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Indústria cultural: a cultura da pós-modernidade

Uma reflexão sobre as vertiginosas transformações da cultura e do sujeito na contemporaneidade.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Este artigo procura refletir sobre as vertiginosas transformações da cultura e do sujeito na contemporaneidade. Recorre para tanto a uma pesquisa bibliográfica que procura por elementos capazes de analisar o cenário da cultura global, com especial destaque à pós-modernidade, estabelecendo paralelos entre alguns embates que se definem nesse campo de estudos, com destaque à tensão entre a cultura e a indústria cultural.

Palavras-chave: globalização; cultura; indústria cultural; pós-modernidade.

RESUMEN

En este artículo se pretende reflexionar sobre las transformaciones vertiginosas de hoy en día la cultura y el sujeto. Hace un llamamiento a la vez una búsqueda bibliográfica para identificar los elementos que pueden analizar el escenario de la cultura global, con especial énfasis en la post-modernidad, estableciendo paralelismos entre algunos temas en ese campo de estudio, poniendo de relieve la tensión existente entre la cultura y la industria cultural.

Palabras clave: globalización, cultura, industria cultural, posmodernidad.

Introdução

Minha filha Luiza, aos quatro anos de idade, acostumou-se a me perguntar: “Papai, o que você trouxe pra mim hoje?” Sempre que a buscava na escola, ouvia a mesma pergunta. Um dia fui surpreendido: “Papai, você tem dinheiro?” “Pra que dinheiro?”, perguntei. “Pra comprar uma coisa pra mim”, respondeu a Luiza. Esta era uma resposta já reeditada. A seqüência é que me deixou perplexo. Continuei a perguntar: “E que coisa você quer que eu compre?” Ao que ela respondeu: “Humm, deixa eu ver...” A Luiza não queria, não precisava de nada em particular. Mas queria ter, precisava adquirir alguma coisa, qualquer coisa. Uma criança de quatro anos já arregimentada pela indústria cultural[1] e enclausurada na armadilha do consumismo.

Os “desejos” consumistas de Luiza são emblemáticos da difícil aventura de existir num mundo que faz das pessoas reféns do “querer ter”, desde a mais tenra idade. Imagens televisivas, jogos eletrônicos e internet compõem o cotidiano de crianças, adolescentes e, não raro, adultos infantilizados que, abarcados cotidianamente pelos valores da sociedade industrial, tornam-se escravos felizes de um sistema de dominação que aporta, para além de suas consciências reificadas, na mercantilização da cultura. 

A lógica cultural da pós-modernidade

“A globalização e a pós-modernidade são as duas faces do nosso tempo: pós-modernidade é a esfera cultural e globalização é a esfera econômica” (Fredric Jameson, 2011).

O mundo atual, marcado vigorosamente pela mundialização dos produtos da indústria cultural, em grande parte devido ao vertiginoso desenvolvimento das tecnologias da comunicação, vem abalando todas as sólidas convicções do passado. O ser humano contemporâneo se encontra mergulhado num mundo pós-moderno[2], que proclama a si mesmo como redentor da humanidade pelo espraiamento global da economia através do desenvolvimento dos meios de comunicação. Contudo, para além do véu das aparências, não abdica da exploração econômica, da injustiça e da desigualdade. Sob a égide do capital, um contínuo e avassalador surgimento de conceitos inéditos destitui os valores tradicionais em nome de um questionável relativismo onde as éticas, os fatos e a própria realidade parecem estar num verdadeiro corredor da morte.

Pós-modernidade é a condição filosófica, estética e sócio-cultural do capitalismo contemporâneo, também chamado de pós-industrial ou financeiro. Nas palavras de Fredric Jameson, considerado amplamente como o mais importante crítico cultural da atualidade, a Pós-modernidade corresponde à terceira fase do capitalismo, conforme o esquema para o desenvolvimento capitalista, proposto por Ernest Mandel (apud JAMESON, 1997):

  • 1a. fase: o capitalismo de mercado, entre 1700 e 1850;
  • 2a. fase: o capitalismo monopolista, até 1960;
  • 3a. fase: o capitalismo tardio, financeiro ou contemporâneo.

O capitalismo tardio pode ser entendido como a expansão das grandes corporações multinacionais pela globalização[3] dos mercados e do trabalho, pelo consumo de massa, e pela intensificação dos fluxos internacionais do capital. Aconteceu pela passagem das relações de produção industriais para as pós?industriais, baseadas na exploração econômica de bens simbólicos, como a informação e a cultura. É mais uma crise de reprodução do capital do que um estágio de desenvolvimento propriamente dito, já que o crescimento do consumo (e, portanto, da produção) se tornou insustentável pela exaustão dos recursos naturais de todo o planeta (JAMESON, 1997).

Em seu artigo "Pós-modernismo, ou a lógica cultural do capitalismo tardio", Fredric Jameson afirmou que a incredulidade pós-moderna nas metanarrativas (“grandes verdades do passado”, tais como a religião, o materialismo histórico e o positivismo) tem origem nas condições do trabalho intelectual imposto pelo capitalismo tardio (JAMESON, 2002). Os pós-modernistas, por seu turno, afirmam que a complexa diversificação entre os âmbitos da vida social (tais como o político, o social e o cultural) - especialmente entre as diferentes classes sociais - haviam sido superada pela crise do fundacionalismo[4] e conseqüente relativização das grandes verdades que prosperaram no passado. Com este entendimento, anunciaram especialmente o fim do socialismo clássico, declarando que a realidade estaria imersa na diversidade e no relativismo.

Em “A Era do Vazio”, Gilles Lipovetsky relata o enfraquecimento dos costumes na contemporaneidade, marcada, segundo ele, pelo desinvestimento público, pelo esfacelamento das grandes normas de conduta moral e por uma cultura irreverente para as relações humanas, em que predomina o hedonismo, o narcisismo e o consumo desbragrado. (LIPOVETSKY, 1993). Alain Finkielkraut, crítico da modernidade, como Émile Durkheim, chama de "religião da humanidade" à compaixão pelo outro, entendendo que este sentimento altera a reflexão política (FINKIELKRAUT, 1988, p. 159). Krishan Kumar assim define a pós-modernidade:

Um mundo de presente eterno, sem origem ou destino, passado ou futuro; um mundo no qual é impossível achar um centro ou qualquer ponto ou perspectiva do qual seja possível olhá-lo firmemente e considerá-lo como um todo; um mundo em que tudo que se apresenta é temporário, mutável ou tem o caráter de formas locais de conhecimento e experiência. (...) É um fim à modernidade e a tudo que ela prometeu e propôs (KUMAR, 1997, p. 157-158).

Não há lugar mais para os sentimentos de empatia, altruísmo e alteridade no mundo que os defensores da pós-modernidade chamaram de “aldeia global”; os homens se tornaram indiferentes uns aos outros na marcha do consumismo. No final do século XX a emergência da sociedade capitalista globalizada, pós-industrializada, informatizada e pós-modernizada anunciou as “boas-novas” de uma “sociedade da felicidade”, marcada pela exacerbação técnica e por uma vertiginosa comunicação entre o mundo todo.  Como consideram Loureiro e Della Fonte (2003, p. 66-67),

(...) a causa da dissolução das individualidades, nas últimas décadas, tem a ver com o alcance hegemônico da economia de mercado sobre as pessoas, num universo onde as crianças aparecem como usuários. (...) O menino diz que possuir um Pentium é seu sonho. Meses mais tarde, a mãe do garoto, que também é consumida pelo consumo e só pensa em ganhar mais dinheiro para possuir “coisas”, realizada, diz: “Compramos o Pentium. (...) Sei que é uma máquina, mas não deixa de ser uma companhia. Ele tem momentos de alegria com seu micro mais do que comigo, que tenho tanta dificuldade de descobrir o meu instinto materno.” (...) A famosa frase “Penso, logo existo!”, de Descartes, poderia ser modificada para “Consumo, logo existo!”.

Segundo Jameson, a cultura havia mantido ao menos uma autonomia parcial na modernidade; na pós-modernidade, essa autonomia não existe mais (JAMESON, 1997). Para o autor, o conceito de indústria cultural, tal como foi desenvolvido por Theodor Adorno e Max Horkheimer na década de 1940 (ADORNO & HORKHEIMER, 1985), se coloca como uma referência imprescindível à compreensão da cultura, que na pós-modernidade encontra-se mundializada (Jameson, 1985; 1997; 2001; 2002; 2003; 2011).

Na década de 1940, fundadores do Instituto de Pesquisas Sociais, de Frankfurt, buscaram no Iluminismo a chave para o entendimento do processo pelo qual a cultura estava sendo transformada. Eles substituíram o termo “cultura de massas” por “indústria cultural”. O termo “cultura de massas” era usado pelos defensores da comunicação que se diziam “porta vozes das massas”. Na verdade, faziam uma “cultura para as massas”. Não mais a cultura do povo, mas para o povo, forjada pela indústria com a intenção de modelar opiniões, desejos e comportamentos com fins de mercado.

Na pós-modernidade, as experiências simples e reveladoras, que na modernidade eram passadas de pai para filho, estão invalidadas. O homem atual perdeu sua capacidade de narrar suas experiências. Não há mais o antigo camponês que contava suas histórias para os filhos; não existem mais os mitos e os contos dos antigos povoados, que se perpetuavam pela cultura oral. Tampouco existem os antigos locais de encontro, identidade e pertencimento, como foram a praça e a rua nos antigos arraiais e vilarejos rurais. Hoje, o shopping center incorpora a função de encontro, identidade e pertencimento. Mas, um encontro que privilegia os abastados. O shopping substitui a própria Igreja ou a Catedral como referência arquitetônica da cidade. Para o povo escassearam as oportunidades de identidade e, consequentemente, da transmissão e manutenção da cultura popular (DUARTE, 2003).

Conclusão

O grandioso esparrame mundial das novas tecnologias da comunicação culminou no surgimento da pós?modernidade, ou seja, na condição filosófica, social, cultural e econômica do estágio atual do capitalismo, o capitalismo pós?industrial. No aligeirado mundo atual, uma aniquilação dos valores universais tornou rarefeitos os lugares para a transcendência. A pós-modernidade abrandou os vínculos entre os pares, transformou a cultura em indústria cultural e todos os povos do mundo em mercados para essa indústria cultural.

O espraiamento das novas tecnologias da comunicação na medida em que aproximaram as pessoas em tempo virtual, as afastaram em tempo real. Nessa medida, afrouxou os compromissos pessoais, obstaculizou os relacionamentos, realçou o narcisismo e eclipsou o Outro, subsumindo as relações pessoais à lógica econômica. O sujeito atual não pode amar, teme vínculos duráveis e relacionamentos estáveis. A este ser humano pós-moderno resta consumir afetos e relacionamentos de modo narcisista e hedonista.

Um povo que não desenvolve a sua própria cultura é um povo escravizado, sem tradição, sem valores e sem memória. E um povo sem memória é coveiro de seu próprio futuro. E é exatamente neste ponto que o debate em torno dos diálogos culturais torna-se extremamente precioso. Diferente da indústria cultural, a cultura corresponde ao modo de ser de cada povo; é o seu cotidiano físico, simbólico e imaginário, onde está guardada sua identidade, sua alma e sua história. E tem importância fundamental na identidade popular.

Diante do caos contemporâneo e das angústias de viver num mundo fragmentado, dar sentido à vida e às relações com os outros e com o mundo é um caminho possível. Mas, como encontrar nexo entre elementos que aparentemente não têm relação alguma? Eis o grande dilema contemporâneo. Para além de uma pieguice fácil e confortável, o que há de nos salvar de nós mesmos, apesar de toda bestialidade, intolerância e destruição, é a incrível capacidade humana de ainda sentir e acreditar. A humanidade é, de fato, uma grávida de possibilidades.

Referencias

ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida (2ª ed). Zahar, Rio de Janeiro, 1985.

BEZERRA, Paulo Victor & JUSTO, José Sterza. Relacionamentos Amorosos na Pós-Modernidade: Análise de Consultas Apresentadas em sites de Agenciamento Amoroso. Artigo. UFSJ - Universidade Federal de São João Del-Rei. Pesquisas e Práticas Psicossociais 4(2). São João Del-Rei, julho de 2010.

DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica da Indústria Cultural. UFMG. Humanitas. Belo Horizonte, 2007.

FINKIELKRAUT, Alain. A derrota do pensamento. 2 ed. Paz e Terra. São Paulo,1988.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX. Companhia das Letras. São Paulo, 1995.

_________________. Sobre História. Companhia das Letras. São Paulo, 2000.

JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e sociedade de consumo. In: Revista Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, nº12, 1985.

_________________. Pós-Modernismo. A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática: 1997.

_________________. A Cultura do Dinheiro. Petrópolis. Vozes. pETROPOLIS, 2001.

_________________. Pós-modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. Editora Ática. São Paulo, 2002.

_________________. Notas sobre a globalização como questão filosófica. In: PRADO, José L. A. e SOVIK, Liv Sovik. Tradução Adelaine la Guardia Resende...[et all]. Belo Horizonte: Edição UFMG; Brasília: representações da UNESCO no Brasil, 2003.

_________________. Globalização e Pós-Modernidade – Palestra de Fredric Jameson no Café Filosófico - Especial "Fronteiras do Pensamento". Gravado em 26 de maio de 2011. Campinas, 2011.

KUMAR, K. (1997). Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

LIPOVETSKY, G. A era do vazio. Relógio d'Água. Lisboa, 1993.   

LOUREIRO, Robson; DELLA FONTE, Sandra Soares. Indústria Cultural e Educação em Tempos Pós Modernos. Papirus, Campinas, 2003.

MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. Castro e Costa, L. C. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

NAGEL, Lízia H. A Educação dos Alunos (ou filhos) da Pós-Modernidade. Artigo científico 2009.

ORTIZ, Renato. Sobre o Relativismo Cultural. Revista digital Scribd.  2009. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/79276213/Sobre-o-Relativismo-Cultural-Renato-Ortiz Acesso em 01/10/2012.

ORTIZ, Renato Anotações sobre o universal e a diversidade. Artigo da Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. jan./abr. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n34/a02v1234.pdf Acesso em 01/10/2012.

Notas
[1] O termo Indústria cultural (do alemão: Kulturindustrie), cunhado pelos filósofos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), da Escola de Frankfurt, surgiu no livro “Dialética do Esclarecimento”, em 1947, para designar a conversão da cultura em mercadoria. O conceito não se refere aos meios de comunicação (rádio, televisão, jornais), mas ao uso desses meios pelo capital. De acordo com Duarte (2007, p. 147-148), “Destaca-se a respeito do surgimento desta discussão, o termo ‘indústria cultural global’ empregado pelo sociólogo inglês Scott Lash”.

[2] Com início na década de 1950, a pós-modernidade, entendida por Frederic Jameson como a “lógica cultural do capitalismo tardio”, marcado vigorosamente pela mundialização da indústria cultural e suas relações com a crença numa nova ordem social proporcionada, sobretudo, pelo empuxo das tecnologias da comunicação, assinala uma inusitada manipulação das consciências que abala todas as convicções consolidadas na modernidade. É a derrocada da identidade e da cultura, acompanhada da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno tais como “verdade”, “razão” e “legitimidade” (JAMESON, 1994). De acordo com Jameson (1985, p. 26) "a emergência da pós-modernidade está estritamente relacionada à emergência desta nova fase do capitalismo avançado, multinacional e de consumo”.

[3] A partir da década de 1990, os indivíduos e as coletividades, compreendendo povos, tribos e nações, ingressam na era da globalização: o conjunto das transformações culturais, políticas e econômicas que vêm abalando drasticamente as estruturas sociais e mentais de indivíduos e coletividades pelo mundo todo. Na base de todas essas transformações está a integração dos mercados numa “aldeia-global” explorada pelas grandes corporações multinacionais. Os Estados abandonam gradativamente as barreiras tarifárias para proteger sua produção da concorrência dos produtos estrangeiros e abrem-se ao comércio e ao capital exterior. Uma intensa revolução nas tecnologias da comunicação acompanha esse processo.

[4] O fundacionalismo diz respeito a qualquer teoria epistemológica que se baseie no conceito de crenças fundamentais para a construção do conhecimento. Nas palavras de S. Blackburn, trata-se do "ponto de vista epistemológico segundo o qual o conhecimento deve ser concebido como uma estrutura que se ergue a partir de fundamentos certos e seguros” (BACKBURN, 1997, p. 164).


Publicado por: Giancarlo

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