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Educação uma questão de cor: A trajetória educacional dos negros no Brasil

A história da educação e escolarização dos negros e negras no Brasil, avanços legais que contribuíram para a inclusão e valorização da população negra na educação.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

A história da educação e escolarização dos negros e negras no Brasil foi marcada por uma caminhada de desigualdades que se verifica até os dias atuais. Este trabalho pretende refletir sobre a trajetória e luta pela educação dos negros no Brasil, desde o período colonial até hoje. Questiona-se como os avanços legais contribuíram para a inclusão e valorização da população negra na educação. Para tanto foi feita uma pesquisa bibliográfica. Se verifica que os avanços legais foram e são significativos para a ascensão representativa do negro na educação, no entanto ocorreram de modo tardio e ainda não são o suficiente para reparar mais de um século de exclusão.

Palavras chave: Educação, Desigualdade racial, Movimento Negro.

RESUMÉN:

La historia de la educación y escolarización de los negros y negras en Brasil fue marcada por una caminata de desigualdades que se verifica hasta los días actuales. Este trabajo pretende reflexionar sobre la trayectoria y lucha por la educación de los negros en Brasil, desde el período colonial hasta hoy. Se cuestiona cómo los avances legales contribuyeron a la inclusión y valorización de la población negra en la educación. Para el artículo se realizó una investigación bibliográfica. Se verifica que los avances legales fueron y son significativos para el ascenso representativo del negro en la educación, sin embargo ocurrieron de modo tardío y aún no son suficientes para reparar más de un siglo de exclusión.

Palabras clave: Educación, Desigualdad racial, Movimiento Negro.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo titulado “Educação uma questão de cor: a trajetória educacional dos negros no Brasil”, tem como objetivo discutir sobre a educação e suas práticas racistas na história do Brasil, apresentando as lutas e conquistas da população negra brasileira por uma educação igualitária, observando as bases legais, os avanços e as deficiências ainda existentes.

Por muitos anos a população negra se manteve exclusa nas representatividades dentro da educação, aqui nós cabe o questionamento: Como os avanços legais contribuíram para a inclusão e valorização da população negra na educação?

Para compreender sobre a trajetória da educação dos negros no Brasil foi feita uma pesquisa bibliográfica. Nesse sentido, no artigo abordaremos o quanto as leis foram importantes e quão tardias foram criadas, a exemplo temos a Lei 10.639/03, que oficializa o dia 20 de novembro como dia Nacional da Consciência Negra, e que torna obrigatório o ensino de Cultura Afro-brasileira. Mais tarde ainda foi sancionada a Lei 12.711/12, que abre as portas de acesso à educação superior, não só tornando a população negra representada através de sua história e cultura, como os colocando em um novo patamar, o de protagonista e produtores do seu próprio conhecimento, garantindo a estes o acesso às universidades públicas e privadas através das cotas raciais.

Esses avanços educacionais citados surgiram através de mais de um século de lutas, deste modo a referente pesquisa mostra como a educação sempre foi um produto social, da qual a cor da pele é um fator determinante e limitante no tocante ao acesso social/educacional. Através das lutas se chegaram as bases legais que modificaram a participação da população negra dentro da educação, dando a estes maior espaço dos quais nunca estiveram antes. Toda via todo o avanço ainda é pouco diante dos fatores históricos de exclusão.

2. AS FRONTEIRAS DO POSSÍVEL: A LUTA PELA ESCOLARIZAÇÃO/EDUCAÇÃO DOS NEGROS NOS TEMPOS DE ESCRAVIDÃO

A educação se configura como um projeto político de um país, podemos verificar suas variáveis ao longo da história brasileira. Ghiraldelli (2001) apresenta a história da educação brasileira como um projeto político disputado pelos interesses das classes sociais. E a rigor, a classe hegemônica coloca em vigor seu projeto educacional, apresentando-se como consenso para o ideal de Nação.

Desde o período da chegada dos portugueses às terras brasileiras a educação se construiu como uma importante ferramenta para formação de um tipo de sociedade. A educação oferecida no Brasil Colônia, por exemplo, tinha como objetivo a modelação dos povos nativos para se adequar aos modos europeus e inclui-lo em uma lógica de trabalho escravizado, bem como destinava-se a trazer novos fieis para o catolicismo. Já a educação destinada aos colonos se direcionavam para a preservação dos valores morais e religiosos. Ao passo que excluía os escravizados.

No Brasil Império, quando as escolas se propagam, ainda assim não existiam escolas formais para negros/as e/ou apoio governamental que permitissem seu ingresso, diferentemente de outros países como os EUA. País esse que o racismo era explícito na separação de escolas para negros e escolas para brancos.

Mesmo a educação sendo negada aos escravizados, as formas de resistências dos negros tornaram fartas. Sendo assim, já no Brasil Império, se verifica a existência de escolas informais para negros.

Santos (2013) cita a antropóloga Irene Maria Ferreira Barbosa, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que aborda sobre um dos mais antigos registros da escolarização dos povos negros, que foi através da escola do Professor Antônio Cesarino, situada em Campinas no interior de São Paulo, que funcionou de 1860 à 1876.

O professor Cesarino e suas irmãs eram filhos de um escravo alforriado, o qual vendeu sua tropa de mulas para que seu filho pudesse estudar. Cesarino frequentou uma escola para brancos e conseguiu se formar, posteriormente passou a lecionar junto com suas irmãs e esposa.

A escola que Cesarino fundou era para meninas brancas, elas aprendiam a ler, escrever, as resolver as operações matemáticas e também regras de etiqueta, além de costurar, bordar, cozinhar, etc. Com a mensalidade paga pelas meninas brancas que estudavam no diurno, Cesarino oferecia gratuitamente a escolarização para moças negras no noturno. (Santos; Oliveira; Oliveira; Gimenes, 2013).

Além da escola de Cesarino há registros não tão aprofundados da escola de Pretextato, sendo esta a primeira escola para negros existente no Brasil, ela funcionou de 1853 à 1873, situada no Rio de Janeiro. Segundo a historiadora Adriana Maria Paulo da Silva (2002). Pretextato era homem negro e não se sabe como conseguiu alfabetizar-se, e abriu processo licitatório à corte, Eusébio de Queiroz para funcionamento de sua escola, que atendia em média de quinze alunos pobres, os quais não possuíam se quer sobrenome.

Esses negros que a duras penas conseguiram ingressar nas escolas eram um grupo restrito de negros livres ou libertos. Conforme o decreto 7031 de 06 de setembro de 1878[4] só podia se matricular pessoas do sexo masculino, maiores de 14 anos livres ou libertos, saudáveis e vacinados. Deste modo fica evidente a exclusão das mulheres negras e escravos, visto que para estes era impossível executar trabalhos de longas jornadas e ter o “luxo” de aprender a ler e escrever.

Diante desse contexto histórico pode-se perceber que a escolarização se tratando de povos negros nasceu diante de uma disparidade da qual vem sendo refletida ao longo dos anos. Percebe-se que a educação no Brasil, desde o seu principio preocupou-se em atender as necessidades dos homens da classe dominante branca, segregando a população negra do acesso e da produção intelectual.

O que encontramos na história da escolarização dos negros até o início do século XX são casos isolados, produtos de algumas resistências e lutas, como essas experiências de Cesarino e Pretextato. Ainda podemos falar sobre a Imprensa Negra, como um fator importante da luta pela educação, fugindo dos espaços escolares formais que eram negados.

O final do século XIX, no Brasil, é marcado pela efervescência em defesa ao abolicionismo, e nesse período já existia uma grande parte da população negra livre. A impressa negra, que foi assim chamada por denunciar a escravidão e incentivar o abolicionismo, nasce aí. Segundo Fraga e Albuquerque (2009, p. 87-88) nesse período a imprensa literária brasileira passa a contar com a participação de autores negros. Entre esses autores é possível citar o renomado Machado de Assis[5].

Machado de Assis foi um marco na literatura brasileira e no aparecimento da imprensa negra. Por ser negro e pobre, sua infância foi divida entre os estudos e trabalhos, estudos esse que ocorreram de maneira informal, foi alfabetizado e aprendeu a ler e escrever dentro de casa. Logo cedo começou a trabalhar como aprendiz de tipografo, onde ganhou notoriedade por seus escritos, ganhando espaço na sociedade letrada e reconhecimento de suas obras. Na sua própria trajetória notamos também a luta pela escolarização.

A imprensa negra teve um papel primordial na manifestação pública contra a vida segregada dos negros, e com a crítica da “opressão branca”. O surgimento da imprensa negra abre espaço para novos movimentos sociais que marcam o início e final do século XX, dentre eles o Movimento Negro Unificado.

3. MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO NA LUTA PELA EDUCAÇÃO

Após a abolição da escravatura os negros e negras enfrentaram novos desafios diante do novo modelo de sociedade brasileira. Sem moradia, trabalho, estudos, literalmente jogados nas ruas, encontram-se obrigados a vender seu trabalho pela sua sobrevivência, evidenciando as desigualdades sociais nos primeiros momentos da nova configuração Republicana. A escola permaneceu eletista e não possibilitou aos negros e negras acesso à educação de qualidade, formação acadêmica, forjando assim, para além da exclusão social, um novo modelo de exclusão: o intelectual.

A exclusão social e racial permanece após décadas do período abolicionista, limita o ingresso dos negros/as nas universidades, e qualifica-o como marginal. A militância pela ruptura das desigualdades e injustiças sociais fez emergir o Movimento Negro Unificado (MNU), 90 anos após a abolição.

O surgimento do MNU data o ano de 1978[6], em decorrência do protesto pela morte do feirante Robson Silveira da Luz, torturado e morto por policiais do 44º departamento dos Guaianazes- SP, ao ser acusado de roubar frutas em seu local de trabalho. A agressividade da qual Robson sofrera, sem averiguação do caso, apenas por ser negro, fez com que negros e negras saíssem as ruas em protesto, nascendo assim o MNU, em tempos de Ditadura.

O MNU veio para romper as barreiras racistas e foi importante para criação e implementação de políticas públicas, como: cotas universitárias, cotas em concursos públicos, além de fortalecer e ampliar a formação docente voltada para a valorização da cultura negra a partir da criação de leis.

De acordo com Gomes (2012 p. 740) o Movimento Negro contribuiu para mudanças nas políticas educacionais reformulando os currículos com a implantação da Lei 10.639/03 da qual torna obrigatório o Ensino de História e Cultura Afro- brasileira.

A educação passa a ser entendida como fator primordial para ingresso do ser humano na sociedade, sociedade esta padronizada, seletiva e preconceituosa. Segundo Gonçalves (2008)

a educação pode ser uma atividade que reproduz a ideologia da democracia-liberal-burguesa, reforçando as desigualdades sociais, ou pode contribuir para desvelar as contradições das estruturas sociais, política e econômica na perspectiva classista de luta para emancipação humana diante da lógica da contradição. (GONÇALVES, 2008. p. 65).

Através da educação a sociedade se transforma e aquela passa a ser um instrumento da luta para aqueles que não tinham acesso às salas de aulas formais, ou frequentavam uma educação totalmente excludente da valorização da sua cultura, e se passa a entender e lutar por acesso à educação igualitária.

A educação formal foi garantida para os negros e negras com o passar do tempo, mas aí entrou outra batalha. MNU entendeu a escola como um mecanismo de reprodução do racismo, vendo também a necessidade de reformulação do currículo e livros didáticos, de modo que garantisse a representatividade dos negros e negras. Para isso foram criadas Leis, a Lei 12.711/12 que permitissem o acesso de estudantes em universidades públicas e particulares através das cotas raciais, bem como a Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino de cultura afro-brasileira. Sobre essas questões legais, trataremos no próximo tópico.

4. AVANÇOS LEGAIS PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: LEI 10.639/03 e 12.711/12

Em 2003 foi sancionada a Lei 10.639 que torna obrigatório o ensino de cultura Afro-brasileira e oficializa o dia 20 de Novembro como “Dia da Consciência Negra”.

Como é de se imaginar, tal lei não foi criada da noite para o dia. Para que fosse necessário se pensar na igualdade racial em ambiente escolar houve muita luta, como a do MNU, já citado.

Gomes (2012) aborda a importância dos movimentos sociais para reformulação das leis educacionais, ressaltando que:

A educação tem merecido atenção especial das entidades negras como um direito paulatinamente conquistado por aqueles que lutam pela democracia, como uma possibilidade a mais de ascensão social, como aposta na produção de conhecimentos que valorizem o diálogo entre os diferentes sujeitos sociais e suas culturas e como espaço de formação de cidadãos que se posicionem contra toda e qualquer forma de discriminação. (GOMES, 2012. p. 735).

A educação é um mecanismo de ascensão social, da qual possibilita a apreciação, valorização e enriquecimento da cultura, da vida e da comunidade da qual este aluno faz parte.

A população negra, primeiro não tinha acesso à educação, isso mudou, mas ainda não havia representatividade nos materiais didáticos, não se era trabalhado sobre sua cultura, deste modo os afrodescendentes não se reconheciam dentro desta educação que lhes eram oferecida, somente depois de 115 anos que a população negra se libertou da escravidão se mudou algo nesse sentido. A Lei 10.639/03 foi sancionada pela presidência da república, ficando assim evidente o quanto lenta foram as conquistas educacionais para a população negra.

A referida lei trata dos princípios da valorização da cultura negra e da importância destes povos para a formação do Brasil, conforme o artigo 26:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. (BRASIL, 2003).

A lei 10.639/03 gera uma reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD 9.394/96), lei magna da educação. Através dela os currículos educacionais passaram a agregar o histórico da população negra, a miscigenação, o racismo contemporâneo, bem como a positivação e valorização da História e Cultura, trazendo maior significado para os alunos e alunas afrodescendentes a educação que lhes é oferecida.

Em 2008 visto a necessidade de reconhecer que a população negra tem participação ativa para a formação do país, que sua cultura deve ser trabalhada em todo contexto nacional de educação, a LDB passou por uma nova reformulação nos artigos que abrangem a Lei 10.639, criando a Lei 11.645/08.

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.” (BRASIL, 2008).

A mudança do artigo refere-se quanto aos estabelecimentos de ensino, não sendo apenas dever do estado nas instituições públicas assegurar a igualdade racial educacional, como também as instituições privadas. Além de incluir os indígenas, também vitimas de preconceitos e exclusões.

A identidade do homem negro, morador do subúrbio sempre foi negada nos livros didáticos. Sabendo que a educação é um produto social, a classe dominante branca e o racismo não queriam que negros e negras se sentissem partes construtoras da sociedade e nem ocupassem os mesmos espaços, querendo apagá-los impondo inúmeras restrições, inclusive educacionais.

Apesar da tentativa do processo de branqueamento físico[7] da sociedade ter fracassado, seu ideal inculcado através de mecanismos psicológicos ficou no inconsciente coletivo brasileiro, rodando sempre nas cabeças de negros e mestiços. Esse ideal prejudicou o reconhecimento da identidade negra, já que todos sonham ingressar um dia na identidade branca, por julgarem superiores. (MUNANGA, 2006, p.16).

Fica evidente a intenção de um projeto de sociedade que impossibilitou a formação da identidade negra criando tantos muros e barreira existentes. Os negros foram subalternizados, silenciados, sofreram e sofrem racismo, se tornando cada vez mais difícil se reconhecer na identidade negra. Daí a importância da Lei 10.639/03, pois colocou em pauta a valorização da cultura e história do povo negro possibilitando o reconhecimento e o fortalecimento da identidade negra com as relações positivas.

Outra importante Lei criada na primeira década do século XXI, foi a Lei 12.711/12, que garante o acesso ao ensino superior para alunos oriundos de baixa renda, negros, pardos e indígenas. Conforme os Artigos 1º e 3º:

Art. 1o  As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 3o  Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (BRASIL, 2012).

As vagas são destinadas aos alunos de baixa renda ou que tenham cursado todo ensino médio na rede pública de ensino, evidenciando que a exclusão escolar é decorrente da exclusão histórico social. As políticas públicas de reparação tornam-se o caminho para igualdade educacional entre negros e brancos.

A lei das cotas 12711/12 que foi sancionada quase dez anos depois da implementação de Ações Afirmativas[8], em agosto de 2012, estabelece cotas de no mínimo 50% das vagas nas instituições para estudantes que tenham estudado o ensino médio em escolas públicas, com finalidade de amenizar as disparidades raciais.

O primeiro Programa de Cotas brasileiro foi implementado em 2003 pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).  Desde então, a quantidade de universidades que aderiram ao programa de cotas foi ascendendo rapidamente em um curto período. De 2003 a 2005, 14 universidades aderiram às Cotas, sendo que em 2006 esse número chegou a 43 universidades, e em 2010 já somavam 83 instituições de ensino superior com cotas (GUARNIERI, 2008). Ainda assim as cotas raciais suscitaram controvérsias no cenário brasileiro e seriam constantemente alvo de críticas.

As críticas quanto ao sistema de cotas por parte de grandes instituições de ensino superior decorria da justificativa de que a abertura de vagas para negros, índios e alunos de baixa renda desvalorizaria tais instituições. No entanto sabendo que a educação é um produto de ascensão social do indivíduo, aonde as classes desfavorecidas têm a oportunidade de terem suas vidas equiparadas, a políticas de cotas se faz importante para a ruptura das barreiras educativas e sociais, conforme Bezerra:

Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais. A parte desta certeza devemos entender que precisamos tratar os desiguais de forma diferenciada para que possamos, enfim, alcançar a almejada isonomia. Ou seja, diante de tal imperativo não basta o Estado adotar uma ação neutra, mais que isso, veda-se ao Estado a prática de ações ou projetos que versem sobre a criação, promoção ou execução de discursos e condutas que tenham por essência a cultura da desigualdade e de outros mecanismos de discriminação e exclusão. (BEZERRA, 2016).

As cotas raciais enquanto política pública tem esta finalidade, de fazer o Estado participativo do desenvolvimento educacional e social do individuo, assim como é declarado no Art. 205 da Constituição Federal de 1988:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (Brasil, 1988).

Para que esses avanços legais pudessem acontecer foi necessário muita luta da população negra, na busca de ser reconhecidos como protagonistas de sua história, e respeitados quanto seres humanos iguais. No entanto é evidente que tais políticas ainda ocorrem em caráter reparativo, sendo a sociedade brasileira por séculos manteve os negros em condição exclusão.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se tratando de educação brasileira podemos mencionar os avanços legais extremamente importantes que servem para equiparar a população negra, que por muito tempo esteve excluída e sem direitos educacionais. Vemos que o acesso à educação foi historicamente negado a população negra, e quando a partir de lutas se conquistou esse direito, uma outra batalha se intensificou: trazer ao cenário educacional a representatividade negra na valorização da cultura e história africana e afro-brasileira.

A liberdade garantida através da Lei Áurea não trazia medidas de equidade social entre negros e brancos, os negros foram “jogados” dentro de uma sociedade desenvolvida, sendo obrigados a buscar sua subsistência de maneira totalmente precária.

Décadas, séculos se passaram, leis foram criadas, e o assunto ainda tem necessidade de ser rediscutido. É um paradoxo se pensar que em um país onde sua população é multicolorida, composta por descentes de vários povos e de culturas diferentes, a educação se manteve destinada a uma única cor, excluía as demais culturas que não estivessem de acordo com padrão branco/europeu.

A educação para população negra se deu através de lutas e resistências, desde a primeira escola para negros com Pretextato, e com a desobediência das regras educacionais feitas por Antônio Cesarino. A partir dessas desobediências se forjaram vários movimentos que contribuiriam para efetivação de uma escolarização para os negros. A Imprensa Negra no final do século XIX, bem como o MNU no final do século XX, demonstram como os movimentos sociais com denuncia da desvalorização da cultura negra foram importantes para a criação das Leis 10.639/03 e 12.711/12, no início do século XXI. Leis tardias, mas necessárias, para a reparação das desigualdades raciais.

Embora com todo empenho empregado constata-se o alcance apenas fracionado das ações afirmativas, exigindo do Estado uma atuação efetiva, quanto a forma de políticas públicas, bem mais direcionadas a promoção da igualdade das oportunidades no acesso ao ensino superior público. Mesmo com as críticas, o fato é que as ações afirmativas têm sido a única oportunidade de acesso ao ensino superior para grande parte da população de negra que passados tantos e tantos anos da abolição da escravatura ainda precisa ter que conviver com o preconceito e a negação dos seus direitos mesmo os básicos.

6. REFERÊNCIAS

BEZERRA, Deusemar Alves. Ações afirmativas e princípios da igualdade. Lisboa: 2016. Disponível em: Aceso: 24/11/2018

BRASIL, Academia Brasileira de Letras. Biografia de Machado de Assis. Disponível em: Acesso: 22/10/2018.

Decreto 7031-A, de 06 de Setembro de 1878. Legislação Informatizada- Publicação Original. Disponível em: Acesso: 27/09/2018.

Lei 10.639, de 09 de Janeiro de 2003. Disponível em: Acesso: 05/11/2018.

Lei 11.645, de 10 de Março de 2008. Disponível em: Acesso: 05/11/2018

Lei 12.711, de 29 de Agosto de 2012. Disponível em: Acesso em: 25/11/2018.

Decreto 4.228, de 13 de Maio de 2002. Disponível em: Acesso em: 28/11/2018

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Acesso em: 28/11/2018.

FRAGA, Walter; ALBUQUERQUE, WlamyraR.Uma história da cultura Afro-brasileira. Moderna. São Paulo: 2009.

GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da Educação. 2ed. rev.São Paulo: Cortez, 2001.

GOMES, Nilma Lino. Movimento Negro e Educação: Ressignificando e politizando a raça. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul.-set. 2012. Disponível em: Acesso: 29/10/2018.

GONÇALVES, Sebastião Rodrigues.Classes sociais, lutas de classe e movimentos sociais in ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião Rodrigues; MATTOS, Valci Maria (org). Educação e Luta de Classes. Expressão popular 1ªed. São Paulo:2008.

GUARNIERI, Fernanda Vieira; MELO- SILVA, Lucy Leal.  Cotas Universitárias no Brasil: Análise de uma década de produção científica. Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 21, Número 2, Maio/Agosto de 2017: 183-193. Disponível em: Acesso: 13/12/2018.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte.  Autêntica: 2006.

Revista Raça. A origem do movimento negro no Brasil. Ed. 181. Editora Pestana Arte & Publicações. São Paulo: 2016. Disponível: Acesso: 16/09/2018.

SANTOS, Anderson Oramisio; OLIVEIRA, Camila Rezende; Oliveira, Guilherme Santiago de; GIMENES, Olíria Mendes. A História da Educação de Negros no Brasil e o Pensamento Educacional de Professores Negros no Século XIX. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: 2013.

SILVA, Adriana Maria Paulo. A Escola de Pretextato dos Passos e Silva: Questões a respeito das práticas de escolarização no mundo escravista. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas- São Paulo, v. nº 4, p. 145-166,2002.


[1]Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Faculdade Dom Luiz de Orleans e Bragança.

[2] Alcígledes de Jesus Sales - Graduanda em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade Dom Luiz de Orleans e Bragança, Ribeira do Pombal-BA, 2018.

[3] José Jovino Reis Passo - Graduando em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade Dom Luiz de Orleans e Bragança, Ribeira do Pombal-BA, 2018.

[4] Artigos 5º e 6º do Decreto 7031-A de 06 de setembro de 1878. Legislação Informatizada- Publicação Original. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-7031-a-6-setembro-1878-548011-publicacaooriginal-62957-pe.html

[5] Nascido em 1839 e falecido em 1908, autor de grandes clássicos da literatura brasileira, como: Dom Casmurro (1881), foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1896 e primeiro presidente da Academia.

Informações extraídas da Academia Brasileira de Letras em: BRASIL, Academia Brasileira de Letras. Biografia de Machado de Assis. Disponível em:

[6]Informações extraídas da Revista Raça “A origem do Movimento Negro no Brasil” edição 181. Disponível em: https://revistaraca.com.br/a-origem-do-movimento-negro-do-brasil

[7] Segundo Munanga o processo de branqueamento caracterizou-se pela represália da mestiçagem, colocando o negro e o mulato como a moléstia social, enfatizavam que as doenças e o fracasso na sociedade era decorrente dos povos negros. Essa teoria do branqueamento físico não foi bem sucedida pela necessidade da mão de obra escrava, o que consequentemente caracterizou o branqueamento ideológico. Essa teoria do branqueamento denominada Eugenia, tinha como objetivo mascarar as diferenças socais, alegando que todos viviam de forma harmoniosa, sendo que os negros eram de maneira ideológica levados a viverem, adquirirem os costumes, mudar a estética adotando os padrões brancos europeus.

[8] Decreto 4.228/02 que institui o Programa de Ações Afirmativas, programa este que tem como objetivo assegurar a participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência nas ações do governo e criação de leis para ampara-los e equipara-los perante a sociedade.

Autores: SALES, Alcígledes de Jesus; PASSO, José Jovino Reis.
Formação acadêmica: Alcígledes de Jesus Sales, Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade Dom Luiz de Orleans e Bragança; José Jovino Reis Passo, Graduado em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade Dom Luiz de Orleans e Bragança- Ribeira do Pombal-BA, 2018.

Publicado por: Alcígledes de Jesus Sales

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