O Princípio da Colegialidade e o despacho monocrático que nega conhecimento ao recurso de agravo interno
Breve discussão sobre a obrigatoriedade legal de que o agravo interno (recurso processual) seja julgado pelo colegiado e não decidido monocraticamente pelo julgador.
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O PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE E O DESPACHO MONOCRÁTICO QUE NEGA CONHECIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO INTERNO
INTRODUÇÃO
O enfoque desse estudo assenta na obrigatoriedade legal de que o agravo interno (recurso processual) seja julgado pelo colegiado e não decidido monocraticamente pelo julgador.
HISTÓRICO DO RECURSO NOMINADO AGRAVO
“Os agravos, de um modo geral, e em especial o agravo de instrumento, são recursos de origem lusitana, e começam a aparecer nas Ordenações Afonsinas e Manuelinas, notadamente a partir da exclusão de algumas decisões do âmbito de recorribilidade das apelações, o que ocasionou o uso de figura predecessora ao agravo, a “querima, querela ou querimônia, que era uma queixa dirigida ao sobrejuiz ou soberano”. A noção do agravo, em geral, vem da própria percepção de que algumas decisões causariam danos aos sujeitos do processo, que não poderiam esperar pela decisão final para a sua cessação, gerando uma impugnação a tais gravames. O nome, que servia para designar a doença, acabou sendo apropriado pelo remédio”.
E continuou assim: “ingressando numa história propriamente brasileira dos recursos, outros “agravos” acometeram os sujeitos processuais, para os quais logo surgiram os competentes agravos para lhes impugnar. Assim surge o agravo interno, como outros recursos que lhes faziam às vezes no passado, voltado contra as decisões do relator e com vocação para restabelecer a colegialidade no tribunal. Embora não se possa afirmar com precisão que se trata de um recurso propriamente brasileiro, é certo que seu desenvolvimento é bastante recente, uma vez que não se atribuía poderes decisórios tão relevantes ao relator até reformas legislativas que se iniciaram na década de 1990”, demonstrou Lucas Buril de Macêdo.[3]
DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE EM CUMPRIMENTO DAS LEIS
O pressuposto de harmonia social é o cumprimento da legislação, de modo que o art. 5, II da Const. Federal, fixa a obrigatoriedade fazer algo senão em virtude da lei. Nesse sentir o Código de Processo Civil dispõe como meio de revisão da decisão monocrática do Julgador (desembargador ou ministro) é o Agravo Interno – art.1021.
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
O princípio legal da Colegialidade fixa que o Recurso de Agravo Interno seja julgado pelo órgão colegiado.
Em analise, os juristas Silva e Moreira concluem que o resultados do “princípio da colegialidade em uma junção de dois princípios constitucionais, a saber, princípio do juiz natural e do devido processo legal, possibilitando, por conseguinte, a ampla recorribilidade das decisões monocráticas dos relatores”.[4]
A relevância do princípio da colegialidade liga o princípio do duplo grau de jurisdição, este que, ainda que não absoluto, decorre da própria estrutura do poder judiciário do Brasil, por isso entendido como implícito, bem como de expressa disposição do Pacto de San José da Costa Rica (artigo 8, item 2, h) – o que o torna, em verdade, explícito. [5]
Guilherme Jakes Sokal ressalta que, “o CPC/15 valoriza o julgamento colegiado, exigindo a ampliação dos julgadores, como é exemplo a técnica de julgamento prevista no artigo 942. Assim, quanto ao julgamento dos recursos, o CPC/15 imprime nova perspectiva, propugnando o exame colegiado como regra, quiçá na esperança metajurídica da qualificação do pronunciamento decisório pela presença de julgadores coletivos” e conclui: “Não se pode deixar de atentar, os recursos nada mais são do que a possibilidade de revisão da decisão do juiz a quo pelo Tribunal, com a realização de reanálise do caso. Nesse contexto, a existência de colégio de julgadores no exame do recurso qualifica seu exame, permitindo a visão conjugada das questões recursais, expandindo certamente os horizontes do decisório” [6]
Não tem sido raro o encontro de decisões que contrariam esse dispositivo, ou mesmo a apelação em 2 grau que deve ser julgado pelo colegiado.
Art. 1.011. Recebido o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator:
I - decidi-lo-á monocraticamente apenas nas hipóteses do art. 932, incisos III a V ;
II - se não for o caso de decisão monocrática, elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado.
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
Evidência, no inciso V do art. 1011 do CPC, a necessidade do contraditório ao recurso a ser julgado. Não sendo o caso das exceções, a Apelação tem de ser julgado pelo Colegiado.
Quanto descumprida a Lei, em violação ao Princípio da Colegialidade, a questão fica submetida a revisão pela via do Agravo Interno. Nesse sentir destacamos o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE AUMENTO EXCESSIVO NOS VALORES COBRADOS. PROVA PERICIAL FAVORÁVEL À PRETENSÃO AUTORAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO SEGUNDO RÉU. Impugnação do segundo réu, ora agravante, aos fundamentos da sentença, alegando impossibilidade de julgamento Monocrático face a observância do Princípio da Colegialidade. Cinge-se a lide quanto à responsabilização das rés por emitir faturas de cobranças com valores acima do real consumo da autora, em que esta alega estar sendo cobrada por consumo estimativo, e não pelo que efetivamente tem consumido além de ter sofrido interrupção no serviço de essencial. Como consta da decisão recorrida, o laudo pericial concluiu que o consumo da demandante, antes da instalação do hidrômetro estava sendo aferido por estimativa, com média acima de 50m³ mensais. Cobranças excessivas e indevidas. Incidência das Súmulas nº 84 e 152 do TJRJ. Cobrança por estimativa de consumo que é ilegal e abusiva, violando as normas consumeristas, sendo vedada pela Jurisprudência. Agravada, pessoa idosa, que sofreu suspensão do serviço essencial. Dano moral configurado. Quantum indenizatório fixado em R$7.000,00 (sete mil reais), em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e que revela justa indenização pelos transtornos causados à consumidora idosa. PROVIMENTO PARCIAL AO AGRAVO INTERNO, apenas para sanar a contradição alegada sobre o valor do dano moral, mantendo o julgamento Monocrático em sua totalidade.
(TJRJ - 0021533-16.2019.8.19.0205 - APELAÇÃO. Des(a). ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH - Julgamento: 18/04/2024 - VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)
De igual forma, para o julgamento da Apelação, também é aplicado o Princípio da Colegialidade no julgamento do Agravo Interno.
Em recente decisão proferida no Agravo Interno Cível nº 2333352-36.2023.8.26.0000, Rel Des. Miguel Petroni Neto, do TJSP, decidiu monocraticamente o Agravo Interno: “Ante o exposto, nega-se conhecimento ao recurso”.
A desobediência a Lei e ao princípio da colegialidade foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça. O Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 22/11/2023, no Habeas Corpus n. 766.125, decidiu:
“a principal finalidade do agravo interno é submeter o reexame da matéria por parte do órgão colegiado. Por conseguinte, as atribuições do relator, em sede de agravo interno, limitam-se à retratação ou à remessa dos autos ao órgão competente para julgamento, mesmo quando se deparar com recurso flagrantemente inadequado ou que careça de pressupostos ou requisitos para sua interposição (HC n. 707.043/PR, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 21/2/2022). Nessa ordem de ideias, vejo que a Desembargadora do Tribunal de origem decidiu contrariamente ao entendimento desta Corte Superior de Justiça ao proferir decisão unipessoal em sede de agravo interno.”
Pelo exposto, o Judicante que age com usurpação das funções legais do colegiado, ao decidir monocraticamente, prática flagrante ilegalidade aos princípios de direitos humanos, posto que o acesso à justiça e ao direito do tramite legal do processo é um princípio assegurado inclusive em tratado internacional, como o Pacto de San Jose da Costa Rica[7].
O art. 1.021[8] do Código de Processo Civil em sua redação, indica a mecânica processual e o “animus” legislativo do legislador: “Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.”; além de vedar o relator na reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o Agravo Interno. (parágrafo 3º[9] do art. 1.021 do CPC).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery anotam[10]: “Está bastante disseminada nos tribunais a prática de transcrever literalmente, no acórdão que julga o agravo interno, os termos da decisão agravada, como se não tratassem de dois recursos distintos – o que, evidentemente, não é verdade. Ainda que o próprio agravo interno se limite a repetir os termos do recurso original, a decisão do agravo interno deve ter a sua fundamentação própria e específica, nem que seja no sentido de expor que o agravante não trouxe qualquer novidade ou esclarecimento na interpretação que foi feita quando do julgamento do recuso original, sob pena de violação do CF 93 IX[11].”
Por isso, pela redação do “caput” do 1.021 do CPC, faz-se necessária a análise da disposição dos Regimentos Internos, especialmente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), bem como do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O artigo 113 do RITJSP aponta o Agravo interno como o recurso para o reexame da matéria da decisão que ordenar arquivar a petição de suspeição: “O Presidente mandará arquivar a petição de suspeição, se manifesta sua inconsistência; da decisão caberá agravo interno para o Órgão Especial.”; da mesma forma o artigo 197 do RITJSP, faz o apontamento de reexame da matéria por meio do Agravo Interno: “O relator poderá negar seguimento a reclamação manifestamente improcedente ou prejudicada, cabendo agravo interno para o órgão julgador competente.”
O Parágrafo único do artigo 204[12] do RITJSP também faz indicação do Agravo Interno ser o recurso correto para o reexame da matéria que liminarmente, decida o conflito de competência: Cabe agravo interno da decisão que, liminarmente, decidir o conflito de competência.
E quando não cabe o Agravo Interno, a letra do regimento interno do TJSP também faz apontamento expresso, como no caso de decisões do Presidente do Tribunal nos pedidos de sequestro, disposição do artigo 269: Das decisões do Presidente do Tribunal, nos pedidos de sequestro, não caberá agravo interno.
Já o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, respeita essa linha com precisão material, já que na redação do parágrafo 2º do artigo 21-E faz o apontamento indubitável da distribuição dos autos, sem dar a faculdade ao Presidente de não conhecer o Agravo Interno e não submeter ao colegiado.
Art. 21-E. São atribuições do Presidente antes da distribuição: (...)
§ 2º Interposto agravo interno contra a decisão do Presidente proferida no exercício das competências previstas neste artigo, os autos serão distribuídos, observado o disposto no art. 9º deste Regimento[13], caso não haja retratação da decisão agravada.
No mesmo sentido, seguindo a coerência normativa do respeito aos princípios da colegialidade e reexame da matéria, o artigo 259 do regimento do STJ, em sua redação é imperativa, pois emprega a seguinte redação: “contra decisão proferida por Ministro caberá agravo interno para que o respectivo órgão colegiado sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.”, sem qualquer margem para entendimento diverso da apreciação do Agravo Interno pelo órgão colegiado.
Complementando o “caput” como é a essência dos parágrafos na organização das disposições das leis, os parágrafos do artigo 259 do RISTJ, em especial destaque para os parágrafo 3º que expressamente ordena que o relator levará a julgamento pelo órgão colegiado, e o parágrafo 4º que aponta para uma eventual inadmissibilidade ou improcedência por votação unânime, ou seja, também não dá qualquer margem para decisão monocrática pelo Relator e, por consequência, tampouco desrespeito ao princípio da colegialidade e o princípio do reexame da matéria.
Por fim, o regimento do STJ não dispõe sobre a resolução do Agravo Interno ser dada pelo Relator, a disposição aponta o reexame desse desfecho pelo colegiado, a endossar essa posição o próprio regimento do STJ fixa em seu artigo 288-F [14].
Decerto, que existe no ordenamento jurídico a supremacia da lei sobre o Regimento Interno dos Tribunais, fixado na Constituição Federal em seu artigo 59.[15]
CONCLUSÃO
O pedido revisional da decisão monocrática proferida pelo Desembargador ou Ministro, pode ser revista pelo recurso de Agravo Interno, que dever ser julgado pelo colegiado: formado por 3 julgadores.
BIBLIOGRAFIA
SILVA, Tiago Galdino da. Moreira, Luiz Carlos O PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Revista Científica Semana Acadêmica. Fortaleza, ano MMXXII, Nº. 000218, 01/04/2022. - Disponível em: https://semanaacademica.org.br/artigo/o-principio-da-colegialidade-no-ordenamento-juridico-brasileiro - Acessado em: 10/10/2024
JARDIM, Afrânio Silva. Princípio da colegialidade. Disponível : https://emporiododireito.com.br/leitura/principio-da-colegialidade-inexistencia-juridica , em: Acesso em 24/04/2024
SOKAL, Guilherme Jakes. O julgamento colegiado nos tribunais: procedimento recursal, colegialidade e garantias fundamentais do processo. Coleção Professor Arruda Alvim. Rio de Janeiro: Editora Método, 2016
NERY JUNIOR ,Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado; 17. ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
Publicado por
Eduardo Salles Pimenta[1]
Eduardo Salles Pimenta Filho[2]
[1] É doutorando. Mestre. Pós-graduado – Univ. Estácio de Sá. Prof. na UNIP- Alphaville.
[2] É pós-graduado em Sociologia e Filosofia /Salesiano. Professor e Jornalista.
[3] https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5523598/mod_resource/content/1/Lucas%20Buril%20de%20MacA%CC%83%C2%AAdo%20-%20Agravo%20interno.pdf
[7] DECRETO No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 (legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%20678-1992?OpenDocument)
[8] Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
[9] § 3º É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno.
[11] Constituição Federal: Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
[12] Art. 204. O relator poderá, liminarmente, decidir o conflito de competência, quando sua decisão se fundar em:
Parágrafo único. Cabe agravo interno da decisão que, liminarmente, decidir o conflito de competência.
[13] Art. 9º A competência das Seções e das respectivas Turmas é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa.
[14] Art. 288-F. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido pelo relator por decisão interlocutória, sujeita a agravo interno.
[15] Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
Publicado por: Eduardo Salles Pimenta

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