O legado de Francisco Suárez
Análise histórica sobre o legado de Francisco Suárez para os direitos humanos e para o direito internacional.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
RESUMO
Este artigo tem por objetivo de forma sucinta fazer uma análise histórica sobre o legado de Francisco Suárez para os direitos humanos e para o direito internacional.
PALAVRAS-CHAVE: Legado; Francisco; Suárez.
ABSTRACT
This article aims to succinctly make a historical analysis of Francisco Suárez's legacy for human rights and international law.
KEYWORDS: Legacy; Francisco; Suarez.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo hacer de manera sucinta un análisis histórico del legado de Francisco Suárez para los derechos humanos y el derecho internacional.
PALABRAS CLAVE: Legado; Francisco; Suarez.
INTRODUÇÃO
Francisco Suárez nasceu em Granada, em 5 de janeiro de 1548, numa família de fidalgos com tradição militar, os Suárez de Toledo, parentes da casa dos duques de Alba. Estudou Direito na Universidade de Salamanca (entre 1561 e 1564), abandonando os estudos para ser admitido na Companhia de Jesus (fundada em 1540).
Em 16 de Junho de 1564 foi aceite na Companhia como "Indiferente", isto é, reservando-se os superiores a decisão de este se vir a tornar sacerdote ou irmão laico dado as dúvidas acerca da sua saúde e inteligência. Começou o noviciado em Medina del Campo, sendo poucos meses depois convidado a estudar Filosofia em Salamanca. Aí se viria a revelar como um dos melhores alunos, passando ao estudo da Teologia (1566-70).
Tendo tomado o hábito, em 1571, toda a sua vida virá a ser dedicada ao ensino. Começou nas escolas e universidades de Ávila e Segóvia (1575), passando a Valladolid (1576-80), Roma (1580-85), Alcalá (1585-93), Salamanca (1593-97) e Coimbra (1597-1615).
Na sua passagem por Roma foi próximo do cardeal Belarmino, que fora discípulo de Juan de Mariana, tendo o Papa Gregório XIII assistido ao seu primeiro curso. Em Alcalá de Henares, teve dificuldades com os censores; o dominicano Avendaño e os seus confrades jesuítas Vázquez e Lessius, ao publicar a sua primeira obra, em 1590, De Incarnatione Verbi.
Após a sua chegada à Universidade de Coimbra, foi nomeado para a cátedra de Prima de Teologia, e no mesmo ano se editaram as suas Disputationes metaphysicae, um extenso e minucioso tratado de ontologia. Doutorou-se na Universidade de Évora. Voltou a Coimbra para ensinar e publicar as obras que lhe valeram a designação de "Doutor Exímio", mestre incontestável da Escolástica seiscentista. Publicou então De legibus (Coimbra, 1612) e, a pedido do Papa Pio V, a obra Defensio fidei catholicae (Coimbra, 1613).
Defensio fidei (1613) foi uma obra encomendada diretamente pelo Papa em que Suárez defendia a teoria do poder indireto do pontífice nos assuntos temporal, após jubilou-se do ensino, saindo por essa altura de Coimbra para Lisboa. Morreu dois anos depois, ficando os seus restos mortais depositados na capela do altar da Anunciação da Igreja de São Roque, em Lisboa.
Esta pesquisa é bibliográfica e histórica justifica-se pela extrema relevância do legado de Francisco Suárez conhecido por revitalizar a filosofia dos séculos XVI e XVII, e provocar uma ruptura nos modelos teóricos vigentes adequando–os aos novos tempos.
DESENVOLVIMENTO
Francisco Suárez é o intelectual mais importante da Companhia de Jesus. Um filósofo, teólogo e jurista espanhol, conhecido por revitalizar a filosofia dos séculos XVI e XVII, e provocar uma ruptura nos modelos teóricos vigentes adequando–os aos novos tempos. Suárez, junto a nomes como os de Luís de Molina, Domingo de Soto, Francisco de Vitória, Juan de Mariana, Martin de Azpilcueta, José de Aguilar, Diego de Avendaño, José de Acosta, entre outros, é a grande referência da chamada Segunda Escolástica, isto é, aquela investigação filosófica e teológica desenvolvida em torno das universidades ibéricas da época, como Salamanca, Évora, Coimbra, e ibero–americanas, como San Marcos (Lima) e San Antonio Abad del Cusco, que, nos séculos XVI e XVII, revitalizam os saberes que até então eram conduzidos dentro da tradição moldada por Tomás de Aquino, Duns Scotus e outros escolásticos medievais.
Enquanto Suárez é comumente elogiado por sua exposição abrangente, exaustiva e sistemática de mais ou menos todo o conhecimento filosófico até seu tempo, esta abrangência não compromete a profundidade, o poder e a originalidade de suas próprias ideias. Trabalhou em uma grande variedade de campos que vão desde a metafísica, a teoria do conhecimento e a teologia até a filosofia mais prática, incluindo a filosofia política e do direito. Em todas essas áreas, ele fez contribuições cuja influência é tão presente que dificilmente as identificamos. Vale destacar que figuras tão diferentes entre si, histórica e filosoficamente, como Leibniz, Grócio, Pufendorf, Schopenhauer e Heidegger, encontraram motivo para citá–lo como fonte de inspiração e influência.
Suárez enfrenta os problemas concretos da transição entre uma ordem medieval e a moderna, uma ordem política e religiosa particularmente perturbada por debates, conflitos, guerras, tréguas e renovadas hostilidades entre povos europeus, entre confissões cristãs, e em guerras civis marcadas por perseguições dos Tribunais da Inquisição, dos Parlamentos e das Coroas, sem falar dos desafios teóricos decorrentes do contato com o 'Novo Mundo', com todas as diferenças culturais e ideológicas que significou para dentro e para fora da península ibérica. O século XVII encontra instalado na Europa uma desordem política e uma confusão intelectual, porque nem as confissões religiosas, nem as ideologias nacionais conseguiam dar conta desta nova realidade de descobrimentos. Fazem-se necessária uma nova fundamentação filosófica, teológica e política que só a erudição deste jesuíta foi capaz de fazer. A obra de Suárez será a elaboração mais completa e sistemática do seu tempo, e a sua influência foi tal que ainda hoje resulta controvertida.
As principais obras de Francisco Suárez: A primeira publicação foi impressa em 1590 em Alcalá, Commentariorum ac Dispuationum em Tertiam Partem Divi Thomae Tomus Primus, mais conhecido pelo título De Verbo Incarnato. Suárez tenta superar a oposição existente entre escotistas e tomistas em relação à questão da encarnação. Ele concorda com Santo Tomás de Aquino ao revelar que a maioria das passagens das Escrituras atribui a causa da encarnação de Cristo à vontade de redimir o homem do pecado, mas também acrescenta que a Bíblia considera a encarnação como a manifestação plena da glória divina; sua realização histórica não pode, portanto, depender do pecado do homem.
A Inovação de Suarez é o abandono do comentário por um tratamento científico e pedagógico, que supôs uma verdadeira renovação no trabalho de ensino e pesquisa escolar, e de eco universal até os dias atuais.
De mysteriis vitae Christi (1592) é uma continuação dos comentários de De Incarnatione sobre a terceira parte da Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino, expondo as questões 27 a 59. A intenção de Suárez nesta publicação era dupla: uma acadêmica e outra pastoral, planejada para o benefício dos estudiosos e como um auxílio para aqueles que eram responsáveis pela pregação da palavra de Deus. Dividido em 58 disputas, nas quais as primeiras 33 tratam de questões sistemáticas relacionadas à santidade da Virgem Maria: sua santificação, virgindade, casamento, purificação, mérito, graça, morte e a gloriosa assunção. Como resultado deste trabalho, Suárez foi considerado o fundador de uma mariologia sistemática. Embora Suárez mostre grande respeito por São Tomás, ele não hesita em se opor a algumas questões, como, por exemplo, a preservação de Maria do pecado original através da Imaculada Conceição.
Disputas metafísicas (1595) foram as deficiências encontradas no ensino de teologia que o motivaram a se dedicar à filosofia (prólogo ad lectorem). Ele precisava de uma base metafísica básica em sua visão teológica, o que o fez parar na Tertia pars de la Summa Teológica de Santo Tomás para iniciar um grande projeto. Trabalho de 2.000 páginas, escrito em um ano, em dois volumes. O primeiro deles cobre as disputas 1-37, e o segundo de 38 a 54. Ele trata de: ser, suas propriedades, suas causas, divisão da entidade em infinito e finito, estudo da entidade de Deus infinito, relação de essência e existência em Deus e na criatura, divisão da entidade finita criada, substância e acidentes, entidade da razão. Quase todos os escritores gregos, árabes, patrísticos e escolásticos são citados. Entre os mais citados estão Aristóteles, Tomás de Aquino, Duns Soto e Cajeta. Eles refletem o gênero literário medieval por excelência, chamado quaestio disputata. O esforço de Suárez resultou em uma obra-prima arquitetônica que cobriu todos os campos da metafísica.
Opuscula (1599) A polêmica teológico-filosófica, conhecida por De auxiliis há muito tempo, enfrentou jesuítas e dominicanos, tratou do papel da liberdade humana em relação à graça divina. Para os jesuítas, a doutrina dos dominicanos deixava pouco espaço para a liberdade humana; para os dominicanos, a doutrina jesuíta não fazia justiça à graça divina. Esta polêmica se intensificou de tal forma que o Papa Clemente VIII teve que intervir criando uma comissão, a Congregatio de Auxiliis em 1597 para resolver esta disputa; as conversas foram tão violentas que o próprio Clemente teve que dirigir os debates sem poder concluí-los em a hora de sua morte. O Papa Paulo V teve que resolver a controvérsia (1607), permitindo que os dominicanos e os jesuítas defendessem suas respectivas posições: que a defesa de cada uma das posições não fosse rotulada de herética.
Francisco Suárez conhecia muito bem essas posições, e especialmente do jesuíta Molina e do dominicano Bañez, de como conciliar predestinação e graça com liberdade. Ele mesmo havia escrito e ensinado sobre esses tópicos. Em 1599, ele publicou 6 tratados de teologia, ou Opuscula. A obra já era conhecida antes de sua publicação pelo general jesuíta Cláudio Aquaviva, Clemente VIII a consultou quando foi publicada em Roma. Ele defende uma modificação da posição de Molina.
Por legibus (1612) obra Tractatus de legibus ac Deo legislatore foi publicada em 1612. De legibus é um tratado abrangente e sistemático sobre a lei e todos os seus derivados: divinos ou eternos, naturais, internacionais e positivos ou humanos. Dividido em 10 livros Suárez explica, em um sentido amplo, que a lei é a norma e a medida dos bons procedimentos que se voltam para o melhor e para longe dos piores. Afasta-se de Tomás de Aquino, no qual a lei (divina, natural ou humana) é sempre uma característica das ideias divinas.
Parte da razão divina e associa a lei à liberdade. A lei eterna pertence aos decretos do livre arbítrio, e toda lei é um efeito da lei eterna, que dirige todas as partes do universo para um bem comum.
O Jus gentium ou lei das nações está a meio caminho entre a lei natural e a lei humana positiva. Distinguir entre direito natural e direito internacional baseado no costume. Os seres humanos têm um caráter social natural, dado por Deus, que inclui a habilidade de fazer leis. Ele refuta a teoria patriarcal de governo e o direito divino dos reis. A autoridade do Estado não é de origem divina, mas humana, portanto, sua natureza é escolhida pelas pessoas envolvidas e seu poder legislativo natural é dado ao governante.
Defensio fidei (1613) foi uma obra encomendada diretamente pelo Papa Paulo V em que Suárez defendia a teoria do poder indireto do pontífice nos assuntos temporal (ao mesmo tempo contrário à ideia de que os reis recebiam sua soberania diretamente de Deus) e considerado legítimo a proteção dos cidadãos contra um príncipe que se tornou tirano. O texto foi queimado publicamente em Londres por ordem de Jacobo I, e também em Paris pelo zelo dos monarquistas galicanos. Dois anos depois de escrever este artigo, aposentou-se como professor em Coimbra. Durante o século XVII, algumas de suas obras apareceram postumamente, entre as quais estão os escritos que tratam da liberdade do homem. O alcance extraordinário de seu pensamento foi mantido vivo por quase dois séculos na maioria das universidades europeias, bem como nos sistemas filosóficos de muitos pensadores importantes.
Francisco de Vitória, um dos mestres da Escola de Salamanca, forneceu grandes contribuições para o advento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Francisco Suárez também apresentou contribuições neste sentido, pois, para ele, a formação do conceito de comunidade universal “era um postulado objetivo, traduzia uma ordem natural pensada fora do quadro da concepção individualista dos estados, [...] indivíduos tomados isoladamente, desligados de uma ordem mais vasta sem consideração da função que nela deveriam desempenhar” (CALAFATE, 2017, p. 51).
O Direito Natural funciona como a razão sob a qual o Direito das Gentes é construído, ou seja, o “sistema de lei natural universal do ius gentium cujas regras podem ser determinadas pelo uso da razão” (ANGHIE, 1996, p. 325). Desse modo, são auto evidentes e comuns a todas as sociedades humanas.
Assim, aduz que “o Direito das Gentes como forma do Direito Positivo tem seu fundamento na vontade humana” (VICENTE, 1952, p. 617), no consenso universal entre os sujeitos. Além disso, tem como fim específico o bem de todos que estão conectados através o gênero humano. Suárez nasce dois anos depois da morte de Vitoria. Por ter vivido um contexto de formação da Europa e nascimento do Estado Moderno, suas teorias são amplamente criticadas por alguns filósofos de matriz tomista. Para eles, o que de fato existe são duas linhas extremas que colocam Vitoria e Suárez em pontos distintos da linha internacionalista espanhola.
Nesse esforço intelectual, os estudos de Tomás de Aquino tiveram profunda relevância na sustentação de uma razão do Estado e da Razão da Humanidade, de forma que estas não se confundissem entre si. Em outras palavras, tal como aduz Suárez, é possível afirmar que não se trataria de uma “lei” das gentes, mas de um “direito” das gentes, não necessariamente positivado.
Para o mestre da Escola de Salamanca, as regras morais são superiores à soberania dos Estados. Em outras palavras: “Se a lei positiva contradiz o direito natural, perdeu sua razão de justiça. É um princípio universal na filosofia política de Francisco de Vitoria” (VICENTE, 1952, p. 626). Por isso, afirmava o bem comum universal e a igualdade natural das soberanias, estando elas sob a égide do Direito Natural e do Direito das Gentes. Contudo, cabe ressaltar o fato de que “dizer que a soberania dos estados é relativa e não absoluta significa que o soberano só tem poder para o que é justo e que para o que é injusto nenhum poder tem” (CALAFATE, 2017, p. 52).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito das gentes, de Francisco Suárez, está na raiz da concepção atual de direitos humanos, o pensamento do jesuíta espanhol promoveu uma verdadeira ruptura com a hegemonia da doutrina de Tomás de Aquino. Esse foi o efeito do pensamento formulado por Suárez, responsável por novas interpretações dos clássicos adequadas às necessidades históricas.
Suárez inaugura o direito subjetivo, presente no direito moderno. Prova disso é o conceito do direito das gentes (ou dos povos), que consiste num direito transnacional que independe de estar escrito ou não, que é formulado pelas culturas, numa consensualidade progressiva e que deve ser respeitado universalmente. Este direito é, portanto, a raiz de onde brotam os modernos direitos humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGHIE, Antony. Francisco de Vitoria and the Colonial Origins of International Law. Social & Legal Studies, [s.l.], vol. 5, no. 3, p. 321-336, Sept. 1996.
CALAFATE, Pedro. A idea de comunidade universal em Francisco Suárez. IHS – Antiguos Jesuitas en Iberoamérica, v. 5, n. 2, p. 48-65, 2017.
PLANS, Juan Belda. La Escuela de Salamanca: y la renovación de la teología em el siglo XVI. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000.
VERMEHREN, Luis Valenzuela. Vitoria, Humanism, and the School of Salamanca in Early Sixteenth-Century Spain: a heuristic overview. In: Logos, 16, 2, Primavera, 2013.
VICENTE, Luciano Pereña. El concepto del Derecho de Gentes en Francisco de Vitoria. Revista Española de Derecho Internacional, vol. 5, no. 2, p. 603-628, 1952.
Benigno Núñez Novo - Pós-doutorando em direitos humanos, direitos sociais e direitos difusos pela Universidad de Salamanca, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba.
Publicado por: Benigno Núñez Novo
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