A CONCEPÇÃO MODERNA DE INFÂNCIA
Breve estudo sobre a concepção moderna de infância, bem como o contexto histórico do termo.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar a diferença entre criança e infância. O dicionário Aurélio define criança: “1. Ser humano de pouca idade, menino ou menina. 2. Pessoa ingênua. Criança prematura. Aquela que nasce após completadas vinte semanas de gravidez, e antes do termo desta, e pesando de 500 a 2. 299g; infância: 1. Período de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento à puberdade; puerícia, meninice. 2. As crianças. 3. O primeiro período de existência de uma instituição, sociedade, etc.” Entretanto, quando nos referimos ao termo criança, estamos tratando de uma fase cronológica da vida de uma pessoa, ou seja: gente pequena, menino ou menina; já a infância tem a ver com as condições em que uma pessoa vive a sua fase de criança em sociedade. Vejamos um exemplo bastante conhecido. “Não tive infância, trabalho desde pequeno (a)”.
Isto posto, cabe dizer que infância é uma construção social e histórica. O historiador francês Philippe Ariès explica que a “velha sociedade tradicional” européia não via com bons olhos a criança. Consequentemente se havia infância, sua duração “era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos” (ARIÈS, 1981, p. 10).
Uma vez que a criança tinha condições físicas para partilhar de jogos e trabalhos com os adultos, ela era “afastada” dos cuidados da família. Passava então a ser vista como um homem jovem e, como tal, devia aprender com a convivência dos mais velhos tudo que uma pessoa adulta devia saber.
Elisabeth Badinter (1985) lembra que a condição da criança não se modificou na mentalidade das pessoas. Diz a autora: “Philippe Ariès mostrou que foi necessária uma evolução para que o sentimento de infância realmente se arraigasse nas mentalidades” (BADINTER, 1985, p. 53). Evolução é um termo questionável. Em todo caso, o sentimento da infância tem uma história e sua compreensão é de fundamental para observar, segundo Roure (s/d.), a “diversidade de significados e valores atribuídos à infância, a partir dos quais a criança moderna assume seu lugar e função na família, na escola e na sociedade”.
Assim, o que dá lugar ao sentimento moderno de infância é a escola. Em outros termos: com o sentimento de infância, criança passa a ser sujeito escolar. Segundo Ariès, na sociedade medieval o sentimento da infância não existia. Mas
não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes (ARIÈS, 1981, P. 156).
A Europa, no século XVI, presenciou uma alteração no sentimento dos adultos em relação às crianças. Se antes as crianças eram tratadas com indiferença ou paparicadas, verifica-se que “a partir dessa época as crianças passaram a ser objeto de discursos que tentavam convencer os pais e a sociedade a abandonar essas atitudes e adotar um comportamento mais racional em relação a meninos e meninas” (GHIRALDELLI JUNIOR, 2009, p. 34). O autor lembra que o filósofo francês Michel de Montaing (1533-1592) combateu fortemente a paparicação, dirigia-se aos pais e argumentava que o modo como agiam com as crianças era, de alguma maneira, “falso”, pois se davam beijinhos e abraços “não revelaria outra coisa senão uma busca de prazer para si mesmos”.
Áries se refere a dois sentimentos da infância: o da paparicação e o dos moralistas.
O primeiro sentimento da infância – caracterizado pela paparicação – surgiu no meio familiar, na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao contrário, proveio de uma exterior à família; dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e de maior número de moralistas no século XVII, preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. Esses moralistas haviam-se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento, por sua vez, passou para a vida familiar.
No século XVIII, encontramos na família esses dois elementos antigos associados a um elemento novo: a preocupação com a higiene e a saúde física (ARIÈS, 1981, p. 163-164).
Constata-se, pois, que é prudente e necessário questionar a noção de infância, seja no período descrito por Ariès seja em nossos dias. Em todo caso, importa também destacar que atualmente discute-se a categoria infância enquanto infância do humano. No humano, a infância é a condição da história, tal como defende Kohan (2003, p. 243). Nessa perspectiva, infância caracteriza humanidade inacabada, portanto em construção. Para Gagnebin (2005, p. 181), tal incompletude é da ordem da “invenção do possível”.
REFERÊNCIAS
ARIÈS. Philippe. História social da criança e da família, 2. ed., Rio de Janeiro: Hahar Editores, 1981.
BADINTER, Elisabeth. A condição da criança antes de 1760. In: Um amor conquistador. O mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
DONZELOT, Jacques. A conservação das crianças, 2.ed. In: A polícia das famílias. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1989.
GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. O que é pedagogia (coleção primeiros passos), 4. ed., São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.
KOHAN, Walter O. Infância. Entre educação e filosofia, Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2003.
ROURE, Glacy Queirós de. Infância, experiência, linguagem e brinquedo. In: http://www.anped.org.br/33encontro/ver/trabalhos-gt07. Acesso em 22/03/2012.
ROUSSEAU, Jena-Jacques. Emílio, ou, da Educação. Tradução: Roberto Leal Ferreira, 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Publicado por: Adelmar Santos de Araújo
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