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A vitória de um fracasso e a Educação e Jovens e Adultos

Educação como processo, educação infantil, educação familiar, educação profissional, sitema de ensino...

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Educação é uma realidade que pode ser entendida de várias formas. Uma delas é como processo. Olhá-la dessa forma pode evitar que a pessoa e o processo sejam compartimentalizados em etapas, dando a impressão de que estamos falando de vários começos, meios e fins.

Admitindo que a pessoa se desenvolve, da infância à velhice, apreendendo o mundo e incorporando valores ao longo da vida, podemos continuar afirmando que o processo educacional é permanente. Podemos, portanto, afirmar que a pessoa relaciona-se progressivamente com o que convive.

Apesar de sabermos disso fazemos, constantemente, compartimentalizações. Talvez pela influência da filosofia cartesiana, estamos sempre dividindo as realidades indivisíveis. Por isso é que falamos em educação infantil, educação familiar, educação profissional... E, o que talvez seja ainda pior, criamos aquilo que chamamos de sistema de ensino, sistema escolar, e chamando tudo isso de educação. E, dessa forma, fazemos constantes e inúmeras divisões num processo que é único e indiviso.

Dentro dessa estruturação que a sociedade humana montou o sistema escolar. Foi criada a escola estruturada em etapas, para dizermos “daqui até aqui” vamos caminhar desta forma; “dali até lá” caminharemos de outra maneira e “de lá em diante” imprimimos outro ritmo de caminhada. E constatamos que, mesmo não dividindo a pessoa, dividimos aquilo que apresentamos à pessoa como e no ambiente escolar. E, por incrível que pareça, descobrimos que isso funciona. Com problemas, mas funciona!
Bem, funciona até certo ponto, pois quando olhamos para os lados constatamos que nem tudo se encaixa no planejado. Constatamos que existe muita gente fora do espaço escolar. Constatamos que crianças estão fora do espaço da educação infantil; jovens não adentram ou não permanecem na escola de ensino fundamental e médio; outros tantos não têm como ascender à universidade e outros que lá entraram saem antes de concluir o curso...

Descobrimos, estupefatos, que a escola e a legislação educacional, falam da obrigatoriedade da escolarização. E nos perguntamos: onde está o erro. Por que isso ocorre se a estrutura e o sistema estão bem montados?

Então olhemos a história. Ela nos permite algumas constatações: a primeira constatação é que nem sempre existiu isso que chamamos de escola. Depois constatamos que durante muitos milênios não havia espaço para todos no ambiente que chamamos de escola. Em seguida a história nos mostra que a idéia de escola para todos é muito recente e que durante muito tempo ela era privilégio de poucos favorecidos pelas condições sócio-econômicas e de nascimento. E a pior constatação, fruto desta última, é que as “massas populares” só recentemente tiveram acesso à escola, não por mérito próprio, mas por exigências do mercado de trabalho.

Essa situação pode ser uma das explicações históricas para o fato de tantas pessoas não terem freqüentado ou permanecerem fora da escola.

Outra forma de verificarmos isso é olharmos para a sociedade, do ponto de vista econômico. Existem aqueles que têm acesso a vários privilégios os quais podem ser adquiridos pelo dinheiro. Em contrapartida existem aqueles milhares para quem esses privilégios são negados, são inacessíveis ou limitados além daqueles que são impedidos de terem acesso a esses mesmos privilégios.

Não consideramos isso como um problema, pois a sociedade em que estamos inseridos está assim estruturada. Inclusive nos damos conta de que existem muitos milhares de pessoas que, em virtude de carências econômicas não adentram os muros escolares nos “períodos” específicos e dizemos que isso faz parte do sistema. Mesmo com uma legislação dizendo que todas as crianças devem freqüentar a escola em um determinado período, as necessidades, principalmente econômicas, obstam sua entrada e permanência na escola; essas nem cumprem a período mínimo de escolarização obrigatória.

Essa situação é uma das principais causadoras da existência de grupos de “jovens e adultos” que não cumpriram com a escolarização obrigatória “em idade apropriada”.

Novamente nos voltemos para a história. No caso brasileiro a situação não é só constante como também gritante, pois desde os tempos coloniais houve pouca oferta de escola. Isso ocorria sob a argumentação de que “para puxar enxada não é preciso saber ler e escrever”. Uma mentalidade que ainda está presente em muitos locais e cabeças, por aí. Lembrando que, no período colonial, a escola oferecida pelos jesuítas era elementar e para poucos. Mais tarde, após a expulsão dos jesuítas, a escola pombalina piorou a situação que já era ruim, pois em lugar de pouca escola, na prática ficou escola nenhuma. Com a chegada da família real, no início do século XIX, se fez um arremedo de organização escolar, mas com finalidades bem específicas: preparar quadros para o funcionamento da máquina administrativa. Mais tarde, com o início da república, a situação permaneceu estável, com escolas disponíveis e acessíveis aos filhos dos coronéis, cabendo aos filhos dos trabalhadores a lição do trabalho. Só com a início da industrialização e a chegada dos migrantes, trazendo levas de anarquistas, foi que apareceram as primeiras preocupações com a ampliação da oferta de escola. Preocupação essa que não nasceu do poder publico, em nome de uma possível popularização da escola, mas que nasceu a partir dos sindicatos e grupos anarquistas. Dessa forma o não acesso à escola permaneceu, principalmente, por falta de escolas.

Essa realidade permaneceu pelos anos seguintes. Tanto que o governo militar, a partir da década de 1960, criou o Mobral. E na seqüência, foi estruturado o sistema escolar com a criação, entre outras, da legislação sobre a educação de jovens e adultos. E, na seqüência já no final do século XX, a legislação previa a obrigatoriedade de escolarização com o lema de “toda criança na escola”. Como se problemas sociais pudessem ser resolvidos por decreto.

Os jovens e os adultos que não entraram no processo escolar ou não o concluíram não o fizeram por negligência pessoal, mas por várias circunstâncias alheias. Portanto, hoje, falar em educação de jovens e adultos é confessar o fracasso do sistema escolar. E não se trata de uma afirmação leviana ao irresponsável, mas de uma constatação. A existência de todo um aparato legal e publicitário para que as crianças sejam conduzidas à escola e nela permaneçam, mas, ao mesmo tempo, organizar um sistema educacional com características específicas para o atendimento de jovens e adultos que não se escolarizaram “em idade adequada” é confessar o fracasso de um modelo.

O sistema fracassou – ou é fracassado – e para remediá-lo foi criado, e permanece até nossos dias, aquilo que se chama de Educação de Jovens e Adultos. É compreensivo que tenha havido em épocas passadas uma escola “supletiva”, para compensar a histórica negligência em relação à escolarização. Mas permanecer com essa política é confessar o fracasso não só do sistema regular, como do sistema supletivo que hoje se denomina educação de jovens e adultos.

Um agravante para essa situação fracassada – e talvez isso explique o fracasso não como fracasso, mas como parte de uma estratégia de dominação – é o fato de que ainda permanece na cabeça de muita gente pensamentos como este: “se todos se formarem, quem vai limpar meu chão?” ou de forma mais infame ainda: “já pensou se toda essa gente vai para a escola? Vão começar a cobrar direitos!”. Por estranhas e absurdas que sejam essas posições, elas ainda estão presentes; talvez não com essas palavras, mas com essa característica!

Sendo assim, se podemos falar em fracasso do sistema escolar podemos dizer, também, que o problema não está nos estudantes, mas se trata de um situação estrutural. Embora estejamos falando que houve um fracasso, não é a instituição escola que fracassa, mas o sistema escolar; é a estrutura sócio-econômica e burocrática que produz o fracasso. Não são os jovens e adultos que fracassaram, mas a estrutura que produziu esse modelo de ensino, que é chamado de sistema educacional, que fracassou. A escola está aí para cumprir seu papel, que é ser espaço para o ensino, entretanto ela é organizada não por aqueles que nela trabalham ou nela estudam, mas pela legislação vigente e pelos tecno-burocratas que produzem a legislação.

Sendo assim não deveríamos falar em fracasso escolar ou exclusão, mas em estrutura que cumpre seu papel de manutenção de um modelo de sociedade. Aquilo que por vezes é chamado de fracasso escolar é produto da estruturação da sociedade que se constituiu da forma como a vemos. Assim sendo não é exagero dizer que os excluídos na e da escola estão perfeitamente incluídos no sistema sócio-econômico da sociedade da qual fazemos parte. Os jovens e os adultos para os quais foi pensado e criado o sistema escolar chamado de “educação de jovens e adultos” estão muito bem inseridos nesse processo. Manifestam um fracasso que não é fracasso, mas uma característica de um modelo social vigente.

Nisso se manifesta mais uma característica da situação: somos educados para buscarmos solução para uma situação que já poderia ter sido resolvida se, para isso, houvesse vontade política, econômica, social... entretanto a situação perdura como a manifestar e denunciar o fracasso e a vitória de um sistema. Evidentemente o que ocorre não é fracasso da escola, mas vitória – ou manutenção – de um modelo de sociedade.

É impensável que com tantas pessoas inteligentes e com tantos recursos científicos, inovações tecnológicas, investimentos econômicos, atualizações de leis, decretos e pareceres ainda permaneçamos estagnados ou com avanços insignificantes. Podemos dizer, sem medo de cairmos em exageros, que as soluções existem para a situação caótica em que se encontra o sistema escolar. Mas ela não é apresentada porque não é do interesse do sistema dominante.

E se ainda falamos em fracasso escolar e ainda convivemos com multidões de pessoas sem escolarização devemos admitir que isso ocorre não por causa de uma “teoria conspiratória”, mas porque fizemos do ser humano, que é indiviso e do processo educacional é que constante, um emaranhado de compartimentos e gavetas. E dentro de cada uma delas estão depositados os interesses inconfessáveis da sociedade em que vivemos. Sociedade essa que se mantém de acordo com os interesses de grupos dominantes que cria modelos contra os interesses da sociedade. Sendo assim não falamos em fracasso escolar, visto que escola é um elemento criado por esse sistema para suprir suas carências, mas reafirmar que tudo segue de acordo os interesses dos que determinam os rumos da sociedade. Sendo assim, se pensar a partir dos interesses dos estudantes e trabalhadores, há um fracasso que se manifesta na estruturação da educação de jovens e adultos além de permanecerem os problemas educacionais; mas se pensarmos com a lógica dos grupos dominantes, o ser humano e a sociedade e o processo educacional-escolar, será sempre compartimentalizado para que permaneça inalterado, apenas adaptando-se às novas exigências, não dos trabalhadores e estudantes, mas de quem lucra com tudo isso.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação

Filósofo, Teólogo, Historiador


Publicado por: NERI DE PAULA CARNEIRO

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