Política Nacional sobre drogas: entre pressupostos e objetivos
Confira a análise de pressupostos e objetivos que constituem a Política Nacional Sobre Drogas no Brasil.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
1. Resumo
O presente artigo filia-se a Análise de Discurso materialista, desenvolvida por Michel Pêcheux na França e por Eni Orlandi no Brasil. Propomos nesse trabalho analisar especificamente dois pressupostos e dois objetivos que constituem a Política Nacional Sobre Drogas no Brasil, a fim de compreender como ocorre o processo de priorização da prevenção e da repressão nessa política. Para tanto, trabalharemos as formações discursivas em jogo nesses discursos e os efeitos produzidos pela ideologia no discurso da justiça sobre o os pressupostos e objetivos da política nacional sobre tráfico e consumo de drogas, numa interface com as Políticas Públicas brasileiras.
Palavras-Chave: Discurso. Política Nacional Sobre Drogas. Prevenção. Repressão.
2. Introdução
O presente trabalho Política Nacional Sobre Drogas: Entre Pressupostos e Objetivos pretende analisar dois pressupostos e dois objetivos que abordam o tráfico e consumo de drogas no Brasil, sob o viés da prevenção e da repressão. O corpus de análise encontra-se no documento Legislação e Política Nacional Sobre Drogas, criado em 2008, e assinado pelo então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.
Na apresentação da Legislação e Política Nacional Sobre Drogas destacamos os seguintes dizeres
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, tem a honra de apresentar a publicação intitulada “Legislação e Políticas Públicas sobre Drogas no Brasil”, uma compilação que inclui tanto as orientações políticas como os mecanismos legais vigentes no país sobre o tema das drogas.
Os marcos políticos e legais, aqui dispostos, constituem ferramenta indispensável para todos aqueles interessados em conhecer as diretrizes norteadoras das ações de governo nas áreas de redução da demanda e da oferta de drogas.[i][1]
Legislação Nacional Sobre Drogas no Brasil (2008, p.5).
Como se pode observar, a apresentação do documento que traz a Legislação e Política Nacional Sobre Drogas se caracteriza por ser um meio de divulgação das práticas de luta contra a propagação da demanda e da oferta de drogas, e também como uma orientação sobre as políticas e diretrizes implantadas no país.
Neste estudo, seguiremos o caminho da Análise de Discurso de orientação francesa, fundada por Michel Pêcheux. A Análise de Discurso (AD) nessa pesquisa não surge com a pretensão de alcançar uma conclusão definitiva, mas de analisar e discutir, de forma breve, aspectos que visam compreender o dito e o não-dito, entrecruzados nos interdiscursos do documento que traz a Política Nacional Sobre Drogas. Sendo assim, buscamos compreender em quais condições de produção esses pressupostos e objetivos que enfatizam prevenção e repressão se dão, e quais gestos de interpretação produzem sobre a relação entre tráfico e consumo de drogas na sociedade atual. Nesse sentido, almejamos analisar o “como é dito” e não ao “o que é dito”.
Este exercício de análise constitui-se, portanto, numa tentativa de abordagem do discurso como prática social, efeito de sentido entre interlocutores, construído no movimento em que se interligam o intradiscurso– “discurso como estrutura” – e o interdiscurso, o já-dito em outro lugar. PÊCHEUX (1997, p.61).
Ao trabalharmos com os discursos sobre a Política Nacional Sobre Drogas, por meio dos pressupostos e objetivos que priorizam a repressão e prevenção, pretendemos tonar visível a inscrição que se faz da memória do dizer no interdiscurso e das posições que cada sujeito se filia ao produzir seus discursos, uma vez que a língua não é transparente e que há sempre um já-dito inscrito nessa fala. É o que veremos a seguir, ao abordar como se deu a constituição histórica do dizer sobre drogas no mundo, em especial nos Estados Unidos da América, USA.
3. Drogas: Uma Constituição Histórica Discursiva
O tráfico e consumo de drogas, na atualidade, se configura como uma das mais importantes problemáticas sociais de nosso tempo. Os discursos sobre o tema giram em torno de questões de dependência química, problemas de comportamento psiquiátrico e questões policiais, causando assim, grandes efeitos na sociedade. Com tal destaque, tráfico e consumo de drogas tornaram-se uma das maiores preocupações das autoridades políticas e de especialistas, já que os discursos vigentes demonstram que eles comprometem significativamente a qualidade de vida das pessoas, além de afetar de forma indireta, os familiares e a sociedade. Nesse sentido, a concepção instaurada proporciona a criação de discursos de prevenção e repressão, e esses se sustentam através das políticas públicas nacionais que tem como objetivo principal extinguir esses males.
Ao conceber a Política Nacional Sobre Drogas na perspectiva da interpretação trazemos concomitantemente à tona a história. Entretanto, pensamo-la como fonte de relação de poder e de sentido. Apreendê-la significa, assim, deslocar-se para espaços de conflitos e de tensões que se abrem, propiciando os jogos das interpretações. Sobre o enlace entre história e discurso, Pêcheux (1997, p.105) afirma:
A materialidade específica do discurso é o confronto entre o histórico e o linguístico, que cria um espaço teórico entre esses pontos. Todo o enunciado é suscetível de tornar-se outro diferente de si mesmo, desloca-se discursivamente de seu sentido para derivar para um outro.
Nessa direção, pensar o discurso como forma material do confronto entre o histórico e o linguístico significa historicizar discursivamente a relação entre a Política Nacional Sobre Drogas e seus pressupostos e objetivos. Passemos agora, a constituição histórica sobre as drogas.
Tomamos nesse trabalho o termo drogas de acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde – o termo drogas é classificado como: qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas produzindo alterações em seu funcionamento[2]. Ao utilizar tal conceito constata-se que a OMS se filia a uma formação discursiva em consonância com os discursos médicos-psiquiátricos, sendo assim, as drogas são meios utilizados para alterar o funcionamento cerebral, causando modificações no estado mental. Tais drogas que alteram o estado mental são conhecidas como psicotrópicas.
Em uma visão jurídica sobre drogas, Melo (2011, p. 2) diz que no âmbito da legislação brasileira existem três tipos de drogas. Em primeiro lugar, têm-se as consideradas livres, as quais qualquer um pode adquirir, sem que haja controle por parte do Estado quanto à sua obtenção, como exemplo temos o álcool, cigarro, entre outras. Em segundo lugar, têm-se as de uso controlado, ou seja, o Estado limita os meios de obtenção através de políticas restritivas, como as que exigem o receituário médico. E, em terceiro lugar, têm-se as de uso proibido, que é a de objeto deste trabalho, em que o Estado proíbe tanto o comércio quanto o consumo.
Frente a este cenário aparentemente apocalíptico, o governo, através de órgãos oficiais e de diferentes especialistas, travam discussões e desenvolvem inúmeras estratégias como recursos disponíveis para reduzir a demanda e a oferta de drogas em todo o território nacional. Neste sentido, uma das estratégias mais comuns utilizadas está apoiada na ideia de prevenção e repressão na busca do combate às drogas, ao narcotráfico e aos traficantes.
Para a constituição histórica da Política Nacional Sobre Drogas, o interdiscurso é um dos conceitos cruciais para essa análise. É através do interdiscurso que deslocaremos as relações de um discurso para o outro, e é nessa relação que as particularidades de cada dizer irrompem, produzindo efeitos outros. Além disso, temos as condições de produção que compreendem os sujeitos e as situações ligadas ao contexto sócio-histórico e ideológico na formulação do dizer.
Como já dito anteriormente, a temática sobre drogas vem sendo tratada de modo suficientemente excessiva sob a forma de discursos dos mais variados campos de conhecimento, sobretudo ao longo da última metade do século XX. Nesse viés, é preciso que historicizemos sua constituição e abordemos em quais condições de produção a mesma ocorre. Já que a produção de leis e normas sobre drogas no Brasil estão ligadas a sucessivas convenções e conferências ocorridas desde o início do século XX. Destacamos nesse período, a Conferência em Xangai em 1909 e a Convenção de Haia em 1912, também conhecida como primeira convenção do ópio, na qual o Brasil se comprometeu a seguir as normas que ali fossem estabelecidas.
Este cenário internacional é fundamental para compreendermos de que forma, isto é, sob quais condições de produção e memória as leis e normas sobre drogas constituem e sustentam os discursos da Política Nacional Sobre Drogas brasileira. O movimento inicial de reflexão e proibição sobre drogas teve início no século XX, nos Estados Unidos. As convenções internacionais surgem como resultado da guerra do ópio e tem inicialmente o objetivo de controlar o comércio do ópio e seus derivados. Após as duas grandes guerras, a primeira e a segunda guerra mundial, outra seria anunciada na sociedade contemporânea, a “guerra às drogas” [3]. A política criminal contra as drogas tornou-se de início uma estratégia em política externa dos EUA, esta era desenhada de acordo Rodrigues (2003. p. 257-276):
(...) como uma postura governamental dirigida à exteriorização do problema da produção de psicoativos e à repressão interna a consumidores e organizações narcotraficantes. A um só tempo, uma instrumentalização da Proibição às drogas como artifício de política externa e recurso para a governamentalização disciplinarização, vigilância e confinamento – de grupos sociais ameaçadores à ordem interna como negros, hispânicos e jovens pacifistas
O proibicionismo, como ficou conhecido modelo de combate às drogas difundido pelos Estados Unidos, iniciou-se nos fins do século XIX, e é resultado de vários fatores sócio culturais, bem como também por aspectos econômicos. Já que, segundo Rodrigues (2003, p.13), o primeiro fato que interessava diz respeito à busca da indústria farmacêutica americana de se tornar detentora do monopólio da manipulação, refinamento e comércio do ópio e da cocaína. Por outro lado, temos a ascensão da classe médica que assumia o poder do dizer, procurando ridicularizar tudo o que pudesse ser caracterizado como crendices populares ou curandeirismo.
Pode-se citar ainda a participação de setores mais conservadores da sociedade, como os membros da religião cristã, que referendaram com afinco as políticas proibicionistas centrando-se em uma ideologia que buscava uma pureza em todos os sentidos, inclusive a moral. Cabe lembrar, que os setores mencionados exerciam uma grande força política junto aos legisladores do país naquele período. Outro fator em destaque para essa política de proibicionismo americano é o aspecto racial, Rodrigues (2003, p. 31) afirma que:
Com a proibição do ópio, a partir de 1900, começaram as primeiras campanhas de amedrontamento da população norte-americana com relação aos “perigos” da droga, correlacionados a específicos grupos étnicos, vistos como “ameaçadores”. Em território americano, a reprovação moral ao uso de substâncias psicoativas representado pelas abstêmias ligas puritanas–era tradicionalmente acompanhada pela associação entre determinadas drogas e grupos sociais. Uma mesma lógica era aplicada: minorias e imigrantes tinham comportamentos moralmente reprováveis e ameaçavam valores clássicos da América branca e puritana.
Com o início da primeira guerra mundial as reuniões internacionais foram interrompidas, contudo entre 1920 e 1930, década da Grande Proibição[4], no qual todos os tipos de drogas foram proibidas sob o olhar da Liga das Nações, houve três encontros internacionais, dentre o qual se destaca o Acordo de Genebra, instituído em 1925. O acordo ampliava o conceito de substâncias entorpecentes e tornava realidade os dispositivos da convenção de Haia.
Carvalho (1996, p 23) diz que no ano de 1921, destaca-se à criação da primeira organização internacional, que tinha por objetivo controlar a comercialização das drogas sob o título de Comissão Consultiva do Ópio e Outras Drogas Nocivas, esta seria sucedida pela Comissão das Nações Unidas sobre Drogas Narcóticas (CND - Commission on Narcotic Drugs), em 1946 vinculada ao Conselho Econômico e Social da ONU.
Quatro anos depois da criação da primeira organização internacional, os USA abandonaram a conferência de Genebra, pois diziam estar insatisfeitos com os resultados do acordo. Nos anos de 1931 e 1936 organizaram outras duas convenções que mudaram o curso das políticas de restrição às drogas, visto que elas contribuíram para o fortalecimento de uma política internacional de repressão ao tráfico de drogas. A conferência de 1936, conhecida como Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas, foi promulgada pelo decreto 2.994, de 17 de agosto de 1938, no Brasil, pelo presidente Getúlio Vargas. E a partir da inserção de tal decreto no Brasil, o assunto passou a ganhar destaque se instaurando no discurso político brasileiro, bem como, em sua legislação. Passemos agora, então, a Política Nacional Sobre Drogas no Brasil.
4. Política Nacional sobre drogas no Brasil
No Brasil, o controle sobre o uso, consumo e comércio de determinados tipos de drogas se deu a partir de 1921. Desde então, o volume de leis visando à prevenção, proibição e restrição destas substâncias têm sofrido revisões e alterações relativamente constantes se comparadas com as outras políticas nacionais, justamente pelos debates constantes na sociedade. Os critérios da criminalização e repressão ainda são questionados, questionamentos esses que tem ganhado destaque na mídia, como as campanhas de liberação das vendas de certas drogas, como exemplo temos a maconha.
Os discursos encontrados atualmente estão localizados em duas vertentes, a primeira está em uma concepção médico-psiquiátrica, ligadas as questões de saúde, e a segunda na jurídica, repressão. Tais discursos formulados estão aparentemente em formações discursivas distintas, mas que se enlaçam no processo de significação desses dizeres. Destacamos ainda que o Brasil tem vastas fronteiras (numa extensão da ordem de 16.886 quilômetros) com países denominados de “produtores” desses produtos considerados evasivos a sociedade e a ordem social. Localizado na América do Sul, o Brasil faz fronteira com Peru, Bolívia, Paraguai e Colômbia e está no centro desta “guerra” contra o tráfico e consumo de drogas, já que é considerado como um “país de rota” do tráfico internacional, mas será mesmo que o Brasil é só um caminho do tráfico?
A questão suscitada à cima é mais um mecanismo que nos leva a reflexão e interpretação dos efeitos de sentidos dos discursos já produzidos. Ainda sobre a Política Nacional Sobre Drogas, Rodrigues (2003, p.55) destaca que o Brasil, embora tenha se comprometido em cumprir o tratado de Haia criado em 1911, nunca o fez efetivamente. Nesse sentido, o alerta que instigou o setor político e jurídico a tomarem providência na tentativa de inibir o consumo e propagação das drogas, se deu quando começaram a observar que o vício, até então limitado aos “rapazes finos”, ou seja, a classe mais abastadas da sociedade, tinha transposto os muros dos prostíbulos e passou a se espalhar rapidamente pelas ruas entre as classes sociais consideradas “perigosas”, ou seja, entre os pardos, negros, imigrantes e pobres, e isso começou a incomodar insistentemente o governo e a classe média.
Tal discurso como se observa, se filia a uma mesma formação discursiva protagonizada pelos Americanos, já que um dos seus argumentos era o de combater a proliferação das drogas nas classes consideradas perigosas nos Estados Unidos, classes essas formadas em sua grande maioria por negros. A prática do proibicionismo criado pelo presidente Richard Nixon, se constituí como um modelo a ser seguido no Brasil estabelecendo que o país, ou melhor, os membros que representam as políticas desse país tomassem uma determinada posição sujeito perante as drogas.
Dando continuidade a constituição da Política Nacional Sobre Drogas, abordaremos agora o decreto nº 4294, de 6/07/1921. Com o fim da primeira guerra, as convenções foram retomadas. No ano de 1921, o governo brasileiro se viu obrigado a cumprir seus compromissos internacionais; a primeira lei específica[5] sobre drogas no Brasil é sancionada pelo presidente Epitácio Pessoa.
O decreto objetivava, dentre outras coisas, penalizar quem “Vender, expôr á venda ou ministrar substancias venenosas, sem legitima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitarios:” com multas que variavam entre 500$ a 1:000$000 (sic). Caso tais “substâncias venenosas” contivessem algum tipo de “qualidade entorpecente” a pena alterava para “prisão cellular por um a quatro annos.” (sic). Quanto ao álcool, o decreto penalizava com multas “apresentar-se publicamente em estado de embriaguez que cause escandalo, desordem ou ponha em risco segurança propria ou alheia” (sic).
Karam (2003, p.15)[6] argumenta que no Brasil, é a partir da Consolidação das Leis Penais de 1932 que se inicia a criminalização de condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo das drogas tornadas ilícitas, com a substituição da expressão “substâncias venenosas” do artigo 159 do Código Penal de 1890, por “substâncias entorpecentes” e a expansão da quantidade de condutas consideradas proibidas.
As condições de produção e ideologia da constituição da Política Nacional Sobre Drogas se deu de uma maneira diferente em alguns aspectos no Brasil. Diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil passou por um período de ditadura, e é nesse período que criasse o Decreto-lei 891/38, promulgado na ditadura do Estado novo. Nesse Decreto se estabelecia a internação obrigatória de “viciados” e se prevê ainda como circunstância de pena agravante aos produtores, comerciantes e consumidores.
Posteriormente a esse Decreto, especificamente em 1940 nos deparamos com a edição do Código Penal, que traz novos dispositivos criminalizadores. Já em 1964, o país passava por uma nova ditadura, a ditadura militar, nessa nova perspectiva política as regras vão sendo modificadas.
Inicialmente com a Lei 4.451/64, que introduz a tipificação da ação de plantar as matérias primas das substâncias proibidas, ainda mantidas as penas de 1 a 5 anos de reclusão. A seguir vem o Decreto-lei 385/68, que explicita a criminalização da posse para uso pessoal, cominando-lhe as mesmas penas de 1 a 5 anos de reclusão previstas para o dito “tráfico”.(KARAM, 2003, p. 27)
Destacamos que, ao historicizar a constituição da Politica Nacional Sobre Drogas no Brasil compreendemos o discurso como forma material do confronto entre o histórico e o linguístico. Cabe ressaltar o que diz Orlandi (2009, p.79), o “historicizar discursivo não traz como foco principal a cronologia dos fatos”, pois não nos interessa enquanto analistas as datas, mas os modos como os sentidos foram criados e passaram a circular nos discursos dos sujeitos.
Três anos depois da Lei 4.451/64, surge a Lei 5.726/71, que, ainda mantendo as tipificações das condutas relacionadas à produção, ao comércio e ao consumo nas regras do artigo 281 do Código Penal, eleva a pena máxima de prisão de 5 para 6 anos. A lei introduz ainda a quadrilha específica para o “tráfico”, prevendo a possibilidade de sua formação com apenas duas pessoas, com penas de 2 a 6 anos de reclusão, e impõe o trancamento da matrícula do estudante encontrado com as substâncias proibidas, bem como a perda do cargo de diretores de estabelecimentos de ensino que deixassem de comunicar às autoridades sanitárias os casos de uso e “tráfico” dessas substâncias no âmbito escolar.
Veio então, a nova lei especial mais conhecida como Lei 6.368/76, que diferenciando as penas previstas para a posse e uso pessoal, estabeleceu em 6 meses a 2 anos de detenção, triplicando, porém, as penas para as condutas identificadas ao dito “tráfico”, que, então, passaram a ser de 3 a 15 anos de reclusão.
De acordo com Greco Filho (2009, p.25), praticamente desde sua edição, diversos projetos foram sendo apresentados para modificar a lei anterior, até que um desses projetos deu origem à Lei 10.409/2002. Porém, por diversas contradições, inadequações inúmeros vetos foram feitos pelo Presidente da República, e a pretendida substituição da Lei 6.368/76 não se concretizou. A Lei 6.368/76 permaneceu disciplinando as definições de crimes e de penas e a Lei 10.409/2002 a ela se juntou, disciplinando outros aspectos do tema drogas.
O objetivo de substituir a Lei 6.368/76 motivou a quase imediata apresentação de novo projeto, que, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República em agosto de 2006, resultou na nova Lei 11.343/2006, que entrou em vigor em outubro do mesmo ano de 2006, revogou tanto a Lei 6.368/76, quanto a Lei 10.409/2002, passando a ser a nova lei brasileira em matéria de drogas, e é esta lei que está em vigor atualmente.
A mais recente legislação brasileira sobre drogas, a Lei 11.343/2006, é considerada por muitos advogados e juristas como um avanço historicamente significante e revelador de um posicionamento político mais moderado em relação às drogas. Se por um lado as atividades de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas são acentuadas, com definição de novos crimes e o aumento das penalidades previstas, por outro lado, distingue a condição de usuários e dependentes de drogas e aborda, de forma mais extensiva que as leis anteriores, as atividades de prevenção ao uso indevido, atenção à saúde e reinserção social. Outra mudança expressiva refere-se ao estabelecimento de penas alternativas ao crime definido como porte de drogas para consumo pessoal.
Através dessa breve constituição histórica realizada, pretendemos tonar visível a inscrição que se faz da memória do dizer no interdiscurso e das posições que cada sujeito se filia ao produzir seus dizeres, uma vez que a língua não é transparente e que há sempre um já-dito inscrito nessa fala. Para tanto, trabalharemos as formações discursivas em jogo nesses discursos e os efeitos produzidos pela ideologia no discurso da justiça sobre o os pressupostos e objetivos da Política Nacional sobre tráfico e consumo de drogas, numa interface com as Políticas Públicas desencadeadas e inseridas na política nacional brasileira e na sociedade como um todo.
Assim, analisaremos as formações discursivas nas quais tais discursividades são produzidas e que efeitos produzem na referida Política Nacional. Para compreender o processo de significação do dizer e seus efeitos de sentidos, nos pautamos com suporte teórico da Análise do Discurso de linha francesa. Tal teoria utilizada contribuirá para uma melhor reflexão dos efeitos de sentidos que são produzidos nos pressupostos e objetivos da Política Nacional Sobre Drogas. Sendo assim, essa direção de análise implica dar visibilidade as condições de produção, bem como, a posição sujeito em que cada cidadão se inscreve ao mobilizar um discurso e não outro quando interpelado pelo jogo da significação.
Assumir, então, essa posição teórica é tomar a Política Nacional Sobre Drogas enquanto espaço simbólico e político, cuja espessura e materialidade se faz sobre os discursos. Ou seja, é pelo discurso, enquanto materialidade linguística, pensando essa materialidade como forma abstrata e material, que iremos analisar os discursos que tratam sobre a Política Nacional Sobre Drogas, através de dois pressupostos e objetivos que visam à prevenção e repressão. Nesse sentido, a “significância não se estabelece na indiferença dos materiais que a constituem” ORLANDI (1995, pg. 1: 35-47). E é justamente pela significância que buscaremos compreender a relação entre a política nacional e seus pressupostos e objetivos sobre drogas no Brasil.
5. Prevenção e Repressão: Uma Análise Discursiva De Pressupostos E Objetivos
Como dito anteriormente, o tema deste trabalho se insere no quadro teórico-metodológico da Análise de Discurso[7] de linha francesa, fundada nos trabalhos de Michel Pêcheux. A teoria utilizada nos permite compreender que as práticas discursivas sofrem com constantes intervenções, que ocorrem por meio de embates entre as formas materiais e abstratas em um jogo de domínio, comandadas por relações de poder. Sendo assim, é por meio dos embates discursivos e das formas de domínios que ocorrem os processos de legitimação e significação dos dizeres.
A Análise do Discurso intervém de forma dominante, legitimando gestos de interpretações que se tornam responsáveis pela configuração de um determinado saber “sobre”. No nosso caso saber sobre refere-se à Política Nacional Sobre Drogas, por meio de seus pressupostos e objetivos.
Assim, segundo Orlandi (2009, pg. 17), o ‘discurso sobre’ trabalha o conceito de polifonia. Ou seja, o ‘discurso sobre’ torna-se um elemento de suma importância para organizar as diferentes vozes que permeiam os discursos, além de ser a forma de institucionalização dos sentidos. Para a melhor compreensão do ‘discurso sobre’ é preciso compreender o funcionamento do discurso, explicitando as suas regularidades.
Nesse sentido, a Análise de Discurso concebe um sujeito interpelado a todo instante pelo jogo da significação. Assim, durante o percurso pela busca da significação acabamos sendo atravessados ideologicamente por uma relação com a exterioridade. E é por meio dessas relações entre exterioridade, língua, sujeito e história que ocorre à constituição dos falantes e dos dizeres.
O corpus dessa pesquisa se constitui de dois pressupostos e dois objetivos encontrados no documento da Legislação e Política Nacional Sobre Drogas, criado em 2008. O documento em questão aborda todas as leis e decretos criados que tratam sobre o tema das drogas. Por ser um vasto arquivo tomamos para essa análise apenas dois pressupostos e dois objetivos que tratem sobre a repressão e a prevenção. Nessa linha teórica, o corpus não se constitui a priori, “mas no próprio fazer e na medida em que os fatos reclamam sentidos”. (ORLANDI, 2001, p.15).
Para compreendermos o efeito de sentido da relação entre os pressupostos e objetivos que trazem a repressão e a prevenção, primeiramente analisaremos dois pressupostos, um traz a repressão como foco e outro tem a prevenção como destaque. Posteriormente, tomaremos os objetivos trazendo um que represente a repressão e outro que enfatize a prevenção. Com isso, pretendemos dar visibilidade ao funcionamento ideológico que interpela cada posição sujeito dos discursos analisados. Passemos então, aos dois primeiros recortes encontrados nos pressupostos da Política Nacional Sobre Drogas.
1 Reconhecer a corrupção e a lavagem de dinheiro como as principais vulnerabilidades a serem alvo das ações repressivas, visando ao desmantelamento do crime organizado, em particular do relacionado com as drogas.
2 Pesquisar, experimentar e implementar novos programas, projetos e ações, de forma pragmática e sem preconceitos, visando à prevenção, tratamento, reinserção psicossocial, redução da demanda, oferta e danos com fundamento em resultados científicos comprovados.
No primeiro recorte nos deparamos com um discurso que visa à repressão. O discurso em destaque traz mais do que a repressão às drogas em si, mas também um dos elementos que ajuda na proliferação dela, e estes são a corrupção e lavagem de dinheiro. O atravessamento discursivo ai é notório, já que o discurso político que o permeia desliza para sentidos outros, além disso, temos condições de produção diversas já que quem cria o pressuposto se insere também em uma dada formação discursiva política e posição sujeito, sendo assim, sabe o que deve e não deve ser dito. Nesse sentido, há um já dito que é revisitado no “inter e no intradiscurso”, os dizeres que reforçam a prática da repressão são constituídos ideologicamente inaugurando assim uma discursividade a qual se filia e produz seus efeitos.
Questões que se referem a corrupção e lavagem de dinheiro não estão ai postas sem propósito. O crime organizado tem ligação constante com a corrupção, essa pode se dar na compra de policiais ou em setores políticos, e isso facilitaria para a lavagem de dinheiro. Entretanto, o efeito de sentido produzido pode ser outro, já que o tema é bastante atual e tem sido um dos argumentos para revoltas sociais e movimentos que visam o seu combate. Sendo assim, ao propor a repressão da corrupção e da lavagem de dinheiro há um efeito produzido pelas formações imaginárias, que resultam de projeções que enfatizam justamente aquilo que toda a sociedade brasileira gostaria de ouvir, no que se refere à repressão política dos atos ilícitos comandados por nossos governantes.
Em face dessa perspectiva, constata-se que tal discurso se filia a uma dada formação discursiva ligada a visão policial ao confronto com as drogas, visando obter um sentido e não outro. Por aí percebemos que as palavras derivam, não tendo sentido nelas mesmas. Sendo assim, é “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”. (ORLANDI, 2009, p.31)
No segundo do pressuposto da Política Nacional Sobre Drogas, nos deparamos com um discurso de prevenção. O discurso vigente se dá em uma formação discursiva filiada a visão médico-psiquiátrica. O argumentando de prevenção nessa concepção deve ocorrer através de pesquisas e ações por meios de programas sociais, ou seja, as prevenções do uso ou do tráfico de drogas se dão por meio de trabalhos de conscientização da sociedade que tal ato causa múltiplos efeitos nessa sociedade como um todo. Além disso, a conscientização seria uma maneira velada da repressão sem o ato policial, o conhecimento seria uma maneira de se evitar as grades das cadeias brasileiras e dos efeitos devastadores do uso de drogas.
A ciência surge como um meio que legítima e assegura à prevenção das drogas, esse efeito produzido ocorre devido a formação discursiva, imaginária e ideológica na qual a mesma se constitui. Durante décadas a ciência ganhou esse status por se inscrever em uma teoria aparentemente exata, verídica. Sendo assim, ao dizer que a ciência certifica que a prevenção é melhor que a repressão, essa ganha sentido de verdade a ser seguida já que os resultados científicos podem ser comprovados.
O termo preconceito também merece destaque no recorte da prevenção. Preconceito e uso de drogas se constituem no discurso através das projeções das formações imaginárias que ligam os usuários as pessoas que produzem atos ilícitos, seja roubo ou tráfico. Além disso, temos uma imagem do usuário de drogas, essa em sua grande maioria é indissociável ao processo da própria animalização do sujeito fadado a cometer algum erro. Nessa perspectiva, há uma relação tênue com o interdiscurso, pois é através da memória discursiva revisitada no intradiscurso que esse sujeito estabelece a forma dos sentidos já instituídos por discursos anteriores.
Cardoso (apud Foucault 1997, p.163), alerta que “as palavras não são usadas cada vez no mesmo sentido”, já que são tomadas pelas formações discursivas. Nessa perspectiva, tomamos as formações discursivas como fonte que determina as posições ocupadas pelo sujeito no discurso. A formação discursiva interpela os indivíduos em sujeitos de seu discurso. É, portanto, o lugar de constituição do sentido e onde todo sujeito se reconhece em si mesmo e em outros sujeitos, por meio de um consenso intersubjetivo. A partir dessa perspectiva, o sujeito em Análise de Discurso ganha status de (as)sujeitado à ideologia e ao inconsciente .
Na construção do corpus de análise, consideramos que decidir o que faz parte dele “já é decidir acerca das propriedades discursivas” (ORLANDI, 2009, p.63). Com base nessa formulação, continuaremos o nosso percurso analítico. Para isso, tomaremos agora os recortes dos objetivos da Política Nacional Sobre Drogas.
Vale ressaltar que explicitar e jogar com as formas materiais foi um dos meios encontrados para produzirmos um deslocamento dos sentidos, para assim, observarmos “as margens na margem do texto” (LAGAZZY, 1998, p. 45). É assim que passaremos a analisar as margens do dizer nos próximos dois recortes, passemos a eles.
3 Conscientizar a sociedade brasileira sobre os prejuízos sociais e as implicações negativas representadas pelo uso indevido de drogas e suas consequências.
4 Combater o tráfico de drogas e os crimes conexos, em todo território nacional, dando ênfase às áreas de fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, por meio do desenvolvimento e implementação de programas socioeducativos específicos, multilaterais, que busquem a promoção da saúde e a reparação dos danos causados à sociedade.
No terceiro recorte, temos a prevenção como foco nos objetivos da Política Nacional Sobre Drogas. A prevenção filia-se novamente em uma formação discursiva, que se define numa dada formação ideológica que determina o que pode e deve ser dito. Temos ainda e memória do dizer, que nesse recorte funciona pelo viés da conscientização da sociedade sobre os males provocados pelas drogas. Os prejuízos rememorados não estão inscritos somente no imaginário do sofrimento físico e psicológico do usuário, mas também das consequências de seu uso para a sociedade como um todo, pensamento esse sustentado pelos discursos de crimes cometidos por quem usa ou trafica as drogas, bem como, como esse uso afeta os familiares dos usuários de drogas.
Nessa perspectiva, os discursos de prevenção encontrados nos objetivos da política nacional, não se diferem dos pressupostos analisados anteriormente, pois os mesmo se filiam a uma dada formação discursiva que tem como foco principal rememorar os discursos médicos-psiquiátricos que se instauram e ganham caráter de veracidade por meio da ciência, e de atos que visem a conscientização do não. O não ao uso e o não ao tráfico, contribuindo assim, para o ao não roubo, o não ao crime, a não a morte e o não a cadeia. Sendo assim, voltamos a era do proibicismo criado por Richard Nixon em plena sociedade contemporânea.
O último recorte a ser analisado, o quarto desse trabalho, traz a repressão nos objetivos da Política Nacional Sobre Drogas. A repressão aqui descrita visa combater o tráfico e os crimes gerados por ele, para isso é necessário proteger o território nacional, principalmente suas fronteiras terrestres. O imaginário de fronteira parece automaticamente se filiar a uma concepção de ilegalidade e associação ao crime. Pois, estabelece-se uma ideia de que existe uma “rota” na região de fronteira que possibilita uma maneira de burlar a lei do país, contribuindo assim para o contrabando de objetos ilícitos, nesse caso as drogas. Nessa perspectiva, o objetivo analisado por meio de seu discurso contribui para a noção de pré-construído de fronteira como sendo de um “corredor” que facilita a prática do tráfico afetando o país. A memória do dizer também é convocada nesse discurso, já que o Brasil se localiza na América Latina.
A palavra América Latina contribui para se pensar a região da fronteira brasileira. Esse enunciado ganha destaque através de uma memória discursiva e do ‘discurso sobre’, pois, historicamente foram criados discursos que concebem as fronteiras entre os países da América Latina como sendo territórios da prática da ilegalidade, seja ela de contrabando ou de tráfico. Nesse sentido, a fronteira é sempre vista por um viés problematizador que representa a imagem da ilegalidade, do crime.
Nessa perspectiva, a fronteira surge como um local a ser constantemente vigiado, protegido. A ilegalidade rompe com qualquer outro modo de se pensar a fronteira, pois instaura-se um discurso de repressão sistemática que visa justamente assegurar os territórios do país à nação brasileira. Assim, nos deparamos com um discurso político instituído que visa demonstrar uma aparente prática repressiva contra o tráfico internacional de drogas por meio dos órgãos de segurança pública.
Cabe ressaltar que, a imagem de repressão instituída nesse viés foi constituída historicamente e legitimada por uma lei presente na Constituição Federal que argumenta que a região fronteiriça precisa de vigilância contínua, já que a é por ali que entram no país diversos produtos considerados como sendo ilegais, e dentre esses produtos estão às drogas.
Ainda no quarto objetivo analisado, observamos que o combate as drogas também tem como foco a implementação de programas educativos, que buscam a promoção da saúde e dos danos causados na sociedade. Nesses dizeres parece haver uma junção dos discursos políticos, policiais e médicos-psiquiátricos, assim sendo, tal discurso promoveria uma aparente união entre todos os membros da sociedade contra o mesmo tema. Silenciando aparentemente os outros membros da sociedade que acreditam que a liberação de algumas drogas deveriam ser liberadas. Como exemplo já citado, temos a marcha da maconha que propõe uma legislação específica para que a Canabis tenha seu consumo e plantio liberado no país.
Os debates sobre drogas no Brasil estão longe de terem um fim, e parece que outros países da América Latina também levarão esses debates por muito tempo. O Uruguai em Dezembro de 2013, aprovou uma lei que autoriza o consumo e plantio da maconha no território Uruguaio, visando diminuir o tráfico e o narcotráfico. Há muitos discursos em apoio a esse ato, mas há também muitos discursos contrários. Como se vê, os debates e os efeitos produzidos por eles são múltiplos e só compreenderemos seus deslizamentos de sentidos na constituição da própria história.
6. Considerações Finais
A presente análise teve por objetivo analisar especificamente dois pressupostos e dois objetivos que constituem a Política Nacional Sobre Drogas no Brasil, a fim de, compreender como ocorre o processo de priorização da prevenção e da repressão nessa política. Para tanto, trabalhamos com as formações discursivas em jogo nesses discursos e os efeitos produzidos pela ideologia no discurso da justiça sobre o os pressupostos e objetivos da política nacional sobre tráfico e consumo de drogas, numa interface com as Políticas Públicas desencadeadas por todo o país.
Os discursos analisados demonstraram que há duas formações discursivas dominantes, uma ligada a visão da prevenção como uma prática médico-psiquiátrica, e outra que enfatiza a repressão e o combate por meio da ação policial. Interdiscurso e intradiscurso são retomamos a todo o momento nesses dizeres para a constituição de sujeitos, sentidos e seus efeitos na sociedade.
Nesse sentido, a Análise de Discurso concebe um sujeito interpelado a todo instante pelo jogo da significação. Assim, durante o percurso pela busca da significação da análise aqui realizada, acabamos sendo atravessados ideologicamente por uma relação com a exterioridade. E é por meio dessas relações entre exterioridade, língua, sujeito e história que ocorre à constituição dos falantes e dos dizeres sobre a Política Nacional Sobre Drogas, através de seus pressupostos e objetivos.
Outro conceito teórico aqui utilizado foram as condições de produção. Segundo Orlandi (2009, p.30), as condições de produção devem ser consideradas, pois compreendem os sujeitos, as situações e a memória. Os sujeitos nada mais são do que reprodutores desses discursos afetados sempre pela exterioridade na sua relação com os sentidos. Esse é o caso dos discursos sobre o tráfico e consumo de drogas, que são sempre atravessados por essa exterioridade.
No que se refere à situação para prática discursiva, Orlandi (2005. p. 42) argumenta que ela contempla o contexto, seja ele imediato ou amplo. Levando sempre em consideração o momento histórico que se está vivendo no momento da produção do discurso. Sendo assim, a memória discursiva é o que sustenta os dizeres desses discursos, ou seja, tudo que já se disse sobre o assunto abordado. Os gestos de interpretação aqui proposto, teve como ponto de partida compreender como se deu a constituição desses pressupostos e objetivos na Política Nacional Sobre Drogas, buscando atravessar o efeito de transparência da linguagem, da literalidade do dizer. Adentrando assim, na falha, no equívoco e no sentido que sempre pode vir a ser outro.
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[1] Ver em www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/.../327912.pdf
[2] Fonte: OBID – Observatório brasileiro de informações sobre drogas. SENAD. Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Disponível em: http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php (acesso em 28/11/2013)
[3] Em 1972, o então presidente dos EUA, Richard Nixon declarou “guerra às drogas”. De acordo com Thiago Rodrigues a política estadunidense de guerra às drogas foi uma hábil estratégia de política externa, pois tratou de distinguir países produtores de países consumidores, isto é, países-fonte, ou agressores e países-alvo, ou seja, vítimas. Veja: RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: EDUC: FAPESP, 2004. p.171
[4] O termo faz referência a Lei Seca, ratificada pela 18ª Emenda à constituição dos EUA em 16 de Janeiro
de 1919. Lei Seca, também conhecida como The Noble Experiment, que foi revogada em dezembro de 1933.
[5] As Ordenações Filipinas, em seu título 89, dispunham “Que ninguém tenha em casa rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso.” Já o Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, que segundo Greco Filho, “não tratou da matéria, mas o Regulamento, de 29 de setembro de 1851, disciplinou-a ao tratar da polícia sanitária e da venda de substâncias medicinais e de medicamentos.” Em seguir, houve o Código Penal de 1890. Este código considerava crime “expor à venda ou ministrar substâncias venenosas sem legítima autorização e sem formalidades previstas nos regulamentos sanitários.” Ver: GRECO FILHO, V. Tóxicos, prevenção, repressão. Rio de Janeiro; Saraiva, 13ªed. 2009.
[6]Ver em http://www.danielafelix.com/2010/04/artigo-maria-lucia-karam-e-politica-de.html
[7] A AD não constitui metodologia ou técnica de pesquisa, mas uma disciplina de interpretação constituída na intersecção de epistemologias distintas, pertencentes a áreas da linguística, deslocando-se a noção de fala para discurso; do materialismo histórico, do qual emergiu a teoria da ideologia; e da psicanálise, de onde veio a noção de inconsciente, abordada pela AD como o descentramento do sujeito. (ORLANDI, 2009, 35).
Publicado por: Erisvania Gomes Da Silva
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