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A ideologia da educação como mercadoria na ditadura militar

Estudo sobre as políticas educacionais na ditadura militar no Brasil e medidas que estão sendo adotadas nos tempos atuais.

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A política educacional implantada pela ditadura militar que perdurou por um período considerável no século XX ocorreu numa perspectiva de atuação de governo que se caracterizou pela falta de diálogo, inclusive com professores, alunos e comunidade escolar.

Na visão dos militares para que o Brasil alcançasse a progressão necessária para a expansão econômica na área industrial, era essencial que houvesse uma vinculação entre os interesses econômicos com o ensino educacional. A partir desta concepção foi adotado com grande entusiasmo a THC (Teoria do Capital Humano) segundo Schultz seria um conjunto de capacidades e habilidades que o indivíduo teria que conquistar, entretanto para ter um valor econômico maior eram apenas avaliadas as capacidades adquiridas, relacionadas ao interesse do mercado de trabalho, tratando assim a educação como uma mercadoria que atendesse as necessidades do sistema produtivo para a manutenção e crescimento do capital.

Segundo Schultz (1968, apud, FREITAS, 2009, p. 274):

“O quadro é bastante diferente no caso das capacidades adquiridas que têm valor econômico. A formação e manutenção dessas capacidades são análogas à formação e manutenção do capital humano reproduzível. Essas capacidades, evidentemente, são sujeitas à depreciação e obsolescência. Além disso, a distribuição e o nível das capacidades adquiridas podem ser alterados significativamente durante o período de tempo que é relevante para a análise econômica. Historicamente, elas têm sido alteradas profundamente nos países que desenvolveram uma economia moderna”.

Assim avaliando a capacidade de uma população através da obtenção de aptidões, e com isso responsabilizando exclusivamente o indivíduo pela sua ascensão social, tendo o interesse de tratar uma população por seus méritos não importando as dificuldades que estas pessoas enfrentavam. Apenas livrando o Estado de qualquer reparação social necessária que visasse um apoio para a transformação social das classes populares na sociedade brasileira.

Esta teoria apenas legitimou a implantação do ensino tecnicista no sistema educacional brasileiro, através das reformas educacionais elaboradas pelo regime militar mediante a promulgação e sanção da Lei nº 5.692/71, em que se inicia com a argumentação de promoção da cidadania com a mudança das políticas educacionais.

Entretanto, no decorrer da proposta que entra em vigor para a reformulação do ensino de 1º e 2º grau, encontram-se apenas diretrizes para as atividades relacionadas à questão da profissionalização do estudante que está inserido no ensino de 2º grau (atual ensino médio) de forma universal e absoluta.

Em nenhum aspecto a possibilidade para o pensamento crítico, reflexivo destes alunos que ficam subordinados as normas do Conselho Federal de Educação (CFE), principalmente através da eliminação das matérias das ciências humanas do currículo.

Freitas (2009 p. 282) compreende que:

A retirada do currículo das disciplinas História e Geografia, substituindo-as por Estudos sociais e Educação Moral e Cívica, ministradas com base em manuais que eram, na realidade, canais de comunicação dos repertórios políticos governamentais, demonstrava a projeção idealizadora de um futuro trabalhador invulnerável aos apelos da luta política e por democracia.

Conforme o artigo 41 da Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971) que além do dever da União, dos Estados e Municípios torna-se dever das empresas o incentivo e promoção da educação através de recursos e esforços para promovê-la e incentivá-la.

Anterior a promulgação da Lei de reforma do ensino de 1º e 2º grau havia acordos financeiros entre da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) que ficaram conhecidos como “Acordos MEC-USAID” agência diretamente ligada com a classe dominante brasileira que se reunia por intermédio do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IPES).

Neste sentido articulavam ações através de suas convenções que ocorriam nesta instituição relacionada a seus interesses econômicos que influenciaram de forma drástica as políticas educacionais que deveriam atender as necessidades do mercado de trabalho, pois representavam os detentores dos meios de produção que indicava cada vez mais força na sociedade brasileira, principalmente na região sudeste.

Outro fator para a precarização do ensino educacional além da implantação do 2º grau com objetivo profissionalizante de forma abusiva e sem planejamento pedagógico e financeiro houve ainda a extinção dos exames de admissão que se trata de um sistema de avaliação excludente, entretanto, não havia estrutura física, corpo docente que atendesse esta demanda de novos alunos em curto prazo.

Segundo Freitas (2009, p. 280) os dados do Anuário do IBGE de 1965 que apontavam que nas séries que hoje compõem o ensino fundamental registrava-se 11,6 milhões de matrículas; em 1970 esse número passou para 15,9 milhões, causando a ampliação do sistema.

Além do novo problema da demanda de vagas ao grande número de alunos acrescido ao sistema, a falta de professores qualificados para atender as novas necessidades que foram incorporadas no ensino de 2º grau, o professor torna-se sobrecarregado pela elevação da sua carga horária. Desta forma amplia-se a jornada de trabalho e a diminuição salarial.

Essa falta de estrutura para o ensino escolar público já havia sofrido com cortes de recursos financeiros através de políticas econômicas adotas pelo governo militar em que retira a responsabilidade de investimento financeiro por parte da União e dos Estados, ficando apenas a cargo dos municípios o investimento financeiro se transforma através de uma Emenda Constitucional em 1969.

Saviani (2008, p.298) expõe:

A Constituição de 24 de janeiro de 1967, baixada pelo regime militar, eliminou a vinculação orçamentária constante das Constituições de 1934 e de 1946, que obrigava a União, os estados e os municípios a destinar um percentual mínimo de recursos para a educação. A Constituição de 1934 havia fixado 10% para a União e 20% para estados e municípios; a Constituição de 1946 manteve os 20% para estados e municípios e elevou o percentual da União para 12%. A Emenda Constitucional n. 1, baixada pela Junta Militar em 1969, também conhecida como Constituição de 1969 porque redefiniu todo o texto da Carta de 1967, restabeleceu a vinculação de20%, mas apenas para os municípios (artigo 15, § 3º, alínea f).

Com base em todas essas medidas adotadas pelo governo militar torna-se inviável a possibilidade de uma educação de qualidade, pois todas as medidas não buscam a valorização do ensino como uma ferramenta de conscientização política e autônoma conforme intelectuais deste período estavam defendo, incluindo Paulo Freire, Gadotti e outros.

Entretanto essa perda de identidade escolar principalmente do ensino de 2º grau ocorreu apenas no ensino público, porque nesta mesma modalidade de ensino, mas no âmbito do ensino privado continuou a se seguir um modelo de educação voltada para a inserção dos seus alunos no ensino superior, não condicionados a mão de obra técnica. O não cumprimento das políticas educacionais foi relevado pelos órgãos governamentais porque os interesses da classe dominante que articulava no IPES tinham forte influência com o CFE.

Conforme Ghiraldelli (2017, p. 148) O ensino médio, segundo Campos, deveria atender à população em sua maioria, enquanto o ensino universitário fatalmente deveria continuar reservado às elites.

Essas modificações que os militares programaram no ensino de 2º grau segundo Ghiraldelli foi orquestrada para conter a possibilidade de aspiração da classe popular em relação ao ensino superior, além de atender aos interesses do mercado econômico, resultando na exclusão da população mais pobre ao acesso ao ensino superior de forma significativa.

Saviani (1994, p. 160 –161) distingue:

A sociedade capitalista é baseada na propriedade privada dos meios de produção. Se os meios de produção são propriedades privada, isto significa que são exclusivos da classe dominante, da burguesia, dos capitalistas. Se o saber é força produtiva deve ser propriedade privada da burguesia. Na medida em que o saber se generaliza e é apropriado por todos, então os trabalhadores passam a ser proprietários de meios de produção. Mas é da essência da sociedade capitalista que trabalhador só detenha a força de trabalho. Aí está a contradição que se insere na essência do capitalismo: o trabalhador não pode ter meio de produção, não pode deter o saber, mas sem o saber, ele não pode produzir, porque para transformar a matéria precisa dominar algum tipo de saber. Sim, é preciso, mas em “doses homeopáticas”, apenas aquele mínimo para poder operar a produção.

Além da exclusão social para aqueles que não conseguiam concluir o ensino de 2º grau, porque a partir destas políticas o mercado de trabalho começou a exigir para cargos que era necessário apenas o 1º grau agora se faz necessário o 2º grau, e para os que exigiam apenas o 2º grau se passou a exigir o ensino de 3º grau (ensino superior).

No entanto, os estudantes que foram obrigados a escolher uma profissionalização no 2º grua não obtiveram sucesso após a sua formação, devido não haver demanda para todos, devido o estado e as empresas que estimularam a realização desta nova LDBN não oferecer suporte a estes estudantes. Esse cenário se faz principalmente devido não apresentar vagas suficientes nas áreas disponíveis, principalmente pelo fim do “milagre econômico”, em que torna a economia brasileira ainda mais dependente do capital estrangeiro.

Porém o governo militar sustentava o discurso que estava ampliando o campo educacional, possibilitando a “democratização do ensino” para todos, entretanto, com todas as medidas adotadas pelo regime militar pode se enxergar a criação de muito mais problemas para o ensino público.

A partir da legitimação desta pedagogia tecnicista que provoca uma enorme precariedade no ensino de 2º grau da rede pública. Abre uma nova fonte de capital para as classes dominantes que é o aumento pelo ensino na esfera privada já que estas unidades de ensino não aderiram às regras da nova LDBN, estimulando uma segregação social de forma dissimulada em que apenas os que não têm condições são condicionados ao ensino de má qualidade oferecido pelo Estado, reservando para a camada popular a execução dos serviços que a classe dominante não tem apreço nenhum.

A execução desta política fundamentada na questão profissionalizante não obteve sucesso na questão da inovação pedagógica, mas não podemos afirmar que não houve sucesso no quesito de ensino ineficiente para a classe popular, que historicamente no Brasil sempre foi negado seus direitos, principalmente por esta política influenciar na formação do professores de ensino fundamental do 1º ao 4º ano que participa integralmente da formação escolar dos alunos.

Segundo Ghiradelli (2015 p. 165) compreende que:

Tendo transformado todo o segundo grau em profissionalizante, a Lei acabou desativando, também, a Escola Normal. Transformou o curso de formação de professores das quatro séries iniciais do ensino básico na “Habilitação Magistério”, que na prática passou a ser reservada aos alunos que, por suas notas mais baixas, não conseguiram vagas nas outras habilitações que poderiam encaminhar para o ensino superior.

Com base nos estudos acerca do tema das políticas educacionais do ensino de 2º grau que foram impostas pelo regime militar, deixou resquícios que perpetuam até os tempos atuais percebidos e observados no ambiente escolar. É através destas marcas deixadas pelo governo ditatorial, principalmente no ensino público, que se faz necessário refletir sobre as intencionalidades de todas as mudanças relacionadas ao ensino educacional, que exclui a participação popular, principalmente de alunos, professores e comunidade escolar como ocorreu na ditadura militar.

Além desses fatores que fizeram todas estas modificação no sistema de ensino vinculada aos interesses das classes dominantes nota-se que esta ideologia se torna presente até os dias atuais. Incluindo o ponto mais polêmico da MP do ensino médio que foi executada no início do ano de 2017, que trata da eliminação da obrigatoriedade das matérias das ciências humanas (Filosofia, Geografia, História e Sociologia) no currículo do ensino médio, assemelha-se com uma das normas da reforma imposta pela ditadura que retirou por definitivo as ciências humanas do currículo escolar.

Mediante a elaboração deste estudo historiográfico, consigo compreender as ideologias deste período da ditadura militar, em que alteração do ensino de 2º grau não foi apenas uma intencionalidade em relação às questões econômicas, mas uma medida social que pretendia minar as pretensões de ascensão social das camadas populares que estavam cada vez lutando pelos seus diretos.

A política pública ineficiente mantinha boa parte na base da sociedade, impossibilitando sua mobilidade social, além de manter afastado do ambiente escolar a questão da politização, que perpassa pelo pensamento crítico que as matérias das ciências humanas estimulam.

Estamos vivendo períodos sombrios nas questões de políticas públicas no país, assim como uma extensa recessão nos corte de direitos da população, incluído a previdência social, saúde e educação. Neste cenário se faz necessário a defesa da escola pública de qualidade, que é a única instituição que pode participar realmente da transformação da sociedade, por isso um estudo sobre as políticas educacionais na ditadura militar no Brasil, para se comparar com as medidas que estão sendo adotadas nos tempos atuais, com base nos estudos para a elaboração deste trabalho, possibilitando uma conscientização em relação ao período que estamos enfrentando no presente através de uma análise de um período recente da nossa historiografia que pode se repetir, principalmente pela continuidade da gestão da educação ineficiente oferecida aos alunos do ensino público.

REFERÊNCIAS:

GHIRALDELLI JUNIOR, PAULO. História da educação brasileira. 5. Ed. São Paulo: Cortez, 2015. p. 273-286.

FREITAS, Marcos Cezar. História social da educação no Brasil (1926 – 1996). São Paulo: Cortez, 2009. p. 145-166.

ARAUJO, Maria Paula Nascimento. A luta democrática contra o regime militar na década de 1970. In: REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O Golpe e a Ditadura Militar – 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. p. 161 – 175.

SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008. Disponível em  http://www.cedes.unicamp.br Acesso em 07 março 2017

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. 1964: temporalidades e interpretações. In.: REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O Golpe e a Ditadura Militar – 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. p. 15-28

BRASIL. LEI No 5.692, DE 11 DE AGOSTO DE 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.8.1971 e retificado em 18.8.1971, Disponível, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692impressao.htm, Acesso em 10 Março 2017.

LACERDA, Gislene Edwiges. Memórias de esquerda: o movimento estudantil em Juiz de Fora de 1974 a 1985. Juiz de Fora: Editora FUNALFA, 2011. Capitulo: 1.4 O Contexto do processo de luta democrática e o papel dos movimentos sociais (1974 a 1985). P. 51 – 61.

TOLEDO, Caio Navarro de, 1964: O golpe contra as reformas e a democracia, Disponível , Acesso em 20 maio 2017

SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETI, C. J. et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.


Publicado por: Mauricio Carvalhaes Gonçalves

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