EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA: VIVÊNCIAS NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE IJUÍ/RS
Análise sobre a educação inclusiva em tempos de pandemia na rede municipal de ensino em Ijuí-RS.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Fomos todos surpreendidos no ano de 2020. Não há como negar que neste ano que estamos vivendo, um dos tantos substantivos que permeiam nossa rotina seja a incerteza. Tudo que havíamos planejado, sonhado, esperado ou, a simples imersão na rotina, foi deixado de lado no momento que houve a declaração que estávamos vivendo uma pandemia. De acordo com o dicionário, pandemia é um substantivo feminino que significa enfermidade epidêmica amplamente disseminada (dicionário online Google) e essa palavra se tornou a mais falada, buscada na internet e vivenciada no nosso dia a dia.
Em questão de dias, algo que víamos na televisão, do outro lado do mundo, pareceu chegar cada dia mais perto. Já estava presente na nossa realidade, não tinha como fugir. Em pouco tempo, nossa rotina de conversas, vivências, experiências e aprendizagem na escola foram suspensas. Tivemos alguns dias para nos organizar enquanto educadores, suprir algumas necessidades pedagógicas mais urgentes e encontrar uma forma de manter contato com os alunos durante os dias que teríamos que nos manter afastados.
Mas como manter um vínculo que mal havia sido criado? Estávamos com menos de um mês de aulas do ano letivo de 2020, estudantes e educadores estavam iniciando a construção de seus laços de confiança, credibilidade e vínculo afetivo. Estávamos em adaptação, como em todos os anos letivos quando começam, aquele misto de conhecer os alunos, entender o jeitinho de cada um, suas necessidades, sua forma de aprender, afinal, “todo e qualquer processo educacional ocorra sustentado por meio de experiências acompanhadas de afeto, emoções e sentimentos”. (CEINP, 2016). Sobre o vínculo afetivo:
“(...) desenvolver com essas pessoas uma relação que lhes permita restaurar ou criar um núcleo de confiança e esperança, a partir do qual possa ser criado o núcleo de identidade” (CEINP, 2014). Sendo assim, essa criação do vínculo que ocorre entre professores e alunos, alunos e alunos, professores e professores durante o início do ano letivo e que se fortalece ao longo da jornada letiva, estava interrompida da forma como sempre estávamos acostumados, e precisamos repensar na forma como iríamos manter e fazer crescer o vínculo com os alunos, em especial dos alunos com deficiência.
Tal adaptação da rotina e interação, que acontecia diariamente, foram interrompidas da forma presencial e tivemos que nos adaptar ao ensino não presencial. Nos acostumar a manter contato virtual com os alunos, com as famílias. Nesse contexto todo tão novo, tão desafiador, nos encontramos em mais uma necessidade: suprir as demandas de ensino e aprendizagem dos alunos público alvo da Educação Especial, que estão nas classes regulares do ensino básico, fazendo parte da Educação Inclusiva, segundo a LBI (2015):
A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. (Lei Brasileira da Inclusão in MEC, 2015, p.02).
Na Rede Municipal de Ijuí, temos a particularidade de existirem dois profissionais na sala de aula, em tempo integral. Além do professor regular na sala de aula, seja em sua disciplina específica ou seja no ensino globalizado, alguns alunos com deficiência tem um auxiliar de ensino que o acompanha em todo o seu período de permanência na escola, seja por questão de saúde, de aprendizado ou de mobilidade. O auxiliar da educação especial é um parceiro do professor, e ambos trabalham com a turma e com o aluno incluído.
Assim, há a garantia de um acompanhamento da aprendizagem dos alunos com deficiência, garantindo-lhes o pleno desenvolvimento de suas capacidades. A inclusão é uma realidade na nossa rede regular de ensino municipal, que precisa estar sempre em constante desenvolvimento, a fim de tornar-se referência de comprometimento entre todos os profissionais envolvidos. A educação inclusiva, ao longo de sua história, já se mostrou um caminho essencial na educação para todos, onde a diversidade e oferta de aprendizagem para todos os alunos garante não somente o ensino formal, mas sim uma mudança de vida nos processos formativos de todos os cidadãos, na construção de uma sociedade melhor:
A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção. É para o estudante com deficiência física, para os que têm comprometimento mental, para os superdotados, para todas as minorias e para a criança que é discriminada por qualquer outro motivo. Costumo dizer que estar junto é se aglomerar no cinema, no ônibus e até na sala de aula com pessoas que não conhecemos. Já inclusão é estar com, é interagir com o outro. (MANTOAN, in REVISTA NOVA ESCOLA, 2014, p.01).
Quando fomos surpreendidos pela chegada da pandemia, e pela suspensão das aulas, tivemos que nos reinventar. Além de toda a adaptação que acontece entre professor e auxiliar na sala de aula, o conhecer do aluno, a criação do vínculo afetivo, tivemos que aprender a nos comunicar e planejar à distância, de forma a conseguir alcançar as necessidades de aprendizagem daquele aluno, garantindo que ele, assim como todos os alunos da sala de aula, pudesse receber suas atividades.
A Educação Inclusiva baseia-se na perspectiva da educação para todos. Estar incluído na sala de aula regular possibilita ao educando com deficiência e aos demais estudantes, a vivência da diversidade. Ser e estar incluído é uma forma de troca, de aprendizagem para todos os estudantes e professores. A Educação Inclusiva, apesar de seus desafios e percalços, já é uma realidade há muitos anos. As escolas oferecem além do ensino regular e um currículo que garanta a sua aprendizagem - conforme suas potencialidades e necessidades - o acompanhamento de um profissional de apoio e também o serviço do Atendimento Educacional Especializado:
Um serviço da educação especial desenvolvido na rede regular de ensino que organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. O AEE complementa e/ou suplementa a formação do aluno com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. (SMED IJUÍ, 2014, p.81).
Para garantir a aprendizagem, o trio formado entre professor da sala de aula regular, professor do AEE e auxiliar de ensino precisam estar sempre afinados. O diálogo, a troca e a constante revisão e avaliação do trabalho que está sendo feito são fundamentais para garantir o sucesso da Educação Inclusiva. Mas na pandemia, muita coisa precisou ser adaptada, muito além do currículo, muito além do olhar apenas a um diagnóstico ou laudo médico:
As crianças com deficiência não se reduzem a um diagnóstico. As que têm síndrome de Down não são iguais nem parecidas. Também aquelas com autismo são diferentes entre si - e isso vale para qualquer outro transtorno ou síndrome. Os pais sabem disso. As informações científicas são pertinentes para ampliar a compreensão da criança, não para rotulá-la. A busca do professor por informações sobre transtornos e síndromes é, sem dúvida, importante. Mas, para compreender o estudante em si mesmo, é preciso recorrer à família. Só ela pode revelar com clareza a criança em sua subjetividade e particularidade. Por isso, a relação com ela deve ser valorizada. (CASARIN, in NOVA ESCOLA, 2014, p.02).
Neste sentido, para darmos o primeiro passo, a comunicação é eleita o principal item para que se possa ter sucesso no trabalho a ser desenvolvido. O uso de mídias sociais, ferramentas de comunicação online foram e são fundamentais para que todos os profissionais envolvidos pudessem opinar, planejar e desenvolver a melhor forma de interação e planejamento para o educando.
Os alunos da Educação Especial possuem um currículo próprio, adaptado conforme suas necessidades e possibilidades. Como estávamos construindo nossos vínculos em sala de aula quando a pandemia chegou, essa construção do currículo teve que se dar ao mesmo tempo em que era aplicada, na tentativa/erro, na tentativa/acerto, sempre com a intenção de desenvolver a aprendizagem do aluno. Assim, conseguimos e estamos sempre em busca de novas ideias, inovando e buscando apoio para que a aprendizagem aconteça.
O planejamento semanal é realizado seguindo a adaptação do currículo do Ano que a criança está inserida – que também foi adaptado devido à pandemia -, além da plena participação no projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação “ A diversidade étnica e o desenvolvimento sustentável para cidades inteligentes” mais a observação de suas necessidades e evidenciando suas capacidades já adquiridas para ampliá-las. Neste sentido, o olhar atento individual ao aluno é a chave para a construção de um planejamento eficaz, que garanta os avanços mesmo com o ensino não presencial.
Também é fundamental destacar a participação essencial da família na construção deste planejamento e na aplicação deste. A família é quem conhece e compreende as dificuldades e necessidades, os avanços e os anseios de aprendizagem. A família - assim como deve ser aliada - precisa ser amparada, ouvida, motivada. O ensino não presencial mexe com todos os estudantes, mas a criança com deficiência por vezes não compreende o que está acontecendo, simplesmente foi retirada da sua rotina de escola, de atendimentos clínicos e pedagógicos e passou a ficar somente em casa.
Dessa forma, também devemos lembrar de levar em conta o psicológico desse aluno, incentivá-lo e motivá-lo de forma constante, mostrando que realmente há interesse na sua aprendizagem, no seu desenvolvimento e não apenas no cumprimento do dever profissional do educador. A educação inclusiva só funciona de verdade quando vêm acompanhada de seriedade, dedicação e vínculo.
A construção das atividades após o planejamento é um acordo que deve ser feito entre todos os profissionais envolvidos, onde o auxiliar, pela natureza de sua função ser mais prática, pode deter esta atribuição. Esta não é uma regra, pois apesar de todos terem suas funções especificadas, a união e a parceria se tornam fundamentais para que a criança tenha acesso aos materiais produzidos, de acordo com suas necessidades e capacidades.
O planejamento consiste não somente em adaptar o conteúdo ou o projeto que está sendo desenvolvido. Planejar na educação inclusiva requer estar aberto à novas formas de ensinar, requer imersão no que temos de conhecimento do aluno, ouvir a família e principalmente, avaliar constantemente o que estamos fazendo, garantindo eficácia e qualidade no trabalho desenvolvido. Dessa forma, ao passo que temos em mão um planejamento individualizado, levando em conta as capacidades e as potencialidades dos alunos, uma reflexão do que queremos alcançar com as atividades disponibilizadas (quais as habilidades queremos desenvolver), orientar as famílias constantemente sobre a aplicação das atividades, o que esperar daquele momento de interação e construção do conhecimento e também nos avaliar, nos questionar se estamos constituindo saberes e habilidades eficazes para os alunos.
A avaliação enquanto educadores é uma constante no andamento dos processos educacionais. É essencial refletirmos sobre o que estamos fazendo, quais os objetivos queremos alcançar e se estamos no caminho certo, portanto, o sucesso da aprendizagem, também na educação inclusiva, passa pelo questionamento do percurso e a avaliação qualitativa e formativa, o instrumento para definir novos objetivos e possíveis alterações na prática cotidiana, mesmo à distância:
Avaliar envolve valor, e valor envolve pessoa. Avaliação é, fundamentalmente, acompanhamento do desenvolvimento do aluno no processo de construção do conhecimento. O professor precisa caminhar junto com o educando, passo a passo, durante todo o caminho da aprendizagem. (HOFFMANN, 2001)
A educação inclusiva mais uma vez veio para nos desafiar. Nos mostrar que educador não é, definitivamente, aquele que transmite um conhecimento previamente estabelecido. Educador é aquele que busca, que se aperfeiçoa, que se reinventa, se redescobre, se reorganiza. Educador é aquele dos “re-“, porque educar é inconstância, é desacomodação, é troca, mudança, é assumir que muito mais que educadores, somos aprendizes, nesta eterna e gloriosa missão de ensinar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lei 13.146, de 06 de Julho de 2015: Lei Brasileira da Inclusão
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.html Acesso em: 20 de agosto de 2020
CASARIN, Sônia. Um trio afinado a favor da inclusão. 2014.
Disponível em: http://acervo.novaescola.org.br/formacao/trio-afinado-511141.shtml Acesso em: 20 de agosto de 2020
MANTOAN, Maria Teresa Égler. Inclusão promove justiça. 2005. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/902/inclusao-promove-a-justica Acesso em: 20 de agosto de 2020
Secretaria Municipal de Educação. Tempo e Espaço de ser Criança, Proposta Curricular, Ijuí, RS, 2014. 84 páginas.
CEINP, Centro de Estudos e Investigação em Neuro-Psicanálise. Pedagogia do Vínculo Afetivo. 2014.
Disponível em: http://www.familiaguardia.org.br/arquivos/publicacoes/Livros/PVA.pdf Acesso em: 21 de agosto de 2020
HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: As setas do caminho. Editora Mediação. Porto Alegre, 2001.
PASE, Giulia Joanessa Wommar - Licenciada em História (2010); Especialista em Educação Especial Inclusiva (2015); Licenciada em Pedagogia (2017); Pós-graduanda em Neuropsicopedagogia (2020-2021). Auxiliar de Ensino Fundamental na Rede Municipal de Ijuí desde 2010 no IMEAB.
Publicado por: Giulia Joanessa Wommar Pase
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