não é estúpida, cruel ou sádica. Mas, aprende a ser. A raiva desenvolve-se em conseqüência das frustrações, devendo ser reprimida a seguir. Havendo então apenas uma pequena descarga de energia biológica, é imperioso ao indivíduo continuar a encouraçar-se cada vez mais eficientemente, chegando, enfim, a comprometer toda a sua musculatura. Sente uma tensão interna e uma ansiedade inexoráveis. Essa couraça é eficaz até um certo momento, pois de súbito irrompem os desejos sexuais reprimidos couraça afora, sendo desviados de imediato através da formação reativa. Perde-se, enfim, a espontaneidade, a criança torna-se limitada, mecânica e confinada às tarefas diárias e tediantes do seu cotidiano. Em resumo, a primeira causa da neurose é a repressão moral sexual e sua força propulsora é a energia sexual insatisfeita.
NEUROSE
A neurose não é, costumeiramente, definida como medo da vida. Mas é exatamente isso. A pessoa neurótica teme abrir-se emocionalmente ao seu sentimento, tem medo do amor e não consegue estender a mão para pedir ou para defender-sede uma agressão. Amedronta-se em ser ela mesma. Esses temores podem ser explicados pela psicologia, que se ocupa justamente de conferir entendimento sobre as atitudes irracionais, incoerentes. E o medo daquilo que é bom, que dá prazer, é exatamente isso: algo incoerente.
Quando abrimos nosso coração ao amor, ficamos vulneráveis à mágoa. Quando estendemos os braços à frente,nos arriscamos à dor da rejeição. Quando agredimos, como resposta defensiva a uma agressão qualquer, há a possibilidade de sermos destruídos.
Existe,todavia, uma outra dimensão deste problema. Vida, ou sensações mais intensas do que aquelas a que o indivíduo está acostumado, é algo perigoso demais, pois ameaça inundar o ego, ultrapassando os limites e destruindo a identidade. É assustador sentir mais vitalidade, ter emoções mais intensas.
Em certa medida, estamos todos querendo nos tornar mais cheios de vida, sentir mais. E temos medo disso. Nosso medo da vida se espelha em nossa maneira de nos mantermos ocupados em não sentirmos aquilo que queremos sentir, de ficarmos na correria, não nos encarando, de nos drogarmos ou alcoolizarmos a fim de diminuir nossas sensações, nosso contato com o mundo e a realidade. Por termos medo da vida, procuramos controlá-la. Acreditamos que é perigoso sermos levados de roldão pelas nossas emoções. Admiramos a pessoa fria, que aparenta não ter sentimentos. A ênfase (em ter) de nossa cultura recai sobre o fazer, o conquistar, o conseguir resultados. O indivíduo contemporâneo está comprometido com seu sucesso, não em ser uma pessoa. Pertence, justificadamente, à geração da ação, cujo lema é: faça mais, sinta menos. Esta atitude caracteriza uma grande parte don comportamento sexual de hoje: muita atuação, pouca paixão.
O indivíduo compulsivo pela busca de bons, de excelentes, resultados, independentemente do quão bem possa se sair, é um fracasso. A maioria de nós, possivelmente, sente o fracasso em si mesmo. Mas, temos uma noção muito superficial, paupérrima mesmo, de nossa miserabilidade. E, assim, estamos, o tempo todo, determinados a superar nossas fraquezas, conter nossos sentimentos, diminuir a ansiedade. Esta é a explicação pelo sucesso de todos os livros de “auto-ajuda”, do tipo: Como prosperar, ou então, Como ser feliz. Infelizmente, esses esforços estão fadados ao fracasso. Ser uma pessoa não é algo que se possa fazer, programar. Não é um desempenho.
Se pudermos encarar nosso vazio interior, encontraremos um preenchimento. Se pudermos encarar nosso desespero, encontraremos a alegria.
Ser neurótico, ter medo de viver, poderão ser o destino inexorável do homem atual? Com certeza sim, se por homem atual entendermos o membro de uma cultura cujos valores predominantes são a competitividade, a busca pelo poder e o sucesso. Uma vez que estes são os valores predominantes na cultura atual do homem dito civilizado, decorre que todo o indivíduo criado nela se torna neurótico.
O neurótico está em constante conflito consigo mesmo. Parte do seu ser está tentando sobrepujar uma outra parte. Seu ego está tentando dominar seu corpo; sua mente racional quer controlar seus sentimentos. Sua vontade quer superar medos e ansiedades. Apesar deste conflito ser, em grande parte, inconsciente, seu efeito consiste em esvaziar a pessoa de sua energia, destruindo sua paz de espírito.
Neurose é um conflito interno. O caráter neurótico assume muitas formas. Todas elas envolvem uma luta, no interior da pessoa, entre o que ela é e o que acredita que deva ser. Todo neurótico é prisioneiro deste conflito.
Como surge esse conflito? Por que o homem atual padece dessa patologia? No caso individual, a neurose emerge no bojo de uma situação familiar. A situação familiar, contudo, reflete a cultura, pois a família está sujeita a todas as forças da sociedade a qual pertence.
Para podermos entender a condição existencial do homem atual e conhecermos seu destino, devemos investigar as fontes de conflito de sua cultura. Com alguns deles estamos familiarizados. Falamos bastante de paz, mas nos preparamos para a guerra. De fato, a história da humanidade tem sido uma história de lutas sangrentas e de todo tipo de atrocidades que o ser humano pratica contra seus próprios semelhantes.
Estudos científicos sobre sociedades primitivas demonstram que a repressão erótica (prazer de todo o corpo) e sexual costuma estar ligada a estruturas sociais rígidas, disposição para a guerra, tortura de inimigos, escravidão, lutas pelo poder, diferenças injustas entre homens e mulheres e entre adultos e crianças e, por fim, a existência de religião institucionalizada. Nas sociedades permissivas (pouquíssimas) todos estes parâmetros se invertem, sobretudo nas manifestações de violência. (GAIARSA, in: GUIA DA REVISTA CORPO A CORPO, DA QUALIDADE DE VIDA , s.d. p. 156)
Aceitemos ou não a sexualidade e a sensualidade existem e só há duas formas de lidar com elas: a repressão ou o amor. Diante das terríveis e desastrosas conseqüências que uma educação sexual, moralmente repressora, pode causar é importante encararmos a educação das nossas crianças não apenas explicando-lhes as coisas, mas permitindo que elas experimentem – na prática, corporalmente – jogos eróticos entre si. E, caso a criança queira experimentar joguinhos sexuais com os adultos, o melhor será aconselhá-la que vá fazer isso com os irmãos e priminhos. A criança, na verdade, fará isso mesmo que ninguém lhe diga nada. Todos os livros que estudam a sexualidade infantil trazem relatos mais do que freqüentes deste pecado horrível que é o incesto, dessa coisa feia e tenebrosa que se chama sexualidade, uma sexualidade que a maioria aprende às escondidas, como se fosse um crime. Esse aprendizado seria melhor se fosse aberto e aceito. Contudo, ainda hoje continua sendo uma verdade – como há muito tempo é – que nas famílias limpas e lindas – e todas as famílias do mundo reivindicam para si esse status – ninguém tem pinto, nem xoxota. A ninguém é permitido ter essas coisas feias, pecaminosas, imundas e impuras. “Imaginem se meu pai vai ter coragem de tomar essas confianças com a minha mãe?!” Embora – muito estranhamente – sejam dessas coisas imundas e horrorosas que nasce a família limpa e linda. Eis o grande paradoxo moral do paradigma cultural em que se desenvolveu nossa civilidade oca, hipócrita e inconsistente.
Mas, como proceder à educação da sexualidade? Na rua, a educação da sexualidade é feita da pior maneira possível, cheia de malícia, maldade, pornografia e, sobretudo, de ignorância. As melhores alternativas são, em primeiro lugar, a família, e, num segundo momento, a escola. Claro que ninguém vai falar de tudo prá criança e de uma só vez.
A educação da sexualidade infantil tem de ser gradual, ligada, principalmente, a perguntas que ela mesma fará, de acordo com a sua realidade. Falar de sexualidade na educação de nossas crianças é falar da vida, de sentimentos, de realidade. Não é pecado, imoralidade ou coisa que o valha se preocupar honestamente com os destinos da felicidade dos novos membros que ingressam na sociedade. O medo de falar dessas coisas simboliza apenas o medo de e a incompetência nossa de cada dia em sermos felizes. Esta proposta é deveras radical para a educação. Assim, todos que aceitem o desafio de encarar a responsabilidade de uma educação de corpo inteiro podem ser considerados subversivos morais, senão verdadeiros terroristas. Mas, como disse um amigo, certa vez: SE TODOS OS PROBLEMAS ADVÉM DE SE TER CONSCIÊNCIA, EU PREFIRO SER CONSCIENTE.
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Publicado por: Giancarlo
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