O ENSINO DURANTE A PANDEMIA: A FAMÍLIA E O ESTADO NO CUMPRIMENTO DO DEVER
Reflexão sobre a situação do ensino nos tempos de pandemiaO texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Resumo
O objetivo deste artigo é levar o leitor a refletir sobre a situação do ensino nos tempos de pandemia. Sobretudo, em relação à parcela de contribuição antes e durante a pandemia por parte da família e do Estado, que são os responsáveis legais pela promoção da educação. A Constituição Federal cita também a sociedade como parte colaborativa neste processo e analisando a legislação,verificaremos quais foram as mudanças por parte de cada um destes atores no processo educacional. Pontuando os impactos destas mudanças e o porquê delas terem acontecido.
A muitos anos a sociedade vem navegando em águas navegáveis. Isso no sentido de manter suas rotinas seguindo uma mesma linha, sem uma brusca interrupção a nível mundial como tivemos agora. As crianças frequentando as creches e escolas. Os jovens frequentando os prédios das universidades e os adultos trabalhando, conquistando, mantendo suas rotinas dentro de um padrão que conheceram desde o nascimento.
O mundo parou como um carro freado bruscamente, que por razão da física, faz com que seus ocupantes absorvam toda a desaceleração de forma repentina, causando um imenso desconforto. As pessoas ainda não se recuperaram desta freada e tentam se ajustar. Entender como retomar suas funções, em meios aos efeitos que um único obstáculo causou, passa a ser o principal no momento.
A educação já contava com inúmeros problemas e a todo tempo era notável a necessidade de mudanças. A ineficiência dos métodos de ensino, a interferência de problemas sociais no ambiente escolar, comprometendo o desenvolvimento dos alunos, a falta de suporte para um ensino de qualidade, salas de aulas superlotadas e os eletrônicos atrapalhando as aulas. Esses já eram alguns problemas que tínhamos antes da pandemia, que estavam postos na forma de desafios para aqueles que pensassem em melhorias na educação escolar.
Com a necessidade do distanciamento social, houve um rompimento com o modelo de ensino presencial, para além da modalidade. O aluno além de não frequentar a escola fisicamente, passou a receber na grande maioria das vezes, mais apoio dos familiares que dos professores na educação escolar. Isso devido a vários fatores, dentre eles o mais relevante que é o da realidade sócio econômica de algumas famílias, que inevitavelmente as deixou ainda mais desassistidas no âmbito educacional.
A crise financeira gerada pela pandemia, agravou ainda mais a situação das famílias de baixa renda. Com isso, prover conexão de internet, providenciar um aparelho adequado para recepcionar as aulas do EAD se tornou uma tarefa difícil. Neste sentido, Vários responsáveis por pastas governamentais na área da educação, adotaram apostilas impressas, aulas pela tv, como alternativa a estes impasses. Outros nem se preocuparam. Julgaram que todos teriam acesso às aulas EAD e pronto. Transmitiram sem se preocuparem com aquela parcela que não tinha meios e nem condição de provê-los para assistir as vídeo aulas.
Outro grande problema foi a falta de preocupação com a eficácia destas alternativas de ensino. Dos que se preocuparam, boa parte foram infelizes nas tentativas de resolver. O resultado de tudo isso é o que temos nesta pesquisa: Alunos se queixando da irregularidade das aulas, falta de explicação dos professores, baixa frequência de aulas e uma parte expressiva afirmando que o ensino presencial era mais eficaz.
A pandemia nos exigiu o distanciamento social e portanto o tradicional modelo presencial de fato não poderia continuar. Caso insistíssemos, muitas vidas que se safaram da covid até aqui, poderiam não estar mais entre nós. O desafio sem dúvida foi uma alternativa de ensino que, apesar de romper com a modalidade presencial, fosse no mínimo igualmente eficaz.
O que aconteceu até de uma forma um tanto quanto automática, foi o aumento da parcela de contribuição dos familiares no processo de ensino. Aqueles que receberam apostilas impressas, como única alternativa de continuidade do ensino, viram seus familiares virarem professores radicalmente. O que não foi uma particularidade dos que receberam apostilas. Aconteceu também nas outras situações e os alunos deixaram claro isso na pesquisa.
Outro problema foi o despreparo desses familiares que assumiram o papel de professor. A formação do professor contempla desenvolvimento de práticas pedagógicas extremamentes essenciais para produção de conhecimento, que vão além do conhecimento técnico da disciplina e são decisivas na maioria das vezes para um ensino eficiente.
Sempre foi muito importante o auxílio da família em conjunto com o ensino escolar, apoiando os alunos na resolução de atividades em casa, elaboradas e explicadas pelo professor anteriormente na sala de aula. A questão é que muitos deles tiveram que fazer essa parte da explicação, que exige uso de ferramentas didáticas, conhecimento técnico da disciplina e tempo. Muitos familiares não têm sequer tempo para fazer isso e acaba sendo pior ainda.
A legislação
A constituição federal no Art 205, cita expressamente que a educação é direito de todos e destaca, a quem infere o dever de promovê- la.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, Art. 205).
O Art. 2º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de diretrizes básicas (LDB) reforça essa garantia, enfatizando a família e o estado como garantidores.
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996)
Nesta linha, o artigo 211 da Constituição Federal de 1988, determina que os entes federados organizarão de forma colaborativa seus sistemas de ensino. E no artigo 208 da mesma Constituição Federal, é descrito quais são as garantias que de fato caracterizaram o cumprimento do dever por parte do Estado.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade;
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola (BRASIL, 1988, Art. 208).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069, de 13 de julho de 1990)ECA no artigo 53, destaca que o estado deve providenciar uma educação igualitariamente acessível.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (BRASIL, 1990).
Até então, antes da pandemia, tínhamos um modelo em que as instituições de ensino públicas, ofereciam o ensino com total gratuidade, com condições iguais de acesso e permanência no ambiente escolar, de certa forma, como previsto nos incisos IV e I do Artigo 206 da constituição federal (BRASIL, 1988, Art. 206). E isso em muitos casos deixou de ser cumprido, mesmo sendo este um direito garantido pela CF, no que tange os princípios base do ensino.
Nesta pesquisa ficou claro que muitos estudantes tiveram, em virtude da pandemia, esse direito violado. O ensino que era gratuito e contínuo, deixou de ser eficiente, por falta de recursos financeiros: falta de dinheiro para prover receptores de aulas EAD( ensino a distância), falta de dinheiro para prover uma conexão de internet adequada. Desta forma, na provisão da educação, o estado e ou a família falharam. Isso pode ser dito sem sombra de dúvidas, porque o que se tem na pesquisa, são estudantes sem acesso à educação escolar, garantia parcial e irregular, colecionando um prejuízo que mais tarde vai ser de toda a sociedade.
Mas afinal, se a família não tem condição de garantir os recursos mínimos necessários para prover a educação escolar, comete crime? e o estado? não deveria suprir essas demandas? ou a situação excepcional justifica a educação para uma parcela da sociedade desta forma?
São perguntas que podem movimentar uma infinidade de pontos de vista: Jurídicos, social, educacional e governamental, no entanto, este não é o objetivo principal deste artigo. O que é inegável e indiscutível são os prejuízos educacionais que os cidadãos, em especial os de baixa renda, estão tendo. Isso talvez não fique tão perceptível para alguns agora, mas com certeza os reflexos destes prejuízos virão em diversas formas no contexto social.
Aí, não há o que se dizer em meritocracia. O cidadão que foi mal instruído educacionalmente pode trazer problemas para toda a sociedade, inclusive para aqueles que por suposto mérito ou classe social vive uma realidade diferente, como descreve FRANCISCO FILHO.
A violência urbana constitui, hoje, um dos parâmetros mais significativos para o sentido de “qualidade de vida” nas cidades. Afeta a todos e possui inúmeras características que a tornam complexa para aqueles que procuram entender os intrincados mecanismos responsáveis pelo seu surgimento, evolução e transformação de áreas inteiras urbanas em guetos que acabam por aprisionar a todos, inclusive aqueles que se consideram seguros (FRANCISCO FILHO, 2012, p.116).
Seja por precisar de maior assistência dos órgãos públicos e consequentemente levar a um maior gasto de verbas, aumento de tributos para viabilizá-las e queda na arrecadação. Ou pelos problemas com a segurança pública. Porque é inegável o alto índice de criminalidade nas regiões onde residem pessoas com baixo grau de instrução.
A todo instante jornais de variadas fontes nos mostram essa ligação, com intuito de provocar a administração pública a fazer alguma coisa. As pesquisas no campo educacional sempre debruçam sobre esse dilema, respondendo perguntas e destacando possíveis soluções. O prejuízo é certo e não é remediado facilmente como alguns imaginam.
O reflexo disso será sem dúvida sentido por toda sociedade daqui uns anos. Seja pela maior desigualdade social, em face da falta de qualificação destas pessoas, que tiveram um ensino de péssima qualidade. Ou até mesmo pelos problemas na segurança pública, que são, na grande maioria das vezes, reflexos de cidadãos que não conseguiram se qualificar e ter um salário digno, como citei anteriormente, e optaram pela prática criminosa para garantir recursos financeiros.
O que fica de lição em meio às perguntas feitas anteriormente é que independente de justificativa, baseada em argumentos jurídicos, educacionais, governamentais, ou qualquer outro que seja. Não será afastado o prejuízo que as aulas em meio a pandemia têm provocado diretamente para os estudantes menos favorecidos. E mais uma vez o poder aquisitivo dita de quem será o poder, que neste caso é precedido da possibilidade de adquirir conhecimento e assim garantir a ascensão social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988
LDB – Leis de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394. 1996.
Lei Nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
FRANCISCO FILHO, Lauro Luiz. Análise da relação da criminalidade e baixo nível escolar. Revista Intellectus, Jaguariúna, ano VIII, n. 22, p. 175-190, 2012.
Publicado por: Samuel Junio
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.