NOVAS TECNOLOGIAS, ANTIGOS PROCEDIMENTOS: O DOGMA DA NEUTRALIDADE DA JUSTIÇA NO TOCANTE DA MULHER, UM COMPARATIVO ENTRE A MÍDIA E A LITERATURA
Abordagem entre direito e literaturaO texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
RESUMO
O escopo da pesquisa é abordar o liame entre direito e literatura, com a óptica da atualidade, da quarta revolução industrial e toda a transformação que a tecnologia trouxe para ambas as áreas; onde através do estudo desta relação o operador de direito cria possibilidades de enxergar novas ópticas de avaliar e contextualizar a prática jurídica por meio de uma análise mais profunda acerca da identidade da mulher na sociedade atual e o papel destas registrado na literatura. Em cada obra lida é possível identificar a mulher como uma parcela do corpo social que espelha mudanças na sociedade e reflete no ordenamento jurídico. Destarte, a pesquisa busca formas de compreender os anseios que cercam o fenômeno jurídico, à luz da lei 13.772 de 2018 e de estudos de casos, como o da exposição da audiência online no caso de Mariana Ferrer. Uma das obras literárias escolhida é “Clara dos Anjos”, a enunciação de Lima Barreto foi traçada pela denúncia contra as discrepâncias e os preconceitos sociais que faziam, e de certo modo, ainda faz, parte de uma sociedade limitante. Este olhar foi o ponto de partida para direcionar esta pesquisa, e no desenvolvimento a quebra de paradigma e a nova vertente de estudos que são possíveis quando a literatura é vista pelas lentes dos fenômenos jurídicos e as normas doutrinárias do direito.
Palavras-chave: direito-e-tecnologia; direito-e-literatura; neutralidade-da-justiça;
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa busca entender como a tecnologia modificou e fez-se parte necessária da atuação do operador de direito, seja ele advogado, juiz, promotor. Para tanto, partimos de um ponto não tão óbvio, que é a literatura, para contextualizar passado e presente e as mudanças sociais e judiciais que permeiam, ou não, o ordenamento jurídico e a prática da advocacia.
Casos de discriminação e exposição da mulher estão registrados em nossa literatura em diversas obras como por exemplo em “Clara dos Anjos” de Lima Barreto, a manutenção do poder, neste caso na mão de homens brancos, a desqualificação da palavra da mulher são representadas na obra no Rio de Janeiro de 1904. Na atualidade com o avanço tecnológico e as novas mídias, casos como o de Mari Ferrer são amplamente expostos, não mais para centenas de expectadores do antigo Rio de Janeiros, mas para milhares de usuários da internet em todos os continentes do “novo” mundo.
A justificativa para optarmos por uma abordagem literária e essa tríade de direito-literatura-tecnologia é que entendemos que estes saberes não indissociáveis e não ao contrário como, superficialmente, é visto. A literatura possui uma representação de espelho social, pois retrata a realidade vivida em um determinado período histórico, relatando acontecimentos políticos, filosóficos ou seja, a literatura possui a funcionalidade de representação do real, inclusive na criação e mutação de suas leis, andando lado a lado com o direito que nasce para servir essa sociedade e por ela é modificado. A tecnologia vem cada vez mais modificando ambos os saberes e interferindo na maneira com que a sociedade lida com eles. O recorte na figura da mulher é antigo e atual. é uma discussão que ainda se faz necessária como a de outras minorias. “Minorias” que interferem e modificam a sociedade em que vivemos.
Não obstante, buscamos identificar a manutenção dos costumes, pensamentos e padrões sociais que estão presentes na sociedade atual, e ainda como podemos alterar estes padrões e entender melhor a prática jurídica.
Para isto utilizamos comparativos de como esta sociedade era no século passado e de como isso se refletiu no atual corpo social, e para prática jurídica lembrando a conhecida máxima “o Direito existe em função da sociedade, não a sociedade em função do Direito”, embasamos toda pesquisa no estudo de obras literárias internacionais, mas principalmente nacionais, como por exemplo a obra de Lima Barreto, enxergando-as sob uma nova ótica, a de análise do funcionamento da legislação retratado nas obras; utilizamos a Lei 13.772, 2018 que fala sobre a violência contra mulher e sua exposição, além de doutrinas e do estudo do caso de Mariana Ferrer, é uma pesquisada focada principalmente na revisão de literatura e doutrinas.
AS AUDIÊNCIAS VIRTUAIS E A EXPOSIÇÃO DE THEMIS, A DEUSA “CEGA” DA JUSTIÇA
Ao longo da história punições públicas foram usadas tanto para servirem de exemplo as demais componentes da sociedade como forma de exponenciar o castigo sofrido pelo acusado. Atualmente vivemos em uma sociedade onde a exposição nas redes sociais e nas mais diversas mídias estão ai, para o bem ou para mal. Não que a tecnologia na sociedade e as mídias sejam algo ruim, muito pelo contrário, entendemos e defendemos durante nossa pesquisa que a tecnologia na nossa sociedade e especificamente no cotidiano de advogados e do judiciário de forma geral só tem a acrescentar, dando ao operador de direito tempo para se dedicar ao que uma máquina não pode fazer. Ao pegarmos como exemplo o caso de Mariana Ferrer, não estamos querendo discutir a eficácia das audiências virtuais e tampouco se o réu deveria ou não ser condenado. O que buscamos entender por meio de nossos estudos é em que ponto, apesar de toda evolução tecnológica que vivemos e de todo aprimoramento pelo qual passamos, no prendemos ainda a antigas práticas de centralização do poder, e por centralização do poder, neste caso, leia-se centralização do poder em mãos masculinas, brancas e financeiramente favorecidas.
Em que ponto o discurso do advogado do réu e seu desrespeito com a suposta vítima reforça e repete os comportamentos do núcleo “jurídico” e favorecido e branco do Rio de Janeiro de 1904 retratado em “Clara dos Anjos” de Lima Barreto? A palavra da mulher não é suficiente, sua vida anterior aos fatos depõem contra a ela, pois esta vida é vista pelos olhos dos quatro homens presentes naquela sala virtual. “Recolha-se mulher ao teu lugar de minoria”, é a mensagem que aquela audiência passou a muitas outras mulheres, uma exposição da (im)parcialidade judicial, um uso opcional da venda da justiça. E novamente, a nossa pesquisa não teve como objetivo analisar peças processuais e se posicionar sobre a veracidade dos fatos que ali estavam em discussão, mas buscamos entender o que a enunciação dos operadores de direito presente naquela sala virtual reforçou no discurso que é repetido a mais de um século, o que faz das minorias, minorias? “Nada a fazia inferior as outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam...” ( BARRETO, 174)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fatos recentes atestam esta lacuna social e cultural que insiste em permanecer em nossa sociedade, mostrando os resquícios da vulnerabilidade, sobretudo das mulheres dentro dos domínios da internet, sendo assim, podemos concluir que a relação entre direito e literatura é cada vez mais relevante para ambas as áreas. O estudo desta relação traz aos operadores de direito a possibilidade de enxergas novas ópticas de avaliação e de contextualizar sua prática jurídica, trazendo uma análise mais profunda acerca da identidade da mulher na sociedade atual e a reflexão do papel destas cidadãs, que tem registrado na literatura, os caminhos, as lutas e glórias que percorreram ao longo da história. Ao compararmos as mulheres registradas em nossa literatura, ao compararmos o retrato do nosso judiciário, dos nossos julgamentos e atitudes que são registrados pela literatura, com a nossa sociedade atual que está repleta de novas tecnologias, novos saberes e novos conhecimentos, nos pegamos pensando se apesar de tanta revolução industrial não estamos replicando o comportamento de séculos e séculos atrás, apenas mascarando-os com um softwere novo. A tecnologia é algo magnifico que veio para aprimorar a nossa prática, para expandir o nosso tempo e valorizar nossa dinâmica, mas é preciso que voltemos os olhos também a modificar quem somos, por que nós modificamos o direito.
REFERÊNCIAS
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MAIA. Fernando Joaquim Ferreira; FARIAS, Mayara Helena Veríssimo. Colonialidade do poder: a formação eurocentrismo como padrão mundial por meio da colonização da América. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-70122020000300577. Acesso em: 05 de novembro de 2020.
Escrito por: Priscila Chiappini Bastos e Rossana Moreira do Espirito Santo Teixeira
Publicado por: Rossana Moreira do Espirito Santo Teixeira
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