Whatsapp

MODERNIDADE, RAZÃO INSTRUMENTAL E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DE ADORNO E HORKHEIMER

Projeto de modernidade e seus desdobramentos no âmbito da educação, realizando sua problematização filosófica a luz do pensamento de Theodor Adorno e Max Horkheimer.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Este pequeno artigo, apresentado como requisito parcial de avaliação da Disciplina Fundamentos da Educação Tecnológica, ministrada pelo Dr. José Geraldo Pedrosa no programa de pós-graduação em Educação Tecnológica do CEFET/MG, tem por objetivo discutir o projeto de modernidade e seus desdobramentos no âmbito da educação, realizando sua problematização filosófica a luz do pensamento de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Para tanto, mobilizou-se o conceito de razão instrumental tão presente nas análises frankfurtianas, evidenciando como o esclarecimento proposto pelo projeto iluminista se desfigurou e, mediante uma severa mitigação da chamada razão objetiva, empobreceu sobremaneira o saber filosófico. Os efeitos dessa celeuma no campo da educação são observados através da chamada pedagogia tecnicista, a qual se vê elucidada, nesse artigo, pelas contribuições de Paulo Ghiraldelli Júnior.

Palavras-chave: Modernidade; Razão Instrumental; Pedagogia Tecnicista

MODERNIDADE, RAZÃO INSTRUMENTAL E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DE ADORNO E HORKHEIMER

O projeto da modernidade se baseia numa confiança irrestrita a razão. Apta a entender e domesticar a natureza em proveito da humanidade, a razão moderna se estabelece enquanto uma promessa de progresso como trajetória humana. O homem racional passa a ocupar o centro das investigações filosóficas, rompendo com o teocentrismo que por muitos séculos predominou a história do pensamento humano. Miranda e Rocha (2010) declinam que os valores modernos são tributários das transformações ocorridas desde a idade média, dentre as quais destacam: o renascimento, o papel central do Estado, as revoluções sociais e políticas, as grandes navegações, o rompimento com o teocentrismo e o papel da ciência enquanto legitimadora dos discursos.

O período que precedeu a modernidade se pautou na supremacia do saber teocêntrico, no qual Deus era a grande referência para se explicar a realidade. Destarte, “a escolástica, durante todo período conhecido como Idade Média, colocou a Teologia acima de todos os outros saberes humanos” (LOURENÇO, 2012); o homem moderno descentraliza a religião como única forma de explicar o mundo e uma postura antropocêntrica passa ocupar o cerne das investigações filosóficas, movimento que se inaugura através do racionalismo cartesiano e encontra seu ápice no iluminismo.

Em Kant (1724-1804), através o opúsculo Resposta à pergunta: o que é iluminismo?, se propõe a responder a indagação em voga declinado que o “iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem” (KANT, 1985, p.100). Romper com a menoridade, em Kant, significa servir-se de si mesmo através de uma postura autônoma, esclarecida, dotada de liberdade de pensamento:

(...) servir-se de si refere-se a um modo de atuação dessa liberdade da vontade do indivíduo. Indica a apropriação que alguns indivíduos fazem de sua própria razão, driblando a indolência e a covardia. Assim, é servindo-se de si que o homem sai da menoridade e, por conseguinte, dá início a seu esclarecimento. Neste processo, a razão e seus usos possuem papel de relevo (KAHLMEYER-MERTENS, 2012)

A razão, traço que distingue o homem dos demais seres viventes, capaz de nortear suas ações de acordo com seus propósitos, segundo Kant, está estreitamente vinculada ao conceito de liberdade. O esclarecimento, a saber, o agir autônomo pautado no livre pensar, ostenta em seu cerne a liberdade e a razão, instâncias “imprescindíveis àquilo que se chamou de servir-se de si” (KAHLMEYER-MERTENS, 2012, p.255).

As contribuições de Theodor Adorno (1903-1969) dialogam em certa medida com o conceito de esclarecimento presente em Kant, todavia sem deixar de apontar os problemas engendrados pela exacerbada crença moderna na razão como propulsora inexorável do progresso. Em Educação para quê? (1970), Adorno discute a natureza teleológica da educação, postulando que a heteronomia, ou seja, a sujeição a uma lei exterior ou à vontade de outrem, representa uma afronta ao homem esclarecido anunciado por Kant. Nesses termos, Adorno rejeita a ideia de uma educação baseada nos chamados modelos ideais, enxergando neles uma natureza usurpatória.

É de se perguntar de onde alguém se considera no direito de decidir a respeito da orientação da educação dos outros. As condições — provenientes do mesmo plano de linguagem e de pensamento ou de não pensamento — em geral também correspondem a este modo de pensar. Encontram-se em contradição com a ideia de um homem autônomo, emancipado, conforme a formulação definitiva de Kant na exigência de que os homens tenham que se libertar de sua auto inculpável menoridade. (ADORNO, 1970, p. 140)

Adorno realiza um importante resgate da ideia do esclarecimento, contudo, numa concepção que não prescinde de questionar os limites da razão moderna e seus desdobramentos controversos. O filósofo foi contemporâneo da segunda grande guerra, evento que definitivamente colocou em xeque o ideal iluminista de que a razão conduziria o homem ao seu contínuo aperfeiçoamento. A barbárie racionalizada presente no nazismo, tributária em grande medida de teorias afetas ao darwinismo social, enquadram a razão moderna e suas pretensões universalizantes. Assim sendo, “não havia mais como deixar a razão conduzir por si só os destinos humanos. Além disso, sua capacidade de conferir autonomia aos indivíduos passou a ser questionada” (SILVA e SENA, 2015, p. 175). A emancipação, libertação do homem de sua auto inculpável menoridade, não representa em Adorno uma ruptura completa com os ditames da razão moderna, constituindo-se numa revisão crítica de seus limites e potencialidades que:

(...) deve constituir-se numa dialética crítica que ponha em questão não só o devir humano, mas também os seus próprios mecanismos internos, questionando-se de maneira incessante e dimensionando seus postulados sempre que necessário. Disso resultará uma postura bem menos ingênua em torno dos caminhos da racionalidade, mas que não recusa seu potencial (SILVA e SENA, 2015, p. 180)

A contribuição dos chamados filósofos frankfurtianos nessa discussão perpassa, ademais, pelo conceito de razão instrumental cunhado por Max Horkheimer (1895-1973), pensador que, juntamente com Adorno, construiu as bases epistemológicas da chamada teoria crítica. Em sua obra “O eclipse da razão”, publicada em 1947, Horkheimer delimita o conceito de racionalidade instrumental, distinguindo duas formas de razão: a razão subjetiva (interior) e a razão objetiva (exterior). A denominada razão subjetiva representa a faculdade que torna possível as nossas ações. Trata-se da faculdade de inferência, dedução e classificação que proporciona o “funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento”.  (Horkheimer, 1976, p. 11). Assim sendo, a razão subjetiva, se relaciona com os meios e fins, pois “(...) a razão subjetiva se revela como a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim determinado” (Horkheimer, 1976, p. 13). A razão objetiva, por seu turno, “é entendida por Horkheimer como a dimensão capaz de definir os fins das ações” (PETRY, 2013, p.40); essa concepção, portanto:

(...) afirmava a existência da razão não só como força da mente individual, mas também do mundo objetivo: nas relações entre os seres humanos e entre classes sociais, nas instituições sociais, e na natureza e suas manifestações (HORKHEIMER, 2002, p. 13)

A razão objetiva, portanto, não se trata somente da faculdade mental, pois se expressa no mundo objetivo, na medida em que considera a existência de uma espécie de ordem harmonizadora subjacente ao mundo concreto. Esse conceito se faz presente desde os primórdios do saber filosófico e, na Grécia antiga, fora representado pelo logos[1]:Foi a partir desse conceito que a própria filosofia se tornou possível enquanto um sistema que procurou organizar e hierarquizar seres, coisas e ações de acordo com a noção de uma totalidade (PETRY, 2013, p.40). As sensíveis transformações ocorridas no seio do período moderno, sobretudo no iluminismo, provocaram o total rompimento entre a razão e a religião. Essa fratura retirou da autoridade religiosa o monopólio da verdade, ao passo que furtou da razão seu aspecto objetivo, “que sucumbe frente a sua formalização levada a cabo pelo racionalismo” (PETRY, 2013, p.43). Preleciona Horkheimer que:

(...) os filósofos do iluminismo atacaram a religião em nome da razão; e afinal o que eles mataram não foi a Igreja, mas a metafísica e o próprio conceito de razão objetiva, a fonte de poder de todos os seus esforços (HORKHEIMER, 2002, p. 26)

Importa mencionar que a crítica realizada por Horkheimer não abrange a razão como um todo, mas ao seu aspecto subjetivo que, desapegado de uma ordem objetiva e sem mais condições de determinar os fins últimos, tornou-se uma razão instrumental que mobiliza apenas os meios e se converte, em última análise, num instrumento de dominação. A crítica se instaura na razão subjetiva que:

(...) passa a ser tratada, já sem a determinação dos fins últimos, como mero mecanismo de adequação entre meios e objetivos fundados em interesses particulares, correspondendo a um modo de operar presente na realidade que se reduz a um caráter puramente instrumental e encontrando expressão no pensamento filosófico por meio de concepções que justificam o funcionamento dessa razão como cálculo. Horkheimer dirige sua crítica, portanto, não à razão enquanto totalidade que envolve as duas dimensões, mas à racionalidade instrumental fruto de uma autonomização do caráter subjetivo da razão (PETRY, 2013, p.47).

A digressão filosófica realizada é deveras oportuna para se pensar a educação, indagando-nos se a escolha de um projeto educativo deve representar um fim em si mesmo ou um meio para se alcançar determinado objetivo particular. O que hoje se denomina educação para o mercado, a saber, uma educação voltada tão somente para atender as demandas do sistema produtivo capitalista, nada mais é que um desdobramento da razão instrumental tão discutida pelos frankfurtianos. Horkheimer nos mostra de maneira sagaz como a razão objetiva sofreu um verdadeiro eclipse ao evidenciar as contingências oriundas do esclarecimento iluminista, o qual fez germinar uma racionalidade desvencilhada dos fins, esta que a cada dia assume maiores proporções nos projetos pedagógicos, conforme nos releva Ghiraldelli Júnior:

Entendo que a racionalidade técnica, ou, em termos mais conhecidos, a racionalidade instrumental, que está preocupada com os meios sem colocar em causa os fins, não está voltando as universidades. E isto porque delas nunca saiu. Muito menos posso acreditar que nós, no ocidente, estamos mais conscientes das inadequações da racionalidade técnica. Pelo contrário, no mundo atual o cotidiano de todas as atividades e, portanto, também da atividade do professor, está cada vez mais orientado pela razão instrumental (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1997, p.246)

A exposição de Ghiraldelli Júnior (1997) defende uma racionalidade que retome a razão objetiva, ou o Logos, ao projeto pedagógico, rompendo com o tecnicismo que nada mais é do que a expressão da racionalidade instrumental apontada por Horkheimer. Com isso, a educação deixa de ser um mero expediente para determinado objetivo particular e encontra um fim em si mesmo, uma genuína razão de ser. O filósofo brasileiro termina seu artigo com uma indagação um tanto quanto intrigante:

Se não for para traçarmos caminhos alternativos de modo que possamos pensar em uma racionalidade na qual o Logos volte a se harmonizar com Eros e Cronos, de que vale pensarmos na formação de professores? (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1997, p.261)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, T.W. (1970) Educação para quê? In: Adorno, T.W., Educação e Emancipação, Tradução de Wolfgang Leo Maar, Editora Paz e Terra, entrevista radiofônica de 1969.

GHIRALDELLI JÚNIOR, P. Educação e Filosofia. 11 (21 e 22) 245-262. jan/jun e jul.dez. 1997.

HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão. Rio de janeiro: Labor do Brasil, 1976.

HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2002.

KANT, I. Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento? ». Textos seletosEdição Bilíngue. Trad. Raimundo Vier; Floriano de Sousa Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 100-117.

LOURENÇO, Leonardo Dalarue de Souza. A natureza humana segundo Thomas Hobbes: Uma tentativa de interpretação a partir dos conflitos político religiosos da Inglaterra e da Europa do século XVII. Dissertação (Mestrado) – Rio de Janeiro: PUC.

MIRANDA, José da C. Bispo de; ROCHA, Roberto A. da. Fundamentos da Sociologia da Educação. Teresina: NEAD/UESPI/UAB, 2010.

PETRY, Franciele Bete. O conceito de razão nos escritos de Max Horkheimer. Cadernos de Filosofia Alemã, v. 1, n. 22, p. 31 - 48, 2013.

SILVA, Victor Leandro; SENA, Daniel Richardson de Carvalho. Kant e Adorno: educação e autonomia. SABERES, Natal – RN, v. 1, n. 11, Fev. 2015, 170-182.

[1] Para Heráclito de Éfeso (V a.C.), conjunto harmônico de leis que comandam o universo, formando uma inteligência cósmica onipresente que se plenifica no pensamento humano.


Publicado por: Elton Basílio de Souza

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.