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A CRIANÇA COMO PRODUTORA DE CULTURA DE PARES

O estudo da criança como um ser que está inserido nas relações sociais cotidianas e através dessas interações produzem suas culturas de pares, consolidando o conceito de infância como atores sociais capazes de transformar, desconstruir e construir as explicações que existem sobre ela e sobre o seu mundo.

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RESUMO

O objetivo desse artigo é apresentar estudos sociológicos sobre a Infância e o reconhecimento da criança como produtora de cultura de pares, procurando compreender o conceito de criança em dois períodos distintos e importantes: o pré-sociológico e o sociológico, fundamentando-se em autores que trabalharam o tema sociologia da infância e suas temáticas, tais como; Manoel Sarmento, William Corsaro, Alan Prout, Jeans Qvortrup. A criança pré-sociológica se caracterizava como um ser incompleto e inacabado e a infância não passava de um período que antecedia a fase adulta, através da Sociologia da infância se torna possível entender a criança como um ator social que possui e produz cultura de diferentes formas. A Sociologia da Infância possibilitou a compreensão acerca da infância e contribui para que a criança seja valorizada como um grupo social que possui direitos e reconhecida como um ser produtor de cultura em suas diversas interações sociais. A criança como produtora de cultura de pares de Willian Corsaro e a infância como categoria na estrutura social de Jeans Qvortrup são conceitos que também serão abordados durante o artigo.

Palavras-Chave: Criança. Infância. Criança Pré- Sociológica. Sociologia da Infância. Cultura de pares.

INTRODUÇÃO

Através de estudos realizados por vários autores (Sarmento, Prout, Corsaro, Qvortrup) tornou-se possível perceber que a criança durante vários séculos era compreendida como um ser incompleto, que se encontrava em uma espécie de período passageiro que antecedia o período definitivo: o adulto. Não era considerada como um ser capaz de produzir cultura e havia uma enorme ocultação de seus saberes, em outras palavras a criança estava inserida em um contexto de invisibilidade social.

Dominada pelo adulto, era impossibilitada de opinar e demonstrar suas diversas habilidades,cabia então a criança ouvir e obedecer as ordens estabelecidas por aqueles que socialmente eram superiores a ela. As pesquisas realizadas sempre utilizavam a família, educação e trabalho como categorias sócias de analise, ocultando e negando a infância como um grupo social.

Sobre essa concepção de criança, Sarmento e Gouvea (2009) afirmam que:

[...] Esta imagem dominante da infância remete as crianças para um estatuto pré-social: as crianças são “invisíveis” porque não são consideradas como seres sociais de pleno direito. Não existem porque não estão lá: no discurso social. (SARMENTO; GOUVEA, 2009, p.19)

Proud, Jenks, James (Apud Borba, Lopes, 2012) explica que durante o período pré-sociológico foi possível identificar que diferentes modelos explicativos construídos pela psicanálise, filosofia, psicologia e senso comum disseminavam a imagem de uma criança excluída de seu contexto cultural e histórico.

Segundo Proud, Jenks, James (Apud Borba, Lopes, 2012) algumas metáforas enfatizam a idéia da criança como um ser incompleto:

[...] As idéias de vir a ser, tabula rasa, incompetência, imaturidade, inexperiência, incompletude, que ajudaram a configurar essa forma de compreender a infância, constituem metáforas que nos levam a ver a criança pelo que lhe falta em relação ao adulto, a aprender a criança da falta, da negação. (BORBA,LOPES, 2012,p.34)

A partir do final do século XX a criança começa ser compreendida de forma diferente, as concepções que as caracterizam como seres receptores de cultura, adultos em miniaturas e outros conceitos que enfatizavam a criança apenas como uma fase de preparação para a vida adulta abrem espaço para um novo período dos estudos sociológicos da infância.

De acordo com Lima, Moreira e Lima (2014) a criança como é vista hoje ficou por muito tempo oculta:

A infância, como a representada hoje, ficou velada ou invisível por muitos séculos de nossa história. As crianças estavam presentes fisicamente, mas ausentes no que diz respeito á ideia de uma categoria social particular, com especificidades e direitos próprios. (LIMA,MOREIRA,LIMA, 2014,p.98)

A sociologia da infância, campo social este que entende a criança como ator social, capaz de produzir cultura e não apenas recebê-las, veio para ressignificar o conceito de criança e infância.

Sobre essa nova concepção de criança e infância Belloni (2009) define-a como:

A criança é a pessoa, o cidadão com direitos, e deve ser considerada um ator social, sujeito de seu processo de socialização, um consumidor com poder, um indivíduo emancipado em formação, isto é, que esta aprendendo(ou não) a exercer seus direitos. A infância é uma categoria ao mesmo tempo social e sociológica, noção construída para dar conta do fenômeno social, tanto em nível das representações sociais, quanto no âmbito das ciências humanas. [...] (BELLONI,2009,p.VIII)

Verifica-se que para a autora a criança atualmente é compreendida como um ser de direitos capaz de produzir cultura. Já a infância é concebida como categoria social inserida no contexto sociológico para explicar o fenômeno social.

A definição de criança segundo Lima, Moreira e Lima(2014) revela a criança como um ser humano do hoje, produtor de história e cultura :

A criança é um ser humano também do hoje que não pode ser limitado ao amanhã, precisa ser compreendida a partir de si mesma e do seu próprio contexto. Representa um sujeito social, que não está passivo em seu processo de socialização, faz história e produz cultura. Esse reconhecimento de ator social ativo é um dos pressupostos básicos propostos pela Sociologia da Infância (LIMA,MOREIRA,LIMA, 2014,p.99-100)

A Sociologia da Infância possibilitou uma nova compreensão sobre a criança e seu papel na sociedade. A criança passou a ser concebida como um ser completo, como a criança do hoje e não do amanha, um ser capaz de produzir cultura, não mais o adulto em miniatura, em outras palavras, a criança finalmente foi entendida como criança.

A CRIANÇA COMO PRODUTORA DE CULTURA DE PARES

Durante muito tempo a criança foi entendida com um ser incompleto e a infância como uma simples fase de preparação para a vida adulta. A criança não era considerada como um ser produtor de cultura apenas como um indivíduo receptor da cultura dos adultos.

De acordo com Barbosa (2007, p. 1066) a Sociologia da Infância contribuiu para “[...] Compreender como vivem e pensam as crianças, entender suas culturas, seus modos de ver, de sentir e de agir, e escutar seus gostos ou preferências é uma das formas de poder compreendê-las como grupo humano.”

A reprodução interpretativa entra em contraste com as teorias tradicionais sobre a Infância que consideram o desenvolvimento infantil realizado apenas com a transmissão e internalizarão dos conhecimentos dos adultos pelas crianças. Segundo Corsaro (2011, p.31) “[...] O termo interpretativo abrange os aspectos inovadores e criativos da participação infantil na sociedade. [...]” já o termo reprodução para Corsaro (2011, p.31) “[...] inclui a ideia de que as crianças não se limitam a internalizar a sociedade e a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e mudança culturais. [...]”.

Segundo Corsaro (2011), as crianças são agentes sociais, ativos e criativos que, na interação com os grupos sociais com que se relacionam e com os contextos de vida em que estão inseridos, produzem suas próprias e exclusivas culturas infantis e ao mesmo tempo, contribuem para a produção das sociedades adultas. E, nessa interação, tem papel fundamental o contato das crianças umas com as outras, algo essencial para o desenvolvimento e a aprendizagem.

Os estágios de desenvolvimento elaborado por Jean Piaget demonstram claramente uma teoria que compreende o desenvolvimento como um processo linear. Segundo Corsaro (2011) a infância na perspectiva de processo linear do desenvolvimento é o período em que consiste um conjunto de fases de desenvolvimento em que habilidades, conhecimentos e emoções são adquiridos na preparação para a vida adulta.

Em concordância com a ideia de reprodução interpretativa Corsaro (2011) adverte que é preciso libertar-se das visões tradicionais da cultura de pares e defende que as crianças são dignas de serem estudadas como crianças.

O termo pares é usado segundo Corsaro (2011, p.127) “[...]especificamente para referir a coorte ou o grupo de crianças que passa seu tempo junto quase todos os dias.[...]”.De acordo com o autor a cultura de pares infantil pode ser definida como um conjunto estável de rotinas ou atividades, valores, artefatos e preocupações que as crianças vão produzindo e compartilhando em interação com outras crianças.

Sobre as relações estabelecidas entre as crianças Barbosa (2007) apresenta uma interpretação sobre a criança e sua forma de habitar e se inserir no mundo:

As crianças têm um modo ativo de ser e habitar o mundo, elas atuam na criação de relações sociais, nos processos de aprendizagem e de produção de conhecimento desde muito pequenas. Sua inserção no mundo acontece pela observação cotidiana das atividades dos adultos, uma observação e participação heterodoxa que possibilitam que elas produzam suas próprias sínteses e expressões. A partir de sua interação com outras crianças – por exemplo, por meio de brincadeiras e jogos – ou com os adultos – realizando tarefas e afazeres de sobrevivência –, elas acabam por constituir suas próprias identidades pessoais e sociais. (BARBOSA, 2007, p.1066)

De acordo com a autora a interação social estabelecida entre as crianças e seus pares vão constituindo suas características pessoais e sociais. A observação feita pelas crianças em relação ao adulto e suas praticas vão criando condições para que elas possam criar, recriar e produzir suas próprias opiniões e maneiras de compreender  o mundo em que vivem.

Em relação ao surgimento e desenvolvimento das culturas de pares em uma abordagem interpretativa Corsaro (2011) demonstra que:

[...] uma suposição importante da abordagem interpretativa é que características importantes das culturas de pares surgem e são desenvolvidas em consequência das tentativas infantis de dar sentido e, em certa medida, a resistir ao mundo adulto. (CORSARO, 2011, p. 129)

Com o intuito de criar sentido nas atividades desenvolvidas pelos adultos com os quais convivem (em primeiro momento a família) as crianças vão remodelando e recriando essa cultura. Corsaro (2011, p.128) explica que “[...] É por meio da produção e participação coletivas nas rotinas que as crianças tornam-se membros tantos de suas culturas de pares quanto do mundo adulto onde estão situadas. [...]”

Segundo Corsaro (2011) a participação das crianças nas rotinas culturais mediadas pelo adulto e que geralmente acontecem nos primeiros anos de vida na família, mostram o papel fundamental que as famílias desempenham no desenvolvimento da cultura de pares, de modo geral ate mesmo as primeiras interações sociais da criança é decidida pelos pais. De acordo com o autor, após as crianças começarem a deixar o âmbito familiar  suas atividades com outras crianças e sua produção coletiva de uma serie de cultura de pares vão se tornando tão importantes quanto às interações com os adultos, ressaltando também que as influências interpessoais e emocionais resultados da interação anterior entre seus familiares afetam diretamente o relacionamento das crianças com os outros, seu desenvolvimento e suas opiniões acera da amizade.

Sobre essa concepção de influencias interpessoais e os primeiros contatos da criança com um ambiente que não seja o familiar Giddens e Ladd (Apud Corsaro, 2011, p.132) descreve que “[...] As crianças buscam, nos cuidadores adultos e nos pares, laços emocionais e sentimentos de segurança que estabelecem pela primeira vez nas famílias [...]”.

A pesquisa de Willian Corsaro contribui grandemente para compreensão da criança como um ser produtor de cultura através das relações cotidianas com seus pares, reforçando a ideia da criança como ator social capaz e competente de agir na sociedade na qual está inserida. No pátio da escola, na sala de aula, no refeitório e em outros diversos espaços de interação social a criança vai construindo através de produção e compartilhamento de rotinas, valores, objetos e conceitos sua cultura de pares. 

CONCLUSÃO

A Sociologia da Infância contribuiu significativamente para a ressignificação do conceito de criança e infância, a partir dos estudos de vários teóricos que se empenharam neste novo campo das Ciências Sociais e suas temáticas, tornou-se possível compreender a criança como um ser completo, capaz de produzir e compartilhar sua cultura de pares. A criança que era vista com ser incompleto que estava em processo de preparação para vida adulta começou a ser analisado como um individuo completo, com direitos e considerado como ator social. A infância perdeu sua característica de passagem de um estagio para outro e passou a ser compreendida como uma categoria na estrutura social.

De modo geral, todas essas mudanças acerca da criança e infância foram de grande importância para a compreensão da figura infantil como um ser produtor de cultura. Recuperando a ideia de que a criança pré- sociológica era ocultada e muito mais que isso, ela era marginalizada, pois estava em uma posição de subordinação em relação ao adulto, a Sociologia da Infância surge para negar esses conceitos e teorias e propor uma nova visão sobre a criança e seu papel na sociedade.

Compartilho a ideia de que a criança é um ser de relação que está inserido nas relações sociais cotidianas e através dessas interações elas criam, recriam, reinventam e produzem suas culturas de pares, consolidando assim o conceito de infância como atores sociais capazes de transformar, desconstruir e construir as explicações que existem sobre ela e sobre o seu mundo.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: As Socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. IN: Educ. Soc, Campinas, v.28, n.100- Especial, p.1059-1083, out.2007. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 02/03/2016.

BELLONI, Maria Luiza. O que é sociologia da infância. Campinas: Acadêmico de bolso, 2009.

BORBA, Angela Meyer; LOPES, Jader Janer Moreira. Novas formas de compreender a infância. IN: Especial Revista Educação, p.28-41, 2012.

CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2. ed., Porto Alegre: Artmed, 2011.

LIMA, José Milton de ; MOREIRA, Tony Aparecido ; LIMA, Marcia Regina Canhoto de. A Sociologia da Infância e a Educação Infantil: Outro Olhar para as crianças e suas culturas. IN: Revista Contrapontos Eletrônica, Vol.14, n. 1, p. 95-110, jan/abr. 2014. Disponível em: file:///C:/Users/Chaves/Downloads/5034-15795-1-PB%20(1).pdf. Acesso em 06/03/2016.

NASCIMENTO, Maria Letícia. Apresentação Nove teses sobre a “infância como um fenômeno social” Jens Qvortrup. IN: Pro-Posições, Campinas, v. 22, n.1, p. 199-211, jan./abr.2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pp/v22n1/15.pdf. Acesso em 12/03/2016.

SARMENTO, Manuel; GOUVEA, Maria Cristina Soares de. Estudos da infância: educação e práticas sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

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Por Daniela Praça Soares e Érica Patrícia dos Reis Oliveira

Graduanda em Pedagogia- UFMT/CUR/ICHS- Dep. de Educação. e Licenciada em Pedagogia- UFMT/CUR/ICHS- Professora de Educação Infantil na rede municipal e privada de Rondonópolis respectivamente.


Publicado por: ERICA PATRICIA DOS REIS OLIVEIRA

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