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Conscientização e formação profissional em educação física: indicantes da disciplina curricular

Contribuição da disciplina "Conscientização Corporal" na formação profissional dos alunos de educação física.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Este texto trata a identificação da contribuição da disciplina ‘Conscientização Corporal’ na formação profissional dos licenciandos em Educação Física da UFES. A busca por essa identificação, foi realizada visando o alcance dos seguintes objetivos gerais: mapeamento, análise e sistematização das contribuições que esta disciplina vem fornecendo aos futuros professores, de modo a subsidiar a reconfiguração da temática internamente na disciplina; especificamente: através da coleta e análise dos comentários e observações mais comuns descritas pelos alunos nos portfólios, nas avaliações verbais realizadas nas aulas, e nos comportamentos e reações emotivas mais presentes nas dinâmicas vivenciadas, no que diz respeito ao conteúdo prático-teórico envolvido em questão.

Palavras- Chaves: formação profissional, conscientização corporal, corpo.

1 INTRODUÇÃO

No período em que vivenciei a disciplina (semestre 2004/2) tive contato com uma construção de conhecimento que acredito ter contribuído com a minha formação através: de uma visão de corpo com a qual opera o trabalho corporal diferente da vivenciada em outras disciplinas do curso, pelo fato de a disciplina Conscientização Corporal apresentar uma visão de corpo sujeito – visto como um todo (com sentimentos, alma, história) e um método de trabalho diferente do que conhecia e que, a meu ver, visa à adequação do processo de construção do conteúdo ao indivíduo (um conhecimento que é apresentado de várias maneiras e internalizado de modo individual), e não a adequação do indivíduo a um só processo de construção de conhecimento. Essa vivência diferenciada acrescida da necessidade de identificar qual a contribuição da disciplina de Conscientização Corporal na formação profissional dos licenciandos em Educação Física foi o que impulsionou a realização do trabalho.

A busca pela identificação desta questão foi realizada, visando o alcance dos seguintes objetivos gerais: mapeamento, análise e sistematização das contribuições que esta disciplina vem fornecendo aos futuros professores, de modo a subsidiar a reconfiguração da temática internamente na disciplina; especificamente: através da coleta e análise dos comentários e observações mais comuns descritas pelos alunos nos portfólios, nas avaliações verbais realizadas nas aulas, bem como os comportamentos e reações emotivas mais presentes nas dinâmicas vivenciadas, no que diz respeito ao conteúdo prático-teórico envolvido.

A proposta da disciplina Conscientização Corporal durante o semestre 2004.2, difere no caráter prático-teórico e avaliativo das demais disciplinas oferecidas pelo curso até então, por essa razão, fez-se necessário identificar o papel dela dentro do currículo oferecido pelo curso. Os objetivos da disciplina, especificados no programa durante o semestre especificado são: “Apontar raízes culturais, sociais, históricas, psicológicas e ecológicas do corpo e suas implicações no nosso cotidiano. Problematizar as relações estabelecidas entre corpo e educação física. Vivenciar técnicas de Conscientização Corporal, com elas discutindo o conteúdo programático do curso. Potencializar o enriquecimento do repertório cultural dos alunos, contribuindo para aquisição de bens culturais que extrapolem os oferecidos pela indústria cultural”. Investigar se o que foi proposto pela disciplina foi oferecido por ela também foi parte desse trabalho de pesquisa, com vistas a dar indícios do real papel desempenhado pela disciplina “Conscientização Corporal” na formação dos alunos.

No período referente ao semestre 2004/ 2, o contexto acadêmico vivido pelos alunos e professores compreendeu um processo de formação acadêmica que tinha no âmbito escolar seu foco de interesse, mas que teve em grande parte de seus alunos um forte discurso e uma experiência corporal intrínseca voltada para o esporte, fato que influenciou sobremaneira a vida acadêmica, a hierarquização de seus interesses curriculares, e suas relações com os diversos conteúdos didático-pedagógicos. Esses aspectos foram constatados por Figueiredo (2004) em estudo intitulado – “Experiências sociais no processo de formação docente em educação física”, quando se refere à influência das experiências sociocorporais construídas anteriormente pelos alunos, na escolha do Curso de Educação Física:

[...] As experiências construídas, por esses ora são mais determinantes, ora menos determinantes no momento da escolha do curso superior. Identificamos múltiplos motivos de escolha do curso de educação física como profissão futura, além de diferentes influências. De todas, a experiência com esportes e/ ou outra atividade corporal foi predominante [...] (FIGUEIREDO, 2004, p.173).

As experiências vividas pelos alunos e a concepção apreendida de corpo, em suas experiências sociocorporais anteriormente adquiridas, constroem no aluno um pré-conceito, acerca do perfil do profissional ou do curso de Educação Física que muitas vezes não é confrontado durante todo o percurso do curso. O estudo feito caracterizou-se pelos pressupostos teórico-metodológicos da Pesquisa Exploratória Descritiva de caráter documental e visou esclarecer, mostrando, explicando, fundamentando e argumentando responder às questões julgadas pertinentes sobre indicativos da disciplina “Conscientização Corporal” e sua extensão corporal a formação profissional em Educação Física.

Os procedimentos se pautaram com base na turma referente à 2004/2. As contribuições da Disciplina “Conscientização Corporal” foram levantadas através da coleta e análise dos dados registrados: nos portfólios dos alunos, tomando por base os sentimentos e reflexões relacionadas às vivências, a relação estabelecida entre esses sentimentos e reflexões e a atuação dos alunos dentro do cotidiano e descrição dos comportamentos mais comuns observados nos relatos dos graduandos.

2 DESENVOLVIMENTO E RESULTADOS

Ao analisar o perfil dos alunos do curso de Educação Física percebemos uma determinada crise de identidade em relação ao papel que exercerão como profissionais. A concepção de uma Educação Física voltada apenas para a área da saúde, faz com que eles analisem o currículo de forma diferente a proposta, dando maior prioridade as disciplinas de cunho biológico. Isso ocorre, pelo próprio valor social que é dado a tais disciplinas, pela rejeição a aquisição de um conhecimento pedagógico da Educação Física e pela visão que se fundamenta também a partir das experiências dos alunos dentro da formação escolar.

O Curso de Educação Física acaba por ser visto pelos alunos de forma diferente à proposta pela faculdade.

“ As implicações em torno do lugar ocupado pela educação física na hierarquia escolar e o modo como os professores selecionam, planejam, organizam, transmitem e avaliam os saberes favorecem a construção de diferentes visões e hierarquizações sobre os saberes corporais no interior do currículo. As trajetórias relacionadas com as experiências sócio-corporais dos alunos no ensino fundamental, no ensino médio, na transição para o ensino superior são um elemento fundamental na forma como os alunos vivenciam o currículo dos cursos de formação em Educação Física.” ( FIGUEIREDO, 2004, p.173).

A concepção acerca da Educação Física influencia a concepção desses graduandos em relação ao corpo. A idéia de uma Educação Física voltada para o treinamento ou para a modelagem corporal, contribui para que os alunos passem pelo curso concentrando suas atenções apenas nos conhecimentos que supram à expectativa de aperfeiçoamento nessas áreas e, não sejam instigados a uma maior curiosidade em relação à problematização de uma visão de corpo, que vá além do físico ou do rendimento.

O plano de ensino disponibilizado em 2004/2 é o objeto do estudo. Nele, a disciplina está dividida em quatro unidades, cada uma com um tema a ser abordado. Esses temas foram abordados e problematizados durante um período estabelecido e, foram a base para as vivências realizadas dentro de cada unidade. Como está especificado também em plano de ensino, o conteúdo na disciplina não é transmitido através de aulas expositivas por que essa não é a idéia central, mas, através de leituras, vivências com a utilização de registros (escrito ou falado), debates e atividades realizadas em grupo e/ou pelo grupo.

O registros das experiências são feitos em portfólios, Boas (2004, p.38) cita que:

[...] originalmente o portfólio é uma pasta grande e fina em que os artistas e os fotógrafos iniciantes colocam as amostras de suas produções, as quais apresentam as evidências de sua aprendizagem e a abrangência de seu trabalho, de modo a ser apreciado por especialistas e professores [...]

O portfólio pode ser criado pelos próprios alunos e apresenta as evidências do aprendizado dos alunos, através dos registros e produções realizadas por eles. Essas evidências dão indícios do progresso realizado pelo aluno e, esse progresso será acompanhado pelo aluno e pelo professor.

O estudo foi baseado em pesquisa feita nos 26 portfólios (referentes à turma do semestre citado) que foram lidos e estudados no intuito de se identificar as contribuições da disciplina “Conscientização Corporal” para os acadêmicos.

O plano de ensino utilizado no semestre 2004/2 foi estruturado da seguinte forma:

Pelo especificado em ementa a disciplina trata do estudo e vivência prático-teórica de métodos de conscientização corporal e de relaxamento que facilitem a percepção do equilíbrio e reeducação posturais para melhor desempenho nas atividades físicas e eficiência funcional.

Em seus objetivos a disciplina se propõem apontar as raízes culturais, sociais, históricas, psicológicas e ecológicas do corpo e suas implicações no nosso cotidiano. Problematizar as relações estabelecidas entre corpo e Educação Física . Vivenciar técnicas de conscientização corporal, com elas discutindo o conteúdo pragmático do curso. Potencializar o enriquecimento do repertório cultural dos alunos, contribuindo para aquisição de bens culturais que extrapolem os oferecidos pela indústria cultural.

O conteúdo programático engloba os temas: “Questões do mundo atual: como o mundo pensa/ expressa o corpo, como meu corpo ‘pensa’/ expressa o mundo, Pulsando nas linguagens do corpo (gestual, sensorial, imagética, poética, ritmica): provocar afetos, vislumbrar trajetórias, reeeducar os sentidos; Educação Física e corporeidade: ousando no limite do improvável a produção de uma outra prática.”

Os temas abordados dentro dessas unidades no semestre 2004/2 respectivamente são: Elencando questões para discussão e vivência: o cotidiano sob suspeita; Como penso o mundo/ Como o “mundo” pensa o corpo; Aguçando sentidos e novas percepções de si, do mundo e do outro; Nossas práticas em avaliação.

Alguns questionamentos trabalhados foram: como o corpo é visto, vendido pela sociedade e “comprado!” por nós; como a erotização dos corpos femininos e infantis está colocada na atualidade ou dentro de nós mesmos; como é entendida a humanidade do corpo, que é tratado como objeto de manipulação, e que encontra na ciência um suporte, para a manipulação e modificação dos corpos, com o objetivo de se alcançar o padrão proposto pela sociedade; como o corpo se sente e se percebe no mundo, como o individuo faz uso dele e como novas possibilidades de interação consigo, com o mundo e com o outro, podem ser alcançadas.

Ao início da disciplina é estabelecido um acordo de confiança entre professor e alunos. Esse acordo é fundamental para o andamento da disciplina, a aceitação e colaboração em relação ao uso do portfólio, principal mecanismo de avaliação da disciplina e principal indicador do aprendizado dos alunos durante a disciplina.

O conteúdo selecionado na disciplina parte da observação e reflexão sobre o lugar que o corpo ocupa dentro do cotidiano. O corpo a que referimos é: corpo enquanto individuo, portanto, esse corpo que não deve ser visto de forma fragmentada, ou seja, sem história, sem individualidade, sem consciência. É problematizado o pensamento e a interação estabelecida por cada um em relação ao mundo e, qual o tratamento dado ao corpo por esse mundo construído por cada um e influenciado pela cultura da sociedade de uma forma geral. Rogério Rodrigues em “O pensamento antropológico de Marcel Mauss: uma leitura das ‘Técnicas Corporais’.” diz que para Mauss, “a maneira como o corpo é utilizado, portanto, educado, resulta da imposição de um conjunto de normas sociais que definem, no indivíduo, determinadas modalidades de uso”, daí a necessidade dessa problematização em relação a concepção de corpo na sociedade. Além disso, os sentidos são trabalhados com o intuito de trazer novas impressões e percepções do próprio indivíduo, do mundo e do outro, de forma a facilitar a internalização do conteúdo.

No que se propõe, a disciplina de Conscientização Corporal, parece extrapolar indo além, avançando em seus objetivos, o que está proposto dentro dos objetivos do programa da disciplina estabelecido pelo currículo da UFES. Mais que, “Oportunizar aos alunos, um estudo reflexivo sócio-filosófico acerca da conscientização e corpo que consiga desmistificar os mitos construídos até a contemporaneidade.”, se propõe a, oportunizar experiências que levem a compreensão do corpo dentro dos diversos influenciadores da sua construção. Quando se fala dos diversos fatores, inclui-se: sentidos, sentimentos, a história de cada indivíduo, sua imagem corporal, sua corporeidade e consciência do próprio corpo.

Trabalhar a imagem corporal, a corporeidade e a consciência corporal dos alunos é também propósito da Disciplina.

Considerando a definição dada por Freitas (1999, p.30) sobre imagem corporal: “[...] A imagem do corpo é, pois, uma reconstrução constante do que o indivíduo percebe de si e das determinações inconscientes que ele traz de seu diálogo com o mundo [...]”. E sobre corporeidade: “[...] É pela corporeidade que o homem diz que é carne e osso. Ela é a testemunha carnal de nossa existência. A corporeidade integra tudo que o homem é e pode manifestar neste mundo: espírito, alma, sangue, nervos, cérebro, etc.[...]” (Freitas apud Silva, 1991, p.63). A partir de tais definições podemos entender como é a visão de corpo que é problematizada nas aulas.

O processo de conscientização é atrelado e influenciado pelas características individuais dos alunos de: temperamento, personalidade, disposição para se cursar a disciplina. Essas diferenças próprias de cada um, sinalizam as diferenças percebidas nos relatos. Na parte mais inicial da disciplina percebemos uns relatos mais abertos, cheios de emoção e sentimento, transparentes que deixam claro tudo que realmente foi absorvido nas vivências e nas leituras; outros mais fechados, discretos, que deixam “pinceladas” algumas análises e críticas em relação às vivências e aos textos lidos; outros que se camuflam por trás de discursos técnicos prontos, sem demonstrar nenhum apego ou aprendizado prático em relação ás vivências ou ao conteúdo trabalhado; e outros que em primeiro momento se recusam a relatar qualquer coisa que seja.

A leitura dos textos e as problematizações realizadas sobre eles, a prática de novas vivências, novas problematizações e discussões, percebemos uma forte tendência e uma real abertura em relação ás práticas que são realizadas nas aulas e ao conteúdo abordado, o que faz com que os mais fechados procurem outras formas de se expor em seus relatos; os que se camuflam se mostrem mais através de comentários mais sensíveis no que tange as vivências; e os que se recusam a falar comecem a relatar suas sensações e muitas vezes digam o por que de tanta desconfiança inicialmente.

Em relação ao aprendizado e a sua relação com as vivências realizadas, a disciplina se vale de técnicas de relaxamento, exercícios de alongamento e reeducação postural com o intuito de levar o indivíduo a uma maior conscientização do corpo. A disciplina também se utiliza em suas vivência de técnicas e exercícios provenientes do: psicodrama, antiginástica, somaterapia, dramintegração; com isso, pode-se dizer que, mais que um estudo sócio-filosófico, a disciplina também realiza um estudo analítico no corpo quando, leva o indivíduo a pensar, analisar e problematizar seu próprio comportamento. A influência dessas técnicas pode ser constatada nas informações que seguem:

De acordo com informação encontrada sobre o Psicodrama, no site da Federação Brasileira de Psicodrama:

[...] Psicodrama pode ser definido como uma via de investigação da alma humana mediante a ação. É um método de pesquisa e intervenção nas relações interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma. Mobiliza para vivenciar a realidade a partir do reconhecimento das diferenças e dos conflitos e facilita a busca de alternativas para a resolução do que é revelado, expandindo os recursos disponíveis [...], disposto no site http://febrap.org.br/index.asp

Thérèse Bertherat, em seu livro “ Razões do corpo” diz acerca de seu estudo com os movimentos da Antiginástica:

[...] Esses movimentos nascem dentro do corpo; não são impostos de fora. Não tem nada de místico ou misterioso. Têm por finalidade que você escape a seu corpo mas sim que seu corpo não continue a escapar-lhe, junto com a vida [...] ( BERTHERAT, 1997, p.14)

As aulas em que as vivências são utilizadas, são extremamente importantes no processo de aquisição do conteúdo e, juntamente com os textos essas aulas práticas instigam novas problematizações, concepções e visões acerca de uma maior conscientização de si.

O fato é que as vivências remetem os alunos a acontecimentos do cotidiano, a questões pendentes do passado, a problemas de relacionamento pessoal com familiares, a descobertas de uma nova forma de se sentir e de olhar a própria profissão. Isso por que, a vida passa a ser analisada de uma forma diferente, devido estímulos recebidos através das vivências, o que acaba por culminar em uma análise mais profunda do comportamento em relação ao corpo, em relação ao ser humano e tudo que o cerca, todos os estímulos sejam: visuais, sonoros, gustativos, táteis, intelectuais, culturais.

Nesse processo de descoberta muitas perguntas são feitas, muitas respostas são encontradas e algumas coisas ficam pendentes, ou melhor, em processo de construção, abrem – se novos questionamentos.

Em relação a esses novos questionamentos encontramos aqueles que dizem respeito à prática e a cultura que cerca o profissional de educação física. As questões que principalmente se abrem dizem respeito à valorização da visão do profissional de educação física como um profissional do corpo, que deve portanto trabalhar o corpo como todo que é, com história, sentimentos, com toda subjetividade que lhe é característica, e não como partes segmentadas sem identidade que precisam ser moldadas, fortalecidas, reconstruídas para se adequarem a padrões culturais impostos e não pensados sem se procurar a razão de toda essa busca por se moldar os corpos adequando-os a um só modelo padrão.

3 CONCLUSÃO

A disciplina “Conscientização Corporal” busca proporcionar uma nova experiência e um maior conhecimento do corpo ‘enquanto’ indivíduo consciente que reflete sobre suas ações e problematiza sua existência e, de todos os aspectos ou elementos envolvidos na construção e remodelação desse corpo: fruto de influências biológicas, psicológicas e sócio–culturais, e é através do estudo de métodos que objetivam uma consciência maior que essa disciplina se fundamenta e pauta sua vivência prático-teórica.

Além disso, trabalha a visão acerca da problematização desse corpo que reflete nós mesmos, mas que nos é roubado a todo o momento pelas falsas verdades ditas: pela indústria alimentícia que rotula de saudável qualquer alimentos que deseja vender e utiliza de vários artifícios (visuais, psicológicos etc.) para alcançar sucesso; pela indústria da moda e estética que utiliza como modelo de perfeição, padrões, medidas e feições inalcançáveis por grande parte da população e como se não bastasse ridiculariza aqueles que não se encaixam nesse padrão; pela indústria do desporto que demonstra não almejar produzir corpos que sejam saudáveis mas, indestrutíveis.

Aborda também a noção de corpo-sujeito pertencente a um indivíduo consciente, o qual nos referimos anteriormente, mas também a noção de corpo físico mensurável e estereotipado, exaltado na modernidade, um corpo sem linguagem própria, submisso a vontade de seu “possuidor” e portanto separado da psique, da emoção, do conhecimento, corpo abstrato e desvitalizado que é objeto de manipulação e que é o modelo encontrado no esporte, (dentro do discurso do treinamento desportivo).

O corpo no qual nos abrigamos e a consciência dele como objeto operacional, do qual é exigido controle, ausência de dor e rejeição aos fatores prejudiciais ao bem estar do corpo - sujeito é uma armadilha fundamental para o desenvolvimento do pensamento esportivo. Caso contrário, a superação que se apóia no discurso de vencer os limites do corpo dificilmente seria alcançada. Vaz (1999, p.99-108), deixa claro em seu texto, que artifícios como: medicamentos para suportar a dor, dietas que modelam corpos a qualquer custo, corpos impedidos de se expressar realmente; são esquecidos quando o objetivo ou sucesso desejado é alcançado; e isso que torna qualquer outro discurso a respeito deum novo tratamento dado ao corpo, vulnerável.

A imposição dos padrões estéticos impostos pela cultura, além dessa visão do esporte sobre corpo, é outra armadilha em que somos pegos. Tudo é feito para se alcançar o corpo “sonhado” (ou aceito), um corpo único substituto de um cheio de defeitos, problemático, mas que pode ser atualizado em uma troca, que aperfeiçoa suas medidas, aparência, e o insere em um padrão pré–estabelecido e definido como belo.

Segundo Couto (apud Le Breton, 1999, p. 26) “[...] Ao mudar o seu corpo o indivíduo entende mudar a sua vida, modificar seu sentimento de identidade. A cirurgia estética não é a metamorfose banal de uma característica física sobre o rosto ou o corpo, ela opera no imaginário e exerce uma incidência na relação do indivíduo com o mundo [...]”

O corpo definido por musculação, uso de suplementos, dietas e afundado no discurso estético encontrado nas academias é o mais impregnado de vivência pelos profissionais da educação física e muitas vezes a idéia da mudança ou a problematização desse padrão e de outros como da industria da beleza, acarreta dúvidas e questionamentos que são trabalhados, com o intuito de esclarecer e mostrar os meios e modos de manipulação exercidos sobre o nosso corpo.

A disciplina não tem como objetivo ensinar a aversão a academias de ginástica, a utilização de dietas ou às propagandas e meios de comunicação utilizados para alcançar recordes de vendas à custa da manipulação dos corpos, mas; com esse conhecimento se objetiva modificar a relação com todas as “verdades” que nos foram impostas, deixaram de ser pensadas e que muitas vezes nos levam a mentir nosso próprio corpo e reconhecê-lo ora defasado e frágil e ora indestrutível e eterno. A mudança da perspectiva do corpo é trabalhada para que seja aperfeiçoada não só a relação inter-pessoal e a relação sujeito-meio ambiente, mas também a prática pedagógica do acadêmico como profissional de educação física pela modificação do olhar sobre o outro, do entendimento do arcabouço cultural que o outro mantém a respeito do corpo. Através desse olhar aprimorado, se tem o objetivo de: tornar o profissional mais apto a enxergar e analisar características no outro, que este ás vezes não é capaz de perceber. Dessa forma o profissional é capaz de trabalhar o corpo como um todo de acordo com a real necessidade dele e, a interferir e aguçar no outro a necessidade e vontade de se conhecer melhor.

É ressaltada a importância da discussão e análise de todas as questões que vão de encontro ou ao encontro do caráter cognitivo do corpo, aguçada a necessidade da observação do próprio corpo dentro do cotidiano, utilizada a leitura de vários textos e, a realizadas dinâmicas que trabalham a relação individuo corpo-físico, corpo-emocional, corpo-psicológico e social com registro das experiências realizadas. Nas dinâmicas, são utilizadas técnicas de relaxamento, alongamentos, descontração, observação, introspecção, podendo ser ao som de músicas ou não, sendo que o silêncio é utilizado muitas vezes como meio de permitir o corpo falar.

Os sentidos são trabalhados para se tornarem mais aguçados, sensíveis a tudo que age no corpo, o toque nas dinâmicas é aproveitado como instrumento que permite perceber, reconhecer e sentir a si e ao outro, bem como as histórias e identidades de cada um, respeitando as diferenças pessoais desse corpo que.

(...) somos nós. È nossa única realidade perceptível. Não se opõe á nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por isso tomar consciência do corpo é ter acesso ao ser inteiro... pois corpo e espírito, psíquico e físico, e até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade. ( BERTHERAT,1982, p.14).

Disso resulta que o aprendizado flui com a entrega do corpo, não se delimita aprendizado teórico e prático, por que não se almeja separar registro cognitivo e somático-físico. Tudo que é vivido e aprendido que se relacione ou não (caso o aluno sinta necessidade) ao conteúdo seja dentro ou fora da sala de aula deve ser registrado no portfólio como forma de permitir que o conteúdo não se perca e seja pensado e problematizado mesmo fora da sala de aula.

No que diz respeito ao currículo, a importância dessa disciplina, também está no fato de ser literalmente aberta a todas as pessoas. Uma vez que, não possui avaliação de performance ou de melhora na realização de possíveis fundamentos de práticas esportivas, ela democratiza as diversas formas de o corpo se expressar e não busca avaliá-lo como mais capaz ou menos capaz, causando uma tranqüilidade no que diz respeito à eficiência na execução do que é pedido em sala, na interação entre os alunos, na relação professor- aluno, na redação e discussão sobre as aulas.

À medida que vai sendo realizada, a meu ver, a disciplina ‘Conscientização Corporal’ incita o aluno a fazer vários questionamentos que tangem sua vida interpessoal, intrapessoal, cultural, profissional enfim, completa, com toda interdependência em que somos mergulhados. Pode proporcionar, portanto, uma busca e descoberta constante por um corpo possuidor de uma linguagem própria, que foge a fala; uma linguagem cheia de sensações, dores, prazer, despudor e pudor, gozo e couraças que nos revela quem realmente “somos”, “estamos” e nos diz o porquê de nos escondermos, encolhermos, enfim, mascararmos nosso Eu .

Com essa iniciativa e ação de se “garimpar”, são despertadas as memórias construtoras da história de cada indivíduo, o que faz com que, quando dispostos a se invadir, tomem o primeiro passo no propósito de aceitar e trabalhar a si próprios como indivíduos únicos e donos do próprio corpo; o que inclui tomar consciência. Sim, tomar consciência do próprio comportamento diante de situações diversas; do estado de humor, dos bloqueios ou dores musculares que volta e meia reaparecem, da vergonha de se expor, do medo de falhar, do personagem criado com intuito de facilitar a sobrevivência em um meio que não aceita nada, que não seja padronizado. E a partir dessa tomada de consciência, percepção dos movimentos expressivos da conduta corporal, trabalhar efetivamente a “não aceitação” e a “aceitação do que se é”, na tentativa de buscar a verdade escondida e revelada por essa casa que nos acolhe e que denominamos: corpo.

Em suma, o trabalho corporal na disciplina busca, portanto, resgatar o corpo com história, sentimentos, razões e alma, na íntegra, como sujeito que não pode ser fragmentado porque deixa de ser pleno a auto-realizado, deixa de ser Corpo por inteiro.

4 REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2 ed. São Paulo, SP: Mestre Jou, 1982.

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FIGUEIREDO, Zenólia. Experiências sociais no processo de formação docente em Educação Física. 2004. 210 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós- Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas gerais, Belo Horizonte, 2004.

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MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. 1 ed. Belo Horizonte, MG: UFMG, 1998.

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SCHÄCHTER, P. STOKOE. La Expresion Corporal. 1ed, Buenos Aires, ARG: Paidos, 1977.

[1] Licenciada em Educação Física (UFES)


Publicado por: Michella Pedro

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