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Literatura nas aulas de línguas estrangeira: um enfoque nos best-sellers

Alternativas para o ensino de literatura nas aulas de Línguas Estrangeiras e atividades que valorizem o conhecimento e gosto dos educandos.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

O objetivo deste artigo, oriundo de pesquisa bibliográfica e atividade experimental em sala de aula, é discutir alternativas para o ensino de literatura nas aulas de Línguas Estrangeiras, a saber, Inglês e Espanhol. Como é de conhecimento dos professores de LE, abordar textos literários na segunda língua é bastante complexo, exigindo diversos saberes linguísticos e culturais. Por isso, propõe-se atividades que valorizem o conhecimento e gosto dos educandos, e que agregue as competências exigidas para o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, leitura, escrita, escuta e fala.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Ensino. Leitura.

ABSTRACT

The purpose of this article, from a bibliographical research and experimental activity in the classroom, is to discuss alternatives for teaching literature in Foreign Language classes, namely English and Spanish. As it is known by LE teachers, approaching literary texts in the second language is quite complex, requiring different linguistic and cultural knowledge. Therefore, it is proposed activities that value the knowledge and taste of learners, and that adds the skills required for the teaching-learning process, ie reading, writing, listening and speaking.

KEY WORDS: Literature. Teaching. Reading.

INTRODUÇÃO

Como professora de inglês e espanhol, posso afirmar que a leitura nas aulas de línguas estrangeiras, em ambas as línguas, inglês e espanhol, é um grande desafio, ocorrendo com qualquer gênero textual, e sendo mais acentuada quando se trata de textos literários. Os fatores são inúmeros, e começam com o tipo de leitor que encontramos nos salas de aula e no qual devemos transformá-lo.

Segundo Vera Maria Tietzmann Silva (2009), há três níveis de leitura, a saber, a mecânica, mera decodificação de letras e palavras, a leitura de mundo, que consiste num processo contínuo e subjetivo, não necessariamente de textos escritos, mas de todas as atividades significativas, e a leitura crítica:

Que alia a leitura mecânica à de mundo, numa postura avaliativa, perspicaz, tentando descobrir intenções, comparando a leitura daquele momento com outras já feitas, questionando, tirando conclusões. Esse é um patamar de leitura que não se atinge de imediato, que requer um percurso por parte do leitor. Para ser capaz de fazer tal leitura, é preciso estar com todo o conhecimento – a bagagem cultural – a postos, estar com a mente aberta e ser capaz de relacionar, confrontar, chegar à sínteses e conclusões. Ser leitor crítico não é dom, é aprendizado. Por isso, está ao alcance de todos nós, é um processo que se cumpre aos poucos (SILVA, 2009, p.24).

Assim como há níveis de leitura, há tipos de leitores, que podem ser decodificadores, leitores de mundo, ou críticos, que é o escopo do processo de ensino-aprendizagem, não só de Língua Materna e Estrangeiras, mas de todo currículo escolar, ou seja, fazer com que nossos alunos sejam cidadãos emancipados no universo da leitura, capazes de ler, entender e fazer pontes significados dos mais diversos gêneros textuais, tanto primários quanto secundários.

LEITURA LITERÁRIA

Como é possível abordar Literatura nas aulas de Língua Estrangeira do Ensino Médio, além de vocabulário, gramática, pronúncia, entre outros? Como fazer com que um aluno, que não é fluente em inglês ou espanhol, se envolva com o universo literário dos países que falam ambas línguas? Por que privilegiar textos literários ao invés de tantos outros gêneros que circulam na sociedade?

Sou professora da rede pública e, nesta realidade, a maioria dos alunos chegam ao Ensino Médio com pouco conhecimento de inglês, muitas vezes apenas frases, não sendo capazes de ler um texto sozinhos. Com espanhol o desconhecimento é ainda maior, pois eles não têm esta disciplina na grade curricular do Ensino Fundamental, tampouco são imersos na cultura hispana, como ocorre com a norte-americana, muito mais presente em canções, filmes, animações, e assim por diante. Além disso, há sempre um programa a ser seguido, que, distinto do planejamento de Língua Portuguesa, que traz história e obras literárias, o de Línguas Estrangeiras nem menciona esse ponto. 

No entanto, a leitura de textos literários é, segundo Barthes (1997), em Aula, uma das mais completas que existem e, com ela, podemos abordar dois vieses propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais acerca do ensino de LE, a saber, o gramatical e o cultural, além de exercitar a alteridade dos alunos e a democracia. Conforme Silva (2009):

Ler literatura, sobretudo narrativas de ficção, é exercitar-se no difícil aprendizado democrático, pois força o leitor a entrar na pele de muitos personagens, sentir emoções diferentes, arrostar inúmeros perigos, conhecer diferentes paisagens, agir e reagir em conformidade com diversos perfis psicológicos. E a convivência democrática é isto, é conviver com a diversidade, é respeitar o outro, é ser capaz de assumir outros ângulos de visão. A leitura para os adultos, como o “faz de conta” das crianças, é um treinamento para a vida, é um aprendizado de humanidade. A linguagem literária é sutil: treinar um olhar crítico pela via da ficção é conhecer mais a fundo a natureza humana, um aprendizado essencial para cada um de nós (SILVA, 2009, p.47).

A literatura é, dessa maneira, uma maneira profícua de inserir os educandos na cultura dos povos que falam a língua estrangeira estudada.

Regina Zilberman e Ezequiel Teodoro da Silva, grandes estudiosos tanto do ensino e questões de leitura quanto de Literatura, já nas décadas de setenta e oitenta se dedicavam a entender os motivos do fracasso escolar quanto à interpretação textual. E essas discussões de outrora continuam fazendo sentido, pois o problema permanece! Na obra Literatura e Pedagogia ponto e contraponto (1990), eles afirmam, entre outras questões, a importância de se ensinar Literatura em sala de aula, de se fazer atividades de leitura de obras literárias, ademais de outros gêneros textuais, como no excerto abaixo: ‘‘Em certo sentido, a leitura revela outro ângulo educativo da literatura: o texto artístico talvez não ensine nada, nem se pretenda a isso; mas seu consumo induz a algumas práticas socializantes, que, estimuladas, mostram-se democráticas porque igualitárias“ (ZILBERMAN; SILVA, 1990, p.19).

Além disso, os autores enfatizam que devemos, como professores de linguagens, dar preferência aos textos literários, uma vez que se mostram mais completos que os demais, ou seja:

A leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora, na medida em que permite ao indivíduo penetrar o âmbito da alteridade, sem perder de vista sua subjetividade e história. O leitor não esquece suas próprias dimensões, mas expande as fronteiras do conhecido, que absorve através da imaginação mas decifra por meio do intelecto (ZILBERMAN; SILVA, 1990, p.19).

Os alunos, ao lerem textos literários, seja um poema, um conto, uma crônica, peça teatral ou romance, adentram num mundo repleto de novidades, muitas vezes uma cultura distinta e, para compreendê-lo, utilizam sua subjetividade.

Tzvetan Teodorov, outro estudioso de questões literárias, mostra-se contundente e apreensivo em sua obra A literatura em perigo (2009). Este título sugestivo faz-se inferir que sua preocupação remete-se ao fato que a Literatura está desaparecendo das salas de aula. Devido aos problemas supramencionados, muitos profissionais da educação optam por não trabalhar com obras literárias. Uma de suas reivindicações é que os textos literários voltem a ocupar o centro e não a periferia do processo educacional.

Ele ainda atenta para outro grande problema, ou seja, ou não se trabalha com Literatura, ou se trabalha com o que é dito sobre ela: “Na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos” (TODOROV, 2009, p.14).

Para solucionar estes percalços, Tzvetan Teodorov sugere que o foco, a priori, deve estar no receptor, ou seja, o professor deve refletir sobre quais textos escolher de acordo com a realidade de seus alunos e que estratégias utilizará para engajá-los no entendimento dos mesmos. Isso não impede, obviamente, de se trabalhar textos que estão distantes temporalmente dos alunos, ou que sejam muito complexos para eles. O segredo está em prepará-los. Dessa forma, a conhecida maneira diacrônica de se ensinar a História da Literatura por si só é pouco profícua, assim como conhecer a crítica sobre uma obra ou um período antes de ter lido ou de ter entendido a conjuntura de tal época. Isso é um trabalho posterior, ou reservado aos profissionais de Letras. Aos educandos do ensino básico, cabe mais o envolvimento direto com textos e seus possíveis sentidos, e como eles se entrelaçam com outros textos, como ocorre o dialogismo de distintas obras literárias. Ou, ainda, como um texto do século dezesseis, por exemplo, continua a fazer sentido atualmente.

Sobre esta última questão, Roland Barthes, em  Aula (1997), esclarece que: “A literatura, por ser uma cápsula energética de vidas, potencializa forças que dizem respeito aos homens de todos os tempos, razão por que o leitor do presente encontra respostas nas questões colocadas pelas grandes obras do passado” (BARTHES, 1997, p.23).

Ele também discorre sobre outra faceta do ensino de literatura, a saber, seu caráter reflexivo e metalinguístico: “A literatura engrena o saber no rolamento da reflexividade infinita: através da escritura, o saber reflete incessantemente sobre o saber, segundo um discurso que não é mais epistemológico, mas dramático” (BARTHES, 1997, p. 74).  Além disso, segundo Roland Barthes (1997), ensinar literatura, por reunir diversos saberes, ou seja, sociais, linguísticos, culturais, geográficos, entre outros, é uma atividade completa, como já havíamos reiterado ao citar Regina Zilberman e Ezequiel Theodoro da Silva (1990).

Marisa Lajolo também é, como os demais estudiosos citados acima, exímia conhecedora dos problemas relacionados à leitura, à Literatura e ao ensino de ambas. Em sua obra Do mundo da leitura para a leitura do mundo (1993), afirma que os anos passam mas a problemática da escola x leitura continua palpitando. Ouve-se constantemente que os alunos saem do Ensino Médio sem saber interpretar, não apenas textos complexos, porém simples bilhetes ou receitas médicas. Há os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio para comprovar esse argumento. E o problema da interpretação se estende, indubitavelmente, ao da escrita, com alunos demonstrando verdadeiras calamidades em forma de redações insossas e desprovidas de qualquer conteúdo aprofundado.

Segundo Marisa Lajolo (1993), para formar um leitor é imprescindível conhecer os mais variados gêneros textuais, tantos quantos forem possíveis. No entanto, as obras literárias são especialmente bem-vindas, pois:

É à Literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro; mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 1993, p.106).

Observemos que Marisa Lajolo diz que o aluno deve alfabetizar-se na Literatura, ou seja, que é um processo lento e complexo, assim como aprender as primeiras letras e formar as primeiras palavras, alfabetizar-se na Literatura requer muito trabalho.

Vera Queiroz e Roberto Corrêa dos Santos, na coletânea de ensaios Questões de Literatura (2003), enfatizam a importância de se valorizar o conhecimento prévio dos alunos:

Se o que se chama ensino não levar em conta o saber acumulado e as histórias vivenciadas pelos sujeitos envolvidos, constituir-se-á em mero acúmulo de informações, semelhante ao espaço aterrado com toda espécie de materiais. E não ainda o conhecimento profícuo. Assim é porque aquele que, em certo tempo, ouve, ou lê, ou vê, necessita portar consigo, e singularmente, as chaves de abertura às portas daquela poderosa vivência do outro: para fazê-la, para torná-la matriz de seu próprio conhecimento, podendo estar apto a fazer conexões internas com os dados que lhe cheguem à inteligência, aos olhos, aos sentidos todos. Nesse momento, o saber poderá transformar-se em conhecimento verdadeiro e gerar ações – concretas, psíquicas, físicas, mentais – passíveis de suscitar as grandes e nobres metamorfoses do espírito, fim último de todo aprendizado (QUEIROZ; SANTOS, 2003, p. 86).

Os autores também observam que, para aprender Literatura, é necessário desenvolver a observação, a vivência e o espírito comparativista, pois, nesta área, mais ainda do que em outras, tudo se relaciona a tudo, tudo torna-se importante no longo e complexo caminho do entendimento e da ressignificação.

É pertinente acrescentar que através da abordagem literária em sala de aula é possível atingir mais um escopo da educação, ou seja, o trabalho interdisciplinar, pois é condição sine qua non da leitura literária fazer elos significativos com diversos saberes:

[...] diante do texto literário, todas as gavetas precisam estar abertas. Ou seja, o conhecimento não pode ser armazenado numa cômoda. Melhor seria trocar essa metáfora por outra do mesmo campo semântico, um baú, que tem a vantagem adicional de lembrar tanto o acúmulo de coisas antigas (o baú da bisavó), coisas boas a acontecer no futuro (o baú de enxoval da noiva), como tesouros a descobrir (o baú do pirata). E ele deve estar disponível no momento em que o leitor o convocar à memória. [...] Assim, no momento da leitura de um texto literário, todo o conhecimento do leitor precisa estar disponível na memória, porque tudo cabe dentro da literatura. Por se tratar de um texto artístico, e não informativo, em lugar de fornecer dados objetivos, faz alusões. Instiga, provoca o leitor a buscar na memória o que aprendeu e a confrontar esse conhecimento com o que está lendo. O texto literário é, pois, um jogo que demanda do leitor uma postura ativa. Provocando ora o raciocínio, ora a imaginação, a literatura tem um apelo irresistível (SILVA, 2009, p.163).

É possível afirmar que com textos literários o professor pode explorar qualquer assunto, qualquer viés, e fazer as mais diversas atividades, de uma leitura aprofundada relacionando com outros saberes, a uma encenação, uma pesquisa de campo, um debate, um exposição para a escola ou sociedade, a criação de um blog, competições, gincanas, confecção de histórias em quadrinho, jogos, entre tantos outros. Outra alternativa riquíssima é relacionar obras literárias com obras plásticas e pedir para que os alunos produzam as suas próprias. Nas palavras de William Roberto Cereja (2005):

A nosso ver, uma metodologia consequente de ensino de literatura deve estar comprometida com a formação de leitores de textos literários. Nesse sentido, o texto literário deve ser não só o objeto central das aulas, mas também abordado com base em pelo menos duas dimensões: as de suas relações com as situações de produção e de recepção – nas quais se incluem elementos do contexto social, do movimento literário, do público, da ideologia, etc., conforme a visão de Antônio Cândido - e as duas relações dialógicas com outros textos, verbais e não verbais, literários e não literários, da mesma época ou de outras épocas, conforme o conceito de dialogismo de Mikhail Bakhtin (CEREJA, 2005, p.161).

Quando se trata das aulas de Línguas Estrangeiras, o desafio de trabalhar com textos literários é ainda maior do que na Língua Materna, porque, além dos cediços percalços em relação à falta de motivação dos alunos, há o empecilho do escasso vocabulário e conhecimento sintáxico que os alunos possuem, considerando que muitos contos, poemas, crônicas e romances utilizam linguagem vasta e aprimorada.

Pensando na importância do ensino de literatura nas aulas de LE e nos desafios supramencionados, proponho uma maneira de instigar os alunos a se envolverem com esse gênero textual e aprimorarem suas capacidades linguísticas e, mormente, culturais.

OS BEST-SELLERS NAS AULAS DE LE

Por muito tempo a escola como um todo privilegiou, nas aulas de Língua Materna, os cânones literários, cobrando fichamentos e estudo da linguagem padrão. E nas aulas de Língua Estrangeira, os aspectos culturais eram deixados de lado, para dar espaço tão-somente para conteúdos gramaticais. A Gramática é importante, indubitavelmente, mas não deve ser soberana e abordada de maneira descontextualizada. Trabalhar com aspectos culturais dos países que falam a língua é tão importante quanto a sintaxe. Por isso, mesmo que os alunos não tenham conhecimento vocabular suficiente para ler um romance, por exemplo, pode-se fazê-lo, a priori, na língua materna, sendo válido por questões histórico-culturais.

Pela minha experiência como professora de inglês e espanhol, a grande maioria dos alunos, ao chegar ao Ensino Médio, não têm noção alguma sobre a literatura dos países hispânicos ou dos que falam inglês, nem mesmo os mais conhecidos, ou mais famosos, ou os cânones. Dessa forma, todo conhecimento que o professor de LE fornecer, será altamente valioso e proveitoso.

Outro fato interessante, e digno de nota, é que os graduandos que recebo, para fazer seus estágios de conclusão de curso de Letras, também não abordam a literatura em suas aulas, assim como a maioria dos professores de carreira. É necessário mudar esta realidade, levando em consideração a riqueza dos textos literários e o que podem proporcionar de elos interdisciplinares e interculturais, além do conhecimento metalinguístico. Umas das maneiras que encontrei para fazê-lo é valorizando best-sellers que os alunos gostam e leem.

Tenho o hábito de ler muito e, além de textos teóricos para escrever minha tese, sempre estou lendo uma obra literária e sempre a carrego com meus materiais para ler nas horas-atividade na escola, ou quando os alunos estão fazendo, após explanação, uma atividade em silêncio. Percebi, ao longo dos anos letivos, que meus alunos sempre observam o que estou lendo e fazem perguntas sobre o livro. Muitas vezes também me questionam acerca de uma série, se a assiste e minha opinião a respeito, especialmente a famosa Game of thrones. Vários alunos indagavam se a assistia e, sendo a resposta positiva, perguntavam se já havia lido a obra em que ela é baseada, acrescentando comentários do tipo: “A professora que gosta tanto de livros, iria adorar!”; ou “É muito bom, mais rico que o seriado”. Os alunos me dão dicas do que ler, e foi assim que resolvi me engajar na tarefa de ler os cinco extensos volumes, que são denominados A Guerra dos Tronos, A fúria dos Reis, A tormenta das espadas, O festim dos corvos e A dança dos dragões.

Confesso que, até pouco tempo, tinha preconceito contra best-sellers, evitava lê-los, preferindo ler sempre os mesmos autores, principalmente os consagrados e taxados como literários, ou de alta qualidade. Porém, resolvi aumentar meu horizonte e polir minhas lentes de leitora. Através das dicas de meus alunos, e de uma disciplina que cursei para meu Doutorado, sobre Literatura Contemporânea, percebi o quanto a literatura se expandiu, e como é importante o professor se manter atualizado. Indubitavelmente ler os clássicos é imprescindível, mas a literatura contemporânea, mormente os que circulam entre os jovens, é essencial.

Ao ler os volumes do Game of thrones, me questionava como poderia fazer com que os apáticos à literatura tivessem vontade de lê-los, ou como poderia fazer um trabalho em sala de aula tendo-os como base. Durante a leitura da narrativa, surpreendi-me com a riqueza de detalhes, com o fundo histórico mesclado ao universo fantástico.

Muitos aspectos contribuem para essa saga ser tão famosa e ser a origem do seriado mais assistido e comentado da atualidade, como a luta acirrada pelo poder, o contexto histórico, as intrigas familiares, os amores épicos, o anão perspicaz e bastardos que ascendem, a violência,  a sexualidade aflorada, além dos seres fantásticos que fazem parte do enredo, como dragões, o exército de mortos, os wargs, que têm capacidade de ver todo o passado e o futuro e controlar a mente de animais,  a personagem que é imune ao fogo, outros que suportam um inverno que dura mais de uma geração, e ainda aqueles que são capazes de mudar de face. Cada um desses fatores serve de premissa para uma longa discussão, mas vamos nos ater a um fator pouco comentado, porém não menos interessante, que é a alimentação das personagens.

O autor usa de criatividade e riqueza de detalhes para descrever o que há na mesa dos nobres durante as refeições. A rainha Cersei Lannister, por exemplo, no café da manhã, é agraciada com mingau de aveia, mel, leite, ovos cozidos e peixe frito crocante.

Sansa Stark, enquanto era prisioneira dos Lannister, não foi punida com alimentação escassa, muito pelo contrário, pois em seu jantar: “Havia pão quente e manteiga recém-batida, uma espessa sopa de vaca, capão e cenouras, e pêssegos mergulhados em mel” (MARTIN, 2011, p.588). Em outra ocasião, ela se alimenta de javali e bolos de limão. Theon Greygoy, por sua vez, depois de tomar a Casa Stark, é servido pelos criados: “fitou a travessa de bolos de aveia, mel e morcela que tinham lhe trazido para o desjejum” (MARTIN, 2011, p.590).

Catelyn Stark, no casamento de seu irmão, considera os pratos indignos da nobreza e da presença de um rei, muito embora sejam abundantes e variados: “O banquete do casamento começou com uma sopa aguada de alho-poró, seguida por uma salada de feijão verde, cebola e beterraba, lúcio escaldado em leite de amêndoa, montinhos de purê de nabo que já estava frio antes de chegar à mesa, geleia de miolos de vitela e carne de vaca fibrosa cozida em leite” (MARTIN, 2011, p.524).

No casamento do Rei Joffrey, da Casa Baratheon, havia setenta e sete diferentes pratos para oferecer aos convidados! Um deles é constituído de “bolinhos fritos de milho doce e pão de aveia quente com pedaços de tâmara, maçã e laranja e costela de javali selvagem” (MARTIN, 2011, p.616), ou, “caranguejos cozidos com ardentes especiarias orientais, tabuleiros cheios de nacos de carneiro guisado em leite de amêndoa com cenouras, passas e cebolas, e tortas de peixe recém-saídas dos fornos” (MARTIN, 2011, p.616).

Tantos pormenores fazem com que a leitura de um volume que tem, por exemplo, oitocentas páginas, seja prazerosa, ademais de altamente instrutiva para o leitor. Através dela, e por conta das informações, podemos nos transportar para uma outra era e sentir que fazemos parte da disputa de tronos, além de querer saborear os pratos exóticos!

Todos esses detalhes sobre alimentação rendem subsídios para aulas tanto de inglês quanto de espanhol. Pode-se mostrar aos alunos os excertos supramencionados, mesmo em português, para instiga-los a ler a obra completa e para trabalhar com vocabulário, por exemplo, fazendo com que eles busquem os nomes dos pratos na respectiva língua estrangeira. Depois, o trabalho pode se estender ao restante da escola, organizando uma feira de alimentos e pratos exóticos, que serão preparados pelos alunos. Nesta atividade, para aliar a literatura, cultura e oralidade, que também é um escopo a ser desenvolvido nas aulas de LE, os alunos podem apresentar o prato ou alimento em inglês ou espanhol.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há uma famosa frase do escritor Guimarães Rosa que diz “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende” que serve de exemplificação para o que problematizei, teorizei e descrevi no presente artigo. Muitas vezes a resposta para os problemas do processo de ensino-aprendizagem estão no próprio objeto de trabalho que, neste caso, é o aluno. Umas das experiências mais gratificantes que tive como professora é aprender com meus alunos e ver que eles mesmos têm a solução para as dificuldades, como no caso mencionado, em que me sugeriram ler Games of thrones e, a partir da leitura, tive ideias para trabalhar com literatura nas aulas de línguas estrangeiras, além de contribuir para acabar com meu preconceito contra os best-sellers.

A experiência foi exitosa, na medida em que logrei trabalhar com conhecimentos linguísticos e culturais, aprimorar vocabulário e expressões, polir a oralidade dos alunos, ademais de aumentar minhas capacidades como leitora, num jogo de troca de conhecimentos com os estudantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1977.

CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura. Uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. São Paulo: Atual, 2005.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993.

MARTIN, George. R.R. As crônicas de gelo e fogo. São Paulo: Leya, 2011.

QUEIRÓS, Vera; SANTOS, Roberto Corrêa de. Linhas para o ensino da literatura. In: BECKER, Paulo; BARBOSA, Marcia Helena (Orgs). Questões de Literatura. Passo Fundo: UPF Editora, 2003.

SILVA, Vera Maria Tietzmann Silva. Leitura literária e outros saberes. Impasses e alternativas no trabalho do professor. Belo Horizonte: RHJ, 2009.

TODOROV, Tzevetan. A Literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro. Literatura e Pedagogia ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

[1] Doutoranda em Estudos Literários – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de Espanhol/Português/Inglês.

 

Por Maria Cristina Ferreira dos Santos


Publicado por: Maria Cristina Ferreira dos Santos

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