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A INSTRUÇÃO EDUCACIONAL DE PAIS PARA FILHOS

A educação dos filhos, qualidade de ensino, segurança no ambiente escolar, direito de todos e dever do Estado e da família.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Nos dias atuais tem-se questionado até que ponto o Estado deve interferir na educação das crianças até que ponto os pais podem influenciar no ensino escolar de seus filhos. Há um aumento significativo de famílias que estão desapontadas com as escolas institucionalizadas, conforme reportagem “Ensinar os filhos em casa ganha força no Brasil e gera polêmica”, repórter Mariana Della Barba, BBC Brasil, publicado no dia 04 de novembro de 2013, quer seja por qualidade de ensino ruim, quer seja pela falta de segurança no ambiente escolar. Em meio a essa problemática é necessário analisar com muito cuidado, pois cada caso é um caso, não tem como generalizar a questão, há jurisprudências apoiando a intervenção completa do Estado no ensino, porém também há jurisprudências apoiando o homeschooling (ensino doméstico). É nítido que as duas formas possuem características positivas, porém apresentam problemas e por meio desse artigo será discutida essa problemática.

Palavras-Chave: Crime. Abandono Intelectual. Estado. Família. Homeschooling

1 INTRODUÇÃO

A configuração do crime de abandono intelectual é um tema muito polêmico, pois é questionado o artigo 246 do Código Penal. Nesse artigo é previsto pena aos pais que não providenciam instrução primária dos filhos em idade escolar, a não ser que apresentem uma justificativa válida, senão: vejamos:

Artigo 246: Deixar sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar

O problema por si só não é apenas a questão dos pais de providenciarem ou não a instrução aos seus filhos, pois é fato pacífico que o Estado tem o dever em fornecer a educação, conforme artigo 205 da Constituição Federal de 1988 em que está transcrito da seguinte forma:

Artigo 205: A educação, direito de todos dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho

 Além de estar transcrito na carta magna, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) complementa a Constituição Federal, no artigo 54 do ECA,

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio

III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições ao adolescente trabalhador;

VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola.

Novamente se cita o dever do Estado no que se refere à educação, de forma latente no ensino fundamental obrigatório, esse mesmo estatuto afirma ainda em seu artigo 55 “os pais ou responsável tem a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

No código Civil no artigo 1634, no inciso I, vejamos:

Artigo 1634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação

Portanto é estabelecido a competência dos pais em dirigir a criação e a educação dos filhos menores. Portanto inquestionável o zelo pela educação dos filhos, é um dever dos pais que não devem de maneira alguma ser negligenciado. O estado visando punir a quem não cumprir com esse dever criou um artigo específico, no artigo 246 do Código Penal “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar” a pena prevista é de 15 dias a 1 mês, ou multa”.

Os pais têm a prioridade de escolher o tipo de educação que deseja dar aos seus filhos, devido a isso além da dificuldade apresentada pelo Estado em assegurar as crianças o pleno desenvolvimento, coloca-las a salvo de toda negligência, discriminação, violência, conforme é garantido na carta magna e com a crescente onda de bullying os pais buscaram a alternativa fora do sistema de ensino regular, denominada no Brasil como educação domiciliar, mas mundialmente conhecida como homeschooling.

Contudo o descontentamento dos pais e a opção por educarem os seus filhos em casa geraram algumas ações judiciais movidas pelo Estado que quer responsabilizar penalmente os pais que adotaram essa alternativa de educação como a mais adequada para seus filhos, em sujeitos ativos do crime de abandono intelectual.

Portanto, diante dessa clara e evidente dialética entre família e Estado, o sistema jurídico brasileiro ainda não definiu uma posição clara, o que pode ser percebido pelas divergências jurisprudenciais, além da recorrente dúvida dos pais que optam pela educação domiciliar e temem se tornarem marginais.

2 CRIME DE ABANDONO INTELECTUAL

O crime é consumado quando há omissão do agente; deixa o filho de frequentar a escola ou deixa simplesmente de frequentá-la na data regulamentada. Como se trata de um crime omissivo próprio não é admissível tentativa, é um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, não necessita de representação, a pena que deve ser aplicada é de detenção de 15 dias a 1 mês, ou multa.

Sujeito ativo do delito de abandono intelectual é única e exclusivamente os pais, conforme interpretação da doutrina, portanto tutores não estão incluídos. Porém é importante salientar que os filhos não precisam estar em companhia dos pais basta que os pais ainda detenham o pátrio poder, mais conhecido como poder familiar (MIRABETE; FABBRINI, p. 40).

Sujeito passivo é o filho, não é necessário ser natural pode ser adotivo, em idade escolar, conforme as alterações das Leis nº11.114, de 16-05-2005, e idade escolar como sendo 6 anos a idade mínima para o ensino fundamental obrigatório, e que nos dias atuais tem duração de 9 anos (MIRABETE FABBRINI, 2011,     p.41).

A conduta de tipificação é deixar de prover instrução de primeiro grau conforme mencionado acima. Se deixar de prover cometerá o crime omissivo.

Todavia não haverá o delito, quando existir justa causa para omissão. Pode ser pela distância, a inexistência de escola ou ausência de vaga. Porém só a falta de recurso não é razão, pois o ensino oficial é gratuito (Código Penal artigo 176, parágrafo 3º, inciso II). É sabido que o governo não tem proporcionado ensino a todas as crianças. Porém quando isso ocorrer os pais não serão penalizados provando que procuraram matricular o filho e não podem dar instruções em casa (CAPEZ, 2012, p.216).

O elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade consciente de não cumprir o dever de dar educação, sem justa causa (BITENCOURT, 004, p. 154).

O tema foi analisado como recurso de apelação, o Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim decidiu:

“Depreende-se da análise dos autos que o acusado, de fato deixou de prover à instrução primária dos filhos menores, permitindo que estes mendigassem pelas ruas e estabelecimentos da cidade de Cidreira, sendo que, posteriormente, as crianças foram abrigadas por se encontrarem em situação de risco. Acerca dos delitos, referem os tipos penais: Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primárias de filho em idade escolar (...). Art. 247 – Permitir alguém que menor de 18 (dezoito) anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: (...) IV – mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública (...). É clara a configuração do elemento subjetivo – dolo, no delito de abandono intelectual, já que os pais, ora acusados, permitiam que as crianças mendigassem ao invés de frequentarem a escola. Ainda, o delito de abandono moral, dispensa a permissão expressa, bastando a omissão dolosa do agente, com sua concordância tácita, ou seja, não seria necessário que o réu mandasse que os filhos mendigassem, a mera permissão tácita, já configuraria o delito em comento. Em que pese o réu tenha sido advertido pelo Conselho Tutelar da cidade, acerca das atitudes das crianças, nada fez para modificar a situação, permitindo que os infantes permanecessem na mendicância. Outrossim, verifica-se a redundância na aplicação da continuidade delitiva, disposta no artigo 71, do Código Penal, visto que os delitos em tela, para se configurarem, presumem-se por si só, a prática reiterada de atos, pois o delito de abandono intelectual não se configuraria se os agentes se omitissem quanto a infrequência momentânea dos infantes à escola, seria necessária a infrequência permanente (abandono/diversas faltas), de igual forma o abandono moral” Apelação nº 70042611301, Relator(a) Des.(a) Carlos Alberto Etcheverry, Sétima Câmara Criminal, Súmula: Parcialmente Provida, Comarca de Origem: Tramandaí, Data de Julgamento 15/12/2011, Data da publicação da súmula 15/12/2011.

Por meio desse recurso de apelação pode-se concluir que foi dolosa a conduta dos pais ao permitirem aos filhos em idade escolar, a mendicância, não lhes proporcionando a instrução básica, mediante a sua matrícula em uma unidade de ensino regular.

Todavia há uma decisão favorável aos pais como é no caso da decisão da Desembargadora Genacéia da Silva Alberton, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ela se deparou com uma situação de inexigibilidade de conduta diversa, e decidiu da seguinte maneira

“Observe-se que ficou evidenciado que em certa ocasião toda a família ficou doente, decorrência da falta de higiene, segundo observa a conselheira tutelar Dilva que afirmou “era impossível morar onde eles estavam, tinha horrores, tinha fezes dentro de casa, era um horror” (fls. 206/08). Não se percebe, assim, que o acusado tenha agido com dolo de abandonar materialmente e intelectualmente os filhos. Percebe-se, sim, uma situação de indigência e de falta de consciência de necessidade efetiva ao acompanhamento escolar dos filhos, da necessidade de leva-los ao médico, ao dentista, de submetê-los a tratamento psicológico ou de exigir que fossem à escola. Qualquer pena a ser imposta não vai ter o caráter transformador que se impõe no caso para o atendimento efetivo de toda a família” Apelação nº 70020122495, Relator(a) Des.(a) Genacéia da Silva Alberton, Quinta Câmara Criminal, Súmula: Apelo Defensivo Provido, Comarca de Origem: Pelotas, Data de Julgamento 21/11/2007, Data da publicação da súmula 21/11/2007.

O crime é consumado no momento em que o filho em idade escolar deixa de ser matriculado em unidade de ensino regulamentar, ou mesmo estando matriculado deixe de forma clara e efetiva de frequentar a escola, na primeira hipótese o crime é líquido e certo, sendo o crime instantâneo. Já na segunda hipótese a ausência ocasional não se configura o crime (Capez, 2012, p.217).

Como se trata de crime omissivo próprio, não há como ocorrer uma tentativa.

2.1 FAMÍLIA COMO ENTE SEM AMPARO LEGAL NA EDUCAÇÃO

A educação domiciliar é um tema muito problemático, que está em voga na atualidade, é basicamente uma forma de ensino escolar que difere da estrutura formal realizada pelo Estado, as crianças, os adolescentes e jovens recebam o ensino em seus próprios lares, sob a supervisão dos pais.

Essa discussão se tornou célebre a partir de 1977, liderado pelo professor da Universidade de Harvard John Holt, conforme cita Carlota Boto em “Os lugares das crianças” revista educação, edição 134 de junho de 2008, John Holt em 1977 editou uma revista que se nominava Growing without schooling, essa revista tinha como objetivo orientar os pais a respeito da maneira mais efetiva de como educar no ambiente doméstico e, por conseguinte divulgar o movimento em âmbito internacional. John Holt se baseou em alguns pressupostos críticos das teorias de desescolarização que foram apresentados por Alexander S. Neil, que foi precursor da experiência da escola de Summerhill, na Inglaterra, e Ivan Ilich que foi autor da obra que critica a institucionalização da educação nas sociedades de nossos dias, Sociedade sem escolas (1971), ele incentivava em meio ao cenário pedagógico da década de 1970 o fim da escola como estrutura de ensino supervisionada pelo Estado.

Essa prática circulou já em diversos países, encontrando respaldo segundo HSLDA (Home School Legal Defense Association), conforme o site da própria associação www.hslda.org/hs/international, como no ordenamento norte-americano, inglês, português, espanhol, italiano, russo, canadense, colombiano, mexicano, entre outros. Contudo é importante salientar que em vários outros países a prática do ensino domiciliar se faz presente, porém não há nenhum respaldo jurídico, como é o caso do Brasil, Argentina, Peru, Japão, entre outros.

No Brasil essa prática vem causando de certa forma um mal-estar entre os limites do Estado e família, isso acaba acarretando várias discussões em âmbito jurídico, o problema em relação a legitimidade desse modelo de ensino, que remonta desde a época do período imperial, nessa época o Estado visava legitimar a educação com a estrutura propriamente dita, na época era comum o ensino direcionado pela família no próprio âmbito do lar.

Esse problema existe, pois no século XIX, a educação ministrada no lar era uma característica de uma sociedade apegada a tradições colonialistas, a educação dava uma característica de diferenciação social, a elite da época via como a modalidade mais adequada para o ensino de seus filhos. Isso se dava, pois era visto como uma forma, de eliminar os males existentes a época, como: preconceitos, questões de saúde, exposição a hábitos estranhos.

Porém, isso representava um entrave, atrapalhava os planos do Estado, dificultando a sua administração política, pois as famílias possuíam um universo familiar próprio e esse ambiente variava de cada família. Diante dessa situação o Estado necessitava estatizar e para conseguir esse feito o Estado adotou como uma das primeiras medidas a estatização do ensino com o objetivo de adentrar na privacidade dos grupos familiares, visando chegar a uma educação institucionalizada.

Essa institucionalização era necessária, pois havia a necessidade de delimitar, de maneira clara e concisa, a fronteira entre a área privada e a autoridade pública, ou seja, definiria até onde o lar teria soberania e até onde se subordinaria ao Estado.

Com o estabelecimento dessa fronteira isso acabaria afastando o filho do âmbito doméstico, dos tradicionalismos familiares, dos resquícios colonialistas, dessa maneira o Estado conseguiria internalizar os hábitos que julgava civilizados, conseguindo dessa maneira concretizar sua centralização do poder estatal e dessa maneira a fragilização do monopólio familiar.

Logo essas escolas públicas gerariam uma hegemonia tão almejada pelo Estado e por consequência atingir a unidade nacional pretendida, internalizando nas famílias novos hábitos ditos “civilizados”, dessa maneira aproximou-se a família do governo, com a família mais próxima do governo haveria uma coesão entre Estado e família, e não uma dicotomia como havia outrora, esse feito geraria uma maneira de compensar as deficiências da lei à época.

A escola, com o transcorrer do tempo foi incorporando saberes científicos, o que contrariava de maneira clara aos saberes domésticos tradicionalistas, tornando dessa maneira a escola como uma instância de poder que seria capaz de normatizar o agrupamento familiar. Apesar de ter adquirido essa característica a escola, foi pensado primeiramente como uma instituição que apoiaria a família, tanto na contribuição dos saberes transmitido pela família e com a evolução da sociedade visava também suprir a falta de tempo dos pais.

Logo a escola foi pensada como uma instância de auxílio, seria um agente que apoiaria a família, essa era vista como célula mater e poderia optar nas questões educacionais.

Vindo a corroborar com essa ideia o Ministro Franciulli Netto, no seu voto em sede de Mandado de Segurança nº 7.407 – DF (2001/0022843-7), julgado em 24/04/2002, relator Ministro Francisco Peçanha Martins, presidente da sessão Ministro José Delgado, utiliza como argumentação que a família tem direito preexistente quanto a educar seus filhos:

“É certo que as crianças não são nem dos pais e nem do Estado. Menos verdade não é que, antes do Estado, pertence aos pais a responsabilidade para proporcionar educação a seus filhos e, parafraseando Planiol, poder-se-á dizer, mutatis mutandis, que o Estado não é soberano sobre a família, porque a família precedeu o próprio Estado e lhe preexistiu, como instituição de natureza definida e como célula mater da sociedade”

Percebe-se que a estrutura educacional tende a seguir o caminho no qual converte a família em ente desqualificado no tocante à educação de seus filhos, e dessa forma submisso às diretrizes dos Estados. Dessa maneira o Estado visa internalizar nas famílias brasileiras que a educação é sinônimo de frequência à rede institucionalizada de ensino, logo seria um assunto de Estado e não de família.

A desqualificação da família permanece até nos dias de hoje e é justificável devido à vida corrida dos pais, uma vida atribulada, pela falta de conhecimentos pedagógicos adequados.

Nessa dialética entre Estado e família, a educação domiciliar aparece como alvo de discussões, pois antigamente o Estado desqualificou a família, alegando que ela seria incapaz de educar e nos dias atuais a família questiona a capacidade do Estado em educar seus filhos.

2.2 EDUCAÇÃO DOMÉSTICA: CONTRAPONTO ENTRE ESTADO E FAMÍLIA

O questionamento feito pelos pais quanto à capacidade do Estado em educar de forma decente as crianças, adolescentes e jovens, visando torna-los preparados para o regular ensino de exercícios de cidadania e deixá-los aptos para o trabalho. Esse questionamento encontra respaldo nos dados apresentados pelo Programa Internacional de Avaliação de Aluno (PISA), que testou em 2009 os conhecimentos de alunos de 15 anos pertencentes aos 34 membros da Organização de Cooperação do Países Desenvolvidos (OCDE), além das 31 nações parceiras comerciais.

Nessa avaliação foram testados 460 mil jovens, sendo 20 mil desses brasileiros, o Brasil terminou em 53ª colocação, num total de 65 países, sendo que em uma escala de 0 a 6, a média obtida pelo Brasil equivale ao nível 2 em leitura; ao nível 1 em ciências e ao nível 1 em matemática, o que segundo a revista Veja, que foi publicada em 15/12/2010, revela que o Brasil está muito abaixo da média mundial em termos de educação básica, ficando atrás de países como Chile, Trinidad e Tobago, Colômbia, México e Uruguai.

Famílias brasileiras demonstram-se descontentes com os conteúdos abordados em sala de aula, por exemplo, temas polêmicos como a religião, a cultura e a sexualidade. Outro argumento que visa contribuir com a legalização do ensino domiciliar no Brasil é a sensação de insegurança que as famílias vivenciam rotineiramente, como: envolvimento com drogas, ataques, brigas e bullying. Segundo uma pesquisa realizada pelo Paraná Pesquisas e veiculada no Jornal Gazeta do Povo, em 14/08/2011, revelou que 52% dos paranaenses não veem a escola como local seguro. Em decorrência da campanha “Paz Sem Voz é Medo” O Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCom) que elenca as causas mais corriqueiras da violência na escola: 62,1% dos entrevistados afirmam que elas ocorrem por causa de bullying, as causas seriam disputa feminina (14,4%) e disputa por poder (10,6%). Na relação aluno-professor, também indagada na pesquisa, o bullying também predomina, liderando com 35,5%.

Em decorrências desses fatos as famílias a cada dia que passa desejam a liberdade de optar por uma forma alternativa de educar seus filhos.

Esse ensejo já se encontra disciplinado no artigo 206 da Constituição Federal, com base nesse texto legal pode-se entender que é facultado à sociedade a utilização de outras ferramentas e métodos para educar seus filhos. Por esse viés também é o entendimento do Ministro Franciulli Netto que na deliberação quanto a concessão do Mandado de Segurança nº 7.407 – DF, em 26/09/2001, ao argumentar quanto ao pedido de legitimação do ensino ministrado em âmbito doméstico, afirma que “tem o indivíduo a faculdade de se educar segundo a própria determinação, desde que o método escolhido proporcione seu pleno desenvolvimento, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. ”

É fato que o interesse familiar deve prevalecer ao do Estado, bem antes de estar contido na lei, haja vista que a organização familiar surgiu antes da organização estatal, o Estado deve servir a sociedade

Sendo a educação um direito inalienável, é fato que o Estado não pode se sobrepor sobre a família. Esse fundamento tem como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que no artigo 26 garante aos pais a prioridade na escolha do gênero da instrução que será ministrada aos seus filhos.

Além desses fatos, existe outro fator que visa corroborar com essa ideia que é o surgimento de novas tecnologias, principalmente o da internet, que assegura maior acessibilidade a materiais didáticos, desde vídeos a livros.

Carlota Boto, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), ao analisar o aumento considerável de homeschooling nos Estados Unidos, ela constatou que a expansão do uso de computadores contribuiu para intensificar a procura por essa prática, isso levou um aumento de cerca de 30% de famílias que optaram pelo ensino domiciliar no período entre 1999 e 2003.

Apesar de todos esses argumentos positivos para o ensino domiciliar, em específico no Brasil, há certa resistência devido à incapacidade dos pais no sentido de dar uma experiência social e cidadã aplicável, haja vista que os filhos estariam protegidos por uma “bolha”, dessa maneira as crianças estariam privadas da oportunidade de aprender a se defender de problemas sociais corriqueiros, desde coisas complexas como a violência e as drogas até coisas simples como a religiões preteridas pelos pais. Analisando por esse viés o acautelamento excessivo dos pais, deixa de ser algo positivo para se tornar uma barreira à diversidade e à socialização da criança, dessa maneira estaria barrando o pleno desenvolvimento de seus filhos para o exercício da cidadania.

Não há que se questionar que a família é um local seguro para se resguardar a criança dos malefícios que o mundo pode ocasionar. Todavia é necessário salientar que o papel da escola é romper essa barreira e paulatinamente aproximar a criança do cotidiano mundano, pois ela não poderá viver na redoma familiar para sempre. Portanto, sair da família é uma forma de emancipar a criança das amarras familiares e domésticas.

Partindo desse pressuposto o primeiro passo é iniciar o processo de aproximar a criança ao ambiente social e por consequência emancipando da sua família, para isso segundo os defensores do ensino em escola institucionalizada, será necessário que a criança conviva com mais que um professor desde a infância, pois cada professor representará a diversidade social, e essa diversidade servirá para eles como uma vivência da sociedade e isso de maneira alguma será adquirida apenas convivendo com os pais, pois eles são os únicos, detentores de uma só crença, ideologia e etnia.

Outro argumento utilizado é a formação especializada do professor, que o torna capacitado tecnicamente, pois ele terá recursos metodológicos e científicos específicos do conteúdo que irá lecionar dessa maneira se tornando uma pessoa gabaritada para auxiliar o aluno em sua formação. Enquanto isso os familiares que não detém o cacoete para a prática de ensino, estarão sujeitos ao invés de priorizar o ensino com práticas e técnicas científicas a lecionarem com paixão, além de não possuírem conhecimento específico do conteúdo a ser ministrado. A vantagem das crianças estudarem em ambiente coletivo é a liberdade de reclamar para seus pais caso sejam constrangidas moral ou fisicamente pelos professores, enquanto que se os pais forem os professores, elas não terão a quem recorrer.

De tal maneira que nesse quesito que se finca o argumento jurídico da defesa da escola institucionalizada. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), elas versam de maneira enfática sobre a obrigação dos pais de matricularem e acompanhar o rendimento e a frequência de seus filhos na escola. Devido a essa legislação brasileira que as pessoas que se opõe ao ensino domiciliar afirmam que pais que ensinam seus filhos em casa, estão cometendo crime de abandono intelectual, haja vista que eles não estariam cumprindo com a obrigação de matricular os filhos em escolas regulares de ensino.

Além desses fatores os opositores ainda afirmam que, se autorizarem o ensino doméstico, o Estado estaria dando a entender que a concepção de filho pertence única e exclusivamente aos pais, dessa maneira os pais poderiam modelar seus filhos conforme as crenças e valores que eles acreditam como verdade, o que para os opositores seria um erro crasso, uma vez que os filhos possuem direitos e deveres, que visam integrar uma sociedade plural e dessa maneira devem ser instruídos desde a tenra idade para viver nela.

Com esses argumentos pró e contra o ensino domiciliar, vai muito além de defender apenas e unicamente uma posição, deve-se analisar a realidade vivenciada pelo ensino brasileiro, deve-se pensar num caminho para melhor desenvolver as necessidades dos filhos.

3 HOMESCHOOLING E A CRIMINALIZAÇÃO DO ABANDONO INTELECTUAL

O crime de abandono intelectual está previsto no artigo 246 do Código Penal, nos seguintes termos. “Deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar”. A pena prevista para esse comportamento é de detenção de quinze dias a um mês, ou multa.

A tutela penal leva em consideração a proteção aos filhos em especial aos menores de 14 anos. É importante salientar que o bem jurídico é concebido como valor essencial ou fundamental para a coexistência e desenvolvimento do homem em sociedade. É um valor extraído da própria realidade da sociedade, é reconhecido implícita ou expressamente, no texto constitucional. Ao se tratar de um valor pré-jurídico, é um valor que varia com a época e o contexto social em que se apresente.

Portanto o legislador não é livre para criar valores e decidir por sua tutela, o legislador deve escolher os bens mais importantes para a sociedade, os quais necessitam de mais proteção, por mais que haja reconhecimento dos valores constitucionais é necessário salientar a não intervenção penal, se outros meios forem satisfatórios, ultima ratio.

Dessa maneira, os crimes contra a Assistência Familiar estão contidos na Constituição Federal, conforme artigo 226 da Constituição Federal “ A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, dessa maneira se subentende que o Estado estendeu sua proteção a todos os integrantes da entidade familiar.

A Constituição Federal de 88 ainda em seu artigo 205 “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Interpretando esses artigos percebe-se que a Constituição Federal reconhece a família, bem como os demais direitos a ele referentes, de forma a garantir os valores fundamentais relativos ao desenvolvimento da personalidade e dignidade humana, como é o caso da educação.

Devido a sua importância fundamental, a família merece proteção penal, não só a família, mas também seus valores são dignos de tutela, portanto a intervenção é mínima e necessária.

É importante salientar dessa forma que as famílias que optarem pela escolha do homeschooling estarão sujeitas a concorrer no crime do artigo 246 do Código Penal. Portanto, se o policial militar se deparar com essa ocorrência deverá conduzir a Delegacia, sob pena de responder por prevaricação, pois a conduta do ensino no lar é uma conduta criminosa conforme o artigo 246 do Código Penal. O abandono intelectual é um crime próprio dessa forma, só os pais poderão concorrer nesse crime, tendo no polo passivo o filho em idade escolar de 06 anos de idade até 14. Esse tipo penal é doloso, dessa forma não se admite o crime realizado de forma culposa.

Ao se analisar o homeschooling está ou não incluso no crime de abandono intelectual devemos levar em contar que o direito a educação é um preceito constitucional em seu artigo 207 da Constituição Federal, todavia no artigo 205 da Constituição Federal o legislador dividiu as responsabilidades entre o Estado e a família e por consequência no artigo 227 da Constituição Federal voltou a reiterar o dever do Estado, da família e da sociedade como um todo.

Apesar de o homeschooling não ser considerado uma forma de educação formal, os pais que optarem por essa modalidade de educação não estará cometendo um delito penal, pois o artigo 246 do Código Penal visa punir os pais que deixam de prover instrução aos filhos que estão em idade escolar. Dessa maneira os pais que instruem os filhos em ambiente doméstico estão cumprindo o seu dever constitucional. Os pais que optam pelo homeschooling optam por essa modalidade, pois buscam o melhor interesse para a infância de seus filhos. Princípio esse que é o norteador quando o artigo 246 do Código Penal se encontra em voga.

4 CONCLUSÃO

Diante desses fatos percebe-se a real importância da instrução fundamental para a criança, visando sua construção como cidadão, desde sua formação cultural, social e política. Essa é a principal forma de conscientização do homem como um ser social, pois sem a educação desconhecemos o mundo a nossa volta e não é possível valorarmos o desconhecido.

A omissão em conduzir aquele que sob sua responsabilidade à instrução fundamental é um delito que causa danos inimagináveis, por isso merece atenção especial do legislador, não pode ficar impune aquele que por livre vontade omite-se da responsabilidade de conduzir seu filho à instrução fundamental.

A discussão em torno do assunto sobre a família de educar no lar é de sobremaneira recorrente. Há quem defenda com todas as forças essa alternativa de ensino, e muitos outros que detestam essa proposta. Existe uma linha tênue entre o limite do poder e do não poder ensinar no lar, mas a ótica que deve ser analisada é a ótica do melhor interesse da criança e não a do melhor interesse do Estado ou dos pais.

Não se pode afirmar que as famílias que levantam a bandeira do homeschooling estão certas ou erradas, ou se incorrem ou não no crime de abandono intelectual. Se forem levados em consideração os fortes argumentos levantados por quem defende esse tipo de ensino, como: a insegurança vivenciada pelas crianças nas escolas, desde a violência psicológica, moral até física, até a circulação de valores nos quais a família discorda, a péssima formação dos alunos, são vários argumentos fortes para defender essa forma de ensino.

Analisando pela perspectiva do Estado, não basta educar a criança, tem que educar a criança visando sua inserção na sociedade e a escola institucionalizada é a melhor maneira de se inserir a criança na sociedade, pois essa instituição de ensino é munida de docentes especializados, os docentes farão com que a criança sai do âmbito individual-familiar indo para o ambiente sócio/coletivo, pois irá ensinar as crianças a dividir o mesmo espaço, a respeitar diferenças.

Saindo um pouco do ambiente pedagógico e adentrando mais no assunto jurídico, existem interpretações favoráveis quanto contrárias a essa prática alternativa de educação, o que causa uma série de divergências quanto à sua aplicabilidade ou não da punição prevista no Código Penal.

Na prática, não existe na Polícia Militar um procedimento operacional padrão (POP) a respeito desse assunto. Isso se deve ao fato de que os principais procedimentos devem ser adotados por outros órgãos e a Polícia Militar faz a função de apenas informar a esses órgãos. Devido a isso, a principal função de um policial militar quando se depara com essa ocorrência é conduzir os pais a Delegacia, acionar o Conselho Tutelar da área e informar a secretaria da educação, lembrando que o policial deve atuar no fator criminal e não no fator social, haja vista que há órgãos responsáveis por cuidar da parte social desse tema.

Contudo, se analisarmos esse caso de maneira fragmentada, não será possível afirmar qual é a melhor forma para se educar estas crianças, seja no ambiente domiciliar ou na escola institucionalizada. Pois está matriculado em uma escola institucionalizada não garante que a criança estará livre do abandono intelectual, é necessária a transmissão de uma educação de qualidade, independente do local onde ocorra.

Com essa forma de pensar e com a interpretação jurídica, deve-se ter em mente que é necessária uma ponderação jurídica penal. Com sua devida ponderação, devemos ter como princípio o melhor interesse para as crianças, pois só dessa forma teremos cidadãos qualificados a ajudar a desenvolver seu país.

5 REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Homeschooling, Revista Educação, São Paulo: Segmento, 134 ed. Nº 06, jun. 2008. Disponível em: http://aprendersemescola.blogspot.com/2009/10/ensino-domiciliar-direito-ou-desvio.html. Acesso em: 21 ago.2014.

BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. V. 4.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. In: VADEMECUM. São Paulo: Saraiva, 2011.

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DOUGLAS DE ANDRADE OLIVEIRA,  Aluno Oficial do 4º Ano do Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública da Academia de Polícia Militar do Barro Branco.

Orientador: Cap PM Renato Lopes Gomes da Silva APMPMSP.


Publicado por: DOUGLAS ANDRADE OLIVEIRA

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