Avaliação da Educação Superior no Brasil: Do ENC ao ENADE
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Apresentação
Nos anos finais da década de 1980 emergiu no cenário internacional um modelo de avaliação do ensino superior amplamente influenciado pelas transformações no campo econômico, decorrentes da reintrodução dos fundamentos do liberalismo clássico (não intervenção, livre concorrência e liberdade total do mercado) em defesa de um processo crescente de mundialização do sistema capitalista. Esse modelo avaliativo caracterizou-se pela associação da avaliação externa à autoavaliação institucional e ganhou expressão na década seguinte, sendo variável na razão das particularidades e necessidades de cada nação.
No Brasil, a discussão em torno da avaliação constituiu inicialmente um elemento componente do debate sobre o modelo de educação superior que se pretendia implementar no país, associada às severas críticas à Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540). As proposições acerca da avaliação da educação superior tiveram como embrião o Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU – 1983), empreendida pela Comissão Nacional para a Reformulação do Ensino Superior (Comissão de Notáveis – 1985) e pelo Grupo Executivo de Reformulação do Ensino Superior (GERES – 1986) (ROTHEN; BARREYRO, 2010).
Exame Nacional de Cursos
A primeira política pública de avaliação da educação em nosso país foi formulada e instituída no segundo ano do Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), denominada de Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB – 1993). Dois anos mais tarde, era criado o Exame Nacional de Cursos (ENC – Lei n. 9.131/1995) – popularmente chamado de “Provão” –, tendo por característica principal a obrigatoriedade da realização do exame vinculada à emissão da certificação de conclusão do curso (diploma), ao contrário da política adotada por boa parte dos países do mundo, que aderiu a um modelo facultativo de exame nacional para avaliar o desempenho dos estudantes do ensino superior.
Num contexto de massificação e diversificação da educação universitária, o ENC estabeleceu a aplicação de avaliações anuais aos concluintes dos cursos de graduação sob os pressupostos de redução dos gastos públicos estatais e de valorização do mercado como mecanismo de alocação de recursos, inaugurando uma política de gerenciamento à distância para assegurar qualidade e responsabilidade social em substituição à antiga intervenção e controle direto das instâncias governamentais.
A política do Exame Nacional de Cursos especificada pelo Decreto n. 2.026 de 1996, definiu uma série de medidas para a avaliação da educação superior e um conjunto de indicadores analíticos para verificar o desempenho do Sistema Nacional de Educação Superior, considerando a região geográfica, o Estado e o tipo de Instituição de Ensino Superior (IES). Esse Decreto estabeleceu ainda, os parâmetros para a avaliação institucional, completando a tríade ensino, pesquisa e extensão.
Os cursos, de acordo com a área de conhecimento, eram avaliados por meio dos resultados obtidos no ENC associados aos pareceres (relatórios) emitidos por especialistas que passaram a verificar in loco as condições de ensino ligadas ao currículo, à titulação do quadro docente (especialistas, mestres, doutores), aos recursos materiais – instalações físicas, laboratórios e equipamentos – e ao acervo bibliográfico da instituição de ensino (biblioteca).
A responsabilidade pela avaliação das instituições de ensino e dos cursos de graduação coube ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), regulamentada pelo Decreto n. 3.860/2001, com vistas a orientar a tomada de decisões acerca do reconhecimento e renovação do reconhecimento dos cursos e recredenciamento da instituição. Entretanto, tais diretrizes não foram colocadas em prática efetivamente, pois apenas em situações extremas as IES chegaram a perder o credenciamento e o processo de recredenciamento periódico não chegou a ser realizado.
A elaboração e publicização dos resultados do Exame Nacional de Cursos, de incumbência do INEP, eram realizadas sem identificar nominalmente o estudante, que recebia de forma individualizada e em caráter sigiloso as informações sobre o seu desempenho, constando em seu histórico escolar apenas a data da realização do exame. Chamamos a atenção do leitor para a observação de um aspecto de relevada importância do ENC: a indicação do resultado do desempenho do estudante em cinco conceitos simplificados (A, B, C, D, E), tendo por objetivo “estimular a concorrência entre as instituições de educação superior” (ROTHEN; BARREYRO, 2011, p. 24).
As provas do Exame Nacional de Cursos eram compostas por quarenta perguntas objetivas de múltipla escolha e correspondiam a 50% do valor total da nota da prova e duas questões dissertativas, equivalentes aos 50% restantes. Ao terminar o exame, o estudante deveria responder uma série de questões integrantes do caderno de prova acerca de suas percepções sobre o teste, em complemento a outro questionário respondido antes da realização do exame com o propósito avaliar o curso, constituindo-se em recursos para que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais pudesse realizar os processos de recredenciamento das IES, reconhecimento e renovação dos cursos de graduação.
O Exame Nacional de Cursos configurou a regulação compartilhada entre o Ministério da Educação (MEC) e o mercado consumidor de educação do Sistema Nacional de Educação Superior, que contava com as informações do Censo da Educação Superior, da Avaliação das Condições de Ensino e da Avaliação Institucional, atendendo as especificações da política econômica liberal do Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Política pautada no discurso de que um sistema nacional de avaliação poderia possibilitar o controle da qualidade e da expansão da educação superior no âmbito da concorrência privada (ROTHEN; BARREYRO, 2010).
Os veículos de comunicação de nosso país foram fundamentais para o sucesso do Exame Nacional de Cursos de FHC, visto que, com a disponibilização dos resultados construiu-se uma classificação (ranking) das IES que contribuiu de forma substancial para a constituição de um imaginário coletivo de valorização do exame. De acordo com Rothen e Barreyro (2011, p. 24), o “Provão” deve ser considerado como um “instrumento de avaliação por excelência, tanto pela ênfase que lhe foi dada pelo Ministério da Educação como por sua repercussão na imprensa, bem como pelo uso mercadológico dos resultados por parte das instituições de ensino superior privadas”.
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
O ENC foi reeditado no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e uma Comissão Especial de Avaliação (CEA) foi criada para construir o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído com a promulgação da Lei n. 10.861/2004, focalizado na autoavaliação das Instituições de Ensino Superior. A coordenação e supervisão do SINAES foram delegadas à Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), que procurou conciliar regulação e avaliação emancipatória.
Várias características do Exame Nacional de Cursos de FHC foram preservadas no governo petista, como a separação entre avaliação dos cursos e avaliação institucional, por exemplo. O terceiro elemento avaliativo, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) substituiu o ENC para a composição do SINAES. Os aspectos de articulação entre a avaliação institucional, avaliação de curso e avaliação do estudante foram regulados detalhadamente com a publicação da Portaria n. 2.051/2004, especificando as atribuições da CONAES e do INEP.
As responsabilidades do INEP foram alteradas e delimitadas de forma específica, ficando restritas às tarefas de execução das políticas públicas de educação, bem como dos procedimentos empregados na avaliação da IES, dos cursos e dos estudantes. O ENADE, por seu turno, aplicado aos estudantes concluintes se estendeu aos ingressantes e, assim como o “Provão”, tornou-se componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, devidamente discriminado no histórico escolar de cada estudante, de acordo com disposto no artigo 5º da Lei 10.861/2004.
A avaliação das IES passou a obedecer a dois âmbitos de ordens distintas: a) a autoavaliação, realizada por uma Comissão Própria de Avaliação (CPA), responsável pela organização do processo assentado na participação e na avaliação formativa; b) a avaliação externa, realizada in loco por comissões de especialistas designados pelo INEP. A avaliação externa das IES preservou o modelo implementado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ou seja, aquele definido no Exame Nacional de Cursos.
Os conceitos atribuídos ao desempenho dos estudantes no ENADE passaram a ser numéricos, representados na escala de 1 (baixo desempenho) a 5 (ótimo desempenho) em substituição às letras empregadas pelo ENC. A prova ENADE, do mesmo modo que o ENC é constituída por duas partes, porém a focalização das perguntas e a distribuição de seu peso (porcentagem) são distintas: a primeira parte concentra questões de formação geral do estudante no decorrer do curso e equivale a 25% do conceito total; a segunda parte é constituída por questões específicas pertinentes à formação profissional de que trata o curso e corresponde a 75% do valor total da nota (conceito) atribuída ao curso. As duas partes da prova são subdividas em questões objetivas e dissertativas com pesos equivalentes.
De acordo com as disposições contidas nos documentos publicados pelo INEP (2011), podemos afirmar que o objetivo básico do ENADE localiza-se na verificação de habilidades, competências e conhecimentos desenvolvidos pelo estudante em sua trajetória acadêmica, consideradas a compreensão, síntese, integração e utilização de conteúdos. Semelhante ao ENC, o ENADE disponibiliza um questionário socioeconômico para preenchimento do estudante ao final do caderno de prova. De 2005 a 2008 o exame de desempenho foi aplicado por amostragem entre os estudantes ingressantes e concluintes dos cursos avaliados e a partir de 2009 passou a ser censitário.
Breves Considerações Finais
Ressaltamos e reiteramos algumas similaridades existentes ente o Exame Nacional de Cursos e o Exame Nacional de Desempenho do Estudante: a) o sigilo acerca do resultado do desempenho do estudante avaliado é reservado exclusivamente ao próprio estudante; b) premiação por área de conhecimento para os estudantes com melhores desempenhos; c) coleta de informações acerca do perfil discente, do curso e da instituição de ensino por meio de questionários aplicados aos estudantes e aos coordenadores dos cursos avaliados; d) gradual expansão da educação superior.
Nestes termos, é possível inferir que o ENADE manteve a mesma dinâmica do ENC ao comparar o desempenho das instituições de ensino e preservar a publicação de resultados simplificados, consonantes com a lógica mercadológica da livre concorrência, contrária à efetiva participação da comunidade acadêmica e da sociedade de maneira geral. Se em primeiro momento o ENADE procurou vincular a regulação da educação a um sistema avaliativo, em contrapartida empreendeu movimento em direção à construção de índices de desempenho, retomando o ranqueamento característico do ENC, estimulando a utilização economicista dos resultados para promover a concorrência entre as instituições de ensino (ROTHEN; BARREYRO, 2011).
Referências
BRASIL. Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. Portaria n. 2.051, de 9 de julho de 2004. Regulamenta os procedimentos de avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Brasília/DF: MEC/CONAES, 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/conaes/arquivos/pdf/portaria_2051.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2013.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira. Objetivo do ENADE. Brasília/DF, 2011. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/perguntas-frequentes1>. Acesso em: 02 set. 2013.
BRASIL. Lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e dá outras providências. Brasília/DF, 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/10861.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Comissão Especial de Avaliação da Educação Superior. Bases para uma nova proposta de avaliação da educação superior. Brasília/DF: MEC/INEP, 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/sinaes.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2013.
ROTHEN, José Carlos: BARREYRO, Gladys Beatriz. Expansão da educação superior no Brasil e avaliação institucional: um estudo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) na Revista Avaliação. Série Estudos – Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB, Campo Grande, n. 30, jul./dez. 2010. Disponível em: <http://each.uspnet.usp.br/gladysb/expansao.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013.
ROTHEN, José Carlos; BARREYRO, Gladys Beatriz. Avaliação da educação superior no segundo governo Lula: Provão II ou a reedição de velhas práticas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 114, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v32n114/a02v32n114.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013.
Publicado por: Flávio Reis dos Santos
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