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Atrasos de voo em aeroportos: a concorrência das companhias aéreas influencia?

Breve análise sobre atrasos de voo em aeroportos.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Atrasos de voo em aeroportos e concorrência de companhias aéreas

"Senhores passageiros, informamos que nosso voo está atrasado devido a condições concorrenciais adversas. Solicitamos que permaneçam sentados até que nossa participação no aeroporto seja restabelecida". Um aviso inusitado como esse nunca seria dito por um comandante de companhia aérea, mas poderia ter um fundo de verdade, segundo uma pesquisa do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (NECTAR-ITA). O estudo investigou os atrasos aéreos brasileiros e seus determinantes concorrenciais, utilizando uma amostra com milhões de voos domésticos no país entre 2002 e 2013 (BENDINELLI, BETTINI e OLIVEIRA; 2016).

Os passageiros do transporte aéreo, sejam frequentes ou de primeira viagem, vêm cada vez mais se acostumando com a ideia de haver chances de que seus voos atrasem ou sejam cancelados. Os atrasos de voo fazem parte da rotina da aviação comercial, já que as operações estão sempre sujeitas a questões climáticas e a incidentes diversos que podem comprometer a pontualidade das companhias aéreas, e com um agravante: ações gerenciais que visam a minimizar ou mesmo zerar os atrasos de voo podem envolver custos elevados, o que nem sempre é de interesse das próprias companhias aéreas. Adicionalmente, a eliminação dos atrasos pode eventualmente ser prejudicial ao passageiro se os custos extras envolvidos forem repassados aos preços das passagens aéreas ou se, para controlá-los, a oferta de voos e de destinos tiver que ser reduzida.

Pesquisa realizada pelo NECTAR-ITA buscou-se investigar se, dentre os atrasos de voo em tese "evitáveis" pelas companhias aéreas, haveria fatores concorrenciais determinantes para explicar sua ocorrência e mitigação. Dentre as principais perguntas que a pesquisa endereçou, constam: Um maior número de companhias aéreas concorrendo significa menos chance dos voos atrasarem? Se o mercado é concentrado, ou seja, poucas operadoras detêm fatia grande de mercado, tem-se aí configurado um desincentivo para cuidar da pontualidade? Se houver concorrência vigorosa em preços, há tendência a cortar custos com pessoal e gerenciamento de operações de forma a produzir mais atrasos? A prática de operações “hub-and-spoke” - conexões de voo em poucos aeroportos de uma malha aérea - produz mais atrasos?

A evidência geral obtida é que a concorrência é benéfica na redução dos atrasos. Quando uma empresa novata de custo baixo, como a Gol em 2001 ou a Azul em 2008, entra no mercado há um maior esforço das rivais em melhor gerenciar as operações e evitar que os voos cheguem atrasados no destino. Essa constatação evidencia o interesse das companhias aéreas de preservar aos olhos do consumidor pelo menos um dos poucos aspectos de qualidade do serviço ainda oferecido de graça: a pontualidade. Afinal, empresas menos pontuais tendem a ser menos bem-vistas sobretudo pelo passageiro frequente, o que acarreta em perda de demanda e de lucratividade. A concorrência com novatas de baixo custo, portanto, traz ao passageiro um benefício adicional à já celebrada redução de preços: gera-se pressão pelo maior controle da qualidade, com monitoramento mais estreito dos indicadores de atrasos de voo por parte das operadoras.

Um resultado obtido pelos pesquisadores, muitas vezes visto como contraintuitivo, mas que corrobora os relatos da literatura científica internacional, foi a relação entre maior dominância de aeroportos por companhias aéreas e a maior redução de atrasos. Esse fenômeno, conhecido na literatura como “internalização do congestionamento”, explica-se da seguinte forma: quando várias empresas dividem de modo mais equânime um aeroporto, os atrasos ocorridos acabam não sendo diretamente associados a nenhuma delas. Ou seja, há tendência de que os passageiros percebam os atrasos mais como sendo um problema geral do aeroporto, ou do controle de tráfego aéreo, ou ainda um problema coletivo, e não como um problema de uma companhia aérea específica. Em teoria econômica, esse fenômeno é conhecido como “tragédia dos comuns”: quando o aeroporto é muito compartilhado e não está fortemente ligado a alguma empresa aérea em particular, os problemas tendem a ser atrelados a ninguém e, por consequência, não há maiores incentivos para se cuidar deles ou mesmo evitá-los. Por outro lado, a chamada “internalização do congestionamento” ocorre quando uma ou poucas empresas dominam um aeroporto, isto é, possuem grande parcela dos voos. Em situações de dominância aeroportuária, a imagem das grandes operadoras tende a estar intimamente atrelada ao aeroporto e seus eventuais problemas. Atrasos nos voos do aeroporto acabam por manchar a reputação das operadoras dominantes, havendo assim uma tendência dessas companhias em empenharem maiores esforços em sua redução, alocando melhor seus voos entre horários de pico e fora do pico. Por isso, a gestão do risco de atrasos de voo tende, portanto, a ser mais eficaz em aeroportos naturalmente dominados por uma ou duas companhias aéreas.

Outro resultado da pesquisa diz respeito à prática de configuração de malha “hub-and-spoke” por parte das companhias aéreas: os resultados do modelo empírico evidenciaram que voos com origem ou destino em aeroportos com muitas conexões tendem a atrasar mais do que voos entre aeroportos com poucas conexões. Sabe-se que a complexidade das operações da companhia aérea aumenta enormemente quando a proporção de passageiros em conexão nos terminais também aumenta. Para viabilizar mais conexões, as companhias aéreas necessitam tornar suas malhas mais estreitamente interconectadas, minimizando tempos de espera do passageiro no terminal. As malhas, assim, tendem a ficar mais vulneráveis a problemas inesperados, como incidentes nas operações que podem causar atrasos nos embarques de passageiros em trânsito, e assim tendem a produzir mais e mais atrasos em cascata.

Referências Bibliográficas

BENDINELLI, William E.; BETTINI, Humberto FAJ; OLIVEIRA, Alessandro VM. Airline delays, congestion internalization and non-price spillover effects of low cost carrier entry. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 85, p. 39-52, 2016.

DE OLIVEIRA, Renan Peres; LOHMANN, Gui; OLIVEIRA, Alessandro VM. A systematic review of the literature on air transport networks (1973-2021). Journal of Air Transport Management, v. 103, p. 102248, 2022.

EUFRÁSIO, Ana Beatriz R.; ELLER, Rogéria AG; OLIVEIRA, Alessandro VM. Are on-time performance statistics worthless? An empirical study of the flight scheduling strategies of Brazilian airlines. Transportation Research Part E: Logistics and Transportation Review, v. 145, p. 102186, 2021.

MIRANDA, Victor AP; OLIVEIRA, Alessandro VM. Airport slots and the internalization of congestion by airlines: an empirical model of integrated flight disruption management in Brazil. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 116, p. 201-219, 2018.

OLIVEIRA, Marcus VR; OLIVEIRA, Alessandro VM. What drives effective competition in the airline industry? An empirical model of city-pair market concentration. Transport Policy, v. 63, p. 165-175, 2018.


Publicado por: Alessandro V. M. Oliveira

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