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Crianças negras - uma reflexão sobre sua auto-imagem

Observações feitas a partir de conversas com alunos com idades entre 10 e 12 anos, sobre a percepção que elas têm sobre sua cor e etnia

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

O artigo aborda observações feitas a partir de conversas com alunos de uma turma de Transição da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, com idades variáveis entre 10 e 12 anos, sobre a percepção que essas crianças têm sobre sua cor e etnia. Traz, também, algumas reflexões sobre os modelos que são veiculados em nossa sociedade, marcadamente calcada na cultura do branqueamento, e que levam meninos e meninas a se acharem feios, frente à idéia de “bonito e belo”, e resistentes a se retratarem com suas características físicas reais. Busca o desafio de (re)pensarmos a responsabilidade da escola na veiculação dessas informações e imagens e na estruturação de uma auto-imagem positiva desses alunos.

Palavras-chave: cor.etnia.raça.criança.africanidade

Introdução

O desencadear desse trabalho surgiu, a partir da necessidade de desenvolver um plano de aula[1], onde se observou a dificuldade das crianças envolvidas na proposta, em representar sua imagem através do desenho e da palavra falada. Essa dificuldade insidiu, em grande parte, nas crianças afrodescendentes (categorizadas pelo IBGE como pretas, pardas ou mestiças) e na resistência apresentada em se colorirem, buscando aproximar a pintura à cor de sua pele.

Baseada em observações próprias, sem conotação científica, notou-se que as imagens que crianças negras, de classes desfavorecidas, fizeram de si mesmas, foram depreciativas e calcadas na figura do “belo” vendido pela mídia, ou seja, a cultura do branqueamento.

O presente trabalho não tem a pretensão de abranger todas as questões envolvidas na temática Africanidades. Trata-se, tão somente, de propor caminhos para repensar a educação eurocêntrica que nos foi dada, e que ainda hoje reproduzimos e mantemos em nossas escolas, muito embora um longo caminho de resistências tenha sido percorrido na busca de uma identidade nacional, nesse nosso país marcadamente pluriétnico e multiracial.

Qualquer aprofundamento, teórico ou prático, deverá ser buscado na bibliografia sugerida.

“Quando os professores, aceitando seu papel de técnicos, falham em desafiar as maneiras pelas quais os currículos educacionais correspondem às demandas da indústria ou os meios pelos quais o ensino reproduz as relações de classe, raça e gênero existentes em nossa sociedade, correm o risco de transmitir a estudantes em desvantagem a noção de que seus papéis subalternos na ordem social estão justificados e são invioláveis”. (MCLAREN, 1997:12)

Problematização

 Atualmente, a imagem é usada nos meios de comunicação, como a forma mais imediata de influenciar e causar impacto,.

Como não considerar que trabalhamos com modelos, que na maioria das vezes não trazem elementos de identificação para uma grande maioria da população?

Grande parte das imagens que trazem representações de pessoas, é de crianças e adultos brancos, marcadamente com traços de origem européia. Poucas são as imagens de indígenas e negros. Na escola, se faz uso dessas mesmas imagens e de outras consideradas didáticas, reforçando a cultura dominante.

Como querer que nossas crianças se representem graficamente senão  com os modelos a que são submetidas?

Na verdade, essa rejeição à sua própria imagem se dá pela imposição de padrões de beleza marcadamente europeus e pela falta de conhecimento das matrizes africana e indígena  como referência de formação do povo brasileiro.

O que se observa, então, são crianças visivelmente negras, procurando se retratar, pintando-se com o  “lápis cor de pele” – como foi convencionado pelas crianças (e vários  adultos) o ocre ou o rosa esmaecido.

Como trazer à tona o sentimento de pertencimento a uma etnia?

O que nós, como professores e educadores, precisamos repensar sobre o tipo de prática que estamos realizando?

Que representações da origem étnica de nosso povo estão sendo veiculadas em nossa escola?

O que estamos oferecendo aos nossos alunos como modelos nas imagens que usamos diariamente em trabalhos, livros, filmes?

Essas reflexões, por si só, já são indicativo para a escola (re)pensar ações afirmativas que favoreçam o desenvolvimento da auto-estima e auto-imagem de seus alunos.

Ações afirmativas:

Considerando que a escola deve desenvolver em seu ambiente a ética, os direitos e deveres dos cidadãos, o respeito às diferenças, a tolerância e a solidariedade, torna-se necessário:

  • Promover aprofundamento do conhecimento dos profissionais de educação sobre a diversidade étnico-cultural brasileira e suas implicações nos cotidianos educacionais.
  • Oportunizar espaços de discussão no coletivo (entendido como todos os segmentos da escola: professores, pais, alunos e funcionários) sobre as questões raciais/étnicas, tendo em vista o contexto onde tais questões se inserem.
  • Refletir sobre a diversidade cultural presente nas instituições educacionais, e na sociedade, de modo geral, a fim de garantir práticas emancipatórias.
  • Estimular práticas pedagógicas que contemplem as africanidades brasileiras numa perspectiva multicultural, em conformidade com o que indicam as legislações educacionais (LDB, PCNs, Lei 10.639/2003) e reivindicações da sociedade.
  • Subsidiar educadoras e educadores no cumprimento eficaz da Lei 10.639/2003,que institui a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares.

Embasamento teórico

“Para Vigotsky (1984), o psiquismo humano existe por uma apropriação dos modos e códigos sociais. Com a internalização, a criança vai tornando seu o que é compartilhado pela cultura; o discurso social passa a ter um sentido individual. Mas os referenciais externos dos negros são dilacerantes. A mensagem transmitida é que, para o negro existir, ele tem de ser branco, ou seja, para se afirmar como pessoa precisa negar o seu corpo e sua cultura, enfim, sua etnicidade. O resultado dessa penalização é o desvirtuamento da identidade individual e coletiva, havendo um silenciamento do preconceito por parte da criança e do cidadão ao longo da vida.” (MENEZES 2002:147)

Partindo dessa afirmativa, fica claro que não é tão simples a abordagem que devemos fazer sobre a temática do negro no Brasil, nem da origem e cultura africanas, como uma das matrizes do nosso povo. Trata-se, inicialmente, de fornecer aos professores um instrumental indispensável para que sejam capazes de analisar que tipo de práticas e discursos estamos realizando dentro das escolas, que mensagens passamos aos nossos alunos, não só pela palavra, mas pelas ações e escolhas que fazemos ou não.

O referencial teórico considerado como base para a realização desse trabalho fundamentou-se nas Unidades do Curso Educação-Africanidades Brasil[2], especificamente nos textos:

Currículo, Escola e Relações Étnico-Raciais – texto 1 – Unidade 1

A prática pedagógica e a construção de identidades – texto 3 – Unidade IV

Além destes, também serviram de material de estudo e aprofundamento os livros e documentos legais indicados na bibliografia.

Percurso metodológico:

Plano de aula, desenvolvido em quatro encontros com a turma:

1. Tema

Cor: Qual é a sua?

2. Caracterização da turma

O plano de aula será aplicado na turma AT (Transição do 1º Ciclo), composta por 19 alunos, de 10 a 12 anos

3. Objetivos Gerais:

Verificar qual a idéia de pertencimento à raça/etnia que os alunos manifestam

Abordar a temática da identidade étnico-racial

Objetivos Específicos:

Coletar percepções que as crianças têm a respeito de sua etnia

Incentivar a manifestação de todos, buscando o respeito ao espaço de fala de cada um

Propor o desenho de um auto-retrato, buscando verificar se as crianças realmente tentam se representar, ou se buscam os estereótipos/modelos de mídia para retratar sua plástica


4. Conceitos envolvidos:

 Conceito de raça/cor/etnia[3]

Conceito de identidade

Conceito de pertencimento

5. Competências e Habilidades trabalhadas:

Participar de uma atividade coletiva

Saber expor seus pensamentos com clareza

Valorizar a participação de todos na conversa

Respeitar o ponto de vista dos demais

Expressar seus sentimentos, posicionamentos e valores, dentro de seus limites e necessidades

Ser capaz de estabelecer relações de semelhança/diferença entre seu relato e os dos demais

Refletir sobre o que foi conversado

5. Metodologia / Recursos

Como atividade desencadeadora, os alunos, em grupo, serão convidados a manusearem exemplares do livro: “Crianças como você” (Ed.Ática), observando as imagens de crianças de várias partes do mundo que nele aparecem.

Após, será proposta a discussão sobre como essas crianças se parecem (tamanho, roupas), de onde podem ser, o que há de parecido e de diferente entre elas.

Se não surgir do grupo, encaminhar a pergunta: “de que cores são essas crianças?

Você se acha parecido com alguma delas?

Olhando para todas essas crianças com cores de pele tão diferentes, de que cor você acha que é?

Deixar que façam suas colocações e propor que cada um tente  desenhar a si mesmo, o mais detalhadamente possível, para fazermos um álbum da turma.

6. Relato da Aula

a) Comentários feitos pelas crianças, a partir das observações das imagens e da questão “Por que o livro se chama crianças como você?”:

  • porque tinha uma menina com olho azul igual ao Dudu (M)
  • algumas crianças eram da minha cor (ao que foi questionada: que cor? E respondeu: marrom) (T)
  • uns têm a idade da gente (P)
  • o olho da menina é parecido com o olho da Mônica (L)
  • nenhum é parecido conosco, porque ninguém é igual (E)

Problematizações:

b) O que vocês acham que é raça?

  Comentários:

- raça existe branca, morena e negra (M)

c) Como vocês definem a cor de vocês?

    Surgiram:

Branco, moreno, morena, preta, mulata (meu pai é preto e minha mãe é branca), marrom, café com leite, marrom queimado, negro, marrom preto e marrom normal ( para o qual foi perguntado o que seria o normal, e respondido que é o mais parecido com o lápis de cor marrom). Dois alunos insistiram que não sabiam dizer de que cor eram.

d) De que cor vocês acham que eu sou? (pergunta da professora)

Respostas: tu é branca.

Ao serem questionados sobre a cor branco, como sendo a cor da folha de papel onde estávamos escrevendo e que não correspondia ao tom da minha pele, argumentaram: tu é branco queimado.

e) Perguntados sobre o que mais lhes chamou a atenção nas imagens, vários indicaram que acharam estranhos os colares e adereços das meninas africanas.

A indicação favoreceu levar a conversa para a temática da África e ver o que tinham de informações.

Foram questionados:

O que vocês sabem sobre a África?

A maioria disse que não sabia nada.

Três alunos disseram que viram um filme na tevê sobre gorilas,que se passava na África e que o povo de lá se reúne de noite numa roda e faz umas danças.

Um aluno disse que na África não entram brancos, e que os negros de lá pegam as pessoas que tentam entrar lá e botam num panelão na fogueira e comem, porque eles não gostam de branco.

Quando questionado sobre como sabia disso, referiu um filme. Questionado se achava que isso aconteceu no passado ou se acontecia agora, mostrou convicção de que isso ocorre atualmente.

Outro aluno disse que na África fazem batuques.

Observação: é visível a idéia que têm, de que a África é um lugar só, distante, isolado, primitivo. Não têm noção de que é um continente com muitos países.

f) A partir do comentário do aluno (E), procurei desacomodá-los questionando: se somos todos diferentes, podemos comparar belezas e dizer se alguém é feio ou bonito?

Na turma, só um aluno disse se considerar bonito, todos os demais disseram que se acham feios.

Isso aponta para uma auto-imagem desvalorizada e negativa.

g) Foi proposto que cada um se desenhasse, procurando retratar suas características externas o mais detalhadamente possível.

Os alunos tiveram muita dificuldade para iniciar o trabalho, sendo que todas as crianças pediram pelo menos uma nova folha para recomeçar e vários alunos precisaram recomeçar várias vezes, verbalizando a dificuldade que tinham para se representar.

Os desenhos foram usados para montar um calendário 2007, impresso em cores, que os alunos deram de presente aos demais professores da turma, como lembrança de fim de ano, além de cada aluno ganhar um e, na escola, foram colocadas cópias nos setores e sala de professores.

7. Avaliação

Para essa proposta de um plano de aula, a avaliação foi a participação das crianças na atividade, seu envolvimento e sua produção a partir da proposta.



[1]           Atividade  avaliativa I do Curso Africanidades Brasil –CEAD/UNB – em anexo 

[2]           http://www.cead.unb.br/eab/

[3]           Referencial para a definição de cor considerada pelo IBGE (Conforme convenção do IBGE, no Brasil, negro é quem se autodeclara preto ou pardo, pois população negra é o somatório de pretos e pardos).

Referências bibliográficas

MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000

MENEZES, Waléria. O preconceito racial e suas repercussões na instituição Escola. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2002

CAVALLEIRO, E. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: Racismo, Preconceito e Discriminação na Educação Infantil. São Paulo: Contexto, 2000.

Bibliografia consultada

 

· LDB 9.394/96 – Lei que define as diretrizes e bases da educação nacional;

· Lei 10.639/2003 – Lei que altera a LDB 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira";

· Parecer CNE/CP 003 de 10/03/2004 e a Resolução CNE/CP 001 de 17/07/2004 – que instituíram e normatizaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Regina Helena de Andrade Pranke da Silva

Graduação: Pedagogia e Matérias pedagógicas de 2º Grau – UFRGS

Pós –graduação: Especialista em Educação Infantil – PUCRS

Coordenadora Pedagógica da EMEF Chico Mendes


Publicado por: regina helena de andrade pranke da silva

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