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GESTÃO ESCOLAR: OPORTUNIDADES X DISCRIMINAÇÃO RACIAL

Reflexão acerca das questões raciais e de discriminação para o pavimento de cargos públicos escolares.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

O presente artigo, tem como objetivo indagar e refletir sobre algumas questões de racismo e discriminação racial ao provimento de cargos de gestão pública escolar. A pesquisa deu-se através de levantamento bibliográfico, a qual expõe a necessidade de uma reflexão sobre as diferentes formas de ingresso de professores aos cargos de gestão escolar. A fim de encontrar possíveis soluções para a problemática, o estudo busca explanar as diferentes formas de ingresso para provimento do cargo destes profissionais da educação, como determinantes para uma escolha justa e igualitária.

Palavras-chave: Gestão pública escolar. Discriminação racial. Processo seletivo

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa - “Gestão escolar: oportunidade x discriminação racial”, tem como objetivo o estudo e reflexão sobre a baixa expressividade da atuação de professores negros ocupando cargos de gestão escolar a serviço do funcionalismo público, em atribuições como supervisores, diretores, vice-diretores, coordenadores e orientadores educacionais. Sob a luz de tal ótica a fim de encontrar e compreender possíveis respostas, a pesquisa através de levantamento bibliográfico traça o histórico da discriminação racial sofrida pela população negra no mercado de trabalho brasileiro, desde o período pós-abolição da escravatura, quando os negros foram libertos, com amparo da lei nº 3.353, em 13 de maio de 1888, porém sem condições mínimas e dignas de trabalho, uma vez que após tantos anos servindo ao trabalho escravo a sua grande maioria não tinha escolarização, não possuía terra ou qualificação profissional, lhes restando as ruas como moradia, os subempregos ou a lavoura como trabalho, de onde por muitas vezes nem saiam ou voltavam, sem receber qualquer tipo de indenização após tantos anos de serviços prestados. Esta realidade sob o ponto de vista da falta de oportunidade no mercado de trabalho vivida pelos negros no Brasil pós-abolição, é abordada na pesquisa como o possível pivô que desencadeou e desencadeia até hoje tanta discrepância racial para colocação e enquadramento hierárquico de negros nos cargos de gestão, mais especificamente sobre os provimentos de cargos de gestão dentro das escolas públicas brasileiras. As diversas formas de ingressos para tais cargos nas esferas municipais e estaduais das escolas públicas, é estudada na presente pesquisa através de método bibliográfico e traz à tona uma importante discussão entre teóricos que defendem ou repudiam as diferentes formas de investidura a estes cargos. Como possível solução deste conflito social, com o objetivo de minimizar a possível discriminação racial no momento da ocupação dos cargos de gestão escolar, a pesquisa busca em PARO (1996), discutir sobre as três modalidades para provimento do cargo de diretor da escola pública: a nomeação, o concurso público e a eleição. Sua contribuição faz uma análise sobre suas expectativas e os argumentos favoráveis e ou contrários a cada uma destas modalidades.

Não será feito aqui um aprofundamento deste debate, mas vale lembrar que as principais polêmicas sobre essa temática são de grande contribuição e relevância nos estudos sobre a exclusão racial e a justa nomeação pública de servidores para provimento aos cargos de gestão pública escolar.

REFERENCIAL TEÓRICO

A discriminação racial velada: uma realidade que transcende o tempo

Os negros no Brasil foram escravizados e explorados no início do século XVI. Essa prática de torturas que colocava os negros em situação de extrema vulnerabilidade humana, em tese, foi proibida com força de lei, a partir da assinatura da Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888. Contudo, é notório que esta é uma realidade ainda presente nos dias atuais, em que a sociedade brasileira, de modo velado, finge não perceber.

Segundo Lopes (2005):

Um olhar atento sobre a realidade do povo brasileiro mostra uma sociedade multirracial e pluri-étnica que faz de conta que o racismo, o preconceito e a discriminação não existem. No entanto, afloram a todo momento, ora de modo velado, ora escancarado, e estão presentes na vida diária (LOPES, 2005, p. 186).

De acordo com o autor, a sociedade brasileira é formada por uma diversidade racial, contudo por vezes a discriminação racial é tratada de modo como se não existisse. Contudo, a discriminação racial no Brasil contra os negros é um fato que traz em sua trajetória histórica marcas que até os dias de hoje permeiam por todas as esferas da sociedade.

A questão do racismo no Brasil, que reflete na diferença de oportunidades entre brancos e negros na maioria das esferas sociais, seja desde os primórdios até os tempos atuais, foi enraizada desde o período pós-abolição da escravatura, no final do século XIX. Este período da história desenhou e moldou um cenário excludente da população negra na sociedade e no mercado de trabalho brasileiro, revelada no dia a dia deste povo. Como responder ao fato que a maioria da população brasileira é negra, segundo dados do IBGE, ter tão pouca expressividade como atuantes hierárquicos no mercado de trabalho.

Pós- abolição: a gênese da falta de oportunidades no mercado de trabalho

Após a abolição da escravatura no Brasil, a população negra viu-se sem terras e sem oportunidade de qualificação profissional, assumindo então o papel de classe trabalhadora em atividades de subsistência, de prostituição e de mendicância. De acordo com Theodoro (2008):

Para os ex-escravos, dedicados em sua grande maioria às atividades rurais, a passagem ao trabalho livre não significou sequer a sua inclusão em um regime assalariado. Quando permaneciam nas fazendas, sua passagem à condição de dependente ampliou a massa de trabalhadores livres submetidos à grande propriedade e afastados do processo de participação nos setores dinâmicos da economia. (THEODORO, 2008, p.35)

A população negra, após a abolição da escravatura, se igualou nos termos da lei de forma política e civil com a condição dos demais cidadãos, contudo esta foi uma manobra política que não passou do papel. Com mínimas ou quase nulas oportunidades de engajamento no mercado de trabalho, os negros viam-se obrigados a continuarem servindo seus trabalhos nas zonas rurais, pois eram vistos como inexperientes e despreparados para atuar em trabalhos que não envolvessem a força física ou o trabalho no campo, sendo totalmente excluídos das políticas públicas e o mercado de trabalho foi cada vez mais sendo ocupado por imigrantes europeus.

Ao respeito sobre a condição dos negros pós-abolição diante a falta de oportunidades no mercado de trabalho, Wedderburn (2007) diz:

“A vida dos recém libertos, os escravos recém libertos muitos deles permanecem nas fazendas, outros saíram da fazenda para tentar a vida nas grandes cidades. Porém muitos desses que foram a cidade conseguir emprego, se deparou com a escassa oferta de trabalho, e o grande preconceito, e isso fez gerar grande desigualdade social. (WEDDERBURN, 2007, p. 50)

A discriminação racial, deflagrada no âmbito do mercado de trabalho que consequentemente reflete na geração de renda e ascensão econômica, foi o agravante segundo Wedderburn (2007) para gênese da desigualdade social no Brasil, pós-abolição dos escravos, pois estes viram-se nos grandes centros sem qualquer possibilidade de engajamento no mercado de trabalho, aliados à falta de oportunidades e racismo.

Aos negros restou o trabalho livre em fazendas, onde trabalhavam a título de subsistência, em troca de alimentação e um lugar para dormir. Sobre este contexto, Theodoro (2008) chama a atenção sob o seguinte ponto de vista:

Observa-se, assim, que a transição do trabalho escravo para o trabalho livre foi feita via intervenção direta e decisiva do Estado e sob inspiração da ideologia racista que então se consolidava. (THEODORO  2008, p. 37)

Aos negros libertos, de liberdade não se tinha nada, pois era nas mãos do Estado que suas condições e oportunidades trabalhistas eram determinadas, uma vez que ser livre e ser miseravelmente pobre não lhes dava opções de obter um emprego digno, sólido e com anseios de crescimento profissional 

Acompanhando as pesquisas históricas através dos tempos, sobre o lugar do negro no mercado de trabalho, (Santos, 2001) diz que, no início dos anos 80 as empresas começaram a preencher nas fichas de seleção de candidatos para suas vagas de empregos a cor da pele do cidadão inscrito, desta forma as empresas passaram a selecionar os candidatos pela sua raça e não somente por suas qualificações profissionais como deveria ser. Porém, esta forma de seleção ficava apenas sob o conhecimento daqueles que faziam o recrutamento de pessoal.

Sob a luz de tal ótica, é importante refletir se realmente esta forma de triagem e seleção foi realmente erradicada do Brasil em empresas e repartições públicas. Sobre este assunto, Jaccoud (2008), afirma que:

“Existe um processo de competição social que se desenvolve em etapas, acumulando desvantagens que impedem a igualdade de chances. A cor, como critério de seleção no mercado do trabalho, também varia segundo o perfil da ocupação. ” (JACCOUD, 2008, p. 54)

Para toda a vaga existente no mercado de trabalho, bem como no funcionalismo público, há processos de seleção, contudo de acordo com Jaccoud (2008), existem também desvantagens na competição entre grupos raciais diferentes, que definem a quem o cargo será atribuído, onde por vezes a cor também é fator relevante ao tipo de cargo que se pretende prover.

Em contraponto com os cargos públicos existentes na esfera federal e municipal, há os que são ocupados através de classificação em concurso público, indicações políticas ou eleições democráticas, como no caso de promoção ao cargo de diretor escolar. Daí denota-se a importância de profundos estudos e reflexões sobre a forma de inserção de gestores escolares em função de cargo público de hierarquia.

Jaccoud diz ainda que:

Aquelas ocupações mais voltadas ao contato direto com o público estão mais suscetíveis à exclusão dos negros, ao contrário de posições manuais. Também é forte a hipótese de que quanto mais alta a ocupação está na hierarquia ocupacional, mais refratária à absorção de negros. E de que quanto mais alto for o nível educacional exigido, maior será a discriminação observada no mercado de trabalho. (JACCOUD, 2008, p. 54)

Segundo a autora, e em defesa da realidade que permeia praticamente por todo território brasileiro, considera-se que de fato as funções e cargos que demandam o trato direto com o público, como no caso do diretor escolar, quase nunca são ocupados por negros. Desta forma, arraiga-se o paradigma de funções de hierarquia, como no caso da gestão escolar que atenda aos padrões impostos pela sociedade brasileira, desde os primórdios pós- abolição, onde o negro não se encaixa, onde há exclusão racial, mesmo que velada, em detrimento ao alto índice da população negra engajada em trabalhos manuais, haja vista que para este tipo de trabalho exige-se mínimo nível de escolarização.

A falta de liderança negra em cargos de autarquia escolar

É perceptível em reuniões de larga escala de secretarias de Educação, com número expressivo de participantes, a pouca ou quase nula presença de gestores negros, atuando como representantes administrativos de escolas na direção, vice direção, coordenação, orientação ou supervisão escolar. A grande maioria desta parcela do funcionalismo público exerce a função de professores, que por vezes almejam e estudam com o objetivo de alcançar patamares de hierarquia junto à Educação, contudo é raro acontecer, bem como ocorre em outros setores da esfera do funcionalismo público e privado. A esse respeito, Wedderburn (2007), diz:

Tratando-se da participação política, os quadros dos órgãos executivo, legislativo e judiciário, compõe-se exclusivamente de brancos, salvo raras exceções que confirmam a regra. Muitos bancos, comércios, linhas aéreas, universidades e estabelecimentos públicos e privados de todo tipo contratam unicamente pessoas de raça branca, que por vezes são responsáveis pelas piores prestações de serviços à maioria da população negra. (WEDDERBURN, 2007, p. 11)

De acordo com o autor, é rara a efetiva presença e colocação do negro em cargos de destaque em empresas e setores públicos, principalmente no tocante ao trato imediato com o público, este na maioria ocupado por pessoas de raça branca, que por vezes prestam péssimos serviços.

Diante da caótica realidade, é imprescindível trazer à luz da discussão a falta de oportunidades no mercado de trabalho e para efetivo enquadramento da população negra em cargos de gestão escolar as origens dos fatos. Segundo Wedderburn (2007), é necessário:

Relembrar à sociedade o processo verdadeiro através do qual se constituiu realmente a nação, traz também o desafio de se criar um terreno favorável para a implementação de medidas públicas tendentes a reduzir o impacto histórico cumulativo que teve a escravidão sobre aqueles brasileiros, hoje a metade da população, que se encontram majoritariamente confinados nas posições sociais de maior precariedade. No entanto, a experiência mundial é testemunha de um fato: empreender ações marcadamente redistributivas em favor de um segmento historicamente lesado contraria àqueles que se beneficiam, de um modo ou de outro, do status quo imperante. Ainda que essas propostas fossem modestas, como é o caso no Brasil, onde se trata de quotas universitárias de baixa intensidade, a reação adversa é inevitável. (WEDDERBURN, 2007, p. 15)

Para Wedderburn (2007), é necessário consolidar políticas públicas que minimizem os prejuízos que os negros sofreram no decorrer dos anos por discriminação, haja vista que repará-los em forma de uma unidade igualitária de acesso, oportunidades e de direitos em todas as esferas sociais mais parece título de utopia. Para tal é imprescindível que o governo adote medidas que de fato validem leis já existentes em prol da justiça na igualdade de direitos entre brancos e negros, medidas essas que por vezes são votadas, constitucionalizadas, porém não saem do papel, ou quando promulgadas e colocadas e prática geram repulsa de classes sociais dominantes, que obviamente se sentem lesadas em compartilhar ou concorrer das mesmas oportunidades com negros. A discussão sobre as cotas raciais para ingresso nas universidades no Brasil, traz à tona o lado obscuro da não aceitação do negro no mesmo patamar do branco. Sobre este tocante, Wedderburn (2007), afirma:

Se o racismo resiste hoje com a virulência que possui, expandindo-se cada vez mais, apesar de todos os nossos esforços morais e culturais e de todos os avanços no conhecimento científico sobre as diferenças humanas, é porque ele tem se convertido ao longo do tempo numa realidade tenaz, arraigada na consciência e na prática social. Não por outro motivo, ele se insere numa trama social global em que os evidentes benefícios obtidos na sua sustentação são muito maiores do que seus custos. (WEDDERBURN, 2007, p. 213)

O racismo encontra forças e resistência nas práticas sociais e na consciência de uma seleção feita por raças, discriminando brancos e negros, em detrimento de uma seleção entre capazes e incapazes no que diz respeito ao mercado de trabalho. De acordo com o autor este cenário de racismo e discriminação, faz parte de uma trama de interesses, o qual sustentar tais práticas traz vantagens para quem detém o poder, uma vez que tentar minimizar ou acabar de vez com o preconceito custa mais do que mantê-lo.

Ingresso a hierarquia: qualificação x discriminação

O regime elitista das cotas raciais, por vezes é a única válvula de escape para ascensão do negro no anseio de cursar o ensino superior e se enquadrar profissionalmente. Entretanto, quando utilizadas as cotas como oportunidade para a disputa de vagas em universidades ou concursos públicos, concebidas por direito legal, os negros autodeclarados por vezes são pré-julgados como racistas. No Brasil expande-se o paradigma de que ao se autodeclarar, os negros são classificados como beneficiados. Associado a este dogma, é notório e nos cabe refletir também sobre o caso de professores negros com excelentes formações, que almejam cargos de gestão escolar e possuem qualificações que os potenciam para tal, contudo nunca são indicados como representantes administrativos de instituições escolares, fazendo com que por vezes os próprios negros se sintam inferiores aos brancos na busca de uma colocação hierárquica no mercado de trabalho, por quase sempre não lhes ser concedidas oportunidades e espaços de igualdade com os brancos.  A esse respeito Wedderburn (2007) comenta:

O racismo não é, em si, um preconceito, mas ele gera os piores e mais violentos preconceitos, dentre eles, a ideia da inferioridade e superioridade racial entre os seres humanos, noção que legitima a hierarquização da humanidade segundo as características fenotípicas.  (WEDDERBURN, 2007, p. 209)

Segundo o autor, a hierarquia dentro da sociedade brasileira, se dá através dos fenótipos de cada classe da população, estando os negros em desvantagem e depreciados no engajo de tal empoderamento social.

No tocante em busca de soluções para a forma mais justa de seleção para investidura em cargo de gestão escolar, PARO (1996) dá sua contribuição para tal reflexão e análise.

De acordo com o autor, são três as modalidades para provimento do cargo de diretor da escola pública: a nomeação, o concurso público e a eleição. Sua contribuição faz uma análise sobre suas expectativas e os argumentos favoráveis e ou contrários a cada uma destas modalidades.

Segundo PARO (1996), a investidura no cargo por nomeação pode acontecer sem levar em consideração as verdadeiras qualificações do profissional para atribuição da função, contudo por motivos e interesses políticos esta é uma prática comum na maioria dos municípios brasileiros.

A nomeação pura e simples pode dar-se, ou com a exigência prévia de qualificação específica em um mínimo de experiência, ou por razões político-clientelistas, ou por uma combinação dos dois critérios. Bastante disseminada atualmente nos sistemas de ensino do Brasil, é também a mais criticada. (PARO, 1996, p. 15)

No Brasil a nomeação aos cargos de gestores, feito de forma não democrática, atende apenas a interesses políticos. Esta forma de ocupar um cargo de gestão é discriminada, contudo é a mais difundida no país. Nestes termos, de acordo com o autor, apenas exige-se do candidato nomeado o mínimo para atribuição do cargo, desde que essa atenda plenamente a interesses políticos. Este tipo de nomeação atinge também a outros, como negros, indígenas, pardos ou brancos.

No que diz respeito ao provimento a cargo de diretor através de concurso público, o autor defende que:

As principais virtudes apontadas para o concurso são, pois, a objetividade, a coibição do clientelismo e a possibilidade de aferição do conhecimento técnico do candidato. A objetividade é importante na medida em que possibilita tratamento igualitário a todos os candidatos e concorre, assim, para a eliminação da subjetividade. (PARO, 1996, p. 19)

Segundo o autor a nomeação por concurso público é uma forma transparente de provimento ao cargo, pois de fato afere o conhecimento intelectual do candidato, através da realização de prova específica e também se apresenta como uma seleção objetiva, ao possibilitar uma disputa igualitária sem interesses de um público específico. Em relação a escolha do diretor escolar, PARO (1996) aponta ainda que:

Quando se trata da escolha do diretor da escola pública, no Brasil, é preciso ter bem claro o tipo de desempenho que se espera do futuro ocupante do cargo e saber se o concurso, isoladamente, tem condições de aferir a presença da necessária aptidão nos candidatos. Não se trata, portanto, de questionar a realização de concurso, já que este tem provado ser o recurso mais adequado para prover o preenchimento de cargos em se fazem exigências de técnica específica. Trata-se, na verdade, de ter presente suas insuficiências em pensar em alternativas que possam supri-las. (PARO, 1996, p. 20)

O autor aponta para a necessidade de buscar alternativas que supram a lacuna deixada na gestão escolar, quando apenas as atribuições técnicas específicas são colocadas em prática, haja vista que a escola para caminhar bem, necessita de gestores que tenham um bom relacionamento com toda a comunidade escolar, não engessado apenas a parte administrativa, mas se fazer cumprir em todas suas esferas a verdadeira função social da escola.

A modalidade de ingresso por eleição direta é defendida por Paro (1996) como a mais isenta de discriminação. O autor acredita que a participação da comunidade escolar na escolha dos dirigentes escolares é um direito presente na constituição e de extrema relevância para o verdadeiro processo de democratização da escola e a este respeito, cita:

[...] Isso propicia um sem-número de injustiças e irregularidades, já que não existe um critério objetivo, controlável pela população, que além de garantir o respeito aos interesses do pessoal escolar e usuários, possa também evitar o favorecimento ilícito de pessoas, situação que fere o princípio de igualdade de oportunidades de acesso ao cargo por parte dos candidatos. Além disso, esse procedimento tende a fazer com que o compromisso do diretor acabe se dando apenas com os interesses da pessoa ou grupo político que o nomeia. Por esses motivos, a nomeação sem concurso público ou processo eletivo para o cargo de diretor de escola não se apresenta como uma alternativa defensável para a escolha do diretor escolar, sendo condenada por todos aqueles interessados na boa gestão pública. (PARO, 1996, p. 18)

O autor defende que a participação efetiva e democrática da população na escolha de seus representantes na gestão escolar, garante a transparência do processo. Esta forma de escolha garante o direito de igualdade e oportunidade para todos, reduzindo as possibilidades de qualquer forma de discriminação ou favorecimento por interesse de uma pequena parcela de pessoas envolvidas no processo para provimento do cargo. A defesa da eleição como critério para a escolha de diretores escolares está fundamentada em seu caráter democrático. Sobre este tópico, Paro (1996) cita que:

Á medida que a sociedade se democratiza e como condição dessa democratização, é preciso que se democratizem as instituições que compõe a própria sociedade. Daí a relevância de se considerar a eleição direta, por parte do pessoal escolar, alunos e comunidade, como um dos critérios para a escolha do diretor de escola pública. (PARO, 1996, p. 26)

Segundo Paro (1996), é necessário que as instituições sejam de fato democráticas em seus processos, fazendo valer tal condição. A escolha do diretor escolar feita democraticamente, através de eleição junto à comunidade escolar, se configura de fato no processo de democratização instituído na sociedade.

A democratização da escola pública deve implicar não apenas o acesso da população a seus serviços, mas também a participação desta na tomada de decisões que dizem respeito a seus interesses, o que inclui o envolvimento no processo de escolha de seus dirigentes. (PARO, 1996, p. 27)

Segundo o autor, a democratização é mais do que a sociedade fazer parte do processo ou simplesmente estar inclusa. Paro o autor, a comunidade deve participar efetivamente nas escolhas e decisões que envolvem seus direitos e interesses.

Racismo: privilégios da classe dominante

O racismo no Brasil como em qualquer outra parte do mundo, beneficia aqueles que detém o poder. Os negros são os que mais sofrem com tal discriminação, refletindo em sua vida social em todas suas esferas. A esse respeito Wedderburn (2007), diz que: 

[...] o racismo beneficia e privilegia os interesses exclusivos da raça dominante, prejudicando somente os interesses da raça subalternizada. O racista usufrui de privilégios e do poder total enquanto o alvo do racismo experimenta exatamente a experiência contrária. Porém, a luta contra o racismo é em prejuízo do racista. Nessas circunstâncias, é insensato pregar a mera “reconversão” moral do racista. (WEDDERBURN, 2007, p. 212)

O racismo é relevante e traz privilégios a raça dominante, em detrimento aos negros que são prejudicados em todas as esferas sociais. Ao pensar na instituição escolar, na atribuição do professor que tem como pré-requisitos sua formação para candidatar-se a um cargo na gestão escolar, esta encontra várias barreiras a se transpor, uma delas é a discriminação racial. Wedderburn (2007), trata a referida questão sob a luz da esfera global onde o sujeito está inserido, propondo que o racismo está enraizado em todas as esferas sociais. A esse respeito o autor comenta que” na contemporaneidade, o racismo está arraigado em todas as instâncias de funcionamento do mundo, tanto na econômica como na política, na cultural e na militar”. (WEDDERBURN, 2007, p. 212)

Ainda de acordo com o autor, o racismo está presente em todas as esferas sociais, a qual coloca o negro em situação depreciativa e de inferioridade em relação aos brancos, como acontece desde os primórdios da escravidão, até os dias atuais.

Por ser uma forma de consciência historicamente determinada, o racismo é fundamentalmente transversal, ou seja, atravessa todos os segmentos da sociedade, e todas as formas de organização social – partidos políticos, religiões, ideologias, etc. Afeta ainda todas as camadas da sociedade, sendo um fator majoritário no universo onde se sustenta emocional e historicamente. Isso não quer dizer que, individualmente, as pessoas não possam mudar suas convicções ou posições racistas. A realidade, observada ao longo dos séculos, é que o racismo muda também a partir dessas mudanças individuais. Não se trata de uma visão pessimista, mas de uma visão ancorada na observação de um fenômeno que ninguém conseguiu até agora encapsular numa explicação suficientemente coerente ou consistente com a observação dos fatos históricos desde a Antiguidade até os dias atuais. (WEDDERBURN, 2007, p. 217)

De acordo com Wedderburn (2007), o racismo passa por todas as esferas sociais e não afeta apenas aqueles de classes menos favorecidas. O racismo e a discriminação chegam onde o negro está, independente do lugar que ocupam na classe social. Contudo, segundo o autor, é possível uma mudança de olhar e principalmente de atitude em relação ao racismo e sua disseminação. Wedderburn acredita que o racismo muda a partir de cada um, que a parte pode alcançar o todo.

METODOLOGIA

A metodologia é de cunho qualitativa, e utiliza-se do método de pesquisa documental, pois o estudo realizado expõe, esclarece e confronta olhares, ideias e posições sobre a questão da discriminação racial e as diferentes formas de ingresso ao provimento a cargos de gestão pública escolar no Brasil.

De acordo com Deslauriers (1991), o método qualitativo explica o porquê e conduz a busca dos melhores meios para solucionar situações. Contudo, este método é feito sem confrontar prova de fatos, uma vez que os dados analisados são não métricos e utilizam diferentes abordagens.

A pesquisa realizada é especificamente documental, por tratar-se de uma temática cujos sujeitos de pesquisa por vezes não se declararam negros e ou pela própria delicadeza dos assuntos relacionados a temática.

Este tipo de pesquisa trilha os mesmos caminhos da pesquisa bibliográfica, não sendo fácil por vezes distingui-las. A pesquisa bibliográfica utiliza fontes constituídas por material já elaborado, constituído basicamente por livros e artigos científicos localizados em bibliotecas.

Segundo Fonseca (2002), a pesquisa documental recorre a diferentes fontes, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da presente pesquisa, ainda levando em consideração as dificuldades encontradas no trajeto do trabalho, foi de suma importância e de grande satisfação.

Estudar, pesquisar e compreender os processos históricos, legais, sociais, culturais, econômicos e educacionais que contribuíram negativa ou positivamente para a trajetória de vida da população negra no Brasil em relação a oportunidade no mercado de trabalho, desde o período pós-abolição da escravatura até os dias atuais, esclareceu e agregou valores a esta temática tão complexa, polêmica, pertinente, porém pouco comentada. Essas características pontuais são as que fomentaram a curiosidade que se configurou como objetivo em busca da compreensão dos reais motivos da expressiva falta de gestores negros à frente da administração de escolas públicas, bem como o tocante sobre as diferentes formas de ingresso de provimento ao cargo nos Estados e municípios, discutida como possível solução para esta problemática, tratada ainda de forma velada na maioria das esferas sociais.

A discussão sobre a discriminação racial no mercado de trabalho foi um ponto extremamente relevante na realização da pesquisa, visto que ao analisar a situação histórica do negro no Brasil, chega-se à conclusão que esta parte da população sempre se viu inferiorizada, disputando de forma injusta posições sociais e colocação em enquadramento hierárquico no mercado de trabalho.

As teorias utilizadas nesta pesquisa foram aos poucos se tornando em argumentos reais e possíveis, posto que ao fazer uma análise profunda e reflexões do período pós- abolição da escravatura, potencializou ideias antes embasadas em percepções, em fatos contundentes, enraizados na trajetória desta parte da população.

A presente pesquisa está em sintonia para que professores e futuros gestores, discutam mais  sobre essa complexa realidade enfrentada pela sociedade brasileira, visto que a problemática da discriminação racial e as diferentes formas de ingresso em cargos de gestão pública é um assunto pertinente a toda sociedade e não apenas aos diretamente prejudicados, no caso a população negra.

Ao analisar as abordagens sobre as formas de ingresso nos cargos de gestão escolar, a pesquisa abre caminhos para a reflexão sobre medidas que vetariam possíveis seleções de discriminação racial sofrida por negros, em busca de igualdade de direitos em todas as esferas sócias, partindo da premissa que a educação transforma uma sociedade.  

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-graduação Lato Sensu (especialização) em Gestão Pública e Gestão Pública Municipal da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP, em parceria com o Programa UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UAB, instituído pelo Ministério da Educação/MEC, no âmbito do Programa 1061 – Brasil Escolarizado, ação 8426 – Formação Inicial e Continuada a Distância com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm>. Acesso em: abr. 2019.

BRASIL. Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Extinção da escravidão no Brasil. Disponível em: . Acesso em: abr. 2019.

DESLAURIERS, J. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petropólis, R.J: Vozes, 2008.

ETHOS. Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. São Paulo: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, 2010.

FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Características étnico-raciais da população: um estudo das categorias de classificação de cor ou raça 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

JACCOUD, L.; OSÓRIO, R.; SOARES, S.; THEODORO, M. (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008.

LOPES, V. N. Racismo, Preconceito e Discriminação. In: Superando o racismo na escola. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizada e Diversidade. 2005. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2015.

PARO, V. H. Eleição de diretores: a escola pública experimenta a democracia. Campinas, SP: Papirus, 1996.

SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: SENAC, 2001.

SOUZA, I. S; MOTTA, F. P. C; FONSECA, D. Estudos sociológicos e antropológicos. São Paulo, 2002.   

WEDDERBURN, C. M. O racismo através dos tempos: da antiguidade a modernidade. São Paulo, 2007.

 

Por: Valéria Gonçalves Nunes Martins


Publicado por: Valéria Gonçalves Nunes Martins

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.