A Escola de Salamanca
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A Escola de Salamanca, Escola espanhola de Paz, ou a Escola espanhola de direito internacional, como também Escola espanhola de moral econômica, ou de Renascimento teológico salamanquense do século XVI, etc. Qualquer uma destas denominações é correta, foi uma escola de pensamento econômico em várias áreas que teve lugar no Renascimento do século XVI, através de um grupo de teólogos e juristas, eles são bem conhecidos por seu pensamento econômico liberal e por seus estudos sobre os problemas econômicos gerados na Espanha após o descobrimento da América. As obras centrais de Francisco de Vitória e demais pensadores de Salamanca são de suma importância para fundamentação filosófica dos direitos humanos no mundo contemporâneo.
O principal centro intelectual e por onde passaram os nomes mais expressivos deste momento histórico no século XVI. A importância deste período se dá, não apenas pela influência nas primeiras escolas das colônias americanas, mas, também, pela sua influência dentro do continente europeu. O direito das gentes, a primeira gramática latina e em espanhol, o calendário gregoriano e as bases do direito internacional moderno surgem da Universidade de Salamanca.
O SURGIMENTO DA ESPANHA
Durante o século VIII d.C., a Península Ibérica (onde estão localizados os atuais países de Portugal e Espanha) passou a sofrer com a ocupação islâmica, que perdurou até o século XIV, época em que os últimos muçulmanos foram expulsos pelos cristãos. Foi nessa atmosfera que se formou a Monarquia Nacional Espanhola.
Os reinos de Castela, Leão e Aragão unificaram-se com o casamento de Fernando (de Aragão) e Isabel (de Castela e Leão). Dessa união, resultou a formação da Monarquia Espanhola, que no ano de 1492 expulsou o último reduto islâmico do sul da Península Ibérica.
A palavra Espanha vem da palavra grega Spania, usado pela primeira vez pelo geógrafo grego Artemidorus de Éfeso, que viveu no século I aC. Os romanos transformaram esta palavra Hispania. Alguns pesquisadores acreditam que deriva do período fenício, que significa "terra de coelhos" por causa da abundância desses animais; outra argumenta que vem de chave Inglês, significado "ou chave de entrada", como a entrada de chave ou do Mediterrâneo.
A história da Espanha é uma das mais fascinantes do mundo e da história e cultura espanhola ajudou a moldar o mundo moderno em que ela é hoje.
Embora a Espanha é um território relativamente pequeno localizado no sudoeste da Europa, a história da Espanha é de grandeza e é muito diferente da do resto do continente.
A linha do tempo da história espanhola, conta a história de uma terra que tem sido procurado por muitas civilizações: os cartagineses e os romanos lutaram sobre ele, os árabes conquistaram e os Reis Católicos se recuperaria Espanha e convertê-lo para o mais poderoso império do mundo após a descoberta da América.
O império espanhol atingiu o seu auge no reinado de Felipe II, que unificou o território espanhol e terras: das Filipinas para as Américas, assim como Portugal, Holanda, Itália e alguns da atual Alemanha.
A partir deste momento, a história da Espanha chegara a um período de decadência econômica e política que foi acompanhado por duas guerras estrangeiras e civis.
O século 19 marcaria uma parte importante da história da Espanha com a perda de importantes territórios espanhóis e do colapso do Império Espanhol.
A independência alcançada por territórios espanhóis nas Américas, Cuba, Porto Rico e as Filipinas em forma significativamente o mundo e a história espanhola moderna.
A Península Ibérica sofreu inúmeras invasões; a língua espanhola se formou do amálgama das diversas línguas e dialetos que pôr lá aportaram.
A base do espanhol está no dialeto medieval falado em Castilha (sec. XI) procedente do Latim, que pouco a pouco se expandiu pôr toda a península, a que se somaram o ibero, o vasco e o celta.
Durante este período de desenvolvimento, o espanhol sofreu também forte influência do grego, da língua germânica e do árabe.
A língua espanhola, posteriormente à sua formação, sofreu influências especialmente no que tange a sua riqueza vocabular, do francês, de italiano, do latim clássico e das línguas aborígines americanas.
Na atualidade, o espanhol conta com enorme diversidade de pronúncia, conforme a região geográfica a ser considerada (na Espanha) e conforme o país (América Latina de colonização espanhola). O espanhol, que tem sua origem no latim falado, é o idioma oficial de 21 países, já incluindo Espanha. É uma das línguas mais faladas do mundo.
Os 21 países que têm o espanhol como língua oficial: Argentina, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Peru, Chile, Equador, Bolívia, Venezuela, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica, Cuba, Guiné Equatorial, Honduras, Panamá, República Dominicana, México e Espanha. Falam espanhol oficialmente 21 países.
O SURGIMENTO DA CIDADE DE SALAMANCA
A primeira definição de Salamanca no dicionário da verdadeira academia da língua espanhola é uma caverna natural que se encontra em algumas colinas. Outro significado de Salamanca no dicionário é na tradição popular, iguanido com poderes maléficos.
Habitante ou natural de Salamanca; salamanguino, salamanquense, salamanticense, salamântico, salamantino, salmanticense, salmantino. A história de Salamanca teve sua origem numa aldeia assentada na colina de São Vicente sobre o rio Tormes. Isto aconteceu há 2.700 anos, durante a Primeira Idade do Ferro, e desde então o lugar foi testemunha da passagem de váceos, vetões, romanos, visigodos e muçulmanos. Foi só no final do século XI, que o conde francês Raimundo de Borgonha, genro do rei Afonso IV, repovoou Salamanca com um reduzido grupo de pessoas, no qual predominavam francos e galegos. Dessa repovoação medieval foram assentadas as bases de uma cidade que, após oito séculos acumulando arte e sabedoria se tornou, graças sobretudo a seu caráter universitário, numa das capitais com maior tradição cultural e esplendor monumental de todo o continente europeu.
Salamanca faz parte da comunidade de Castela y Leon, sendo uma das cidades mais ricas em monumentos da Idade Média, do Renascimento e das épocas Barroca e Neoclássica; rica, também, em arquitetura, religião e cultura gastronômica. Foi escolhida como Capital Europeia da Cultura, em 2002.
A Plaza Mayor, construída em 1729, considerada a mais bonita de toda a Espanha, onde ficam vários cafés e restaurantes, é o local em que as pessoas se reúnem para conversar e passar o tempo, e onde pudemos provar o típico presunto (jamón) ibérico.
Salamanca é uma das poucas cidades do mundo com duas catedrais: a Velha, cuja construção teve início no século XII, prosseguindo até o século XIV, e a Nova, construída entre os séculos XVI e XVIII em dois estilos, gótico tardio e barroco. Uma curiosidade a respeito da catedral nova é que aparecem, na decoração da fachada, alguns elementos estranhos à época, entre eles um astronauta, e a explicação é que, a cada período de tempo, ela é restaurada e o arquiteto responsável tem direito a deixar uma "marca própria", que são esses detalhes "modernos".
A UNIVERSIDADE DE SALAMANCA
Na Espanha, 200 km de Madri e próxima à fronteira com Portugal, Salamanca é uma típica cidade universitária europeia. O destino abriga uma das universidades mais antigas e tradicionais do continente, a Universidade de Salamanca, fundada em 1218 por el-rei Afonso IX, com a categoria de Estudo Geral do seu reino. Em 1255, recebeu o título de universidade pelo Papa Alexandre IV. A instituição levou cerca de dois séculos para conseguir contar com edifícios próprios onde ministrar à docência. Mais antiga que ela somente as universidades de Oxford (Reino Unido), Bolonha (Itália) e Paris (França). A Universidade de Salamanca é a terceira universidade em funcionamento contínuo mais antiga de todo o Velho Continente. Referência nos estudos das ciências humanas, a cidade também atrai um grande número de estudantes estrangeiros, sendo um destino popular para intercâmbios e cursos de espanhol.
A Universidade é formada por prédios que são verdadeiras joias da arquitetura espanhola. As três construções mais antigas da instituição, que foram edificadas entre os séculos XV e XVI, são o Edificio de Escuelas Menores, utilizados para aulas de graduação; o Edificio de Escuelas Mayores, que é o principal de toda a universidade; e o Hospital del Estudio, que já funcionou como um hospital entre os anos de 1413 e 1810, mas hoje é a sede da reitoria da instituição. Esses três prédios estão localizados no Patio de Escuelas, uma praça no centro da cidade de Salamanca.
Dentro do Edificio de Escuelas Mayores está a Biblioteca General Histórica, que nada mais é que a biblioteca universitária mais antiga da Europa, tendo sido fundada em 1254. Mas no total a universidade tem 22 bibliotecas que, juntas, mantêm um acervo de pouco mais de 1 milhão de volumes.
A estrutura da universidade também é composta por 573 laboratórios, três museus, três centros universitários e quatro residências estudantis. Além disso, a Universidade de Salamanca também tem dois campi secundários nas cidades de Ávila e Zamora.
O campus de Ávila é formado por três escolas: a Escola Politécnica Superior de Ávila, a Escola Universitária de Educação e Turismo e a Escola Universitária de Enfermagem de Ávila. Já o campus de Zamora conta com quatro escolas: a Escola de Enfermagem, a Escola de Magistério, a Escola Politécnica e a Escola de Relações Laborais.
A Universidade de Salamanca oferece 93 programas de graduação (25 deles de graduação dupla), 75 programas de mestrado, 41 programas de doutorado e 113 programas de títulos próprios (especializações, cursos de extensão, etc.).
O SURGIMENTO DA ESCOLA DE SALAMANCA
A Escolástica Tardia (o período dos pós-escolásticos) começou no séc. XIV e se caracterizou pela separação definitiva entre a Filosofia e a Teologia. A Teologia manteve-se em vigor na escola franciscana, representada por Escoto e Occam e a Filosofia concentrou-se no empírico, no particular e no sensível. A Escolástica conheceu então um notável florescimento na Espanha e em Portugal, comandado pelas ordens dominicana e jesuíta, orientadas para a nova interpretação que se fez da teoria de São Tomás na Itália, especialmente por Santo Antonino de Florença e São Bernardino de Siena. O dominicano Francisco de Vitoria fundou uma escola em Salamanca, em que se formaram notáveis teólogos tomistas que, juntamente com os jesuítas de Coimbra e Francisco Suárez, em polêmica com o escotismo e o nominalismo, defenderam uma síntese escolástica tradicional, porém de acordo com as novas tendências de pensamento da época.
O século XVI foi um período extremamente turbulento na história da civilização ocidental. Turbulento por agitações nos mais diversos campos da cultura humana, tais como na religião, com os movimentos das reformas protestantes, contrarreforma ou reforma católica, que proporcionaram intenso debate nas bases religiosas, fundantes da então cristandade europeia; conflitos entre a vontade papal e dos reis, que se refletiu em agitações políticas das mais diversas, a exemplo dos embates envolvendo a dinastia Tudor, na Inglaterra; a descoberta de um novo mundo, a saber, as terras ameríndias no atlântico, que proporcionaram o desafio da expansão de uma visão de mundo e das relações sociais e econômicas; o renascimento das culturas clássicas, juntamente com o final da gestação do que teríamos por cultura moderna; dentre outras coisas mais.
A Escola de Salamanca pode ser dividia em dois grandes períodos, que são, Primeira e Segunda Escolas de Salamanca. A Primeira Escola tem seu início com a chegada de Francisco de Vitória, em 1526, na primeira cátedra de teologia da Universidade. Os autores mais destacados desse período, além do próprio Vitória, são: Melchor Cano, Domingos de Soto, Juan Gil de Nava, Pedro Sotomayor, Juan de Peña e Mancio de Corpus Christi, compreendendo o período histórico que vai de 1526, com a chegada de Vitória, até 1575, com o fim do magistério de Mancio na primeira cátedra de teologia. A Segunda Escola, se estende pelos magistérios de Juan de Guevara, Bartolomé de Medina e Domingo Báñez, no período histórico de 1565 a 1604 (PLANS, 2000, p. 170-83).
O frade dominicano Francisco de Vitória é considerado o fundador do direito internacional moderno, da Escola de Salamanca e sua maior referência. Foi, além de filósofo, teólogo e jurista. O teólogo espanhol dedicou-se à defesa dos direitos dos índios do Novo Mundo e à limitação das causas que justificam a guerra.
ALGUNS DOS PRINCIPAIS PENSADORES DA ESCOLA DE SALAMANCA
Na Espanha, a disseminação do humanismo coube, especialmente, à figura de Antonio de Nebrija (1444-1522). Educado em Bolonha, dominava com perfeição o latim clássico e o grego. Foi professor nas Universidades de Salamanca, Alcalá e Sevilha. Publicou, em 1481, a Gramática Latina, seguida pela Arte de La Gramática Castellana (1492); ambos se constituem, nos mais importantes livros didáticos daquela época e foram considerados como inovadores da linguagem europeia.
Juan Luis Vives (1493-1509) nasceu em Valência, estudou na Universidad del Sena, a princípio, a lógica escolástica, mas, gradualmente, foi se inclinando em favor do humanismo. Seu diálogo, Sapiens, reflete uma certa decepção pelos saberes transmitidos nas Universidades. O humanista valenciano estudou na França, Bélgica e Inglaterra, entre 1523 e 1525, chegou até a ter aulas com Erasmo. Com a morte de Nebrija, em 1522, a Universidade de Alcalá de Henares propôs a Vives a Cátedra de Latinidad, que ficara vaga. Não se sabe bem o motivo, mas o convite foi recusado.
Vives foi um severo crítico das instituições de ensino por onde passou, expressou este descontentamento, principalmente, em De disciplinis (1531); De ratione dicendi (1534) e De anima de vita (1538). Ao longo de sua obra foi apresentando propostas para uma forma alternativa de saber, o qual pudesse trazer maior proveito à humanidade e permitisse o avanço do conhecimento humano, anestesiado pelo escolasticismo.
Em De concordia et discordia (1529), Vives tenta convencer seus contemporâneos inclusive o Imperador de que a concórdia congregou o gênero humano, fundou as cidades e lhes permitiu crescer e conservar-se; descobriu as artes úteis para a vida, para a obtenção de riquezas e o cultivo dos talentos.
A influência de Vives é assimilada pelos pensadores pertencentes às ordens: dominicana, franciscana, agostiniana e jesuítica. São seus principais componentes: Francisco de Vitoria (1492-1546), Domingo de Soto (1496-1560), Juan Ginés de Sepúlveda (1490-1573), Martín de Azpilcueta (1492-1586), Francisco Suárez (1548-1617), Luis de Molina (1535-1600), Diego de Cavarrubias Leyva (1512-1577), entre outros.
O frade dominicano Francisco de Vitória (1486-1546) é considerado o fundador do direito internacional moderno, da Escola de Salamanca e sua maior referência. Foi, além de filósofo, teólogo e jurista. O teólogo espanhol dedicou-se à defesa dos direitos dos índios do Novo Mundo e à limitação das causas que justificam a guerra.
Francisco de Vitória parece ter nascido em Vitória, província basca de Álava, por volta de 1486. Ingressou no convento de São Pablo, no ano de 1505, aos 14 anos de idade, onde realizou seus estudos de Humanidades e começou os de Artes ou filosofia. Permaneceu estudando no convento de São Pablo até o ano de 1508, quando vai continuar seus estudos em Paris. No período que passou em São Pablo, entretanto, precisa-se destacar seu contato com as línguas grega e latina, nos estudos de Gramática, visto ser este convento, de maneira profunda, comprometido com a excelência da educação e com a renovação das condições de ensino. É importante tomar nota que no ano de 1504, houveram grandes mudanças nas orientações de ensino, para garantir maior excelência, ao que Vitória, desde a mocidade, já se encontrava exposto a um ambiente de renovação e transformações, com consideráveis elementos para sua formação e futura atuação teológica. Basta citar, por exemplo, que Vitória, era conhecedor da língua grega, com registros, já em Salamanca, de opiniões e observações suas sobre tradições, bem como consultas aos originais em grego para preparação de suas aulas e palestras. Ordenou-se dominicano e estudou teologia na Universidade de Paris, onde lecionou.
Em 1523 voltou à Espanha, ensinou em Valladolid e três anos depois assumiu a cátedra de teologia da Universidade de Salamanca, que ocupou até morrer. Vitória tentou conciliar as ideias humanistas com a doutrina escolástica de santo Tomás de Aquino. Nenhuma de suas aulas se conservou a não ser em anotações de alunos, mas há um número expressivo de recapitulações e resumos do curso do ano.
No verão de 1526 com o início do processo de sucessão da principal cátedra de teologia da Universidade de Salamanca, maior posto teológico de toda a Espanha, em função da morte do seu até então ocupante, Pedro de León. Essa cadeira era ocupada por dominicanos há mais de um século e a Ordem, interessada em manter a mesma, deveria indicar seu melhor nome para a sucessão. O primeiro e principal nome era o de Diego de Astudillo, mas a Ordem indicou Francisco de Vitória, que entrou numa disputa difícil para contra o principal candidato, Pedro Margallo, catedrático de filosofia moral em Salamanca. Difícil, pois, a eleição se fazia por meio de votação entre os membros da Universidade, na qual Vitória não era ainda tão conhecido como o professor residente. Entretanto, que foi a impressão que causou durante os exercícios de sucessão, com sua habilidade e conhecimentos, que venceu com vantagem confortável a eleição e se tornou catedrático de Prima, da Faculdade de Teologia de Salamanca, realizando o juramento dos estatutos em 21 de setembro de 1526.
As ideias basilares de Vitoria são, em sua essência, três: a) a configuração da ordem mundial como sociedade natural de Estados soberanos; b) a teorização de uma série de direitos naturais dos povos e dos Estados; c) a reformulação da doutrina cristã da “guerra justa”, redefinida como sanção jurídica às iniuriae (ofensas) sofridas.
A atividade de Vitória em Salamanca proporcionou uma série de mudanças que trataram de colocar ambos no mapa do pensamento europeu. Dentre elas, temos a introdução, já corrente em Paris e em boa parte das Universidades europeias, da Summa, como livro base para os estudos teológicos, em adição às Sentenças, em um processo de substituição do texto base, iniciado por Vitória, mas que só seria institucionalizado definitivamente em 1561, por conta de formalidades decorrentes das constituições da Universidade. Sua atividade, assim, se estende por vinte anos, explicando seguidamente a Summa, de Tomás de Aquino, na formação de um vultuoso grupo de discípulos que viriam a assumir, nos anos seguintes, as cadeiras da Universidade e ocupar cargos importantes na estrutura eclesiástica.
As famosas Relecciones, proferidas anualmente por Vitória, segundo determinação das constituições da Universidade para todos os catedráticos. Vitória, ao longo de seu magistério, proferiu quinze Relecciones, conferindo grandeza até então inédita ao evento universitário. Suas demais contribuições para a Universidade estão na renovação da biblioteca, da qual Vitória foi encarregado da seleção e compra de obras para a Faculdade; participação no comitê encarregado de montar uma imprensa para a Universidade; dentre outros trabalhos.
Na discussão dos temas mais candentes da época, Vitória questionou a legitimidade da conquista espanhola da América, que não se justificava pelo paganismo dos nativos. Mesmo que a conquista protegesse inocentes de práticas como o canibalismo ou sacrifícios humanos, o rei da Espanha, ou qualquer outro soberano, deveria garantir tratamento justo e igualitário a indígenas e colonos, pois todos eram seus súditos, com direitos iguais. O papa não tinha o direito de dar a monarcas europeus domínio sobre povos primitivos; o máximo que podia fazer era designar esferas para o trabalho missionário. Os pagãos tinham o direito à propriedade e a ter dirigentes próprios, já que não eram irracionais.
Nos estudos sobre o direito de guerra, concluiu que ela só é admissível em legítima defesa e para corrigir um erro muito grave. Em qualquer caso, deve sempre ser precedida por esforços de conciliação e arbitragem. Sua obra constituiu uma reelaboração do jus gentium, ou "direito das nações", pela afirmação de princípios éticos universais e de igualdade entre os povos. Francisco de Vitória morreu em Salamanca em 12 de agosto de 1546.
Diego de Cavarrubias y Leyva (1512 - 1557) é considerado o primeiro teórico da política imperial da Espanha. Nasceu em Toledo, estudou cultura clássica em Salamanca com o helenista Fernando Nuñes de Toledo y Guzmán, também conhecido como El Pinciano, cujas obras sobre Sêneca, Plínio e Columela levaram seu nome por toda a Europa. Diego Cavarrubias estuda legislação canônica com Martin de Azpilcueta. Frequentou as classes de Francisco de Vitoria. Foi catedrático de Cânones na Universidade de Salamanca. Felipe II o nomeia visitador da Universidade salmantina. Participa do Concílio de Trento e chega à suprema magistratura de Castilha. A obra de Cavarrubias, vista na sua totalidade, tem um alto sentido humanista, concebe o direito como uma suprema manifestação da atividade humana. A característica fundamental de seu espírito renascentista é a nacionalização de sua ciência: a criação de um sistema jurídico sobre uma estrutura ibérica, sem perder, contudo, o sentido de universalidade. Cultiva as ideias de soberania de Vitoria, e, desde 1550, é considerado a autoridade máxima em direito de toda a Espanha e um dos melhores intérpretes do Século de Ouro Espanhol. Sua obra mais conhecida é Variarum resolutiorum, que reúne o conjunto de Cátedra enriquecido com a experiência judicial.
Fernando Vázquez de Menchaca (1512-1569) deixa um legado inestimável de doutrina jurídica, especialmente no âmbito do direito das gentes. Nascido em Valladolid, em 1512, onde inicia seus estudos de direito civil e canônico, transfere-se mais tarde para Salamanca e obtém ali o título de Doutor, em 1548. Menchaca é enviado, por Felipe II, ao Concílio de Trento, justamente quando este entrava na sua terceira fase de conferências e sessões. A doutrina internacional de Vázquez de Menchaga está exposta em sua obra Controversiarum illustrium libre tres. Nas “Controvérsias” se estudam as mais variadas questões concernentes a matérias de direito político, internacional, civil e romano. Menchaca pertence à escola internacional espanhola do século XVI, naquilo que ela tem de específico e inconfundível, como, por exemplo, seu amor à verdade e a sua preocupação com a justiça objetiva.
Martín de Azpilcueta (1492 – 1586) também conhecido como Doctor Navarro, estuda filosofia, teologia e direito na Universidade de Alcalá. Dá continuidade aos seus estudos jurídicos na Universidade de Tolosa, que era o centro de estudos jurídicos mais célebre que existia na França. Considerou-se sempre um discípulo de Vitoria. Vê em Felipe II a realização mais exata do pensamento espanhol. Em seu Enquiridión, publicado em 1550 – que obteve mais de cinquenta edições - deixa em fórmulas concisas os princípios de sua teoria política e as consequências de sua análise histórica.
Domingo de Soto (1507-1519) foi quem expôs de forma mais sistemática a filosofia da escola neoclássica espanhola do século XVI. Nasceu em Segovia e cursou humanidades em Paris, onde foi discípulo de Vitoria. Volta à Espanha, é promovido à Cátedra de teologia em Salamanca e publica: Sumulas (1523); Dialectica (1543); Comentário sobre os físicos (1545). É enviado pelo Imperador Carlos V, ao Concílio de Trento (1545), em substituição a Vitoria. Para Domingo de Soto, a ordem jurídica se assenta sobre três pontos, a saber: a pessoa humana, o poder político e a sociedade universal. Entretanto o fundamento desta ordem está na primeira relação transcendental de superior a súdito, do homem a Deus – a justiça absoluta. Assim, a ordem jurídica atribui unidade e consistência à ordem humana e realiza a sua função histórica.
Sobre este esquema jurídico, um dos mais brilhantes entre os professores de Salamanca, durante o Século de Ouro, traça as linhas do pensamento espanhol. Toda a sua teoria de guerra é mais concretamente a teorização da conquista da América pela Espanha, descobre a função universal do poder político e dos direitos da comunidade internacional. É com Domingo de Soto que o pensamento de Salamanca entra em uma fase de sistematização lógica, promovendo um equilíbrio entre Renascimento e Escolaticismo que já vinha sendo realizado simultaneamente nas obras de Vitoria, Cavarrubias e Azpilcueta.
Melchior Cano (1509-1560) discípulo predileto de Francisco de Vitoria, esteve em Salamanca entre 1527 e 1531. Em 1543, ganha a Cátedra de Prima de Teologia na Universidade Complutense, que abandona mais tarde, para suceder seu mestre em Salamanca. Foi a Trento a mando de Carlos V que, para premiar seus serviços, o envia como bispo para as Ilhas Canárias. Quando consultado, por Felipe II, sobre os direitos do Rei Católico à coroa de Portugal, Cano se mostra favorável e aponta meios a serem postos em execução para possuí-la e conservá-la.
Exorta às armas em defesa da honra e da justiça; defende claramente o conceito de uma guerra preventiva; propõe os meios lícitos de luta; ensaia um bloqueio econômico e desenha um modelo de reformas eclesiásticas transcendentais; como a indenização de guerra e a garantia de paz. Nisso não se reconhece a mínima intenção de proposta de separação entre a Igreja e Estado – significa o triunfo da paz e da justiça sobre todos os demais ideais. Implica em dizer-se que os poderes soberanos e autônomos podem impor a paz por si mesmos. É o primeiro sintoma da soberania do poder político contra a universalidade do papado e do império. Toda a atividade política de Melchior Cano corresponde a um sistema de princípios. Suas Relecciones e suas leituras sobre a Suma de Santo Tomás, em Valladolid, Alcalá e Salamanca, constituem um dos primeiros monumentos sobre a justiça e o direito, comparável às Relecciones de Vitoria e aos Tratados de Domingo de Soto. Encerram, segundo Heredía, o sistema mais perfeito sobre direito internacional e ciência do Estado.
Ao teorizar sobre a política da Espanha na América e expor a teoria da guerra justa, Cano define o conceito de Comunidade Internacional, sua garantia no direito das gentes, que concebe essencialmente positivo, como a expressão fiel da vontade dos povos a serviço da paz e da civilização. Esboça uma carta de direitos humanos sobre a igualdade de todos os homens e a liberdade de todos os povos. Frente à tese escravista levanta outra, a da liberdade.
Francisco Suárez (1548–1617) é o intelectual mais importante da Companhia de Jesus. Um filósofo, teólogo e jurista espanhol, conhecido por revitalizar a filosofia dos séculos XVI e XVII, e provocar uma ruptura nos modelos teóricos vigentes adequando–os aos novos tempos. Suárez, junto a nomes como os de Luís de Molina, Domingo de Soto , Francisco de Vitória , Juan de Mariana, Martin de Azpilcueta, José de Aguilar, Diego de Avendaño, José de Acosta, entre outros, é a grande referência da chamada Segunda Escolástica, isto é, aquela investigação filosófica e teológica desenvolvida em torno das universidades ibéricas da época, como Salamanca, Évora, Coimbra, e ibero–americanas, como San Marcos (Lima) e San Antonio Abad del Cusco, que, nos séculos XVI e XVII, revitalizam os saberes que até então eram conduzidos dentro da tradição moldada por Tomás de Aquino, Duns Scotus e outros escolásticos medievais.
Enquanto Suárez é comumente elogiado por sua exposição abrangente, exaustiva e sistemática de mais ou menos todo o conhecimento filosófico até seu tempo, esta abrangência não compromete a profundidade, o poder e a originalidade de suas próprias ideias. Trabalhou em uma grande variedade de campos que vão desde a metafísica, a teoria do conhecimento e a teologia até a filosofia mais prática, incluindo a filosofia política e do direito. Em todas essas áreas, ele fez contribuições cuja influência é tão presente que dificilmente as identificamos. Vale destacar que figuras tão diferentes entre si, histórica e filosoficamente, como Leibniz, Grotius, Pufendorf, Schopenhauer e Heidegger, encontraram motivo para citá–lo como fonte de inspiração e influência.
Suárez enfrenta os problemas concretos da transição entre uma ordem medieval e a moderna, uma ordem política e religiosa particularmente perturbada por debates, conflitos, guerras, tréguas e renovadas hostilidades entre povos europeus, entre confissões cristãs, e em guerras civis marcadas por perseguições dos Tribunais da Inquisição, dos Parlamentos e das Coroas, sem falar dos desafios teóricos decorrentes do contato com o 'Novo Mundo', com todas as diferenças culturais e ideológicas que significou para dentro e para fora da península ibérica. O século XVII encontra instalada na Europa uma desordem política e uma confusão intelectual, porque nem as confissões religiosas, nem as ideologias nacionais conseguiam dar conta desta nova realidade de descobrimentos. Se faz necessária uma nova fundamentação filosófica, teológica e política que só a erudição deste jesuíta foi capaz de fazer. A obra de Suárez será a elaboração mais completa e sistemática do seu tempo, e a sua influência foi tal que ainda hoje resulta controvertida.
As principais obras de Francisco Suárez: A primeira publicação foi impressa em 1590 em Alcalá, Commentariorum ac Dispuationum em Tertiam Partem Divi Thomae Tomus Primus, mais conhecido pelo título De Verbo Incarnato. Suárez tenta superar a oposição existente entre escotistas e tomistas em relação à questão da encarnação. Ele concorda com Santo Tomás de Aquino ao revelar que a maioria das passagens das Escrituras atribuem a causa da encarnação de Cristo à vontade de redimir o homem do pecado, mas também acrescenta que a Bíblia considera a encarnação como a manifestação plena da glória divina; sua realização histórica não pode, portanto, depender do pecado do homem.
A Inovação de Suarez é o abandono do comentário por um tratamento científico e pedagógico, que supôs uma verdadeira renovação no trabalho de ensino e pesquisa escolar, e de eco universal até os dias atuais.
De mysteriis vitae Christi (1592) é uma continuação dos comentários de De Incarnatione sobre a terceira parte da Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino, expondo as questões 27 a 59. A intenção de Suárez nesta publicação era dupla: uma acadêmica e outra pastoral, planejada para o benefício dos estudiosos e como um auxílio para aqueles que eram responsáveis pela pregação da palavra de Deus. Dividido em 58 disputas, nas quais as primeiras 33 tratam de questões sistemáticas relacionadas à santidade da Virgem Maria: sua santificação, virgindade, casamento, purificação, mérito, graça, morte e a gloriosa assunção. Como resultado deste trabalho, Suárez foi considerado o fundador de uma mariologia sistemática. Embora Suárez mostre grande respeito por São Tomás, ele não hesita em se opor a algumas questões, como, por exemplo, a preservação de Maria do pecado original através da Imaculada Conceição.
Disputas metafísicas (1595) foram as deficiências encontradas no ensino de teologia que o motivaram a se dedicar à filosofia (prólogo ad lectorem). Ele precisava de uma base metafísica básica em sua visão teológica, o que o fez parar na Tertia pars de la Summa Teológica de Santo Tomás para iniciar um grande projeto. Trabalho de 2.000 páginas, escrito em um ano, em dois volumes. O primeiro deles cobre as disputas 1-37, e o segundo de 38 a 54. Ele trata de: ser, suas propriedades, suas causas, divisão da entidade em infinito e finito, estudo da entidade de Deus infinito, relação de essência e existência em Deus e na criatura, divisão da entidade finita criada, substância e acidentes, entidade da razão. Quase todos os escritores gregos, árabes, patrísticos e escolásticos são citados. Entre os mais citados estão Aristóteles, Tomás de Aquino, Duns Soto e Cajeta. Eles refletem o gênero literário medieval por excelência, chamado quaestio disputata. O esforço de Suárez resultou em uma obra-prima arquitetônica que cobriu todos os campos da metafísica.
Opuscula (1599) A polêmica teológico-filosófica, conhecida por De auxiliis há muito tempo, enfrentou jesuítas e dominicanos, tratou do papel da liberdade humana em relação à graça divina. Para os jesuítas, a doutrina dos dominicanos deixava pouco espaço para a liberdade humana; para os dominicanos, a doutrina jesuíta não fazia justiça à graça divina. Esta polêmica se intensificou de tal forma que o Papa Clemente VIII teve que intervir criando uma comissão, a Congregatio de Auxiliis em 1597 para resolver esta disputa; as conversas foram tão violentas que o próprio Clemente teve que dirigir os debates sem poder concluí-los em a hora de sua morte. O Papa Paulo V teve que resolver a controvérsia (1607), permitindo que os dominicanos e os jesuítas defendessem suas respectivas posições: que a defesa de cada uma das posições não fosse rotulada de herética.
Francisco Suárez conhecia muito bem essas posições, e especialmente do jesuíta Molina e do dominicano Bañez, de como conciliar predestinação e graça com liberdade. Ele mesmo havia escrito e ensinado sobre esses tópicos. Em 1599, ele publicou 6 tratados de teologia, ou Opuscula. A obra já era conhecida antes de sua publicação pelo general jesuíta Cláudio Aquaviva, Clemente VIII a consultou quando foi publicada em Roma. Ele defende uma modificação da posição de Molina.
Por legibus (1612) obra Tractatus de legibus ac Deo legislatore foi publicada em 1612. De legibus é um tratado abrangente e sistemático sobre a lei e todos os seus derivados: divinos ou eternos, naturais, internacionais e positivos ou humanos. Dividido em 10 livros Suárez explica, em um sentido amplo, que a lei é a norma e a medida dos bons procedimentos que se voltam para o melhor e para longe dos menos bons. Afasta-se de Tomás de Aquino, no qual a lei (divina, natural ou humana) é sempre uma característica das ideias divinas.
Parte da razão divina e associa a lei à liberdade. A lei eterna pertence aos decretos do livre arbítrio, e toda lei é um efeito da lei eterna, que dirige todas as partes do universo para um bem comum.
O Jus gentium ou lei das nações está a meio caminho entre a lei natural e a lei humana positiva. Distinguir entre direito natural e direito internacional baseado no costume. Os seres humanos têm um caráter social natural, dado por Deus, que inclui a habilidade de fazer leis. Ele refuta a teoria patriarcal de governo e o direito divino dos reis. A autoridade do Estado não é de origem divina, mas humana, portanto, sua natureza é escolhida pelas pessoas envolvidas e seu poder legislativo natural é dado ao governante.
Defensio fidei (1613) foi uma obra encomendada diretamente pelo Papa Paulo V em que Suarez defendia a teoria do poder indireto do pontífice nos assuntos temporais (ao mesmo tempo contrário à ideia de que os reis recebiam sua soberania diretamente de Deus) e considerada legítima a proteção dos cidadãos contra um príncipe que se tornou tirano. O texto foi queimado publicamente em Londres por ordem de Jacobo I, e também em Paris pelo zelo dos monarquistas galicanos. Dois anos depois de escrever este artigo, aposentou-se como professor em Coimbra. Durante o século XVII, algumas de suas obras apareceram postumamente, entre as quais estão os escritos que tratam da liberdade do homem. O alcance extraordinário de seu pensamento foi mantido vivo por quase dois séculos na maioria das universidades europeias, bem como nos sistemas filosóficos de muitos pensadores importantes.
Luis de Molina (1535-1600) há controvérsias quanto ao início do trabalho acadêmico de Luis de Molina, porém, segundo Copleston, o jesuíta leciona teologia, por vários anos, na Universidade de Évora, em Portugal – seu trabalho Concordia liberi arbotrii cum gracie donis, divina praescientia, providencia, praedistinatione et reprobatione, é publicado em Lisboa, em 1589. Molina, também conhecido como o “bom jesuíta”, assim como Suárez, vive a Espanha do final do século XVI.
Iribarne refere-se à figura de uma “Espanha cansada”, à época de Molina, que perde lentamente a sua hegemonia e cede espaço a um sistema de equilíbrio. É o tempo da dispersão política da Europa em Estados soberanos.
O DIREITO DAS GENTES E O LEGADO DA ESCOLA DE SALAMANCA
A origem do direito das gentes está no direito romano, que ainda atravessa a idade média. A origem dos Direitos Humanos está na releitura do Direito das Gentes. É por isso que o De legibus de Francisco Suárez não só está na base como é o texto mais citado por Grotius no seu Do Direito da Guerra e a Paz. Serve, ainda, de referencial teórico para a justificação de decisões de Cortes Internacionais de Justiça e Direitos Humanos contemporâneos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça da Haia. O conceito de jus gentium, que foi também chamado de direitos de gentes, mesmo tendo a sua origem no direito romano e tenha atravessado, sob diferentes versões, a idade média, é recebido pela geração da Escola de Salamanca, e muito especialmente por Suárez, com alguns ajustes e atualizações. Passa a ser entendido como um direito que considera as culturas dos povos como autoridade legítima que deve ser respeitada, uma consideração ao que foi construído ao longo do tempo pelos povos e que não temos direito de atropelar sob nenhuma alegação. São os casos da instituição da propriedade privada, do matrimonio, dos regimes de trabalho, dos tratados internacionais, entre outros.
O conceito de Direito de Gentes, relativo ao que hoje conhecemos como Direitos Humanos, é importante porque, mesmo sendo um direito que se expressa numa positividade, numa norma escrita, tem na sua base uma racionalidade que considera as culturas, a diversidade de modos de manifestação cultural. E isso ao mesmo tempo em que busca a sua universalidade.
Os Direitos Humanos surgiram na idade média, do casamento entre a Filosofia Cristã Católica com o Direito Natural (Jus Naturale). Tal afirmação pode ser comprovada de forma simples uma vez que ao surgir o Cristianismo todos os homens (nobres e plebeus) passaram a ser fruta do mesmo saco sendo colocados ao mesmo nível como criaturas e filhos de Deus. Até mesmo os Reis, que eram em muitos lugares da antiguidade, considerados como naturais representantes de Deus na terra passaram a necessitar da benção da igreja, pois do contrário nada mais seriam do que déspotas excomungados.
A conquista da América no século XVI pelos espanhóis resultou em um debate sobre direitos humanos na Espanha. Isto marcou a primeira vez que se discutiu o assunto na Europa. Muitos filósofos e historiadores do direito consideram que não se pode falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente.
Francisco de Vitória, um dos mestres da Escola de Salamanca, forneceu grandes contribuições para o advento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Francisco Suárez também apresentou contribuições neste sentido, pois, para ele, a formação do conceito de comunidade universal “era um postulado objetivo, traduzia uma ordem natural pensada fora do quadro da concepção individualista dos estados, [...] indivíduos tomados isoladamente, desligados de uma ordem mais vasta sem consideração da função que nela deveriam desempenhar” (CALAFATE, 2017, p. 51).
As Escolas de Coimbra, Lisboa, Évora, Salamanca, dentre outras, tiveram uma profunda relevância para o que hoje, em conjunto, denomina-se de “Escola Ibérica da Paz”. É possível afirmar que as contribuições feitas pelos pensadores egressos dessas escolas possuem em comum a retomada dos estudos de Tomás de Aquino (VICENTE, 1952, p. 12) e Aristóteles.
O Direito Natural funciona como a razão sob a qual o Direito das Gentes é construído, ou seja, o “sistema de lei natural universal do jus gentium cujas regras podem ser determinadas pelo uso da razão” (ANGHIE, 1996, p. 325). Desse modo, são auto evidentes e comuns a todas as sociedades humanas.
Assim, aduz que “o Direito das Gentes como forma do Direito Positivo tem seu fundamento na vontade humana” (VICENTE, 1952, p. 617), no consenso universal entre os sujeitos. Além disso, tem como fim específico o bem de todos que estão conectados através o gênero humano. Suárez nasce dois anos depois da morte de Vitoria. Por ter vivido um contexto de formação da Europa e nascimento do Estado Moderno, suas teorias são amplamente criticadas por alguns filósofos de matriz tomista. Para eles, o que de fato existe são duas linhas extremas que colocam Vitoria e Suárez em pontos distintos da linha internacionalista espanhola.
Nesse esforço intelectual, os estudos de Tomás de Aquino tiveram profunda relevância na sustentação de uma razão do Estado e da Razão da Humanidade, de forma que estas não se confundissem entre si. Em outras palavras, tal como aduz Suárez, é possível afirmar que não se trataria de uma “lei” das gentes, mas de um “direito” das gentes, não necessariamente positivado.
Para o mestre da Escola de Salamanca, as regras morais são superiores à soberania dos Estados. Em outras palavras: “Se a lei positiva contradiz o direito natural, perdeu sua razão de justiça. É um princípio universal na filosofia política de Francisco de Vitoria” (VICENTE, 1952, p. 626). Por isso, afirmava o bem comum universal e a igualdade natural das soberanias, estando elas sob a égide do Direito Natural e do Direito das Gentes. Contudo, cabe ressaltar o fato de que “dizer que a soberania dos estados é relativa e não absoluta significa que o soberano só tem poder para o que é justo e que para o que é injusto nenhum poder tem” (CALAFATE, 2017, p. 52).
Os Direitos Humanos, hoje, são garantidos por documento oficial, emitido pela Assembleia Geral da ONU e chamado de Declaração Universal dos Direitos Humanos. Porém, a história desses direitos remonta à Revolução Americana e à Revolução Francesa. Os Direitos Humanos dizem respeito ao seu caráter universal, tais direitos passaram a ser garantidos a toda e qualquer pessoa, independentemente de sua nacionalidade. Com isso, o princípio da dignidade humana (direito de possuir condições mínimas para ter uma vida plena e digna) se torna inerente a todo indivíduo, trazendo consigo os fundamentos da igualdade de direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à justiça sem distinção de raça, sexo, língua, religião, origem social ou nacional (ONU, Brasil, Declaração Universal dos Direitos Humanos).
A Escola de Salamanca contribuiu para as áreas do direito, filosofia, economia, estudos culturais, dentre outros campos, a definição da mesma está ligada ao estudo da teologia, como ponto de partida para todas as outras questões. As obras centrais de Francisco de Vitória e demais pensadores de Salamanca são de suma importância para fundamentação filosófica dos direitos humanos no mundo contemporâneo.
Referências bibliográficas
ANGHIE, Antony. Francisco de Vitoria and the Colonial Origins of International Law. Social & Legal Studies, [s.l.], vol. 5, no. 3, p. 321-336, Sept. 1996.
CALAFATE, Pedro. A idea de comunidade universal em Francisco Suárez. IHS – Antiguos Jesuitas en Iberoamérica, v. 5, n. 2, p. 48-65, 2017.
ONU. Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 03 jun. 2021.
PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca: y la renovación de la teología em el siglo XVI. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000.
VERMEHREN, Luis Valenzuela. Vitoria, Humanism, and the School of Salamanca in Early Sixteenth-Century Spain: a heuristic overview. In: Logos, 16, 2, Primavera, 2013, p. 99-125.
VICENTE, Luciano Pereña. El concepto del Derecho de Gentes en Francisco de Vitoria. Revista Española de Derecho Internacional, vol. 5, no. 2, p. 603-628, 1952.
Publicado por: Benigno Núñez Novo
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